terça-feira, 27 de dezembro de 2011

“Governo federal avançou pouco na garantia de direitos”, critica Jean Wyllys



"É preciso que o Estado garanta a proteção à família monoparental e à família homoparental" | Foto: Reinaldo Ferrigno/Ag.Câmara

Samir Oliveira no SUL21

O deputado federal Jean Wyllys de Matos Santos (PSOL-RJ) é um dos rostos novos — e bastante atuantes — da 54ª legislatura do Congresso Nacional. Ele trouxe de forma inédita o enfrentamento aberto e sem preconceitos de temas que costumam estacionar no conservadorismo de muitos parlamentares, como a garantia de direitos a homossexuais. Avanços que talvez pareçam simples e dos quais os heterossexuais sempre desfrutaram, como o direito ao casamento civil, mas para os quais os homossexuais ainda não encontram amparo na letra fria da lei.
Nesta entrevista, concedida por telefone ao Sul21, Jean faz uma avaliação das conquistas e dos retrocessos vividos em 2011. O parlamentar não poupa críticas ao governo da presidente Dilma Rousseff, que no início do ano resolveu suspender o programa Escola Sem Homofobia. “A presidente tratou uma política de promoção dos direitos humanos como uma propaganda de opção sexual. Como se orientação sexual fosse uma questão de opção”, dispara.
O deputado considera que o governo federal avançou muito pouco na garantia de direitos humanos – não só a homossexuais, mas também aos negros, aos sem-terra e aos quilombolas, entre outros. Jean acredita que é preciso haver uma compreensão maior sobre o conceito de miséria, cuja erradicação é o principal eixo defendido por Dilma. “É preciso que a presidenta entenda que a miséria não é só econômica. Há miséria no país quando homossexuais são assassinados pelo simples fato de serem homossexuais. Há miséria no país quando posseiros e grileiros matam lideranças no sul da Bahia”, explica.
“Há inércia do governo federal no que diz respeito a garantir direitos humanos, em especial dos homossexuais”
Sul21 – Como o senhor avalia as ações desenvolvidas durante o primeiro ano do seu mandato?
 
Jean Wyllys – Foi um ano de conquistas. Posso até não ter tido proposições legislativas aprovadas, mas houve o enfrentamento para a garantia de políticas públicas. Tivemos a reestruturação da Frente Parlamentar Mista pela Cidadania LGBT. Graças a ela pudemos fazer enfrentamentos públicos importantes. Enfrentamos, por exemplo, a bancada evangélica, que tentou impedir a Receita Federal de incluir parceiros homossexuais no Imposto de Renda para fins de dedução. Graças a nossa atuação isso foi garantido. Fizemos um enfrentamento importante em relação aos atos que resultaram na suspensão do projeto Escola Sem Homofobia. Desconstruímos a mentira que foi disseminada e fizemos oposição ao governo federal, que cedeu fácil às pressões e às chantagens dos conservadores. Realizamos o 8º Seminário LGBT com o tema do casamento civil igualitário. Realizamos também o seminário internacional Famílias pela Igualdade, que discutiu os novos modelos de família que precisam ter a proteção do Estado. É preciso que o Estado garanta a proteção à família monoparental e à família homoparental. É fundamental que o conceito de família seja dilatado e esse seminário foi importante, porque trouxemos representantes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da Argentina para falarem sobre como foi positivo para o país a aprovação do casamento civil igualitário. Também fizemos um debate muito bom em torno da criminalização da homofobia. Não conseguimos aprovar o projeto de lei no Senado, mas fizemos um debate relevante e enfrentamos as forças conservadoras que queriam enterrar de vez esse projeto. Então a Frente Parlamentar Mista LGBT teve um papel muito relevante, inclusive quando a senadora Marta Suplicy (PT) resolveu ceder aos conservadores e apresentar um substitutivo que não era o esperado pela comunidade LGBT.
"O governo não falhou só com a comunidade LGBT. Falhou também com a comunidade negra. Até hoje a lei que assegura o ensino da história da África não foi implementada nas escolas" | Foto: Beto Oliveira/Ag.Câmara

Sul21 – Ocorreu recentemente a 2ª Conferência Nacional LGBT. Qual a importância do evento para a garantia de avanços nas causas reivindicadas?
 
