PORTO ALEGRE - Considerado um dos estados mais politizados do país, o Rio Grande do Sul está assistindo a cenas insólitas desde o final de 2006. Em dezembro do ano passado, a então recém-eleita governadora Yeda Crusius (PSDB) comandava uma equipe de transição para assumir no lugar de Germano Rigotto (PMDB). A primeira decisão de impacto de Crusius foi propor a prorrogação de um tarifaço aplicado por Rigotto e um aumento adicional de impostos, contrariando o que havia dito durante toda a campanha eleitoral. Na campanha, ela dizia que propor aumento de impostos era uma prática do “velho jeito de governar”. O vice-governador Paulo Feijó (PFL) acreditou nisso e decidiu bater pé. Participou ativamente dos protestos contra a proposta da futura governadora, que acabou sendo derrotada na Assembléia Legislativa. Entre os aliados de Yeda, Feijó não foi o único a se opor à proposta. Deputados de outros partidos, inclusive do PSDB, acabaram votando contra ela.
O episódio foi apenas o início de uma briga que iria explodir publicamente logo no primeiro mês do governo Yeda-Feijó. Uma briga que, na verdade, teve suas sementes lançadas ainda na campanha eleitoral de 2006. Escolhido para acomodar uma aliança entre PSDB, PFL e PPS, o empresário Paulo Feijó foi escondido da propaganda eleitoral de Yeda. Neoliberal assumido, o ex-presidente da Federação das Associações Comerciais e de Serviço do Rio Grande do Sul (Federasul) é um entusiasta das privatizações e da idéia de Estado mínimo. Sempre disse isso em alto e bom tom. Ao longo de sua trajetória política recente, Yeda Crusius também defendeu essas idéias, apoiando e participando do processo de privatizações levada a cabo no RS pelo governo Antônio Britto (PMDB) e, em nível nacional, pelo governo FHC. Mas, na campanha para o governo gaúcho, Yeda optou por se apresentar de “cara nova”, dizendo apenas que era representante de “um novo jeito de governar”. Assim, na campanha, enquanto ela garantia que não iria privatizar nenhuma empresa pública, Feijó dizia o contrário. Era só o início do que estava por vir.
Fogo amigo e liturgias
As primeiras semanas do novo governo gaúcho confirmaram o que havia acontecido na campanha e no período de transição. O vice-governador foi descartado por Yeda e, sem função definida no governo, passou a fustigar a governadora através de declarações pela imprensa. O “fogo amigo” atingiu inclusive o marido da governadora, o economista Carlos Crusius, que desempenho um papel central na campanha e no período de transição. Feijó acusou a ingerência de Crusius no governo, observando que ele não havia sido eleito para nada e não tinha nenhum cargo no Executivo. O episódio serviu para azedar, definitivamente as relações entre o empresário e o casal Crusius. A partir daí, a situação só iria piorar. O último episódio dessa briga teve seu ápice na quarta-feira (7), quando Yeda Crusius, em entrevista à rádio Gaúcha, bateu forte em Paulo Feijó, reclamando de sua “falta de preparo para a vida pública e de sua irresponsabilidade”.
As declarações foram uma resposta à nota oficial divulgada no dia anterior por Feijó, que tratou das denúncias feitas por ele contra o presidente do Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul), Fernando Lemos, confirmado por Yeda para permanecer no cargo. O vice-governador advertiu-a sobre os riscos de manter Lemos no cargo, dizendo que sua gestão não resistiria à uma auditoria. Na nota, entre outras coisas, o vice-governador reclama da falta de diálogo por parte de Yeda. Após entregar uma carta à governadora, Feijó pediu uma audiência com a mesma, mas não foi atendido. A resposta veio na entrevista à rádio Gaúcha: “Ele não se preparou para ser uma pessoa pública, não tem o perfil (...) Não sabe respeitar a liturgia do cargo (...) Precisa ter responsabilidade, sentir-se parte do governo e não querer ser um rei (...) Espero que amigos e parentes o ajudem”, disparou a governadora. Se alguém tinha alguma dúvida acerca do rompimento entre as duas principais autoridades políticas do Estado, deixou de tê-las após esse episódio.
