Entrevista especial com Eduardo Moro | |||
Em contraposição à alimentação fast food, a procura pela alimentação orgânica tem crescido consideravelmente em diversos países do mundo. Escândalos alimentares ocorridos na Europa nos anos 1980, o clima de insegurança, as “dúvidas quanto à capacidade dos peritos em prever ou mesmo controlar incidentes envolvendo o consumo de alimentos” e as incertezas da sociedade do risco, teoria abordada por Ulrich Beck, contribuíram para que os consumidores repensassem as práticas alimentares, diz Moro à IHU On-Line. Apesar de a agricultura orgânica ter avançado nas últimas décadas, e de “mais de 60 milhões de hectares serem destinados” à essa prática, apenas dez países lideram a produção de alimentos orgânicos e “são responsáveis por quase 3/4 do total. (...) Esses dados evidenciam, por um lado, limitações da agricultura orgânica, mas também, ao mesmo tempo, oportunidades de desenvolvimento em outras partes do planeta”, assinala o sociólogo na entrevista a seguir, concedida por e-mail. Ao analisar a agricultura orgânica brasileira, Moro diz que os desafios estão na produção e na comercialização dos alimentos. Para se desenvolver, esse modelo agrícola precisa de subsídio estatal, especialmente durante o período de “conversão, ou seja, quando o agricultor passa sua produção de convencional para orgânica”. Em relação à comercialização, “o desafio está no fortalecimento do mercado interno. (...) Os relatórios internacionais apontam que 70% a 90% da produção brasileira de alimentos orgânicos é destinada à exportação”, aponta. Eduardo Moro é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, mestre e doutorando em Sociologia Política pela mesma instituição. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia Ambiental, atuando principalmente nos seguintes temas: alimentos orgânicos, supermercados, riscos alimentares, consumo alimentar e consumidores. Confira a entrevista. IHU On-Line – Como se caracteriza um alimento orgânico? Quais são as regras para se produzir um alimento orgânico? Eduardo Moro – A partir da década de 1990, inúmeros países passaram a debater definições, normas e regras ligadas à produção e à comercialização de alimentos orgânicos. A partir destes debates, uma série de legislações passaram a vigorar, cada uma delas com especificidades inclusive no que se refere às terminologias e às definições de alimento orgânico. O que no Brasil é chamado de orgânico, por exemplo, pode ser encontrado como ecológico ou biológico em outras partes do mundo. Portanto, não existe uma única definição de alimento orgânico, tendo em vista que podem variar de país para país. Em uma análise recente, baseada em publicações oficiais de países da América Latina e União Europeia, além de Estados Unidos e Canadá, bem como de organizações ligadas à agricultura orgânica no Brasil e no mundo, destaquei quatro aspectos que penso estarem, em maior ou menor grau, presentes na maioria das definições investigadas e que contribuem para formular uma definição “geral” de agricultura orgânica, nos moldes da pergunta. O primeiro deles é mais específico e se refere à não utilização de insumos químicos na produção. Já os demais envolvem uma perspectiva social, uma econômica e outra ambiental, ou ecológica. Esta última pode subdividir-se ainda em proteção do solo, dos recursos hídricos e na defesa do bem-estar animal. Especificamente no caso do Brasil, acredito que a construção da definição de agricultura orgânica dá seu primeiro grande passo a partir dos debates que originaram a Instrução Normativa 007, de 17 de maio de 1999. O segundo e definitivo passo ocorre com publicação da lei n. 10.831, de 23 de dezembro de 2003, regulamentada em 27 de dezembro de 2007 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A definição presente na lei refere-se à utilização de técnicas que visam à sustentabilidade econômica e ecológica em contraposição a materiais sintéticos, organismos geneticamente modificados e radiação ionizante. É importante ressaltar que a produção e a comercialização de alimentos orgânicos envolve ainda inúmeros outros aspectos que se referem à certificação, ao transporte, ao armazenamento, etc., que deram origem a novos documentos que vêm sendo discutidos até os dias atuais. IHU On-Line – A que você atribui