quinta-feira, 5 de abril de 2012

A heresia comunista de Daniel Bensaïd

 
Daniel BensaıdEntre todas as “heresias” de Daniel Bensaïd, quer dizer, suas contribuições para a renovação do marxismo, a mais importante, a meus olhos, é a sua ruptura radical com o cientificismo, o positivismo e o determinismo que se impregnaram tão profundamente no marxismo “ortodoxo”, principalmente na França. Por Michael Löwy no COMBATE


“Auguste Blanqui, comunista herético” é o título de um artigo que Daniel Bensaïd e eu redigimos juntos em 2006 (para um livro sobre os socialistas do século XIX na França, organizado por nossos amigos Philipe Corcuff e Alain Maillard) [no Brasil, o artigo foi publicado na revista Margem Esquerda, nº 10]. Esse conceito se aplica perfeitamente a seu próprio pensamento, obstinadamente fiel à causa dos oprimidos, mas alérgico a qualquer ortodoxia.
Daniel havia escrito alguns livros importantes antes de 1989, mas a partir daquele ano, com a publicação de Moi la Révolution : Remembrances d’un bicentenaire indigne [Eu, a revolução: Remembranças de um bicentenário indigno] (Gallimard, 1989) e Walter Benjamin, sentinelle messianique [Walter Benjamin, sentinela messiânico] (Plon, 1990), começa um novo período, que se caracteriza não apenas por uma enorme produtividade – dezenas de obras, dentre as quais várias consagradas a Marx – mas também por uma nova qualidade de escrita, uma fantástica efervescência de ideias, uma surpreendente inventividade. Apesar de sua grande diversidade, esses escritos não deixam de ser tecidos com fios vermelhos comuns: a memória das lutas – e suas derrotas – do passado, o interesse pelas novas formas de anticapitalismo e a preocupação com os novos problemas que se colocam à estratégia revolucionária. Sua reflexão teórica era inseparável de sua militância, quer ele escreva sobre Joana D’arc – Jeanne de guerre lasse [Joana D’arc de guerra cansada] (Gallimard, 1991) – ou sobre a fundação do NPA (Prendre parti [Tomar partido], com Olvier Besancenot, 2009). Seus escritos têm, consequentemente, uma forte carga pessoal emocional, ética e política, que lhes dá uma qualidade humana pouco comum. A multiplicidade de suas referências pode tomar desvios: Marx, Lenin e Trotsky, com certeza, mas também Auguste Blanqui, Charles Péguy, Hannah Arendt, Walter Benjamin, sem esquecer Blaise Pascal, Chateaubriand, Kant, Nietzsche e muitos outros. Apesar de toda essa surpreendente variedade, aparentemente eclética, seu discurso não deixa de ter uma notável coerência.
“Eu leio seus livros sem parar como remédios contra a burrice e o egoísmo”, escreveu recentemente seu amigo, o poeta Serge Pey. Se os livros de Daniel são lidos com tanto prazer, é porque eles foram escritos com a pena afiada de um verdadeiro escritor, que tem o dom da fórmula: uma fórmula que pode ser assassina, irônica, nervosa ou poética, mas que vai sempre direto ao ponto. Esse estilo literário, próprio ao autor e inimitável, não é gratuito, mas vem a serviço de uma ideia, de uma mensagem, de um apelo: não se dobrar, não se resignar, não se reconciliar com os vencedores.
Esta ideia se chama comunismo. Ela não poderia ser identificada com os crimes burocráticos cometidos em seu nome, assim como o cristianismo não pode ser reduzido à Inquisição e às dragonnades [espécie de polícia religiosa criada durante o reinado de Luis XIV para perseguir protestantes e reconvertê-los ao catolicismo]. O comunismo, em última análise, é apenas a esperança de suprimir a ordem existente, o nome secreto da resistência e da sublevação, a expressão da grande cólera negra e vermelha dos oprimidos. É o sorriso dos explorados que esperam ao longe os tiros de fuzil dos insurgentes em junho de 1848 – episódio contado com inquietude por Alexis de Tocqueville e reinterpretado por Toni Negri. Seu espírito sobreviverá ao triunfo atual da mundialização capitalista, tal como o espírito do judaísmo durante a destruição do Templo e a expulsão da Espanha (gosto dessa comparação insólita e um pouco provocadora).
O comunismo não é o resultado do “Progresso” ou das leis da História (com P e H maiúsculos): trata-se de uma eterna luta, incerta e anunciada. A política, que é a arte estratégica do conflito, da conjuntura e do contratempo, implica numa responsabilidade humanamente falível, e deve ser confrontada com as incertezas de uma história aberta.
O comunismo do século XXI era, para Daniel, o herdeiro das lutas do passado, da Comuna de Paris, da Revolução de Outubro, das ideias de Marx e Lenin, e dos grandes vencidos que foram Trotsky, Rosa Luxemburgo, Che Guevara. Mas também algo de novo, a altura das questões do presente: um eco-comunismo (termo que ele inventou), integrando centralmente o combate ecológico contra o capital.
