terça-feira, 17 de julho de 2007

Economia solidária pode ser porta de saída da exclusão, para educador

Daniel Merli

A economia solidária pode ser a porta de saída da exclusão para vários setores sociais, na opinião do educador popular Cláudio Nascimento. Para isso a Secretaria Nacional de Economia Solidária tem trabalho em parceria com programas sociais de vários ministérios. Pescadores, mineradores, ex-internos de hospitais psiquiátricos e pessoas atendidas pelo Bolsa Família.

Nesta segunda parte da entrevista com o coordenador de Estudos e Divulgação da secretaria, ele fala também da formação de redes, que tem sido a principal estratégia dos empreendimentos de economia solidária para enfrentar a concorrência com as grandes empresas.

REVISTA FÓRUM - A Secretaria Nacional de Economia Solidária trabalha com orçamento e equipe reduzidas para dar conta de um setor que já responde por 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Que estratégias vocês têm usado para dar conta desse desafio?

CLÁUDIO NASCIMENTO - Nós temos de inserir a questão da economia solidária na máquina do Estado. Montamos um curso na Escola Nacional de Administração Pública (Enap) para colocar o tema para as pessoas que trabalham nos outros ministérios. Descobrimos que há umas 10 pastas em que há atuação com práticas de economia solidária. O Ministério de Desenvolvimento Agrário, por exemplo. Lá na ponta, as pessoas atendidas pelo ministério, são da agricultura familiar, que é uma forma de economia solidária.

Minas e Energia também tem, já que trabalha com garimpos. Pode não dar esse nome formal, mas é cooperativismo e tem de ser atendido assim. O Ministério de Desenvolvimento Social tem um programa que atende iniciativas de autogestão de pessoas que são atendidas pelo Bolsa Família e montam um pequeno empreendimento para escapar do desemprego.

Fomos ver que, na Secretaria de Aqüilcultura e Pesca, também há um monte de iniciativas atendidas que são de autogestão, como fábricas de gelo e cooperativas de pescadores. Na Cultura, havia um programa de resgate da cultura dos trabalhadores. E fomos ver que a maioria das obras tratava de iniciativas de autogestão.

A partir disso, cria-se uma sinergia de vários ministérios. E começamos a trabalhar em conjunto com as iniciativas que já existiam. E também apresentar o cooperativismo como uma porta de saída para problemas que eram enfrentados por outros ministérios.

Por exemplo, o trabalho escravo. O Ministério do Trabalho vai lá e liberta 40 pessoas, por exemplo. Se elas não tiverem uma alternativa de sobrevivência, vão voltar ao trabalho escravo. Então vamos fazer um diagnóstico da região e descobrir que tipo de empreendimento eles podem criar. No Ministério da Saúde, em que está colocada a luta antimanicomial. Após sair do hospital psiquiátrico, para onde esse sujeito vai? começamos a criar centros de produção artística. No Ministério do Turismo, já há iniciativas importantes de Turismo Solidário no Piauí e Maranhão.

REVISTA FÓRUM - Uma coisa interessante da economia solidária é que ela surge em locais onde menos se espera, como estratégia de sobrevivência, como você está mostrando. Mas elas não têm escala de produção para concorrer em pé de igualdade com outras empresas, dentro de um mercado capitalista. Como vocês tentam superar isso?

CLÁUDIO NASCIMENTO - Essa é uma dificuldade que temos. Uma das coisas que incentivamos para enfrentar esse problema são as Feiras de Economia Solidária. No Rio Grande do Sul, fizemos várias, inclusive trazendo empreendimentos de outros países do Mercosul. Outra coisa que investimos é na comunicação. A secretaria fez várias vinhetas de rádios, TV, para difundir a existência desses empreendimentos.

Outra coisa importante é a formação de redes. Elas já existem, mas agora começamos um programa em parceria com o Instituto Paulo Freire para sistematizar as experiências. Como é trabalhar em rede? Como é feita a comercialização entre eles e com o mercado? Temos de descobrir como são formadas essas redes. Inclusive porque a economia solidária tem uma diversidade imensa. Cada empreendimento é muito diferente do outro.

Mas já há iniciativas até de redes internacionais. Ano passado, houve um encontro internacional na Venezuela de empresas recuperadas por trabalhadores. A partir daí foi criada uma rede de produção de algodão, entre cooperativas brasileiras e venezuelanas.