o crescimento da produção e consumo de alimentos orgânicos no mundo? Eduardo Moro – Não tenho dúvidas de que o crescimento da produção e do consumo de alimentos orgânicos ocorre por diversos fatores. Uma única razão não dá conta de explicar tal fenômeno, sobretudo dada a especificidade de cada país e a forma como cada cultura percebe a sua alimentação. Portanto a resposta que darei aqui não é a única, mas é talvez umas das mais aceitas na literatura internacional. Para muitos europeus, a década de 1980 ficou marcada pelos diversos escândalos alimentares, o mais importante deles possivelmente tenha sido a encefalopatia espongiforme bovina, conhecida como a “doença da vaca louca”. Tais acontecimentos trouxeram à tona um clima de insegurança e dúvidas quanto à capacidade dos peritos em prever ou mesmo controlar incidentes envolvendo o consumo de alimentos. Trouxeram também em seu bojo transformações marcantes nos hábitos alimentares de parte importante da população de alguns países, especialmente aqueles cujas organizações de consumidores eram mais estruturadas e atuantes. Esse cenário favoreceu a inserção dos alimentos orgânicos na dieta de muitos consumidores, tidos como mais seguros, saudáveis e livres de qualquer tipo de contaminação. Contudo, essa explicação não se aplica ao Brasil, por exemplo. Acredito que aqui o crescimento tenha se dado muito mais por uma oportunidade de mercado, como uma tendência trazida pelas redes internacionais de supermercados (assunto que ainda pretendo discutir) e como uma oportunidade na exportação de alimentos orgânicos para grandes mercados consumidores. IHU On-Line – Quais são os desafios da produção e do consumo de alimentos orgânicos? Eduardo Moro – Ainda que a agricultura orgânica tenha tido um grande avanço nas últimas décadas, ainda há um longo caminho a ser percorrido. Apesar de atualmente mais de 60 milhões de hectares serem destinados à agricultura orgânica em todo o mundo (incluindo áreas de extrativismo sustentável e em processo de conversão), os dez países líderes em produção são responsáveis por quase 3/4 do total. Mais do que isso, de um mercado com receita anual superior a 54 bilhões de dólares, 97% deste montante está concentrado na Europa e nos Estados Unidos. Esses dados evidenciam, por um lado, limitações da agricultura orgânica, mas também, ao mesmo tempo, oportunidades de desenvolvimento em outras partes do planeta. No Brasil, o caso não é muito diferente, pois, apesar de o país possuir uma área de mais de 880 mil hectares destinada à agricultura orgânica, isso representa apenas 0,33% do total da área agrícola do país. Da mesma forma, há um caminho longo a ser percorrido. Mas, tratando especificamente dos desafios do Brasil, acredito que eles residam tanto na produção como na comercialização. Não sou muito otimista quanto ao desenvolvimento da agricultura sem subsídios do Estado. Especialmente no caso da agricultura orgânica, sou ainda mais enfático ao defender o apoio do governo, sobretudo no período compreendido como “conversão”, ou seja, quando o agricultor passa sua produção de convencional para orgânica. Esse período de tempo varia de acordo com o cultivo a ser desenvolvido e o uso anterior da unidade de produção (sendo no mínimo de 12 meses), que é quando o produtor encontra dificuldades de comercializar seu produto por não ser considerado ainda um produtor orgânico. No que concerne à comercialização, o desafio está no fortalecimento do mercado interno. Uma das grandes dificuldades em pesquisar agricultura orgânica no Brasil sempre foi a ausência e a confusão de dados acerca da produção e da comercialização. Digo isso, pois os relatórios internacionais apontam que 70% a 90% da produção brasileira de alimentos orgânicos é destinada à exportação. Embora ainda não possua todos os dados empíricos necessários, as pesquisas realizadas nos últimos anos junto ao Instituto de Risco e Sustentabilidade (IRIS-UFSC) me levam a questionar tal fato. Penso que o mercado interno brasileiro está sendo subestimado. Apesar disso, acredito também que um dos desafios da agricultura orgânica no Brasil resida justamente em mensurar de maneira clara esse mercado e, a partir disso, elaborar estratégias envolvendo poder público e privado para fomentar a venda de tais alimentos e assim