Para Daniel, o espírito do comunismo não podia ser reduzido às suas falsificações burocráticas. Se ele era, com suas últimas energias, contra a tentativa da Contra-Reforma liberal de dissolver o comunismo no stalinismo, ele não reconhecia tampouco que pode-se fazer a economia de um balanço crítico dos erros que desarmaram os revolucionários de Outubro em face das provas da história, favorecendo a contra-revolução termidoriana: confusão entre povo, partido e Estado, cega em relação ao perigo burocrático. É preciso retirar disto certas lições históricas já esboçadas por Rosa Luxemburgo em 1918: a importância da democracia socialista, do pluralismo político, da separação dos poderes, da autonomia dos movimentos sociaisem relação ao Estado.
A fidelidade ao espectro do comunismo não impede que Daniel advogue em favorde uma renovaçãoprofunda do pensamento marxista, especialmente sobre dois terrenos onde a tradição falha em particular: o feminismo e a ecologia. As feministas – como Christine Delphy – por criticar a abordagem de Engels, que definia a opressão doméstica como um arcaísmo pré-capitalista que em breve se apagaria com a salarização das mulheres. No movimento operário, ele forneceu muitas vezes um sexismo grosseiro, principalmente ao retomar a seu favor a noção burguesa de salário mínimo. A necessária aliança entre a consciência de gênero e a consciência de classe não pode ser feita sem um retorno crítico dos marxistas sobre sua teoria e sua prática.
O mesmo vale para a questão do meio ambiente: habitualmente ligado ao compromisso fordista e à lógica produtiva do capitalismo, o movimento operário era indiferente ou hostil para com a ecologia. Por seu lado, os partidos Verdes têm a tendência de se contentar com uma ecologia de mercado e com um reformismo social-liberal. Ora, o antiprodutivismo de nosso tempo deve necessariamente ser um anticapitalismo: o paradigma ecológico é inseparável do paradigma social. Diante dos danos catastróficos provocados no meio ambiente pela lógica do valor de mercado, é preciso propor a necessidade de uma mudança radical do modelo de consumo, de civilização e de vida.
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A filosofia de Daniel Bensaïd não era um exercício acadêmico, mas estava atravessada, de um lado a outro, pelo fogo da indignação, um fogo que, segundo ele, não pode ser apagado nos mornos da resignação consensual. Daí o seu desprezo pelo “homo resignatus”, político ou intelectual que é reconhecido à distância por sua impassibilidade batraquiana perante a ordem impiedosa das coisas. Para além da modernidade e da pós-modernidade, nos resta, dizia Daniel, a força irredutível da indignação, a incondicional recusa da injustiça, que são o contrário exato do costume e da resignação. “A indignação é um começo. Uma maneira de se erguer e de se colocar em movimento. Primeiro a gente se indigna, se insurge e depois vê”.
Seu hino poético-filosófico à glória da resistência – esta “paixão messiânica de um mundo justo que não aceita sacrificar o “cintilar do possível diante da terna fatalidade do real” – se inspira ao mesmo tempo na paciência do marrano e na impaciência messiânica de Franz Rosenzweig e Walter Benjamin. É também inspirado na profecia do Antigo Testamento, que não se propõe predizer, como a adivinhação antiga o futuro, mas, ao contrário, soar o alerta da catástrofe possível. O profeta bíblico, como já o havia sugerido Max Weber em seu trabalho sobre o judaísmo antigo, não procede com ritos mágicos, mas convida a agir. Contrariamente ao esperar e ver apocalíptico e aos oráculos de um destino inexorável, a profecia é uma antecipação condicional, significada pelo oulai (“se”) hebraico. Ela busca desviar a trajetória catastrófica, conjurar o pior, manter aberto o feixe dos possíveis, logo ela é um apelo estratégico à ação. Segundo Daniel, há profecia em toda grande aventura humana, amorosa, estética ou revolucionária.
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Entre todas as “heresias” de Daniel Bensaïd, quer dizer, suas contribuições para a renovação do marxismo, a mais importante, a meus olhos, é a sua ruptura radical com o cientificismo, o positivismo e o determinismo que se impregnaram tão profundamente no marxismo “ortodoxo”, principalmente na França.