Jean – A presidente Dilma (Rousseff) não esteve presente, mas foram três de seus ministros, a Luiza Bairros (Igualdade Racial), a Maria do Rosário (Direitos Humanos) e o Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral). A conferência mostrou que o movimento LGBT continua vivo e de pé. Não se pode pensar que apenas a ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) representa o movimento. Essa entidade está por demais adestrada pelo governo federal. Os líderes viraram gestores públicos, portanto não há espaço para a crítica. Mas um novo movimento relacionado às redes sociais se fez presente na conferência e levantou a voz contra a inércia do governo federal no que diz respeito a garantir direitos humanos, em especial dos homossexuais.

Sul21 – Que outras deficiências o senhor aponta na política de direitos humanos do governo federal?
 
Jean – O governo não falhou só com a comunidade LGBT. Falhou também com a comunidade negra. Até hoje a lei que assegura o ensino da história da África e dos valores culturais africanos para a identidade nacional não foi implementada nas escolas. Não houve capacitação dos professores para isso e os alunos negros e adeptos de religiões de matriz africana continuam descriminados nas escolas. As escolas públicas estão cada vez mais cristãs, professando uma fé cristã em detrimento de outras fés. O governo também é negligente com os sem-terra. Avançou-se pouco no que diz respeito à reforma agrária e à regulamentação de assentamentos. O governo falhou na demarcação de terras indígenas. A situação do povo patachós no sul da Bahia se estende por quase 20 anos e ainda não foi enfrentada. A demarcação das terras dos quilombolas também não. E o governo cedeu bastante ao agronegócio, através do novo código florestal.
Ao mesmo tempo em que o PT faz uma ação discursiva aos movimentos sociais, faz uma cessão às forças conservadoras
Sul21 – Mas a presidente Dilma havia garantido que um dos pontos principais do seu governo seria a garantia dos direitos humanos, fator inclusive preponderante na política externa.
 
Jean – O governo federal avançou muito pouco no que diz respeito aos direitos humanos, ainda que a presidenta, em sua mensagem ao Congresso, tenha dito que se pautaria pela defesa intransigente dos direitos humanos. O governo adotou como slogan “País Rico é País sem Miséria”. Mas é preciso que a presidenta entenda que a miséria não é só a econômica. A miséria econômica precisa ser enfrentada e todos concordamos com isso. Inclusive porque a miséria econômica vulnerabiliza minorias. Um gay pobre de periferia é muito mais vulnerável que um gay de classe média. Mas também há miséria no país quando homossexuais são assassinados pelo simples fato de serem homossexuais. Há miséria no país quando posseiros e grileiros matam lideranças no sul da Bahia sem que o Ministério Público e a Justiça Federal enfrentem essa violência. É preciso que o governo entenda a miséria num sentido muito mais amplo e ele mostrou que está interessado apenas no aspecto econômico dela.
Jean Wyllys: "Não me sinto isolado e tenho aliados muito fortes" | Foto: Leonardo Prado/Ag.Câmara

Sul21 – Não houve avanços com a chegada do PT ao poder, depois de o Brasil ter passado por governos de direita, com Sarney, Collor e FHC?
 
Jean – O PT está numa encruzilhada. Um amigo meu até disse mais: o PT é a encruzilhada. O governo federal, que é petista, tem compromisso com as bandeiras históricas do partido, que são todas da esquerda: garantia dos direitos humanos, legalização do aborto, descriminalização da maconha, demarcação de terras… Porém, o partido não ficaria nove anos no poder se não tivesse constituído uma base aliada que lhe garantisse a estabilidade. Só que essa base aliada é composta em sua maioria por forças conservadoras. Essa é a encruzilhada: manter o compromisso com as bandeiras históricas e ao mesmo tempo satisfazer a base aliada para garantir a governabilidade e a permanência no poder. O partido tenta resolver isso com duas ações. Uma meramente discursiva, dirigida aos movimentos sociais. É muito blá blá blá, muita conferência, muito plano aprovado, e pouco recurso garantido. Não adianta aprovar um PNDH-3 se não há no orçamento da União recursos para a implementação de políticas de garantia dos direitos humanos, e em especial de direitos de LGBTs. E ao mesmo tempo em que o PT faz uma ação discursiva aos movimentos sociais, faz uma cessão às forças conservadoras. Assim, temos o PT nove anos no poder, com poucos avanços efetivos.

Sul21 – A retirada, por decisão da presidente Dilma, do programa Escola Sem Homofobia é um exemplo dessa concessão aos conservadores?
 
