terça-feira, 17 de abril de 2012

A crise do Mali e o “Curdistão” Bérbere

170412 mnlaMali - Blog do Tsavkko - [Raphael Tsavkko] Artigo publicado no jornal Brasil de Fato 476 (12-18 de abril), ainda nas bancas! - Um conflito pouco conhecido, porém sangrento, que remonta a formação das fronteiras (artificiais) pós-coloniais do norte da África recentemente teve mais um capítulo escrito.

A população Bérbere (subdivididos em grupos como Amazighs, Tamasheqs ou Tuaregues, dentre outros) luta há décadas contra os governos da Argélia, Mali, Burkina Fasso e Níger pela independência do povo que pode ser considerado o paralelo africano aos Curdos, que há décadas lutam, enquanto maior nação sem pátria do mundo, por um Estado, o Curdistão.
Pela África

Os Bérberes habitam a região do norte da África há séculos e constantemente foram subjugados pelos dominadores árabes, por impérios regionais, como o Songhai, e posteriormente pelos europeus, sem jamais terem o direito a um Estado – ou mesmo a vários Estados, dado que os diferentes grupos berberes não reivindicam uma unidade entre todas as tribos. A ideia de um "Berberistão"é ainda mais embrionária que a de um Curdistão unido.

Espalhados pelo território de diversos países, os berberes tem notável força local na Argélia, onde lutam há décadas pelo Estado de Cabília, na costa do país, e no Mali, onde acabaram de fundar o Estado de Azawad que, não se sabe, pode ser apenas efêmero.
Na Líbia, os berberes encontravam relativa autonomia e engrossavam as fileiras do exército de Muammar Khadafi e daí vem parte do "problema" enfrentado hoje pelo governo do Mali, ou melhor, por líderes que buscam assegurar o governo do país.

Tomando o poder

Um grupo de rebeldes Tuaregues (ou Tamasheqs, como preferem ser chamados localmente) tomou de assalto as três grandes cidades de Kidal, Gao e Timbuktu – capitais regionais – do norte do Mali em meio à completa fragilidade do governo central, comandando provisoriamente por uma junta militar que havia dias antes (em 21 de março) deposto o presidente do país, Amadou Toumani Touré.
Munidos de armamento vindo do exército líbio, os cerca de 3 mil rebeldes do MNLA (Movimento Nacional de Libertação do Azawad) conseguiram facilmente dominar as tropas oficiais que, em sua maioria, fugiram ao primeiro sinal de problema. Uma parte considerável dos Tuaregues do norte do Mali e da Líbia servia no exército de Muammar Khadafi, deposto e morto por rebeldes apoiados pelos EUA e França há alguns meses dentro da onda que ficou conhecida como Primavera Árabe.
Após a derrota de Khadafi, retornaram com força total ao Mali.
Em poucos dias toda resistência oficial foi superada e o MNLA reivindica total controle da região , chegando a declarar finalmente sua independência. Em algumas cidades divide o poder com grupos rebeldes de caráter islâmico, como o Ansar Dine e aparentemente terão mais problemas em combater estes grupos do que o exército central propriamente dito, ao menos por ora.

MNLA: Laicos e progressistas

Os Tuaregues do Mali são laicos e relativamente progressistas e nem de longe "rebeldes islâmicos", como a mídia ocidental costuma pintar todo grupo rebelde em desacordo com os interesses dos EUA e Europa pelo mundo. Se por um lado contaram com o incômodo apoio do Ansar Dine e mesmo de operativos da Al Qaeda do Maghreb, por outro tem historicamente agido contra tais grupos ou ao menos coexistido de forma tensa, mas sem aderir a seus ideais.
O MNLA em si é recente, sua fundação data apenas de outubro de 2011 e nasce da união de diversos grupos antes opositores ou ao menos antagonistas localmente que viram na sua união uma forma de ampliar seu poder de fogo e presença regional. O sucesso, como se vê, foi amplo.
É difícil imaginar, porém, que o grupo alcançasse tal sucesso sem que o Mali tivesse entrado em convulsão após o recente golpe de Estado, mas sua força não é desprezível, muito menos seu poder de negociação atual.
Esta é a quarta grande rebelião no país, tendo a primeira durado de 1962 até 1964 e a situação se mantido em tensão até 1990, durante a segunda rebelião (que foi até 1995), e 2007-09 durante a terceira rebelião. Conflitos com o governo central do Mali não são, então, incomuns, mas esta é a primeira vez em que os Tuaregues saem vitoriosos.

