quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A volta de Zelaya....

Nem só de Reinold Stephanes é feito o governo Lula



Laerte Braga

Existe Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores. É claro que o chanceler tinha conhecimento de toda a movimentação do presidente legítimo de Honduras, Miguel Zelaya. Um feito desse porte não é obra do acaso.

A ação foi conjunta com o governo do presidente Hugo Chávez da Venezuela. Surpresa deve ter ficado a secretária de Estado Hilary Clinton. O governo Obama dava como cumprido o seu “dever”. Condenou o golpe da boca para fora. A ação golpista foi articulada na base militar dos EUA na região de Tegucigalpa, com participação direta do embaixador de Washington.

As eleições previstas para novembro, do ponto de vista dos EUA, criariam uma nova realidade e os golpistas teriam alcançado seus objetivos.

Se Zelaya sai da embaixada do Brasil para o palácio do governo é outra história. O importante é que há um fato político inesperado que complica a lógica dos golpistas.

Para que se possa ter uma idéia do que a volta de Zelaya significa, nas condições em que se deu, ou seja, a presença do presidente legítimo de Honduras em território hondurenho, a chamada grande mídia sabia do fato desde o início da tarde e estava aguardando “instruções” de Washington sobre como noticiar. Foi o caso da GLOBO por aqui.

Desde o golpe que todo o aparato golpista, explícito ou não, governo e mídia subordinada, brincavam de apoio à legalidade democrática, tranqüilos e serenos, apostando no tempo como fator decisivo para a consolidação da quartelada.

O grande problema agora é saber como vão reagir as forças armadas hondurenhas. Se mergulham o país num banho de sangue, o povo está nas ruas exigindo Zelaya, ou se acatam a vontade popular.

Forças armadas latino americanas de um modo geral se comportam, historicamente, como “polícia” dos interesses dos EUA e de elites apátridas. São raros os chefes militares com compromissos expressos com seus povos, suas nações. O golpe de 1964 no Brasil foi uma típica ação norte-americana, comandada por um general dos EUA, Vernon Walthers. É a praxe dos golpes na América Latina. l

Não há que se discutir a volta de Zelaya na forma proposta pela secretária Hilary Clinton. Ou seja, Zelaya assume o governo e cumpre um fim de mandato formal, dentro de uma camisa de força, comr de parâmetros ditados pelos EUA.

E os hondurenhos presos? Torturados? Assassinados pelos golpistas?

A atitude de Zelaya refunda Honduras do ponto de vista político e institucional. A realidade agora é diversa em todos os sentidos. O referendo que serviu de pretexto para o golpe é um começo para essa realidade.

E acontece num momento que o governo Lula está debaixo de intenso bombardeio de forças de extrema-direita (PSDB e DEM), numa ação que não é isolada. Faz parte de todo um projeto político que tem como objetivo a derrubada de governos hostis aos EUA.

São as bases militares na Colômbia. As iniciativas do latifúndio e companhias internacionais contra o MST no Brasil. A clara tentativa tucano/DEMocrata de entregar o pré-sal a empresas norte-americanas através de manobras legislativas. O controle da informação a partir da censura na internet. A ofensiva do governo Obama contra o acordo militar Brasil-França. As ações contra Chávez.

Toda uma sinfonia golpista regida na expectativa de eleições em 2010 e o governo de volta a funcionários da Fundação Ford, no caso, José Serra. O peso do Brasil nesse processo.

O grande problema é que nem todos os ministros do governo Lula se chamam Reinold Stephanes (Agricultura). Existem figuras do porte de Celso Amorim. Desde o golpe militar de 1964 o Brasil não tem política externa. Tem prevalecido a vergonhosa máxima do general Juracy Magalhães, chanceler da ditadura, governo Castello Branco. “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Houve um arremedo de chanceler, Celso Láfer, governo FHC, que chegou a tirar os sapatos no aeroporto de New York, numa “revista”. Tipo baixar as calças e cair de quatro.
Por outro lado devem aumentar as pressões pelos tais “acordos negociados”, quando não há o que negociar, mas apenas cumprir a vontade dos hondurenhos.

A decisão do presidente golpista Micheletti de cortar a energia elétrica nas imediações da embaixada do Brasil sinaliza que os militares hondurenhos ainda não conseguiram, pegos de surpresa, acertar o passo com o comandante militar da base dos EUA na capital do país e que o embaixador de Washington deve estar esperando o senador John McCain acordar para saber como proceder.