Jean – O governo cedeu às forças conservadoras cristãs quando enterrou o projeto Escola Sem Homofobia, cedendo a uma mentira. Esse projeto levantou um debate que tornou isso evidente. Ainda que um certo setor das lideranças LGBTs esteja adestrado pelo governo, um outro setor se levantou, articulado com o movimento dos indignados e das ocupações, que se expressa nas redes sociais. Essa nova juventude foi para as redes sociais e denunciou essa covardia do governo. A presidenta fez uma suspensão absolutamente equivocada. Não bastou suspender, ela ainda disse que o governo não faria promoção de opção sexual de ninguém. Isso foi um golpe nos homossexuais. Foi um golpe em mim, como ativista, como parlamentar, e um golpe nas lideranças do movimento LGBT no Brasil inteiro. Inclusive nas lideranças petistas do movimento. Era um projeto de enfrentamento ao bullying homofóbico, que é responsável pela evasão escolar, pelo suicídio e pela depressão infanto-juvenil. A presidente tratou uma política de promoção dos direitos humanos como uma propaganda de opção sexual. Como se orientação sexual fosse uma questão de opção. A religião é uma opção. Orientação sexual não é opção.
“Dilma Rousseff disse que o governo não faria promoção de opção sexual de ninguém. Isso foi um golpe nos homossexuais”
Sul21 – O Congresso Nacional possui, em sua maioria, integrantes bastante conservadores. O senhor se sente isolado na defesa da garantia de direitos aos homossexuais?
 
Jean – Não me sinto isolado. Existe uma correlação de forças. Os conservadores podem ter maior número e mais força econômica, mas há também deputados progressistas. Lembro de um discurso da Benedita da Silva, que foi a primeira mulher negra a entrar no Congresso, que disse: “Se não fossem os homens brancos do Congresso, aliados à minha causa, eu não teria avançado”. Digo o mesmo: se não fossem os parlamentares heterossexuais aliados aos LGBTs eu não teria avançado tanto. Tenho aliados muito fortes. A frente parlamentar é composta por deputados bastante ativistas, de diferentes partidos.

Sul21 – Mas são deputados da base aliada do governo federal. Será que o apoio deles não vai só até o ponto em que os interesses do Palácio do Planalto sejam afetados?
 
Jean – A frente parlamentar tem sido muito republicana na sua postura. A Érika Kokay (PT), inclusive, fez uma crítica à presidente Dilma na conferência. Isso me deu aval para avançar.

Sul21 – E como é sua relação com a bancada evangélica? Há diálogo possível?
 
Jean – A bancada evangélica não constitui um bloco monolítico. Há divergências internas e graças a isso há alguns setores mais abertos ao diálogo. Por isso conseguimos aprovar o estatuto da juventude, incluindo nele a diversidade sexual e religiosa. Foi um avanço que só conseguimos graças ao diálogo com esses setores mais abertos da bancada evangélica. Mas os mais conservadores são mais histriônicos e estridentes. Eles não entendem a ideia de estender a cidadania aos homossexuais porque querem negar a existência dos homossexuais. É um entendimento simplório de alguém que ignora todas as conquistas humanas em termos de conhecimentos nos últimos anos. Essas pessoas acham que os homossexuais têm que ser curados, acham que temos um desvio moral e de saúde. Daí vem toda oposição a políticas públicas e iniciativas legislativas que tentam estender a cidadania aos homossexuais.

Sul21 – Uma figura que chama bastante atenção nesse tipo de pensamento é o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ)…
 
Jean – O Bolsonaro é uma caricatura. Ele faz da caricatura a sua atuação. E ao fazer da crítica ao movimento LGBT a sua bandeira ele tenta rebaixar a própria política LGBT, com uma postura histriônica, midiática.
“Quem segurou a onda do debate nacional em torno da questão da homofobia foi a Globo, na novela Insensato Coração”
"A comunidade LGBT é muito diversa entre si, embora tenha uma base comum de identificação. E queremos que todos sejam respeitados nas suas diferenças" | Foto: Saulo Cruz/Ag.Câmara

Sul21 – Com a dificuldade de o Congresso aprovar leis que garantam direitos a homossexuais, o Judiciário tem preenchido essa lacuna, tomando decisões que asseguram garantias em casos específicos.
 
Jean – Fico muito feliz em viver numa república federativa sustentada na tripartição e na autonomia dos poderes. Se o Executivo tem uma base aliada conservadora e faz pouco, e o Legislativo não avança porque numericamente os conservadores são maioria, resta ao Judiciário, que não está sob pressão eleitoral, garantir os direitos. Mas não podemos nos contentar com isso. Sabemos que amplos setores da sociedade brasileira são excluídos do acesso à Justiça. Não podemos achar que uma decisão do Judiciário basta, é preciso garantir leis. Queremos os mesmos direitos com os mesmos nomes, é isso que precisa ser garantido.