popularizar cada vez mais a agricultura orgânica nas diversas regiões do país. IHU On-Line – Se, por um lado, cresce a produção de alimentos orgânicos, por outro, o Brasil é um dos maiores usuários de agrotóxicos. Como o senhor explica essa questão? Eduardo Moro – Mesmo me considerando um otimista quanto ao crescimento da agricultura orgânica nos próximos anos, acho pouco provável que ela venha a se tornar o modelo dominante de agricultura no país. Portanto, não me surpreende que o Brasil apresente – por um lado – o crescimento da agricultura orgânica e – por outro – mantenha-se como um dos maiores usuários de agrotóxicos do planeta. A agricultura orgânica encontra-se em um processo de implementação no Brasil e rivaliza com modelos de produção consolidados e amplamente utilizados desde a Revolução Verde. Não podemos esperar que em um curto período a agricultura orgânica promova reduções drásticas na utilização de agrotóxicos, mas “apenas” que se mantenha enquanto uma alternativa economicamente viável e ambientalmente sustentável para aquele produtor que esteja disposto a buscar novas alternativas. Porém, repito que isso será possível somente com planejamento, contando com apoio e diálogo do poder público e da indústria privada. IHU On-Line – Qual o papel dos supermercados na oferta de alimentos orgânicos? Eduardo Moro – Tomando de empréstimo as palavras da professora doutora Julia Guivant, o crescimento dos supermercados levou feiras livres e lojas especializadas a ocuparem um papel secundário na venda de alimentos orgânicos no Brasil. A própria pesquisadora demonstra a importância dos supermercados através de pesquisas em supermercados no Rio de Janeiro, São Paulo e Florianópolis. Justamente na capital catarinense é que realizei minha primeira pesquisa relacionando alimentos orgânicos e o papel dos supermercados no ano de 2006. Naquela oportunidade, visitei doze lojas de sete diferentes redes de supermercados presentes na região, e pela primeira vez presenciei in loco o crescimento na oferta de alimentos orgânicos (principalmente vegetais in natura) nas gôndolas dos supermercados. Uma das conclusões daquele trabalho foi de que a cidade de Florianópolis possuía um mercado consolidado, podendo ser comparado em diversos aspectos com capitais mais populosas, como São Paulo e Rio de Janeiro. Alimentos orgânicos nos supermercados No ano seguinte, voltei a campo, ampliando a pesquisa para as capitais dos estados que compõem a região sul. Novamente pude constatar a presença de alimentos orgânicos na maioria dos supermercados, assim como a crescente oferta de produtos processados em gôndolas não refrigeradas. Mais do que isso, pude observar o papel destacado das grandes redes de supermercados internacionais, que não focavam sua oferta em determinadas cidades ou regiões dos estados. Ao contrário, passavam a inserir os alimentos orgânicos em políticas de venda que envolvia todo o conjunto de lojas. Recentemente, vale ressaltar, surge uma tendência importante na venda de alimentos orgânicos: a comercialização em “pequenos supermercados” ou “supermercados de bairro”. Embora ainda não tenha realizado nenhuma pesquisa acerca desse tema, acredito que essas lojas passam gradativamente a aderir à venda de alimentos orgânicos. Mas o mais importante é o que está por trás do avanço dos supermercados. É fundamental considerar que a relação entre supermercados e consumidores se dá numa perspectiva de ganho para todas as partes, ou seja, ao passo que consumidores demandam alimentos orgânicos e reivindicam a existência destes nas gôndolas do supermercado, consumidores “comuns” – que não teriam informação ou mesmo interesse em buscar alimentos orgânicos em outros canais de venda – “convertem-se” em compradores dada a oferta. Sob essa ótica, a inserção dos supermercados traria uma relação de ganho, para os produtores, para os próprios supermercados e para os consumidores. IHU On-Line – Quais as implicações dos alimentos geneticamente modificados na agricultura orgânica? Eduardo Moro – Minha intenção aqui não é debater os possíveis riscos ou benefícios dos organismos geneticamente modificados. Restrinjo-me a responder como imagino que os transgênicos podem implicar na produção e na comercialização dos alimentos orgânicos. Conforme a lei 10.831, a