Um de seus últimos escritos foi uma longa introdução aos escritos de Marx sobre a Comuna – uma brilhante e enérgica defesa e ilustração do político enquanto pensamento estratégico revolucionário. A doutrina oficial pretende que não há pensamento político em Marx, já que a sua teoria se resume ao determinismo econômico. Ora, a leitura de seus escritos políticos, principalmente a sequência Lutas de classe na França, O 18 de brumário de Luís Bonaparte e A guerra civil na França (os dois últimos publicado no Brasil pela Boitempo em 2011) mostra, muito pelo contrário, uma leitura estratégica dos acontecimentos, levando em consideração a temporalidade própria do político, os antípodas do tempo mecânico do relógio e do calendário. O tempo não-linear e sincopado das revoluções no qual se cavalgam as tarefas do passado, do presente e do futuro é sempre aberto à contingência. A interpretação de Marx por DB é, certamente, influenciada por Walter Benjamin e pelas polêmicas antipositivistas de Blanqui, dois pensadores revolucionários aos quais ele rende uma homenagem apoiada.
Auguste Blanqui é uma referência importante nesta abordagem crítica. No artigo de 2006, mencionado mais acima, ele lembra a polêmica de Blanqui contra o positivismo, esse pensamento de progresso em boa ordem, de progresso sem revolução, esta “doutrina execrável do fatalismo histórico” erigida na religião. Contra a ditadura do fato consumado, acrescentava Bensaïd, Blanqui proclamava que o capítulo das bifurcações ficava aberto à esperança. Contra “a mania do progresso e do desenvolvimento contínuo”, a irrupção eventual do possível no real se chamava revolução. A política que prevalece sobre a história. E propunha as condições de uma temporalidade estratégica e não mais mecânica, “homogênea e vazia”. Logo, para Blanqui, “a engrenagem das coisas humanas não é fatal como a do universo, ela é modificável em cada minuto”. Daniel Bensaïd comparava esta fórmula com ade Walter Benjamin: cada segundo é a porta estreita por onde pode surgir o Messias, quer dizer, a revolução, esta irrupção eventual do possível no real.
Sua releitura de Marx, à luz de Blanqui, de Walter Benjamine de Charles Péguy, o conduz a conceber a história como uma série de ramificações e bifurcações, um campo de possíveis onde a luta de classes ocupa um lugar decisivo, mas cujo resultado é “imprevisível”. Em Le pari mélancolique [A aposta melancólica] (Fayard, 1997), talvez seu mais belo livro, o mais “inspirado”, ele retoma uma fórmula de Pascal para afirmar que a ação emancipadora é “um trabalho para o incerto”, implicando numa aposta no futuro: uma esperança que não é demonstrável cientificamente, mas sobre a qual envolve-se a existência por inteiro. Redescobrindo a interpretação marxista de Pascal de Lucien Goldmann, ele define o envolvimento político como uma aposta pensada sobre o devir histórico, “com o risco de perder tudo ou de se perder”. A aposta é inelutável, num sentido ou no outro: como escrevia Pascal, “embarcamos”. Na religião do deus oculto (Pascal) como na política revolucionária (Marx), a obrigação da aposta define a condição trágica do homem moderno.
A revolução deixa, portanto, de ser o produto necessário das leis da história, ou das contradições econômicas do capital para se transformar numa hipótese estratégica, um horizonte ético, “sem o qual a vontade renuncia, o espírito da resistência capitula, a fidelidade falha, a tradição se perde”. A ideia de revolução se opõe à sequência mecânica de uma temporalidade implacável. Refratária à conduta causal dos fatos ordinários, ela é interrupção. Momento mágico, a revolução leva ao enigma da emancipação em ruptura com o tempo linear do progresso, esta ideologia da caixa de poupança tão violentamente denunciada por Péguy, onde a cada minuto, a cada hora que passa supõe-se trazer algum crescimento à sua pequena poupança através de aumentos nos juros.
Em consequência, como ele explica em Fragments mécréants [Fragmentos canalhas] (Lignes, 2005), o homem revolucionário é o da dúvida em oposição ao homem de fé, um indivíduo que aposta nas incertezas do século, e que põe uma energia absoluta a serviço de certezas relativas. Logo, alguém que tenta, incansavelmente, praticar esse imperativo exigido por Walter Benjamin em seu último escrito, as Teses “Sobre o conceito de história” (1940): escovar a história a contrapelo.
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Daniel fará falta. Já o faz, cruelmente. Mas pensamos que ele gostaria que nos lembrássemos da famosa mensagem de Joe Hill, o I.W.W., o poeta e músico do sindicalismo revolucionário norte-americano, a seus camaradas, às vésperas de ser fuzilado pelas autoridades (sob falsas acusações) em 1915: “Don’t mourn, organize!”. Não lamentem, organizem (a luta)!