Sul21 – Como o senhor avalia o papel da mídia na formação de imaginários sobre gays? Há avanços ou ainda se reproduz muito os estereótipos?
 
Jean – Quando a Globo colocou a questão da homofobia na novela Insensato Coração, as pessoas ficavam envergonhadas vendo o personagem do Cássio Gabus Mendes. Isso sensibilizou muita gente que negava sua própria homofobia. O Brasil é um país curioso: nega que é racista e homofóbico, mas pratica essas duas coisas. Acredito que estão havendo avanços. Entre a suspensão do projeto Escola Sem Homofobia e a votação do PL 122/06 (que criminaliza a homofobia), quem segurou a onda do debate nacional em torno da questão da homofobia foi a Globo, através da novela Insensato Coração. E o movimento LGBT utilizou as falas da novela e as situações que ela expôs. A telenovela tem um papel preponderante na formação do imaginário nacional. E a Globo prestou um serviço relevante nesse caso. Mesmo o Crôdoaldo, personagem da novela do Agnaldo Silva, traz um ponto de vista interessante. Muita gente acha que ele é caricato. Mas enxergo mais além: acho que é uma provocação do Agnaldo Silva. Por que as pessoas têm que aceitar só o gay-sala-de-estar, o gay que está de acordo com os valores estéticos burgueses heterossexuais? O gay que não se parece com gay é o que é aceito. O Crôdoaldo é afeminado, gosta da Madonna, ele quer ser aceito na sua diferença. É isso que defendemos. Nada mais diferente de um gay do que outro gay, né? A comunidade LGBT é muito diversa entre si, embora tenha uma base comum de identificação. E queremos que todos sejam respeitados nas suas diferenças.

Sul21 – Inclusive um ponto que é pouco conhecido é o preconceito que existe dentro do próprio movimento LGBT em relação a travestis e transexuais, por exemplo.
 
Jean – Os gays foram educados nas mesmas escolas que os héteros, consumiram a mesma publicidade, assistiram as mesmas novelas, leram os mesmos livros… Se essa cultura heteronormativa faz de um heterossexual um homofóbico, também pode fazer de um gay um homofóbico. Se desvencilhar dessa homofobia introjetada é se desconstruir, sair da vergonha para o orgulho. É o famoso sair do armário. Então isso tudo faz com que alguns gays ainda conservem preconceitos e achem, por exemplo, que a travesti é uma caricatura. Eu tive a mesma educação machista que você. Se hoje sou feminista e não tenho misoginia é porque desconstruí isso em mim. Mas tem homens que passam a vida misóginos, achando que mulher é só para transar e não dão valor à mulher para além da cama.
“As paradas gays precisam ser repensadas. Têm que abrir mão da massa para serem mais políticas”
Sul21 – Como o senhor avalia a importância das paradas gays atualmente? Elas estão conseguindo impor uma agenda ao movimento e à sociedade ou ficam muito centradas na celebração?
 
Jean – As paradas precisam ser repensadas pelos seus organizadores. Elas viraram eventos de massa e têm um papel relevante que é dar visibilidade aos modos de vida gays. São uma celebração do orgulho de ser gay, então elas têm mesmo que ser uma festa, não vejo problema nenhum nisso. Mas acho que elas precisam ser repensadas, porque já atravessamos o período da visibilidade. Agora as paradas têm que abrir mão da massa para serem mais políticas. Elas precisam deixar no imaginário das pessoas qual a pauta que está sendo discutida. Precisam dizer: “Estamos aqui celebrando o orgulho de ser, contra a vergonha e contra a discriminação, mas nossa pauta política é tal”.
"Numa democracia há o tempo do debate. Não dá para fazer tudo, mas é importante que alguém com as minhas características esteja no Congresso Nacional" | Foto: Beto Oliveira/Ag.Câmara

Sul21 – Como está a situação da proposta de emenda constitucional (PEC) de sua autoria que legaliza o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo?
 
Jean – Já conseguimos 99 assinaturas, das 171 necessárias. Ano que vem com certeza iremos conseguir todas. Mas já há uma campanha em curso no site casamentociviligualitario.com.br. O mandato deu o pontapé inicial, mas a campanha já é da sociedade civil.

Sul21 – Apesar de sua militância política ser de longa data, nesse ano o senhor entrou na atuação institucional e partidária. O que está achando desse novo trabalho?
 