“Um inimigo na trincheira”
Feijó tornou-se um sério problema para o governo Yeda Crusius. A governadora trabalha para isolá-lo politicamente, o que vem conseguindo fazer, com a ajuda do próprio vice, que não mede palavras em suas declarações e coleciona atritos. Mas ele ainda é o vice-governador e tem, entre suas atribuições, a de substituir a governadora quando esta se ausentar do Estado por períodos mais longos. Em função disso, Yeda tornou-se uma espécie de prisioneira no Palácio Piratini. Ela foi convidada para ir ao Japão em uma missão oficial e recusou pois não quer transmitir o cargo para o vice. A crise só não adquiriu proporções maiores ainda porque a mídia gaúcha vem tratando o assunto em pequenas notas. A exceção foi um editorial publicado quarta-feira pelo jornal Zero Hora, lamentando a briga: “é doloroso para os rio-grandenses constatar a cada dia o péssimo relacionamento entre a governadora e seu vice. Na falta de um papel claro para desempenhar, ele está se transformando num verdadeiro inimigo na trincheira”.
O editorial reproduz o tom geral da crítica que Yeda Crusius faz ao comportamento do vice; “Tudo bem que discorde da política governamental, especialmente nas áreas do seu conhecimento. É compreensível, inclusive, que manifeste suas opiniões sobre medidas econômicas e políticas que firam as suas convicções. Neste aspecto, pode até praticar um saudável contraponto e estimular os demais integrantes do governo a uma reflexão plural. Só não pode é se aproveitar da imunidade do mandato para boicotar sistematicamente a administração de que faz parte”. Um dos temores, no núcleo duro do governo Yeda, é que a figura do “inimigo na trincheira” se transforme na de um “homem-bomba”. Na tarde de quarta, cresceram os rumores de que Feijó não recuaria da briga e que, além de levar suas denúncias contra o presidente do Banrisul ao Tribunal de Contas do Estado, traria outras novas relativas ao financiamento da campanha eleitoral de 2006.
Preocupação na Assembléia
A guerra entre a governadora e o vice já está repercutindo na Assembléia Legislativa gaúcha. A deputada Stela Farias (PT) anunciou que a Comissão de Serviços Públicos convidará nos próximos dias o vice-governador para prestar esclarecimentos sobre as denúncias envolvendo a gestão de Fernando Lemos, no Banrisul. “Do nosso ponto de vista, o que menos nos importa é a polêmica, que não é nova, entre a governadora Yeda Crusius e seu vice. O que nos preocupa é o prejuízo à imagem do banco público”, disse a deputada, que buscará o apoio das demais bancadas da casa para promover uma audiência pública na Comissão de Serviços Públicos. Feijó ainda não respondeu se aceitará o convite, mas, segundo seus raros aliados no governo, há boas chances de fazê-lo, uma vez que está ficando cada vez mais isolado e sem espaço no governo. Uma clara expressão disso é o tratamento que ele recebe no site do governo do Estado. Na seção de notícias dedicada ao vice-governador, desde o início do governo, há apenas uma nota, em 16 de janeiro, falando de um encontro que ele manteve com o secretário da Fazenda, Aod Cunha.
A estratégia de Yeda Crusius é isolar cada vez mais Paulo Feijó, tentando vencê-lo pelo cansaço. Esse mesmo movimento foi utilizando durante a campanha eleitoral quando se cogitou, inclusive, substituí-lo na chapa. Na época, Feijó disse que não renunciaria de jeito nenhum. Repete o mesmo discurso agora. A crise entre as duas autoridades fragiliza o discurso de eficiência administrativa da governadora. Nos últimos dias, uma pergunta repete-se no Estado: quem foi mesmo que escolheu Feijó como vice? Originalmente, o empresário seria candidato a senador pelo PFL, mas um acordo entre este partido, o PSDB e o PPS, colocou-o como vice da chapa, ficando a vaga do Senado para o PPS. O “novo jeito de governar” anunciado por Yeda nasceu marcado por uma escolha de conveniência que está cobrando um alto preço agora. Esse preço só não está sendo maior em função da generosidade da mídia local que vem tratando o tema com notável discrição.