(escrito quando do falecimento de Daniel Bensaïd, em 2010). Traduzido do francês por Leonardo Gonçalves e publicado no blog da Boitempo.
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Daniel Bensaïd (1946-2010), filósofo e dirigente da Liga Comunista Revolucionária, foi um dos militantes mais destacados dos movimentos de Maio de 1968. Foi professor de Filosofia da Universidade de Paris VIII. Autor de muitas obras, tem, entre as publicadas em português, Os irredutíveis (Boitempo, 2008), Marx, o intempestivo (1999) e, em co-autoria com Michael Löwy, Marxismo, modernidade e utopia (2000).
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Michael Löwy, sociólogo, é nascido no Brasil, formado em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo, e vive em Paris desde 1969. Diretor emérito de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS). Homenageado, em 1994, com a medalha de prata do CNRS em Ciências Sociais, é autor de Walter Benjamin: aviso de incêndio (Boitempo, 2005) e Lucien Goldmann ou a dialética da totalidade (Boitempo, 2009) e organizador de Revoluções (2009),  dentre outras publicações. Colabora com o Blog da Boitempo mensalmente, às sextas-feiras.

Militares ameaçam jovens que protestaram contra comemoração do golpe de 1964


Site de coronel da reserva exibe vídeo e troca informações sobre jovens que participaram de protesto no Rio de Janeiro | Arte: Ramiro Furquim/Sul21

Samir Oliveira no SUL21

Cinco jovens do Rio de Janeiro que protestaram contra a comemoração do golpe de 1964 feita por militares da reserva no dia 29 de março estão sendo ameaçados e tendo suas vidas expostas. O site A Verdade Sufocada, mantido pelo coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra, publicou fotos com o nome de cinco manifestantes e os locais onde eles trabalham. A ira da caserna recaiu com mais força sobre Luiz Felipe Garcez, que foi flagrado numa fotografia cuspindo no coronel-aviador Juarez Gomes enquanto ele deixava o Clube Militar no Rio de Janeiro.
O site de Ustra, ex-comandante do DOI-CODI de São Paulo e torturador reconhecido pela Justiça, informa o e-mail e os perfis no Twitter e no Facebook de Luiz Felipe. Os dados se espalharam por sites e blogs mantidos por militares, que estão postando diversas ameaças aos cinco jovens pela internet.
No blog do coronel da reserva Lício Maciel – que participou da repressão à Guerrilha do Araguaia – há um vídeo de 3 minutos, que já foi retirado do YouTube, com o título de “maloqueiros alucinados”, em referência aos manifestantes. Os jovens são tratados o tempo inteiro como criminosos e agressores de idosos e os militares fazem questão de expor informações sobre eles.
No post que exibe o vídeo, o comentário de um sujeito identificado como Eduardo Cruz demonstra que a vida desses cinco jovens – especialmente a de Luiz Felipe – foi investigada. “Após um levantamento preliminar, obtive algumas informações importantes sobre o covarde que agrediu aquele senhor idoso no dia 29. O nome completo do meliante é Luiz Felipe Monteiro Garcez, vulgarmente conhecido como Pato, estudante do curso de Produção Cultural do IFRJ (Instituto Federal do Rio de Janeiro) desde 2010. Tem 25 anos de idade, frequenta o Diretório Estadual do PT no Rio de Janeiro e não trabalha”, escreveu o comentarista, que fornece informações dos empregos que o jovem já teve.
Eduardo Cruz vai além em seu comentário no blog de Lício Maciel. Ele dá informações sobre a família de Luiz Felipe e ainda faz juízo de valor sobre sua criação. O comentarista cita o nome da “namoradinha” de Luiz Felipe, informa que ele tem uma filha, publica o nome dos pais do jovem e ainda comenta que eles “visivelmente falharam na educação do moleque”.
Site mantido por Carlos Alberto Brilhante Ustra instiga militares a procurarem informações sobre jovens que participaram do protesto | Foto: Brasil247