Jean – Não dá para fazer tudo o que a gente pensa, porque a democracia tem seu tempo. Às vezes somos impacientes com o tempo da democracia, mas é o preço que temos que pagar. É ao contrário das autocracias e ditaduras, onde as coisas são determinadas. Numa democracia há o tempo do debate. Não dá para fazer tudo, mas é importante que alguém com as minhas características esteja no Congresso Nacional. Não necessariamente eu, mas é preciso que determinados temas sejam tratados com coragem e que seja feita a articulação da política de direitos humanos com a política mais ampla. Não se pode discutir direitos humanos sem discutir a política orçamentária e todas as concessões que o governo federal faz ao sistema financeiro, destinando 45% do orçamento ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública, que já deveria ter sido auditada há muito tempo. As pessoas me perguntam se eu estou gostando (de ser deputado) como se fosse uma partida de futebol (risos). Sempre respondo que não é uma questão de gostar ou não, é um imperativo. É preciso estar aqui (no Congresso).

Sul21 – E como o senhor projeta seu futuro político? Cogita concorrer a alguma prefeitura ou governo?
 
Jean – Dizia minha mãe que o futuro a Deus pertence. Não vou especular sobre o futuro. No momento, o que eu quero fazer é um excelente mandato. E isso implica em enfrentar forças por demais bem equipadas.

Além dos desmandos de sempre, muito marketing e pouca bola

  Gabriel Brito, da Redação do CORREIO DA CIDADANIA   

Tal como 2010, o ano que finda tampouco deixa motivos para grandes festejos no esporte brasileiro. No anterior artigo retrospectivo, destacou-se a obscenidade de diversos acontecimentos da política esportiva, basicamente relacionados aos grandes eventos que se avizinham. Dentro dos campos, quadras, pistas, piscinas, mais dissabores que alegrias, capitaneados pela desastrosa Copa do Mundo da seleção de futebol.

Dessa forma, fica difícil expor algo de novo e, acima de tudo, positivo em mais um ano que termina em nossa pátria tão repleta de ufanismos. Mas diante, justamente, desse quadro de grande manipulação, desinformação e enganações diversas, mantém-se a necessidade de se fazer o papel mais chato da trama que só anuncia a felicidade geral da nação.

Trata-se do contraponto ao que se vende como emancipação esportiva do país, na mesma esteira eufórica do desenvolvimento econômico nacional, mas que esconde muito mal as vísceras de projeto meramente capitalista, comandado pela parceria público-privada que realmente funciona por aqui: a associação de governantes, que, sob os mais cínicos e variados discursos, falsificam suas tarefas de promoção da justiça social e econômica, com seus empresários financiadores de campanha, que cartelizam todos os grandes negócios, projetos e obras deste “desenvolvimento”.

Assim, o que podemos dizer é que, mais do que nunca, o esporte e, em especial, o futebol brasileiro têm reproduzido em escala acentuada a própria vida cotidiana verde e amarela. Enquanto vemos os mesmos políticos desmoralizados em seus parlamentos anunciarem com pompa as grandes obras de infra-estrutura e estádios que nos servirão de “legado”, temos uma mídia que predominantemente vende tais eventos como autêntica agência de propaganda.

Empresas que sempre foram marcadas pela corrupção e super-faturamento em seus serviços ao Estado são apresentadas como grandes atores de nosso crescimento e do próprio orgulho que tais eventos representarão. A mídia comercial, com suas edições de fim de ano destacando os mais influentes e “especiais” dos brasileiros, deita perfis de cartolas esportivos e corporativos, apresentando-os com capa de homens de visão e conscientes de seu papel social.

Tal cobertura acrítica da grande e monopólica mídia acaba superando largamente o papel do contraditório desempenhado pelos movimentos sociais, especialmente os comitês populares de cada cidade sede, e da chamada imprensa alternativa, que se esforça na divulgação dos acontecimentos por um ponto de vista social. Mas não tem o poder de alcance, por exemplo, de uma das grandes sócias da Copa e das Olimpíadas: a Rede Globo, claro, que, além de transmitir, faz todo o trabalho de marketing que se possa desejar para o “bom andamento” dos fatos.

Assim, um estádio que será construído em torno de uma série de imoralidades, a começar pelo uso indiscriminado do dinheiro público e a quase certeza de remoções mal recompensadas, é vendido como grande ponto de partida do desenvolvimento da zona leste de São Paulo. E tal como em diversos outros momentos políticos de relevância histórica mundo afora, um time de grande força popular é o grande escudo do poder público para dar vazão a interesses escusos.