Crise regional

O bloco regional do oeste da África (Ecowas) já interviu no conflito afirmando, com um tom bastante elevado, que poderia até mesmo enfiar forças regionais para combater as forças rebeldes. O temor da organização é que Bérberes de outros países resolvam seguir seus irmãos e se rebelar, ou mesmo que conflitos estagnados, como a questão de Cabília na Argélia ou mesmo o conflito do Saara Ocidental possam novamente estourar.
O Marrocos, a Mauritânia, a Argélia, Burkina Fasso e o Níger tem muito o que temer, assim como países mais distantes que alimentam conflitos separatistas regionais, pois seus grupos guerrilheiros podem resolver seguir a onda de protestos e revoluções que se espalha por toda a região. A Líbia encontra-se em processo de esfacelamento em meio à total anarquia depois da intervenção desastrosa dos EUA e aliados, ao passo que há imensa instabilidade no Egito pós-Revolução e o Sudão do Sul ainda é uma cicatriz aberta no continente.
Não seria de surpreender que os conflitos em Casamance (Senegal) ou mesmo os diversos conflitos regionais na Nigéria pudessem crescer em intensidade, o que abalaria a segurança regional, criando uma onda de refugiados, de crimes contra a humanidade e miséria.
A África é uma verdadeira colcha de retalhos étnicos espalhados por fronteiras traçadas sem a mais remota preocupação com a necessidade de seus habitantes. Fronteiras artificiais traçadas pelos Europeus para garantir seu controle sobre as terras e que acabaram por se tornar a base dos Estados atuais, colocando muitas vezes povos historicamente inimigos juntos, separando famílias e tribos e causando injustiças históricas.

Projeções

Não se sabe por quanto tempo durará a confusão criada pelo golpe contra o governo malinês de Amadou Toumani Touréi, mas a certeza é que a crise da independência de Azawad acelerou o processo de entendimento interno e arrefeceu os ânimos dos golpistas e que, enfim, os Tuaregues terão um grande poder de negociação assim que a situação se acalmar.
Por um lado é possível que o exército do Mali, uma vez o governo reconstituído, seja enviado para realizar o trabalho sujo de forma mais ou menos silenciosa (contando com o silêncio midiático), o que pode ter consequências desastrosas a longo prazo, por outro, caso negociações sejam abertas, os rebeldes terão pouca força para manter sua independência – dificilmente ganhariam reconhecimento por parte de outro Estado na região, temerosos de destino semelhante, e seu poder de fogo é limitado, mesmo com o "reforço" vindo da Líbia esfacelada – mas podem garantir uma ampla autonomia regional com termos ditados por eles.
Há ainda um outro fator que pode complicar a questão, que é o das minorias Songhai e Fulanis (dentre outras) na região agora fronteiriça entre Mali e Azawad.
Tais populações não tem qualquer ligação com o governo bérbere recém-formado e podem se inclinar a apoiar o governo malinês assim que este tiver forças para requerer a ajuda destes grupos, especialmente na região de Mopti, que foi dividida ao meio pelos rebeldes e onde se encontra parte considerável de membros dessas etnias.
Boa parte da região desértica no extremo-norte de Azawad é de maioria Árabe, ainda que a população dessa região seja pequena, é um outro fator complicador. A região reivindicada pelo MNLA é muito maior do que a áreao em que efetivamente os tuaregues são maioria ou possuem minorias consideráveis, especialmente na região dividida de Mopti e nas cercanias de Timbuktu.
Sabendo negociar, os Tuaregues podem conseguir um acordo que os colocará sob o controle de boa parte de suas riquezas naturais e lhes garantirá um autogoverno com relativa independência de Bamako (capital malinesa), ainda que dentro de um mesmo Estado, mas será preciso balancear alianças e descontentamentos.

Manifestantes protestam durante homenagem a Médici: “Bagé pede desculpas ao Brasil”


Um grupo de estudantes, professores, artistas, jornalistas e de outras categorias de trabalhadores promoveu um ato público dia 11 de abril, em Bagé, para homenagear a memória dos desaparecidos, torturados e mortos pela ditadura militar. A manifestação ocorreu na mesma hora em que era lançado no Clube Comercial o livro “Médici, a verdadeira história”, de autoria dos coronéis reformados Claudio Heráclito Souto e Amadeu Deiro Gonzalez. Carregando faixas e cartazes com fotos de desaparecidos e mortos pela ditadura, os manifestantes distribuíram panfletos para os participantes da homenagem ao ditador Médici, que é natural do município. “Bagé pede desculpas ao Brasil”, dizia um dos cartazes.
Um dos organizadores da homenagem foi para a calçada e “mandou” um policial militar permanecer ali para “garantir a segurança” de seus convidados. Não houve nenhum incidente de violência, só o constrangimento e a irritação visível na face de alguns dos admiradores do militar. Ao som de músicas de Tom Zé e Geraldo Vandré, os manifestantes leram o nome de todas as pessoas assassinadas durante o período em que Médici foi ditador do Brasil. E garantiram que estarão em qualquer futura manifestação que pretenda homenagear líderes da ditadura. O vídeo da manifestação é uma produção de Maria Bonita Comunicação.