Também temos investido na questão do comércio justo, que está ganhando força na Europa. Então temos feitos pesquisas para saber como explorar esse mercado.

TV Globo enquadra o governo Lula



Altamiro Borges

As poderosas emissoras de TV do Brasil, que manipulam as informações e deformam o comportamento, acabam de obter mais uma vitória diante do governo Lula. Após um intenso bombardeio, que contou com vários artistas globais – tendo a frente o “anarquista-tucano” Jô Soares –, com milionários anúncios e com uma cobertura parcial e agressiva da própria mídia hegemônica, o Ministério da Justiça anunciou na semana passada alterações na portaria que normatiza a classificação indicativa para os programas de TV. O projeto inicial, editado pelo ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, previa mecanismos de classificação da programação das emissoras – e não de censura, como elas alardearam de maneira terrorista e maldosa.

No final da contenda, o governo Lula é que acabou novamente sendo enquadrado pelos “donos da mídia”. Na portaria anterior (264), a exemplo do que ocorre na maioria dos países, caberia ao ministério a análise prévia para a classificação indicativa de um determinado programa. Já na nova (1.220), esse papel caberá exclusivamente às redes privadas, que deverão realizar uma pretensa “autoclassificação” e terão o prazo de 60 dias – no qual o programa já poderá ser exibido com todas as suas deformações – para que a Justiça “monitore” o seu conteúdo. Na prática, as TVs privadas, que usam gratuitamente uma concessão pública, é que definirão arbitrariamente a programação – com todos os seus valores mercantis apodrecidos.

Recuo não sacia o apetite

Apesar desta “estrondosa vitória”, conforme noticiado pela imprensa, as emissoras de televisão ainda não estão satisfeitas com este inexplicável recuo do governo Lula e querem mais. O jornal O Globo publicou quatro artigos, em duas páginas, para criticar a nova portaria: “Classificação: governo continua com poder de veto”, “Nova classificação não convence os artistas”, “Pela Constituição não pode haver censura” e “Portaria exclui noticiário jornalístico”. Numa manipulação grosseira, a famiglia Marinho insiste na tese de que a última palavra na classificação ainda caberá ao governo, o que é uma escancarada mentira. A TV Globo, na sua arrogância imperial, não aceita nem sequer a fiscalização do Poder Judiciário.

Pela portaria, as emissoras ficarão livres de qualquer sanção, caso não respeitem uma eventual revisão da classificação, e qualquer reavaliação só poderá ser feita pelo Ministério Público e pela Justiça. O governo, responsável pela concessão pública, foi totalmente alijado. Nem sequer a portaria anterior, mais afinada com o Estado de Direito, impunha alguma forma de censura. De maneira explícita, ela determinava que a classificação seria apenas indicativa, e não impositiva, e que as TVs que a desrespeitassem só poderiam ser punidas pela Justiça. Mesmo assim, as poderosas emissoras, com o apoio mesquinho e individualista de alguns artistas, carimbaram no governo a pecha de autoritário, responsável pelo “retorno da censura”.

O jogo pesado das emissoras

A batalha da classificação indicativa foi dura e o povo nem teve chance de conhecer a sua real dimensão, já que ficou exposto à execrável manipulação da mídia. Até Alberto Dines, do Observatório da Imprensa, reconheceu “o jogo pesado adotado pelas empresas de TV, capitaneadas pela Globo. Anúncios de página inteira nos principais jornais reproduzindo o manifestado assinado por astros e estrelas das telinhas contra a classificação que existe em todos os países mostra que as concessionárias de radiodifusão estão somente interessadas em servir aos seus próprios interesses, e não ao interesse público. Esta orquestração serviu para escancarar a imperiosa necessidade do debate sobre a concentração da mídia no país. Se adotássemos aqui as normas vigentes nos EUA, a cruzada contra a classificação teria sido menos autoritária”.