Só não se sabe qual será o futuro do Corinthians, em seu estádio que só será seu de verdade após a Odebrecht recuperar o dinheiro investido (a partir de empréstimo do BNDES), sob risco de uma impagável dívida. O mesmo vale para todas as outras “arenas” (nome dos shoppings travestidos de estádios) reformuladas ou novinhas, superfaturadas desde o início e cercadas de incerteza acerca de sua gestão e viabilidade posteriores ao Mundial de futebol.

Portanto, tal como dito desde a escolha do Brasil como sede de tais eventos, não haverá muito a fazer contra processo tão avassalador. Remar contra tem a serventia de evitar um massacre ainda maior e a promoção ilimitada de injustiças e violências sociais, especialmente através das remoções de famílias de favelas em áreas de interesse do mercado. No entanto, o máximo que se conseguirá é a chamada redução de danos. E posteriormente, a briga pela apropriação pública e social do que houver de “legado” estrutural.

Lá dentro, as mesmas ilusões

Já nos campos, o Brasil continua em péssima fase de sua história. Tal como nos últimos anos, a seleção, agora sob o comando de Mano Menezes, encontra-se completamente sem rumo, incapaz de reavivar a velha escola nacional que encantou o mundo e formou timaços. Não se consegue montar um grupo coerente e regular de jogadores, com estilo fiel ao que aprendemos a apreciar e livre dos vícios impostos pelo futebol de resultados, obsessivo física e taticamente e divorciado da perfeição nos fundamentos mais técnicos do jogo. Fora a contaminação por variados pragmatismos absorvidos da Europa, por onde vive ou deseja viver a nata do nosso futebol. Obviamente, isso é fator chave para a descaracterização do nosso jogo, “artístico”, “moleque”, “imprevisível”, ou o que o valha e hoje inexiste.

“Um futebol muito corrido e pouco pensado. O Brasil precisa se reencontrar”, resume, há anos, Tostão, um dos maiores se não o maior analista de futebol do país – e craque da seleção de 70, se não bastar...

O problema, pouco compreendido, é que não se atira a essência de um poção mágica ao espaço e depois a recupera num piscar de olhos. Essa seleção sem cara, alma, graça, distanciada das raízes e da própria casa, é o mais límpido e cristalino reflexo dos 22 anos de Ricardo Teixeira e sua gestão comprovadamente mafiosa e incompetente na CBF, associada a outra aliada de primeira hora do atraso: de novo, a Globo, que não se cansa de transformar o futebol em mero produto de entretenimento, onde reina a paparicação, e se poda a verdadeira cultura popular e autêntica do jogo.

Essa nefasta sociedade foi quem passou tal período evitando os necessários avanços, que vão muito além da escolha de um treinador certo e a conquista de uma ou outra taça. O grande desastre é que o futebol brasileiro ficou não apenas sem escola, mas sem direção, cara, visão, mentalidade, coerência, gestão, e como vai longe a lista... Em suma, tudo que o aclamado Barcelona, e também a seleção espanhola, não fizeram. Não à toa agora gozam o trono que pensamos ser eternamente nosso.

Em todo este período, no qual o futebol se “modernizou” e se transformou também em grande negócio capitalista, deixaram-se no Brasil as mesmas estruturas que nas décadas anteriores já anunciavam a penúria, até por nunca terem sido capazes de organizar coerentemente sequer duas edições consecutivas do campeonato nacional, como mostra a história.

O interesse mesquinho, e falsamente favorável aos pequenos, das federações estaduais, a inadequação do nosso calendário, sempre na contramão do resto do mundo, a liderança não menos despótica da confederação continental e o nível de imbricação, protagonismo e ingerência atingido pelos empresários, agora turbinadíssimos por fundos ainda mais poderosos de investimentos, nos levaram a tamanha decadência. Portanto, nada gratuita.

Mesmo assim, seguimos sem visão

Mas como o esporte é uma das áreas da vida mais pródigas em desfazer mitos e desmentir as maravilhas do marketing, dentro de campo tivemos um ano que, se não nos levar a uma rápida reflexão, pode significar novos e traumáticos infortúnios. O que não é nada desejável quando se está perto de sediar Copa e Olimpíadas...

Na Libertadores, 5 dos 6 brasileiros fracassaram retumbante e precocemente, sendo derrotados para equipes de países vizinhos sempre desabonadas por nossa mídia, que, por mais que raramente os veja jogar, jamais dá o braço a torcer e reconhece seus méritos, até mesmo quando batem nos brasileirinhos, o que fizeram a granel em 2011. Via de regra, “são times limitados, mas esforçados, raçudos e que jogam com a pressão da torcida”. É hora de contar outra...

