sexta-feira, 28 de novembro de 2014

PARA EMPODERAR A MULHER: Moçambique tem políticas favoráveis

PARA EMPODERAR A MULHER: Moçambique tem políticas favoráveis
Joana Macie - Vermelho

QUANDO o mundo se prepara para celebrar os 20 anos da IV Conferência Mundial de Beijing sobre a mulher, realizada em 1995, na China, Moçambique apresenta-se como um dos países que registou avanços significativos nas áreas de acesso da mulher à educação, na participação em lugares de tomada de decisão, nos órgãos legislativo e executivo, e aos serviços de saúde.

O mundo assumiu em Beijing compromissos em prol dos direitos da mulher, através da implementação de acções em 12 áreas identificadas como críticas para promover a igualdade de género e o seu empoderamento, nomeadamente pobreza, educação e formação, saúde, violência, conflito armado, economia, poder e tomada de decisões, mecanismos institucionais para o avanço da mulher, direitos humanos, comunicação social, ambiente e a rapariga.

Moçambique não poupou esforços, tendo estabelecido estruturas institucionais e a adopção de instrumentos legais e de políticas públicas que contribuíram em grande parte para o avanço das mulheres, assim como de metas de igualdade de género.

Segundo o relatório nacional de Moçambique “Beijing +20” sobre a implementação da declaração e plataforma de Acção lançado esta semana pela Ministra da Mulher, Yolanda Cintura, no que respeita à educação da rapariga, o país alcançou a paridade no Ensino Primário, tendo sido atingida a taxa líquida de escolarização de cerca de 95,1 por cento, o que significa uma subida considerável comparada com 2009 (93,8 por cento. A produção do relatório contou com o apoio da ONU Mulher).

Entretanto, para a discussão de diferentes temas relacionados com os progressos e desafios na implementação da Plataforma de Acção de Beijing, o Centro de Coordenação dos Assuntos de Género, na UEM está a realizar uma série de diálogos temáticos, nos quais participam académicos, empresárias e outras classes. Estas também reconheceram o crescimento alcançado, mas consideram que ainda existem muitos entraves, sobretudo na área financeira.

SAIR DA LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA

Para Leontina dos Muchangos, uma das palestrantes, no ciclo de diálogos Beijing +20, da UEM, o grande entrave continua na área financeira, pois as mulheres ainda estão sem acesso a grandes financiamentos. “Sempre que se fala de empoderamento da mulher olha-se para micro-projectos e porque não se pode apostar em projectos macros?”, questiona.

Segundo Leontina dos Muchangos, é preciso abandonarmos a ideia de associar a mulher a uma banquinha de tomate e caldo em frente à sua casa, com roupa usada nas mãos a vender pelas ruas, sentada nas esquinas das ruas e em frente das escolas com uma bacia de bolinhos. “Queremos ver a próxima geração de mulheres a desenvolver grandes negócios, a abraçar ramos da indústria, da aviação e porque não da construção de estradas?”, disse, salientando que o empoderamento não deve ser orientado para a sobrevivência, chamando à atenção das instituições financeiras no sentido de compreenderem as dificuldades da mulher.

Num outro desenvolvimento, Leontina dos Muchangos afirmou que o papel regulador das instituições do estado é muito importante para que o país tenha uma maior presença de mulheres em diferentes sectores, incluindo no privado, uma vez que no seu entender elas continuam sem espaço em alguns sectores, sobretudo os considerados masculinos. “Por exemplo, o Ministério das Obras Públicas, no sector de estradas, tem estado a registar um número considerável de mulheres a trabalhar, graças à obrigatoriedade que o Estado estabeleceu que a condição para ganhar concursos é de provar que 25 por cento da força do trabalho é composta por mulheres”.

A nossa interlocutora, que participou na conferência de Beijing de 1995, explicou que as mudanças devem ser construídas de forma persistente e com coerência, acreditando que, graças à consciencialização da sociedade, hoje já aparecem jovens engenheiras de petróleo, de minas, de obras, mecânicas, pilotos, maquinistas e outras que estão a penetrar em todas as profissões. “Eu tenho três filhas engenheiras, uma de petróleos, outra de construção civil e a terceira está a fazer ciências do mar”, disse, acrescentando que a formação das filhas é resultado das decisões de Beijing.

Leontina dos Muchangos é mestre em Desenvolvimento Agrário, foi a primeira mulher a defender a tese de licenciatura no então Instituto Superior Pedagógico e primeira directora nacional da mulher no Ministério da Mulher e Acção Social.

PERSISTÊNCIA E EXPERIÊNCIA RESULTAM EM GANHOS

Natividade Bule, empreendedora desde os anos 80 e presidente do Conselho de Administração da Caixa Poupança Económica Mulher, considera a formação e persistência como elementos importantes para o crescimento da mulher em todos os aspectos. “Acho que temos de ser persistentes naquilo que pretendemos. Eu comecei por vender rissóis nas pastelarias e hoje considero-me empresária”, disse.

Segundo Natividade Bule, que é também administradora na fábrica de anti-retrovirais em Maputo e presidente da ECOSIDA, a pessoa não pode ter vergonha de fazer coisas, o importante é fazer dentro de um determinado objectivo.