A forma fria como a mídia “brasileira” está tratando o fato, uma espetacular manobra política de resistência, deixa patente que as “instruções” ainda não chegaram às redes de tevê, jornais e revistas. Miriam Leitão deve estar na expectativa do script para poder apresentar com a característica histeria de “cinco milhões” de mortos, a gripe suína, o pânico gerado a soldo da indústria farmacêutica.

O povo de um pequeno país da América Central desconserta toda a “consertación” golpista que derrubou Zelaya.

O que mostra que tamanho não é documento.

A volta de Zelaya a Honduras é um concerto de corais dos movimentos populares latino-americanos.

Agora é hora do grande final.

A batuta é do povo de Honduras e os aplausos e pedidos de bis partem do movimento popular da América Latina como um todo.

Nem só de Reinold Stephanes vive o governo Lula e é hora do próprio presidente perceber isso.

Caiu no seu colo a oportunidade de resgatar a liderança efetiva do processo de integração latino-americana.

E é uma boa hora para militares latinos pensarem em seus próprios países, suas nações, dando uma banana aos comandantes norte-americanos.

Da importância da memória ...







Escrito por Maria Clara Lucchetti Bingemer

O grande filósofo Martin Heidegger afirma que "a memória é o recolhimento do pensar fiel". Com isso, quer dizer que ela protege e guarda consigo tudo aquilo que é importante, que faz sentido, que se antepõe e antecede mesmo aos fatos como seu sentido. Tudo aquilo, enfim, que se propõe ao pensamento como conteúdo digno de ser refletido e recordado. Por isso, a memória é a condição de possibilidade da cultura, da civilização, de tudo que o ser humano constrói sobre a terra.

Em termos teológicos, a memória é o que permite não perder a Palavra revelada e acolhida na fé; a identidade do Deus pessoal que se revela, diz seu nome e mostra seu rosto e deseja ser reconhecido. Pela memória se narra e se conta, sempre de novo, a história dessa experiência, desse diálogo, dessa identidade. E tudo isso para fazer memória, para poder testemunhar para as novas gerações, para não deixar esquecer aquilo que fez e deve continuar fazendo a humanidade: viver, sofrer, rir, pensar, falar e conhecer.

Existe a memória da alegria, do amor vivido e realizado, dos momentos vividos juntos. Memória dos rostos sorridentes, das palavras trocadas, dos gestos de carinho sentidos sobre a pele que, tocada, se sente vibrar de vida e gozo. É recordação que ajuda a viver e concede doçura ao mais duro cotidiano.

Mas existe também a memória da dor, que arrasta para a visibilidade e a frente do proscênio a dor das vítimas diante dos poderes alimentados pelo princípio de domínio. A memória da dor não fala em termos abstratos, do "ser humano" ou da "humanidade".

Fala do outro concreto: do desespero das viúvas que se lançam impotentes sobre o caixão do companheiro; do choro das crianças órfãs que gritam sem entender por que seu pai jaz no chão perfurado por balas e granadas; dos rostos emagrecidos e famintos dos que vivem em continentes que as grandes potências riscaram dos mapas. Fala do holocausto nazista e dos expurgos stalinistas e de seus milhões de vítimas que têm nome, endereço, um número tatuado na pele do braço e uma estrela amarela costurada na roupa.

Quando há olvido dessa dor e desse sofrimento, começa um processo lento de desumanização de um povo ou de uma cultura. Por isso filósofos como Adorno, teólogos como Johann Baptist Metz, enfatizam a importância da dimensão subversiva da memória. É subversiva porque não deixa esquecer e traz as vítimas para o centro da atenção. É subversiva porque não deixa desaparecer na noite dos tempos o mal praticado, a justiça desprezada, e põe em evidência o processo de extinção da tradição que começa a crescer, ameaçando sufocar a dignidade humana e empurrar em direção à desumanidade.

A memória reclama uma razão anamnética, um modo de pensar que não reduza o sujeito a uma abstração conceitual sem referência à história e aos processos sociais. E assim reivindica o direito de ser uma mediação crítica para a prática humana. Seu instrumento é por excelência a narrativa. A narrativa é a morada da memória. Assim nasceu o cristianismo, quando os discípulos do nazareno narravam uma e outra vez a história daquele que passara pela vida fazendo o bem, que fora morto violenta e injustamente, mas que Deus ressuscitara e agora se encontrava vivo em meio a eles.