Apesar do título do Santos na Libertadores, os demais foram um fracasso. Assim como na Copa Sul-Americana, vencida pela virtuosa Universidad de Chile – que já vendeu o artilheiro do torneio pra Europa, nessa triste saga... E também na Copa América de seleções, na qual fomos eliminados nas quartas de final para o Paraguai, nos pênaltis, com três empates, uma vitória e outra campanha horrorosa.

Já o massacre sofrido pelo Santos contra o Barcelona na final do Mundial de Clubes deve ser visto como choque de realidade, não como “maior espetáculo da Terra”. Pois parece muito oportunista da parte da mídia, e de todos, sempre resistentes em aplaudir rivais gringos, agora reverenciar incansavelmente o timaço catalão. Sim, trata-se de um dos maiores que já vimos, mas não se pode perder de vista que foi a maior diferença de gols da história do Mundial de Clubes e que foi aterradora a postura entregue, reverente, submissa, dos atletas santistas, como se cientes de estarem diante de mestres imbatíveis e de que o negócio era fruir a aula... Não parece ser o papel que melhor cabe ao futebol brasileiro.

Não há marketing que cubra tamanha fraqueza e despreparo de nosso futebol diante de outras grandes potências, que passaram as últimas décadas saqueando livremente nossos talentos (e dos vizinhos), melhoraram seu futebol doméstico, evoluíram na maneira de jogar, (re)criaram estilos, variações táticas ofensivas e também progrediram na formação de jogadores, até pelo fato de contarem com legiões imigrantes, cujos filhos talentosos florescem por lá mesmo. Em suma, estamos no futebol exercendo o mesmo papel periférico e subalterno de sempre da geopolítica e da economia.

A tragédia é que tal tendência não dá o mínimo sinal de reversão. Os megaeventos simplesmente não estão servindo como oportunidade de retomada de “nosso devido lugar” no esporte, especialmente naquele em que éramos reis. E ninguém parece atentar para tamanho desperdício.

O pior de tudo é que o boom econômico brasileiro já chegou ao futebol (e aos poucos aos demais), nossos clubes têm dinheiro como nunca, mas não conseguem sair da fórmula fácil de trazer de volta medalhões cadentes sem conter a sangria “juvenil”. “Essa grana toda só vai servir pra deixar tudo igual, mas com um custo maior. Eles vão deixar tudo no mesmo nível, apenas custando mais”, opina o jornalista Paulo Calçade, do Estadão/ESPN.

Diante do atual protagonismo brasileiro no esporte, e também sua história ao menos em alguns deles, fica clara a falta que faz uma verdadeira política esportiva, inclusive com participação do Estado, algo mais que comum na organização de parâmetros e objetivos “macro” de toda uma nação, neste e em qualquer âmbito. Até pela possibilidade mais clara de punir desmandos e assaltos, o que nunca ocorre no nosso espúrio cenário. A maneira como caiu o ministro Orlando Silva, aliado de primeira hora do que há de pior no mundo esportivo, foi só um pequeno exemplo de como ainda estamos atrasados nessa estruturação, que pode cobrar um inesquecível preço nos próximos e esperados tempos.

Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.

2011: crise capitalista e novo cenário no Oriente Médio


Emir Sader no CARTA MAIOR

O cenário geral que englobou a todo o ano de 2011 foi o novo ciclo da crise geral do capitalismo, iniciado em 2008. Pelo tipo de medidas tomadas naquele momento, era de se esperar que houvesse um novo brote da crise, mesmo se não se pudesse imaginar uma intensidade tão forte como aquela que afeta especialmente a economia europeia.

Ao ter salvado os bancos, detonante e epicentro da crise, os governos acreditavam que salvariam as economias e os países. Os bancos se salvaram e deixaram as economias e os países abandonados. Até porque os bancos tem a seu favor os organismos financeiros internacionais e as agências de risco, que agem de forma coerente e coordenada.

Por isso a crise voltou como bumerangue, tendo agora diretamente os governos como epicentros, pressionados pelo sistema bancário e pelos organismos que expressam seus interesses – FMI, Banco Central Europeu. Depois de bancos e outras instituições financeiras, em 2008, agora países passaram a falir, tendo a Grécia como caso paradigmático, que estende sua sombra sobre quase todos os países da zona do euro.