Na eleição do Banco Mundial, a Velha Ordem venceu. De novo



170412 bancoCarta Capital - O desfecho da escolha do novo presidente do Banco Mundial, realizada na segunda-feira 16, em Washington, era previsível, mas a forma como ela se deu conseguiu surpreender mesmo os mais otimistas quanto às relações entre os países emergentes e as nações desenvolvidas.

De forma truculenta e pouco transparente, Estados Unidos e Europa fizeram valer seu poder no processo decisório do Banco Mundial e emplacaram o nome do candidato de Washington, o norte-americano de origem sul-coreana Jim Yong Kim. Kim, reitor do Dartmouth College, uma das universidades privadas mais respeitadas dos EUA, assume o posto em 1º de julho, substituindo Robert Zoellick, para um mandato de cinco anos.
Com Kim, venceu a Velha Ordem mundial. Desde que foram criados, nos acordos de Bretton Woods, em 1944, os principais organismos multilaterais da economia mundial – o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial – são controlados pelos países desenvolvidos. Há quase sete décadas está em vigor um acordo tácito que dá aos europeus a diretoria-geral do FMI e aos EUA a presidência do Banco Mundial. Com a crise financeira e econômica de 2008, as nações emergentes, entre elas o Brasil, ganharam espaço por meio do G20 (sucessor natural do G8) e tentaram alterar as regras do FMI e do Banco Mundial. O primeiro round dessa disputa se deu em 2011. Após o escândalo a envolver Dominique Strauss-Kahn, os emergentes se mobilizaram em torno do nome do presidente do Banco Central do México, Agustín Carstens, para substituí-lo. Não adiantou. No fim de junho, Christine Lagarde, ex-ministra da Economia da França, assumiu o FMI.

Na eleição do Banco Mundial, não havia expectativa de derrota para Jim Yong Kim. Os emergentes esperavam, ao menos, um segundo turno mais democrático. Mas nem isso ocorreu. Em 2010, em uma reunião para tentar reduzir as diferenças de poder de voto dentro do Banco Mundial, os membros da instituição concordaram em realizar, em 2012, um processo de escolha "transparente" e "baseado no mérito". Era um reconhecimento de que, até ali, as escolhas do Banco Mundial foram meramente políticas. Chegou a eleição e o acordo de 2010 foi esquecido. Na sexta-feira 13, o candidato da Colômbia, José Antonio Ocampo, abandonou a disputa. Ocampo alegou que a escolha do novo presidente não passava de um "exercício político". Organizações não-governamentais também protestaram. A britânica Oxfam chamou o processo eleitoral de "fraudulento". A americana Save the Children disse ser "patentemente errado" escolher um nome baseado apenas na nacionalidade para dirigir uma instituição cujo objetivo primordial é combater a pobreza.

A escolha de Jim Yong Kim também não se deu de forma transparente. Sem Ocampo, os emergentes se aglutinaram em torno de Ngozi Okonjo-Iweala, ministra das Finanças da Nigéria. Ela foi pressionada a abdicar de sua candidatura, mas se recusou. "Se querem que eu desista, eles precisam dizer publicamente às pessoas o porquê", disse ela segundo a agência AFP. "Eles não publicam as regras para que todos saibam como as coisas são feitas", afirmou. O pedido para divulgação das regras da escolha não foi atendido. Segundo escreveu a editora de economia da rede britânica BBC, Stephanie Flanders, em sua conta no Twitter, os Estados Unidos optaram por não realizar uma votação pública depois de não conseguirem persuadir a candidata nigeriana a abandonar a disputa. A falta de transparência está escancarada no comunicado oficial do Banco Mundial sobre a escolha de Jim Yong Kim. O texto destaca que pela primeira vez a disputa teve mais de um candidato e que isso "enriqueceu o debate". Mas não há uma linha sobre a votação. Segundo a jornalista da BBC, Ngozi Okonjo-Iweala recebeu apenas os votos de Brasil, Suíça e das nações africanas, o equivalente a 19% do total. Pouco diante dos 16% dos EUA, sem contar os 6,84% do Japão, 4% da Alemanha e 3,75% de Reino Unido e França.
Os Estados Unidos tentaram disfarçar a pressão vindoura para manter a presidência do Banco Mundial sob seu controle. Primeiro, escolhendo um candidato com experiência no trato com países pobres. Jim Yong Kim foi diretor do departamento de HIV e Aids da Organização Mundial da Saúde e ajudou a fundar a ONG Partners in Health, atuante na oferta de recursos de saúde para populações pobres. Em segundo lugar, tentando convencer os emergentes da qualidade de seu candidato. O americano fez um périplo por vários países pedindo apoio e esteve, inclusive, com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, em Brasília. A tentativa não deu certo nem mesmo nos países desenvolvidos. A revista The Economist e o jornal Financial Times publicaram editoriais apoiando Ngozi Okonjo-Iweala. Para a Economist, eleger a nigeriana seria uma "oportunidade de ouro" para o resto do mundo mostrar ao presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, o "significado da meritocracia".