Marco Aurélio Weissheimer - Carta Maior
O episódio foi apenas o início de uma briga que iria explodir publicamente logo no primeiro mês do governo Yeda-Feijó. Uma briga que, na verdade, teve suas sementes lançadas ainda na campanha eleitoral de 2006. Escolhido para acomodar uma aliança entre PSDB, PFL e PPS, o empresário Paulo Feijó foi escondido da propaganda eleitoral de Yeda. Neoliberal assumido, o ex-presidente da Federação das Associações Comerciais e de Serviço do Rio Grande do Sul (Federasul) é um entusiasta das privatizações e da idéia de Estado mínimo. Sempre disse isso em alto e bom tom. Ao longo de sua trajetória política recente, Yeda Crusius também defendeu essas idéias, apoiando e participando do processo de privatizações levada a cabo no RS pelo governo Antônio Britto (PMDB) e, em nível nacional, pelo governo FHC. Mas, na campanha para o governo gaúcho, Yeda optou por se apresentar de “cara nova”, dizendo apenas que era representante de “um novo jeito de governar”. Assim, na campanha, enquanto ela garantia que não iria privatizar nenhuma empresa pública, Feijó dizia o contrário. Era só o início do que estava por vir.
Fogo amigo e liturgias
As primeiras semanas do novo governo gaúcho confirmaram o que havia acontecido na campanha e no período de transição. O vice-governador foi descartado por Yeda e, sem função definida no governo, passou a fustigar a governadora através de declarações pela imprensa. O “fogo amigo” atingiu inclusive o marido da governadora, o economista Carlos Crusius, que desempenho um papel central na campanha e no período de transição. Feijó acusou a ingerência de Crusius no governo, observando que ele não havia sido eleito para nada e não tinha nenhum cargo no Executivo. O episódio serviu para azedar, definitivamente as relações entre o empresário e o casal Crusius. A partir daí, a situação só iria piorar. O último episódio dessa briga teve seu ápice na quarta-feira (7), quando Yeda Crusius, em entrevista à rádio Gaúcha, bateu forte em Paulo Feijó, reclamando de sua “falta de preparo para a vida pública e de sua irresponsabilidade”.
As declarações foram uma resposta à nota oficial divulgada no dia anterior por Feijó, que tratou das denúncias feitas por ele contra o presidente do Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul), Fernando Lemos, confirmado por Yeda para permanecer no cargo. O vice-governador advertiu-a sobre os riscos de manter Lemos no cargo, dizendo que sua gestão não resistiria à uma auditoria. Na nota, entre outras coisas, o vice-governador reclama da falta de diálogo por parte de Yeda. Após entregar uma carta à governadora, Feijó pediu uma audiência com a mesma, mas não foi atendido. A resposta veio na entrevista à rádio Gaúcha: “Ele não se preparou para ser uma pessoa pública, não tem o perfil (...) Não sabe respeitar a liturgia do cargo (...) Precisa ter responsabilidade, sentir-se parte do governo e não querer ser um rei (...) Espero que amigos e parentes o ajudem”, disparou a governadora. Se alguém tinha alguma dúvida acerca do rompimento entre as duas principais autoridades políticas do Estado, deixou de tê-las após esse episódio.
