Posted by Leandro Fortes under Hombridade
Jean Wyllys de Matos Santos é um sujeito tranquilo, bem humorado, que
defende idéias sem alterar a voz, as mais complexas, as mais simples,
baiano, enfim. Ri, como todos os baianos, da pecha da preguiça, como
assim nomeiam os sulistas um sentimento que lhes é desconhecido: a
ausência de angústia. Homossexual assumido, Jean cerra fileiras no
pequeno e combativo PSOL, a única trincheira radical efetivamente ativa
na política brasileira. E é justamente no Congresso Nacional que o
deputado Jean Wyllys, eleito pelos cidadãos fluminenses, tem se
movimentado numa briga dura de direitos civis, a luta contra a
homofobia.
Cerca de 200 homossexuais são assassinados no Brasil, anualmente,
exclusivamente por serem gays. Entre eles, muitos adolescentes.
Mas o Brasil tem pavor de discutir esse assunto, inclusive no
Congresso, onde o discurso machista une sindicalistas a ruralistas, em
maior ou menor grau, mas, sobretudo, tem como aliado as bancadas
religiosas, unidas em uma cruzada evangélica. Os neopentecostais, como
se sabe, acreditam na cura da homossexualidade, uma espécie de praga do
demônio capaz de ser extirpada como a um tumor maligno. O mais incrível,
no entanto, não é o medievalismo dessa posição, mas o fato de ela
conseguir interditar no Parlamento não só a discussão sobre a
criminalização da homofobia, mas também o direito ao aborto e a
legalização das drogas. Em nome de uma religiosidade tacanha, condenam à
morte milhares de brasileiros pobres e, de quebra, mobilizam em torno
de si e de suas lideranças o que há de mais lamentável no esgoto da
política nacional.
Jean Wyllys se nega a ser refém dessa gente e, por isso mesmo, é
odiado por ela. Contra ele, costumam lembrar-lhe a participação no Big
Brother Brasil, o inefável programa de massa da TV Globo, onde a
debilidade humana, sobretudo a de caráter intelectual, é vendida como
entretenimento. Jean venceu uma das edições do BBB, onde foi aceito por
ser um homossexual discreto, credenciado, portanto, para plantar a
polêmica, mas não de forma a torná-la um escândalo. Dono de um discurso
político bem articulado, militante da causa gay e intelectualmente
superior a seus pares, não só venceu o programa como ganhou visibilidade
nacional. De repórter da Tribuna da Bahia, em Salvador, virou redator
do programa Mais Você, de Ana Maria Braga, mas logo percebeu que isso
não era, exatamente, uma elevação de status profissional.
Na Câmara dos Deputados, Jean Wyllys, 36 anos, baiano de Alagoinhas,
tornou-se a cara da luta contra a homofobia no Brasil, justamente num
momento em que se discute até a criminalização do bullying. Como se, nas
escolas brasileiras, não fossem os jovens homossexuais o alvo principal
das piores e mais violentas “brincadeiras” perpetradas por aprendizes
de brucutus alegremente estimulados pelo senso comum. Esses mesmos
brucutus que, hoje, ligam para o gabinete do deputado do PSOL para
ameaçá-lo de morte.
Abaixo, a íntegra de uma carta escrita por Jean ao Jornal do Brasil,
por quem foi acusado, por um colunista do JB Wiki (seja lá o que isso
signifique), de “censurar cristãos”. O texto é uma pequena aula de
civilidade e História. Vale à pena lê-lo:
Em primeiro lugar, quero lembrar que nós vivemos em um Estado
Democrático de Direito e laico. Para quem não sabe o que isso quer
dizer, “Estado laico”, esclareço: O Estado, além de separado da Igreja
(de qualquer igreja), não tem paixão religiosa, não se pauta nem deve se
pautar por dogmas religiosos nem por interpretações fundamentalistas de
textos religiosos (quaisquer textos religiosos). Num Estado Laico e
Democrático de Direito, a lei maior é a Constituição Federal (e não a
Bíblia, ou o Corão, ou a Torá).
Logo, eu, como representante eleito deste Estado Laico e
Democrático de Direito, não me pauto pelo que diz A Carta de Paulo aos
Romanos, mas sim pela Carta Magna, ou seja, pelo que está na
Constituição Federal. E esta deixa claro, já no Artigo 1º, que um dos
fundamentos da República Federativa do Brasil é a dignidade da pessoa
humana e em seu artigo 3º coloca como objetivos fundamentais a
construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem
de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação. A república Federativa do
Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos princípios da
prevalência dos Direitos Humanos e repúdio ao terrorismo e ao racismo.
Sendo a defesa da Dignidade Humana um princípio soberano da
Constituição Federal e norte de todo ordenamento jurídico Brasileiro,
ela deve ser tutelada pelo Estado e servir de limite à liberdade de
expressão. Ou seja, o limite da liberdade de expressão de quem quer que
seja é a dignidade da pessoa humana do outro. O que fanáticos e
fundamentalistas religiosos mais têm feito nos últimos anos é violar a
dignidade humana de homossexuais.