chamada “Lei dos Orgânicos”, é proibida a utilização de qualquer organismo geneticamente modificado na produção orgânica. Essa informação é central. Diante disso, os transgênicos surgem como um entrave para o avanço da agricultura orgânica. No que se refere à produção, por exemplo, há o risco de contaminação de uma lavoura orgânica pelo pólen oriundo de culturas transgênicas, tanto através de vetores abióticos como biológicos. Já no mercado alimentício, os transgênicos surgem como mais uma opção e passam disputar a atenção de parte importante dos consumidores nas gôndolas dos supermercados. Parece-me claro que, até o momento, o consumidor adepto a um “estilo de vida” dito saudável tem evitado o consumo de transgênicos. Entretanto, devemos considerar o caráter heterogêneo do consumidor no Brasil e os diferentes graus de informação. Diante disso, para muitos indivíduos que poderiam vir a se “converter” em consumidores de alimentos orgânicos, os transgênicos surgem como nova opção de compra. IHU On-Line – A expansão do agronegócio brasileiro impede ou prejudica de alguma maneira a produção de alimentos orgânicos? Eduardo Moro – Dentre os diversos grupos ou “correntes” que defendem a agricultura orgânica no Brasil, alguns defendem que a venda seja mantida num modelo “tradicional”, ou seja, em pequenas feiras livres, com contato direto com o produtor, mantendo relações de proximidade e confiança entre aquele que compra e aquele que vende. Em contrapartida, outros defendem que a produção orgânica seja inserida no agronegócio do país, comercializada em redes de supermercados, certificada por agências especializadas e exportada para grandes mercados consumidores. Essas perspectivas dicotômicas divergem também quanto à expansão do agronegócio. Acredito que o crescimento do agronegócio no país pode representar uma oportunidade para a agricultura orgânica desde que haja incentivo governamental aos pequenos produtores, que a produção atenda às exigências de certificação dos mercados internacionais e de que o mercado interno aquecido contribua na absorção da produção. Portanto, o destaque da produção agrícola brasileira pode contribuir para o aumento na produção, exportação e comercialização de produtos orgânicos, mas para isso necessita-se de planejamento e apoio. IHU On-Line – Quais setores agrícolas costumam investir na produção orgânica? Eduardo Moro – No ano de 2003, logo que comecei a pesquisar sobre a oferta de alimentos orgânicos em feiras livres e em supermercados, os principais produtos ofertados eram vegetais in natura dispostos a granel, embalagens plásticas ou em bandejas de isopor. Os produtos mais comuns eram verduras e legumes (como alface, brócolis, couve, repolho, rúcula e outras), ervas (como hortelã, endro, manjerona, entre outras) e frutas (principalmente ameixas e laranjas). Grande parte desses itens era produzida por pequenos e médios agricultores, organizados em cooperativas ou associações e certificados de forma participativa. Com o passar dos anos, novos itens somaram-se aos que citei anteriormente, sobretudo alimentos processados, como açúcar, farinha, biscoitos, sucos, arroz, achocolatados, cafés, entre outros. Neste caso, a produção passou também a envolver empresas de médio e grande porte, tanto aquelas de nome conhecido no mercado, que adotaram a chamada produção “paralela”, como por empresas dedicadas exclusivamente à produção orgânica. Não vou detalhar aqui as consequências desta transformação, embora tenha se tornado visível a proliferação de itens e marcas de alimentos orgânicos nas gôndolas dos grandes supermercados. IHU On-Line – Como a teoria de Ulrich Beck pode ser aplicada à produção de alimentos orgânicos? Eduardo Moro – O alemão Ulrich Beck publicou em 1986 um livro (traduzido para o inglês em 1992) que tornou bastante conhecida a premissa de viveríamos em um período no qual denominou de Modernidade tardia, caracterizado como uma “sociedade do risco”. Na obra, Beck diferencia os riscos de períodos pré-modernos daqueles presentes nos dias atuais, dando destaque aos que envolvem o meio ambiente e que trazem consigo uma série de transformações na sociedade moderna. Em 2010, o autor escreveu um novo livro com o intuito de “atualizar” a primeira versão e passou a discutir também os riscos gerados