Obviamente, Obama conhece a importância da meritocracia para uma sociedade democrática. E entende o anseio dos emergentes por mais participação nos rumos da economia mundial. Mas ele agiu para preservar seus votos nos Estados Unidos. Criticado por seus adversários republicanos por fazer concessões a outros países e, assim, diminuir a influência dos Estados Unidos no mundo, o último desejo de Obama em um ano eleitoral como 2012 é abrir mão de um cargo internacional ocupado por seu país há 68 anos. Mas, ao fazer isso, Obama deve entender que alienou os emergentes. À BBC, Kusemi Dlamini, analista do Instituto de Assuntos Políticos da África do Sul, disse que o Banco Mundial pode se tornar irrelevante sem reformas profundas. Talvez seja cedo para isso ocorrer, mas, enquanto as nações desenvolvidas não abrirem espaço para os emergentes, as instituições multilaterais continuarão lidando com problemas como a crise econômica mundial e a pobreza de uma forma distorcida. Uma forma que, cada vez mais, pertence ao passado.

Massacre de Eldorado dos Carajás completa 16 anos de impunidade

Os anos 90 marcaram de sangue a história do Brasil. A chamada década perdida, mergulhada no neoliberalismo que castigou toda a classe trabalhadora, registrou episódios que chocaram o mundo inteiro, como o massacre do Carandiru, a chacina da Candelária e o massacre de Eldorado dos Carajás.
Nesta terça-feira (17) completam-se 16 anos do massacre que tirou a vida de 21 trabalhadores rurais que lutavam pelo direito à terra, assassinados durante uma ação militar na BR 115, no Pará, mais precisamente na chamada “curva do S’, consolidando a chacina que  ficou conhecida como massacre de Eldorado dos Carajás.

O maior conflito agrário registrado no país, que expôs a violência que existe no campo e que atinge os trabalhadores rurais em luta pela posse da terra, que  infringiu todas as bases dos direitos humanos continua impune.
Nenhum dos policiais envolvidos no crime foram presos e os dois comandantes da polícia militar que coordenaram a ação, mesmo condenados a 220 anos de prisão,  continuam em liberdade.

Em memória aos camponeses mortos e exigindo justiça  todos os anos, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realiza a Jornada Nacional de Lutas por Reforma Agrária justamente no mês de abril, sendo o abril vermelho do MST.

A importância da data não se resume apenas ao MST e ao o massacre de Eldorado dos Carajás. À época, o episódio teve impacto em todos os movimentos sociais e sindicais. “A data é simbólica, pois representa a história de luta em prol da reforma agrária e a Secretária de Políticas Sociais da CTB se solidariza e expressa total apoio ao MST nessa jornada de lutas e em todas as manifestações e ações do movimento em defesa da terra”, afirmou Carlos Rogério Nunes, secretário de Políticas Sociais da CTB.

Dia de Luta

Por conta da triste efeméride, o 17 de abril se tornou, em todo o Brasil, o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária. De Norte a Sul do país, trabalhadores rurais sem-terra estão mobilizados para exigir uma política mais ousada do governo federal.
Em texto divulgado à imprensa nesta terça-feira, o MST reafirma suas críticas ao governo de Dilma Rousseff e cobra medidas que atendam às demandas por terra no país. “Só é possível acabar com a pobreza com a realização da reforma agrária e por meio de políticas para o desenvolvimento dos assentamentos. A reforma agrária, casada com um programa de agroindustrialização da produção, é a resposta para enfrentar a pobreza, porque gera renda, cria empregos e aumenta a produção de alimentos”, diz o texto.

Paula Farias, com informações do MST