Seus discursos de ódio têm servido de pano de fundo para brutais
assassinatos de homossexuais, numa proporção assustadora de 200 por ano,
segundo dados levantados pelo Grupo Gay da Bahia e da Anistia
Internacional. Incitar o ódio contra os homossexuais faz, do incitador,
um cúmplice dos brutais assassinatos de gays e lésbicas, como o que
ocorreu recentemente em Goiânia, em que a adolescente Adriele Camacho de
Almeida, 16 anos, que, segundo a mídia, foi brutalmente assassinada por
parentes de sua namorada pelo fato de ser lésbica. Ou como o que
ocorreu no Rio de Janeiro, em que o adolescente Alexandre Ivo, que foi
enforcado, torturado e morto aos 14 anos por ser afeminado.
O PLC 122 , apesar de toda campanha para deturpá-lo junto à
opinião pública, é um projeto que busca assegurar para os homossexuais
os direitos à dignidade humana e à vida. O PLC 122 não atenta contra a
liberdade de expressão de quem quer que seja, apenas assegura a
dignidade da pessoa humana de homossexuais, o que necessariamente põe
limite aos abusos de liberdade de expressão que fanáticos e
fundamentalistas vêm praticando em sua cruzada contra LGBTs.
Assim como o trecho da Carta de Paulo aos Romanos que diz que o
“homossexualismo é uma aberração” [sic] são os trechos da Bíblia em
apologia à escravidão e à venda de pessoas (Levítico 25:44-46 – “E,
quanto a teu escravo ou a tua escrava que tiveres, serão das gentes que
estão ao redor de vós; deles comprareis escravos e escravas…”), e
apedrejamento de mulheres adúlteras (Levítico 20:27 – “O homem ou mulher
que consultar os mortos ou for feiticeiro, certamente será morto. Serão
apedrejados, e o seu sangue será sobre eles…”) e violência em geral
(Deuteronômio 20:13:14 – “E o SENHOR, teu Deus, a dará na tua mão; e
todo varão que houver nela passarás ao fio da espada, salvo as mulheres,
e as crianças, e os animais; e tudo o que houver na cidade, todo o seu
despojo, tomarás para ti; e comerás o despojo dos teus inimigos, que te
deu o SENHOR, teu Deus…”).
A leitura da Bíblia deve ensejar uma religiosidade sadia e
tolerante, livre de fundamentalismos. Ou seja, se não pratica a
escravidão e o assassinato de adúlteras como recomenda a Bíblia, então
não tem por que perseguir e ofender os homossexuais só por que há nela
um trecho que os fundamentalistas interpretam como aval para sua
homofobia odiosa.
Não declarei guerra aos cristãos. Declarei meu amor à vida dos
injustiçados e oprimidos e ao outro. Se essa postura é interpretada como
declaração de guerra aos cristãos, eu já não sei mais o que é o
cristianismo. O cristianismo no qual fui formado – e do qual minha mãe,
irmãos e muitos amigos fazem parte – valoriza a vida humana, prega o
respeito aos diferentes e se dedica à proteção dos fracos e oprimidos.
“Eu vim para que TODOS tenham vida; que TODOS tenham vida plenamente”,
disse Jesus de Nazaré.
Não, eu não persigo cristãos. Essa é a injúria mais odiosa que se
pode fazer em relação à minha atuação parlamentar. Mas os
fundamentalistas e fanáticos cristãos vêm perseguindo sistematicamente
os adeptos da Umbanda e do Candomblé, inclusive com invasões de
terreiros e violências físicas contra lalorixás e babalorixás como
denunciaram várias matérias de jornais: é o caso do ataque, por quatro
integrantes de uma igreja evangélica, a um centro de Umbanda no Catete,
no Rio de Janeiro; ou o de Bernadete Souza Ferreira dos Santos, Ialorixá
e líder comunitária, que foi alvo de tortura, em Ilhéus, ao ser
arrastada pelo cabelo e colocada em cima de um formigueiro por policiais
evangélicos que pretendiam “exorcizá-la” do “demônio”.
O que se tem a dizer? Ou será que a liberdade de crença é um direito só dos cristãos?
Talvez não se saiba, mas quem garantiu, na Constituição Federal, o
direito à liberdade de crença foi um ateu Obá de Xangô do Ilê Axé Opô
Aforjá, Jorge Amado. Entretanto, fundamentalistas cristãos querem fazer
uso dessa liberdade para perseguir religiões minoritárias e ateus.
Repito: eu não declarei guerra aos cristãos. Coloco-me contra o
fanatismo e o fundamentalismo religioso – fanatismo que está presente
inclusive na carta deixada pelo assassino das 13 crianças em Realengo,
no Rio de Janeiro.
Reitero que não vou deixar que inimigos do Estado Democrático de
Direito tente destruir minha imagem com injúrias como as que fazem parte
da matéria enviada para o Jornal do Brasil. Trata-se de uma ação
orquestrada para me impedir de contribuir para uma sociedade justa e
solidária. Reitero que injúria e difamação são crimes previstos no
Código Penal. Eu declaro amor à vida, ao bem de todos sem preconceito de
cor, raça, sexo, idade e quaisquer outras formas de preconceito. Essa é
a minha missão.
Jean Wyllys (Deputado Federal pelo PSOL Rio de Janeiro)
Jean Wyllys (Deputado Federal pelo PSOL Rio de Janeiro)