A unificação monetária – que foi a essência da unificação europeia, a ponto que os referendos perguntavam diretamente se queriam a moeda única e não a Europa unificada – se revelou uma armadilha, tanto para os países mais fragilizados, que na ausência de políticas monetárias nacionais, não tiveram formas de se defender minimamente da crise, como os países em melhores condições, que tiveram que acudir a eles, sob o risco de desabamento de toda a arquitetura do euro, levando-os também de roldão.

As respostas se deram no marco das políticas neoliberais dominantes, combatendo centralmente os déficits públicos e não os efeitos econômicos e sociais dessas políticas: a recessão e o desemprego. Como é típico do neoliberalismo, a centralidade está na estabilidade monetária e não no desenvolvimento econômico e na geração de empregos.

Como resultado, a maior novidade do 2011 é que a Europa ingressou de cheio numa fase recessiva, que deve demorar pelo menos uma década e que, dramaticamente, termina com seu Estado de bem-estar social, característico de suas sociedades no segundo pós-guerra. Os outros países do centro do capitalismo – EUA, Inglaterra, Japão – se defendem minimamente, por ter politicas monetárias nacionais, mas estão envolvidos na mesma tendência, que abrange a totalidade dos países centrais do capitalismo.

Essa a consequência mais importante do que ocorreu em 2011: projeção de recessão prolongada no centro do capitalismo, que será o cenário econômico internacional. Não significa que não haja oscilações, mas sempre entre recessão, estagnação e crescimento baixo, com os problemas sociais correspondentes e a instabilidade política de governos de turno que pagarão sempre o preço das politicas recessivas.

No outro plano estrutural – o da hegemonia imperial no mundo – o ano trouxe a novidade da guerra da Líbia, como nova modalidade de intervenção imperial. Tomada de surpresa pelas rebeliões populares na Tunisia e no Egito, que derrubaram alguns de seus aliados fundamentais na região, a reação das potencias ocidentais foi buscar revidar com o apoio maciço, especialmente militar, à oposição na Líbia, que contou com o beneplácito da ONU – com sua cínica decisão de “proteção da populações civis”- e a intervenção militar pesada da Otan, que bombardeou o pais durante mais de 6 meses, contando com o protagonismo da Inglaterra, da França e da Italia e o apoio logístico dos EUA, até obter o que buscava: a queda do regime de Kadafi e sua morte. Foi uma nova modalidade de intervenção, numa região que passa a ter instabilidades politicas prolongadas.

Renovou-se assim o arsenal de formas de intervenção das potências imperialistas, que se voltam agora para a Síria e o Irã, enquanto a saída das tropas dos EUA do Iraque não prenunciam o fim dos conflitos, transferindo-os agora para a disputa de hegemonia entre as facções internas. A violência só aumentou, o que passa também no Afeganistão, o que faz com que, depois do sucesso da derrubada dos regimes desses dois países, a uma vitória militar os EUA nao tenham conseguido impor uma vitória politica.

A chamada “primavera árabe” trouxe um elemento novo na região, que estava congelada de participação popular e, de repente, viu multidões ocuparem praças para derrubar ditaduras. O movimento, que começou neste ano, ainda deve ter longos desdobramentos, porque as ditaduras bloquearam o surgimento de forças alternativas durante décadas e nas eleições tendem a triunfar aquelas que tinham espaço, mesmo se restringido, nos velhos regimes: partidos e movimentos islâmicos. Mas os processos em países como a Tunísia e o Egito estão longe de terminar, como demonstra o novo ímpeto das mobilizações no Egito, agora diretamente contra o papel que os militares tentam manter na transição politica.

O ano de 2011 acentuou a natureza prolongada e profunda da atual crise capitalista, porém os modelos alternativos ao neoliberalismo ainda tem existências regionais – como o caso da América Latina e, de forma distinta, a China. Da mesma forma, as debilidades da hegemonia imperial norteamericana – não consegue manter e ganhar duas guerras ao mesmo tempo, por exemplo – não encontra ainda formas multipolares com capacidade suficiente para superar o mundo unipolar existente. Assim, se prolongará o período de instabilidades e turbulências que a crise do neoliberalismo e do imperialismo introduziram, até que forças com capacidade de superação possas se afirmar. Passos têm sido dados e a própria capacidade de resistência do Sul do mundo – em especial da América Latina e da China – à recessão no centro do capitalismo demonstram isso. Mas a disputa hegemônica ainda tende a prolongar por um tempo longo. O certo é que o mundo sairá distinto desta segunda década do século XXI – melhor ou pior -, mas distinto, porque os sintomas de esgotamento dos seus esquemas econômicos e políticos dominantes são evidentes.