pelo terrorismo, marcado pelos ataques de 11 de setembro. Em termos gerais, algumas coisas que falei anteriormente podem ser relacionadas com a teoria de Beck. Muitos dos escândalos alimentares que ocorreram nas últimas décadas trouxeram à mente das populações riscos antes inimagináveis. Esses riscos globais e de graves consequências, “democráticos” em um sentido negativo e, muitas vezes, imperceptíveis pela ciência moderna geraram um cenário altamente favorável para a adoção de hábitos alimentares mais seguros. A crescente “encenação” (ou como diria Beck, “escenificação”) dos riscos no cotidiano dos consumidores de diversas partes do mundo trouxe profundas transformações nos hábitos alimentares, como a diminuição no consumo de carne, por exemplo, ou a adoção de uma dieta composta com alimentos orgânicos. Mesmo sem ter lido Beck, atualmente os consumidores estão conscientes dos riscos alimentares como uma nova forma de risco. IHU On-Line – Qual costuma ser o perfil dos consumidores de alimentos orgânicos? Eduardo Moro – Analisando as principais pesquisas que investigam os consumidores de alimentos orgânicos no Brasil e no mundo, arrisco-me afirmar que a maioria delas está centrada na distinção entre valores individuais e/ou coletivos. Em outros termos, pesquisadores investigam se a compra ocorre motivada pelo cuidado à saúde (do consumidor ou de sua família) e/ou pela proteção ao meio ambiente. Os resultados variam consideravelmente, embora apontem predominantemente para indivíduos inseridos no primeiro grupo (ligados a valores individuais). Em número reduzido surgem pesquisas que investigam possíveis perfis, sobretudo baseados em indicadores socioeconômicos, ou elaboram tipologias dos consumidores de alimentos orgânicos. No Brasil são bastante comuns em meios de comunicação e até mesmo em trabalhos acadêmicos afirmações generalistas baseadas em dados como sexo, idade, renda e escolaridade. Uma delas é que os consumidores de alimentos orgânicos são preponderantemente mulheres, de faixa etária entre 35 e 50 anos, possuidores de um elevado nível de escolaridade e com alta renda. Acredito que tais informações são apenas pistas acerca de um grupo que acredito ser bem mais heterogêneo e repleto de especificidades. Nos últimos anos, novas pesquisas vêm sendo desenvolvidas, algumas delas trazendo novidades em termos metodológicos e na abrangência dos indivíduos investigados, o que poderá contribuir num futuro próximo na percepção de quem são os consumidores de alimentos orgânicos no Brasil. (Por Patricia Fachin) |
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
sexta-feira, 9 de setembro de 2011
Sociedade do risco e o consumo de alimentos orgânicos.
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Ilustração para exportação: uma mostra brasileira na China
Artistas gráficos, designers e ilustradores brasileiros participam do IllustraBrazil, festival que reunirá entre os dias 20 de agosto e 25 de setembro mais de cem obras em Xangai, na China |
por Felipe Machado no LE MONDE-BRASIL |
Há diversos aspectos culturais que influenciam na percepção da identidade de um povo. A música, sem dúvida, é um dos mais populares, mas há muitos outros. A literatura, a gastronomia e o gosto por determinadas atividades esportivas, por exemplo, representam outras expressões culturais que revelam a identidade dessas pessoas que compartilham uma origem geográfica específica. Seria possível, no entanto, afirmar que há uma característica visual própria de um país, um estilo que o diferencie dos outros, apenas pelos traços de seus ilustradores ou artistas gráficos? Se voltarmos no tempo e entrarmos pela porta das grandes escolas de arte, a resposta evidentemente é afirmativa. Difícil imaginar outro berço mais propício para o início do Renascimento do que a Itália do século XVI, assim como seria impossível assistir ao big bang do expressionismo abstrato sem o contexto cultural que brotava em Nova York nos (quase tão) longínquos anos 50. Mas a grande verdade é que o mundo mudou, ficou menor, mais global. E as fronteiras perderam o significado limitador e simbólico que tinham até o final do século XX. Haveria, então, algum país que conseguiria ficar isolado o suficiente para criar uma identidade visual 100% própria? Como é de esperar, a Sociedade dos