Já o professor Laurindo Lalo Leal Filho, um incansável lutador pela democratização da mídia, avalia que a pressão das empresas para barrar a classificação indicativa na TV aberta é uma demonstração do poder da mídia no país. “As emissoras de televisão no Brasil, concessionárias de um serviço público (é sempre bom lembrar), não admitem qualquer tipo de regras ao seu funcionamento. Trabalham no vácuo legal e pretendem continuar assim”. Para ele, a nova portaria permitirá que, mesmo a programação classificada como imprópria para crianças e adolescentes, possa ir ao ar no horário livre – antes das 20 horas. “É inadmissível que algo tão delicado, como é a exposição de crianças e jovens a cenas incompatíveis com os respectivos desenvolvimentos físico e mental, fique a critério exclusivo dos empresários da mídia”.

Abert emplaca 18 exigências

O próprio secretário nacional de Justiça, Antônio Carlos Biscaia, confessou que foram atendidas 18 das 24 reivindicações da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), que congrega a máfia da mídia. Entre outras imposições, a Abert rechaçou a expressão “terminantemente vedada”, que constava da portaria anterior ao se referir à programação por faixa etária e horário. Segundo a colunista Mônica Bergamo, “pressionado pelas TVs, o governo Lula decidiu ‘limpar’ partes do texto da lei da classificação indicativa... Assessores do ministro Tarso Genro se esforçaram para que ele mantivesse no texto ao menos a indicação de horários para os programas apropriados às crianças”, o que não vingou.

O jogo de pressão da mídia foi violento. A mesma Mônica Bergamo, sempre bem informada, revelou que “diretores da TV Globo se empenharam pessoalmente na coleta de assinaturas de artistas para o manifesto publicado nos jornais contra o que definiram como ‘classificação impositiva’... O artista plástico Siron Franco foi procurado pela equipe de Luis Erlanger (porta-voz da Globo). Erlanger diz que participou do ‘mutirão’ de coleta, que envolveu cineastas e atores de teatro. A atriz Fernanda Torres diz que não foi procurada, mas que provavelmente ‘não assinaria’ o manifesto. Diz não ser a favor do ‘vale-tudo’ na TV, mas afirma que leu pareceres que diziam que a proposta abria brechas para o governo ‘punir as TVs’”.

Manipulação vergonhosa

Neste processo vergonhoso de manipulação, que cooptou vários artistas, as emissoras ouviram somente o lado contrário à portaria 264, que determinava a análise prévia do conteúdo dos programas. Elas inclusive apresentaram a medida como autoritária, elaborada de forma arbitrária pelo governo. Não informaram aos telespectadores que o Ministério da Justiça promoveu audiências públicas nas principais capitais, que uma consulta pública recebeu mais de 11 mil sugestões, que ocorreu um seminário internacional em Brasília, que um livro foi publicado e que a Agência Nacional dos Direitos da Infância foi contratada para realizar um estudo comparativo sobre a legislação de vários países, incluindo os EUA e a Europa.

“A cobertura da grande imprensa escondeu o fato de que a portaria do Ministério da Justiça foi precedida por muitos estudos e amplo debate. Infelizmente, quem se recusou a participar do debate foi a Abert. Sem contar com um noticiário isento, a população foi levada a acreditar que o Brasil estava próximo de adotar uma política totalitária, desconhecendo que quase toda a União Européia já usa critérios de classificação etária. A cobertura da imprensa também não informou que a classificação não incide sobre a TV paga, os tele-jornais e documentários, sobre a propaganda e os programas ao vivo e esportivos. E, tampouco, ela mencionou que há anos convivemos com a classificação etária nas salas de cinema, sem que nenhum produtor, diretor ou ator tenha reclamado”, denuncia Gustavo Gindre, integrante do Coletivo Intervozes.

Num atentado à democracia e ao próprio jornalismo, as TVs só entrevistaram artistas e diretores famosos, a maior parte da Rede Globo, que compararam a classificação à censura. “Segundo essa posição, o Estado não tem o direito de cobrar que um concessionário de serviço público tenha preocupação com a formação de nossa infância e adolescência. Por essa versão, alterar a exibição de um programa de televisão, baseado na quantidade das cenas de sexo e violência, seria censura”, contesta Gindre. Ele também critica alguns “artistas famosos”, que assinaram o manifesto contra a censura, mas nunca lutaram contra “a censura que já existe nos meios de comunicação privados (tanto no jornalismo quanto na dramaturgia). Onde estavam quando a TV Globo escondeu das telas os comícios das Diretas Já ou quando, mais recentemente, a Vênus Prateada determinou que o casal de lésbicas da nova ‘Torre de Babel’ morresse numa explosão?”.

Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).