Eduardo Cruz finaliza o comentário dizendo que “por enquanto é isso” e assegurando que irá prosseguir com a “averiguação” e que voltará “em breve com informações sobre os outros agressores presentes naquele episódio”.
Nesse mesmo post do blog do coronel Lício Maciel há um link para uma pasta no site de compartilhamentos 4Shared com informações sobre a vida de Luiz Felipe Garcez. São exibidas fotos dele, de sua mulher e até de sua filha. Uma das imagens mostra o jovem com a filha recém-nascida no colo, com as devidas identificações.

“Não podemos nos permitir ter medo”, diz jovem ameaçado

Em conversa por telefone com o Sul21, Luiz Felipe Garcez conta que já recebeu mais de 150 ameaças por Facebook e por e-mail. Ele assegura que o vídeo feito com informações sobre sua vida, de seus amigos e de sua família – que chegou a ter mais de 11 mil acessos até ser retirado do ar – foi produzido por um jovem “infiltrado” no protesto do dia 29 de março e diz que vai entrar com processos judiciais contra as pessoas que estão expondo sua vida. “Estamos tomando medidas preventivas, documentando as ameaças e vamos entrar com um  processo por incitação ao ódio. Não podemos ter medo, senão vão entender que esse tipo de intimidação funciona”, comenta.
Pasta criada em site de compartilhamento exibe fotos e informações de Luiz Felipe e da sua família | Arte: Ramiro Furquim/Sul21

Ele acredita que os ataques venham de grupos organizados de extrema direita – com a presença ou não de militares. “São grupos organizados politicamente que podem ter militares da ativa. Mas não é a instituição Exército que está nos atacando, são fascistas que se organizam internamente”, explica.
Luiz Felipe garante que continuará denunciando os abusos e não se intimidará com as ameaças. “Sabemos que é isso que eles fazem, não podemos esperar nenhum tipo de reação diferente. São filhotes de uma ditadura que matou, perseguiu e torturou, ainda tem muita gente que acredita nisso. Muitos dos que eles mataram deram a vida para que pudéssemos estar hoje protestando. Não podemos nos permitir ter medo”, defende.
Outro manifestante exposto por Ustra, Rodrigo Mondego, também conversou por telefone com o Sul21 e disse que também vem sofrendo ameaças. “Se identificam como militares e nos ameaçam de morte. Entramos em contato com o ouvidor da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, com a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, com a OAB-RJ e vamos conversar também com Ministério Público Federal”, avisa.
Rodrigo explica que o principal objetivo é retirar a exposição de seus dados e dos seus amigos dos sites dos militares. “Podemos ver que vários blogs de militares nos citam, basta colocar nossos nomes no Google”, lamenta.
Ele acredita que há policiais da PM do Rio de Janeiro atuando para ajudar na apuração de informações sobre sua vida e a dos outros jovens expostos. E lembra que havia diversos agentes disfarçados da P2 – o setor de investigações da Polícia Militar carioca – durante a manifestação contra a comemoração do golpe no dia 29 de março. “Eles são organizados e muita gente simpatiza com a lógica da ditadura. As ameaças são virtuais, mas vindo de onde estão vindo, tememos que se transformem em realidade”, considera.
Rodrigo diz que está tomando precauções quanto à sua segurança e admite que as ameaças afetam o seu cotidiano. “A tortura psicológica está funcionando”, desabafa.
Dentre as centenas de pessoas que participaram do protesto no dia 29 de março, apenas cinco jovens foram expostos por Ustra. Rodrigo Mondego acredita que foram escolhidos por estarem envolvidos na organização do ato, além de serem todos amigos de Luiz Felipe Garcez. Além disso, todos militam na juventude do PT do Rio de Janeiro.

Resistência civil, a nova estratégia palestina

Escrito por Luiz Eça   no CORREIO DA CIDADANIA

Do fundo de sua cela numa prisão israelense, onde cumpre pena de prisão perpétua, Marwan Barghouti apresentou a nova estratégia dos movimentos palestinos. Depois de afirmar que o processo de paz estava morto, ele conclamou seu povo à resistência civil.