“Um inimigo na trincheira”
Feijó tornou-se um sério problema para o governo Yeda Crusius. A governadora trabalha para isolá-lo politicamente, o que vem conseguindo fazer, com a ajuda do próprio vice, que não mede palavras em suas declarações e coleciona atritos. Mas ele ainda é o vice-governador e tem, entre suas atribuições, a de substituir a governadora quando esta se ausentar do Estado por períodos mais longos. Em função disso, Yeda tornou-se uma espécie de prisioneira no Palácio Piratini. Ela foi convidada para ir ao Japão em uma missão oficial e recusou pois não quer transmitir o cargo para o vice. A crise só não adquiriu proporções maiores ainda porque a mídia gaúcha vem tratando o assunto em pequenas notas. A exceção foi um editorial publicado quarta-feira pelo jornal Zero Hora, lamentando a briga: “é doloroso para os rio-grandenses constatar a cada dia o péssimo relacionamento entre a governadora e seu vice. Na falta de um papel claro para desempenhar, ele está se transformando num verdadeiro inimigo na trincheira”.
O editorial reproduz o tom geral da crítica que Yeda Crusius faz ao comportamento do vice; “Tudo bem que discorde da política governamental, especialmente nas áreas do seu conhecimento. É compreensível, inclusive, que manifeste suas opiniões sobre medidas econômicas e políticas que firam as suas convicções. Neste aspecto, pode até praticar um saudável contraponto e estimular os demais integrantes do governo a uma reflexão plural. Só não pode é se aproveitar da imunidade do mandato para boicotar sistematicamente a administração de que faz parte”. Um dos temores, no núcleo duro do governo Yeda, é que a figura do “inimigo na trincheira” se transforme na de um “homem-bomba”. Na tarde de quarta, cresceram os rumores de que Feijó não recuaria da briga e que, além de levar suas denúncias contra o presidente do Banrisul ao Tribunal de Contas do Estado, traria outras novas relativas ao financiamento da campanha eleitoral de 2006.
Preocupação na Assembléia
A guerra entre a governadora e o vice já está repercutindo na Assembléia Legislativa gaúcha. A deputada Stela Farias (PT) anunciou que a Comissão de Serviços Públicos convidará nos próximos dias o vice-governador para prestar esclarecimentos sobre as denúncias envolvendo a gestão de Fernando Lemos, no Banrisul. “Do nosso ponto de vista, o que menos nos importa é a polêmica, que não é nova, entre a governadora Yeda Crusius e seu vice. O que nos preocupa é o prejuízo à imagem do banco público”, disse a deputada, que buscará o apoio das demais bancadas da casa para promover uma audiência pública na Comissão de Serviços Públicos. Feijó ainda não respondeu se aceitará o convite, mas, segundo seus raros aliados no governo, há boas chances de fazê-lo, uma vez que está ficando cada vez mais isolado e sem espaço no governo. Uma clara expressão disso é o tratamento que ele recebe no site do governo do Estado. Na seção de notícias dedicada ao vice-governador, desde o início do governo, há apenas uma nota, em 16 de janeiro, falando de um encontro que ele manteve com o secretário da Fazenda, Aod Cunha.
A estratégia de Yeda Crusius é isolar cada vez mais Paulo Feijó, tentando vencê-lo pelo cansaço. Esse mesmo movimento foi utilizando durante a campanha eleitoral quando se cogitou, inclusive, substituí-lo na chapa. Na época, Feijó disse que não renunciaria de jeito nenhum. Repete o mesmo discurso agora. A crise entre as duas autoridades fragiliza o discurso de eficiência administrativa da governadora. Nos últimos dias, uma pergunta repete-se no Estado: quem foi mesmo que escolheu Feijó como vice? Originalmente, o empresário seria candidato a senador pelo PFL, mas um acordo entre este partido, o PSDB e o PPS, colocou-o como vice da chapa, ficando a vaga do Senado para o PPS. O “novo jeito de governar” anunciado por Yeda nasceu marcado por uma escolha de conveniência que está cobrando um alto preço agora. Esse preço só não está sendo maior em função da generosidade da mídia local que vem tratando o tema com notável discrição.
Marco Aurélio Weissheimer - Carta Maior