Ilustradores do Brasil (SIB) não pretende responder a essas questões com palavras, mas com imagens. A entidade, que desde 2001 reúne mais de duzentos associados, é a organizadora do IllustraBrasil, que já está em sua oitava edição. O evento costuma se alternar entre Rio de Janeiro e São Paulo, mas a partir de 20 de agosto ganha sua primeira edição internacional: a mostra IllustraBrazilreunirá, na galeria The Foundry, em Xangai, mais de cem obras de artistas gráficos brasileiros selecionados especialmente para a ocasião. Fábio Sgroi, conselheiro da SIB, acredita que existe, sim, um estilo brasileiro, que pode ser reconhecido nas ilustrações principalmente por suas cores e formas. “Como vivemos em um clima tropical, temos a tendência de enxergar a iluminação natural de maneira mais viva e quente do que nos países do Hemisfério Norte, por exemplo. A combinação das cores de nossa vegetação com a luz dos dias claros no país aparece frequentemente em nossas artes, mesmo quando o tema não é tão alegre. Em relação à forma, também optamos por combinações mais orgânicas e impregnadas de movimento”, afirma Sgroi. O ilustrador Bruno Porto, um dos organizadores da mostra brasileira em Xangai, chegou a essa cidade em 2006, a convite do Departamento de Comunicação Visual do Raffles Design Institute, para dar aulas de Tipografia, Identidade Corporativa e Design Gráfico a alunos chineses. Entre as aulas, trabalhou como consultor para empresas estrangeiras sobre design chinês e ainda sobrou tempo para fazer a curadoria de exposições de cartazes brasileiros e coordenar a 9ª Bienal Brasil de Design Gráfico em Pequim e Xangai. “Mais do que uma mostra de ilustração brasileira, o IllustraBrazil é uma seleção de diversos aspectos de nossa cultura: natureza, esportes, arquitetura, música, sob o olhar de mais de cem profissionais das artes gráficas. A mostra permitirá que o visitante conheça o Brasil por meio da ilustração.” O evento não terá apenas cunho artístico: além das obras de cunho editorial, haverá espaço para filmes de animação, design de embalagens e peças publicitárias. “Será apresentado um seminário de negócios voltado para editoras, agências de publicidade, produtoras e empresários locais. A ideia é mostrar que o mundo descobriu a ilustração, os quadrinhos e a animação brasileira.” É o caso da graphic novel Daytripper, dos irmãos Fabio Moon e Gabriel Ba, que foram campeões de venda no site Amazon e ganharam críticas positivas no New York Times, ou do ilustrador Luiz Catani, que há duas décadas publica livros infantis na França. Porto acredita que essa é a hora de os profissionais de criação brasileiros se prepararem para atender a uma demanda estrangeira crescente, uma vez que o Brasil é a “bola da década”, com Copa do Mundo e as Olimpíadas a caminho. “O mundo todo vai querer ‘vender’ Brasil, e temos de deixar claro que somos os mais indicados para isso. A China também passou por algo semelhante, com as Olimpíadas em 2008 e a Feira Mundial de Xangai em 2010.” A mostra conta com o apoio do Ministério das Relações Exteriores. Joel Sampaio, cônsul-geral adjunto do Brasil em Xangai, acredita que o evento será essencial para aumentar a sensibilidade dos chineses em relação ao Brasil. “Muitos estudantes virão à exposição. Será ótimo para que tenham um conhecimento mais amplo sobre nosso país”, afirma o diplomata. O evento terá ainda a participação dos ilustradores Marcelo Martinez e Orlando Pedroso, profissionais e conselheiros da SIB, que darão palestras e promoverão oficinas em universidades locais. “Um evento deste porte no exterior é uma grande vitrine e, ao mesmo tempo, um espelho”, afirma Orlando Pedroso. A imagem que o Brasil quer refletir não tem preço, mas certamente valerá mais do que mil palavras. Felipe Machado Diretor de mídias digitais do Diário de S. Paulo e Rede Bom Dia, grupo com jornais distribuídos por dez cidades paulistas. Assina também o blog Palavra de Homem e é autor dos livros Bacana bacana: as aventuras de um jornalista pela Copa do Mundo da África do Sul (2010), Ping Pong: as aventura de um jornalista brasieliro na China olímpica (2008), indicado ao Prêmio Jabuti, e dos romances Olhos cor de chuva (2002) e o Martelo dos Deuses (2007). Ilustração: Mario Bag |
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