Assim acontece igualmente com as vítimas da história que, nomeadas e narradas pela memória, permanecem vivas e se mantém acesa a chama de suas vidas que clamam por justiça. Não se trata de um mero amor às tradições, mas o desejo de criar e formar uma comunidade de solidariedade com as vítimas da história, que interrompe as tentativas de calar e amordaçar a verdade que os sistemas totalitários de todos os tipos carregam em seu bojo. A memória resgata a narrativa ardente do passado e o atualiza para transformar o presente. Rememora acontecimentos com urgência de futuro, criando uma solidariedade que olha longe e vê além das aparências.

Um país sem memória vai pouco a pouco vendo desaparecer e esfumar-se sua identidade verdadeira. Abre espaço para retornos indesejados e varre para as sombras de um equivocado esquecimento presenças luminosas cujas vidas deveriam ser narradas uma e mais vezes, a fim de iluminar o caminho das novas gerações. Esperemos que o Brasil não entre nessa lista. Seria desastroso e indigno da grande nação que é.

Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, é professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio.

A sociedade do lixo









Ana Candida Echevenguá * Adital

Segundo o doutor Alexandre de Ávila Lerípio, "somos a sociedade do lixo". Nos últimos 20 anos, a população mundial aumentou em 18% e a quantidade de lixo planetária passou a ser 25% maior. Tudo isso graças ao american way of life que incentiva o consumismo, a produção de bens descartáveis e a utilização de materiais artificiais.

Com este volume crescente, o lixo nosso de cada dia - doméstico, hospitalar ou industrial - deveria ser bem gerenciado para evitar os impactos negativos à saúde humana e o meio ambiente.

Para tratar da questão dos resíduos industriais, o Brasil tem normas claras: Constituição Federal e Estaduais, Lei 6.803/80, Lei 6.938/81, Lei 9.605/98, Resoluções do CONAMA, dos CONSEMAS, ...Todas com o mesmo espírito: o lixo industrial carece de tratamento especial devido aos riscos que provoca à saúde e o gerador é obrigado a cuidar do gerenciamento, transporte, tratamento e destinação final desse lixo, seguindo o conceito do poluidor-pagador.

Ou seja, os resíduos devem ser tratados e destinados para aterros com estrutura protetiva que evite a contaminação do solo e água.

Já que os cuidados exigidos implicam custos extras, o que ocorre hoje? As indústrias -por economia- lançam seus resíduos sólidos a céu aberto, à beira da estrada, em terrenos baldios..., ou guardam em depósitos, enterram por aí... Os líquidos são despejados no solo e na água; os gases lançados no ar. A certeza da impunidade permite essa prática corriqueira de crimes ambientais.

Ou criam ‘fórmulas verdes’ de reuso do seu lixo: o lodo da cerâmica é doado para fazer tijolos ou cimento, a areia fenólica é usada na pavimentação das estradas. Cuidado, gente! Muitos destes projetos, rotulados como ambientalmente corretos, são poluentes.

Tudo isso é ilegal? Sim. Mas a prática é corriqueira devido à precariedade da fiscalização e do controle da emissão de poluentes, de lançamento de efluentes e da destinação correta dos resíduos gerados.

O Paraná, por exemplo, não tem aterro sanitário para lixo industrial. Santa Catarina tem alguns; mas as indústrias não apresentam inventário de seus resíduos. Fazem a mágica de produzir sem gerar resíduos.

Com o advento da Lei de Crimes Ambientais e a previsão de sanções para o poluidor-pagador, as empresas de transporte e de tratamento de resíduos passaram a apostar nesse filão de mercado. Mas chegaram à conclusão que é mais fácil lucrar com o lixo urbano, facilmente pago pelo cidadão comum.

Enquanto isso, ninguém tem interesse (ou coragem) de propor a confecção de um inventário nacional dos resíduos industriais; nem em desenvolver uma política de redução do potencial poluidor da indústria brasileira.

Afinal, é mais fácil impor à Natureza a responsabilidade de depurar as substâncias tóxicas que nela lançamos.


* Advogada ambientalista. Coordenadora do Programa Eco&Ação, presidente da ong Ambiental Acqua Bios