A nossa interlocutora explicou que saber desenhar projectos não é suficiente para se ser empreendedora, porque o próprio sector financeiro só investe quando tem certeza que a pessoa vai trazer resultados.

Falando da sua própria experiência, ela disse que as necessidades fazem com que as pessoas façam muitas coisas. “Vendi rissóis por necessidade, depois criei uma empresa de viação, com a qual aprendi muito, numa altura difícil, em que ninguém usava a via terrestre, por causa da guerra, mas infelizmente na viação a pessoa pode ficar muito rica como também pode ficar muito pobre, foi o meu caso, fiquei pobre, mas não desisti”, acrescenta Natividade que depois deste fracasso abriu uma empresa de prestação de serviços e aconselha que mesmo com a empresa é preciso saber adaptar-se ao mercado, uma tarefa difícil.

De acordo com a empresária, formada em Ciências Jurídicas, a formação ajudou-lhe a crescer no ramo empresarial. Mas também reconhece que as políticas desenhadas pelo Governo ajudaram a emancipar a mulher. “Recordo-me que quando abracei o empresariado, como mulher não podia abrir uma empresa ou uma conta bancária sem autorização do meu marido, mas hoje já ultrapassámos isso”, afirma.

Reconhecendo os problemas que a mulher atravessa para aceder aos financiamentos bancários, Natividade Bule explicou que ela e outras 14 mulheres decidiram abrir um banco, a Caixa Poupança Económica Mulher, para dar crédito a mulheres, sem muitas complicações. “É uma iniciativa que surgiu do reconhecimento das dificuldades por que elas passam para ter acesso ao crédito”, disse, salientando que muitas mulheres não conseguem aceder ao crédito bancário porque não têm garantias exigidas pelas instituições financeiras.

EDUCAÇÃO FORMAL É A ARMA FUNDAMENTAL

Por seu turno, a directora do Centro de Coordenação dos Assuntos de Género, na UEM, Generosa Cossa, defendeu que a educação formal continua a ser base para o crescimento da mulher e, em particular, para o seu empoderamento económico, porque ela ajuda a desenvolver competências que são necessárias para o emprego, negócios e mesmo para a vida familiar.

Explicou que muitas mulheres não conseguem desenvolver os seus projectos, sobretudo negócios, exactamente por falta desta educação formal. “A minha experiência no município de Maputo, aquando da introdução do fundo de desenvolvimento distrital na cidade de Maputo, é que este valor não beneficia as mulheres, porque não apresentam projectos com qualidade”, lamentou.

Apesar de terem sido elas que fizeram muito barulho para a introdução deste fundo, passou a beneficiar os homens e o paradoxo é que a percentagem de mulheres que acediam a este fundo era mais baixo nos distritos urbanos geridos por mulheres.

Generosa Cossa, que fez parte da delegação que foi a Beijing, em 1995, defendeu ainda o empoderamento político das mulheres porque, segundo explicou, o acesso ao poder político facilita o acesso ao poder económico. A nossa interlocutora é docente da UEM desde 1987, licenciada em Ciências Físicas e Matemática, mestre em Ciências de Educação e candidata a doutoramento pela UNISA, da África do Sul, actualmente desempenha as funções de directora do Centro de Coordenação dos Assuntos de Género (CECAGE) na UEM.

POLÍTICAS PÚBLICAS DÃO ATENÇÃO À MULHER

A Representante interina da ONU Mulheres, Florence Raef, considera que, olhando para o relatório sobre Beijing +20, Moçambique registou avanços significativos neste intervalo de 20 anos, graças à sua legislação que condena a violência contra a mulher e a criação do Ministério da Mulher e da Acção Social, uma instituição que se dedica a assuntos femininos.

Florence congratula, também, uma série de políticas públicas em vários sectores que dão mais atenção às mulheres. “Porém, os resultados ainda são limitados, pois trata-se de um trabalho que ainda vai levar o seu tempo para abranger todas as áreas”, disse a representante, considerando que a caminhada até aqui feita é positiva.

Segundo Florence Raef, um dos sectores com resultados mais visíveis é a presença de mulheres em posições de tomada de decisão, referindo-se ao parlamento e ao executivo.

Em relação ao empoderamento económico da mulher, Florence Raef chama atenção aos fazedores de políticas públicas no sentido de olharem para o sector extractivo como uma oportunidade para a inclusão da mulher.

“Temos esta oportunidade de desenhar estratégias para incluir a dimensão do género e de direitos da mulher, mas acho que tudo passa por uma maior sensibilização de vários sectores dentre os quais os investidores e o sector privado”.

Segundo a representante interina, é preciso pensar na inclusão da mulher em toda a cadeia de valores e em políticas de direitos humanos e de investimento. Disse ainda que existem hoje no mundo exemplos interessantes de formação, de discriminação positiva e de outros mecanismos que podem ser estudados.

Florence Raef trabalha em questões de género no contexto internacional há mais de 15 anos, e é funcionária das Nações Unidas desde 2001. Formada em Ciências Políticas, tem sido pesquisadora na Universidade São Paulo, Brasil, e na Universidade de Bruxelas, Bélgica.