A estratégia militar, através de atentados e lançamento de mísseis contra o território israelense, também fracassara. E não só pela imensa superioridade militar israelense, mas também por repercutir mal na opinião pública externa.

Os atentados, sempre divulgados com o maior destaque pela imprensa internacional, abalavam a imagem pública dos movimentos de libertação. E os duelos entre os mísseis lançados de Gaza e a aviação israelense não só resultavam em perdas muito maiores para os palestinos como também, ainda pela ação da imprensa, pareciam ter sido provocados por eles.

O processo de paz, através de negociações com Israel, sob patrocínio dos EUA e da Europa Unida, já tinha se mostrado incapaz de chegar à parte alguma, depois de 19 anos inúteis.

Como diz o ditado inglês, “it takes two to tango” (é preciso dois para dançar o tango), ficou mais do que claro que os líderes de Israel, especialmente o atual, Bibi Netanyahu, não estavam nem um pouco interessados numa paz justa com os árabes. Seu objetivo, especialmente agora, nunca foi atender aos desejos dos árabes palestinos.

Se os governos israelenses anteriores ainda faziam concessões, embora insuficientes, o atual não faz nenhuma. A política de Netanyahu sempre foi adiar ao máximo o início das negociações, ganhando tempo para aumentar constantemente o número de assentamentos na Margem Oeste e em Jerusalém, tornando sua ocupação um fait accompli.
Com isso vai ficando cada vez mais difícil a formação de um Estado palestino independente. Até tornar-se inviável.

As esperanças depositadas em Obama após o “histórico” discurso do Cairo, no qual defendeu a independência da Palestina, já foram desfeitas.

Se ainda restavam algumas, sumiram de vez diante do discurso do presidente dos EUA na reunião da AIPAC (maior lobby judeu-americano).

Nessa ocasião, ele declarou que fizera de tudo em defesa de Israel. E citou muitas medidas nesse sentido, a maioria delas contrárias às leis internacionais e aos justos interesses palestinos.

Mais ultimamente, o governo Obama mostrou sua total parcialidade, que o incapacita a ser um árbitro no conflito da Palestina: foi o único voto contrário à criação de uma comissão de investigação dos problemas dos assentamentos, aprovada por 36 votos na Comissão de Direitos Humanos da ONU.

Fato chocante, pois Obama passou todo o seu primeiro ano de governo pedindo que Israel interrompesse a fundação de novos assentamentos para permitir o início das negociações.

Sem ter força militar capaz de enfrentar Israel, sem o interesse israelense numa Palestina independente, sem o apoio de Obama para garantir as negociações de paz, a resistência civil era mesmo a única saída que restava.

Em mensagem escrita, enviada através de um portador, Barghouti declarou: “Parem de fazer marketing com a ilusão de que há alguma possibilidade de terminarmos a ocupação e conseguirmos um Estado livre através de negociações, quando isso falhou miseravelmente”.

E apontou sua solução: “O lançamento da resistência popular em larga escala neste estágio é o que interessa à causa do nosso povo.”

Barghouti faz um apelo à não-violência, deixando claro que a resistência civil é mais do que isso. Consiste em usar todos os meios possíveis para protestar e denunciar a violência da ocupação e cortar toda a cooperação com os israelenses em segurança e assuntos econômicos.

A investigação a ser feita pela ONU, através de enviados da Comissão de Direitos Humanos, permitirá que se revele ao mundo as barbaridades sofridas pelo povo da Palestina, sob a ocupação israelense. E, o que é muito importante, terá sua veracidade comprovada por uma entidade respeitada internacionalmente.

Por isso mesmo, Netanyahu, ajudado pelos prestimosos amigos estadunidenses, está acusando de faccioso o setor de Direitos Humanos da ONU. Seu argumento principal é que das 91 decisões de investigação, 39 foram sobre Israel. O que na verdade depõe contra seu país. Se é alvo de tantas comissões de investigação é porque nele se praticam as maiores violências contra os direitos humanos.

Bargouthi tem grande prestígio junto aos palestinos de todas as facções. Acredita-se que suas propostas serão aceitas.

Muitos líderes do Hamas e do Fatah querem que ele suceda a Abbas na presidência da Autoridade Palestina. No entanto, a resistência civil poderá implicar no fim da Autoridade Palestina, já que faz parte de suas funções colaborar com o governo israelense.

Com isso, os EUA e a Europa Unida serão também responsabilizados pelo fracasso das negociações de paz.

Vale lembrar que Tony Blair foi escolhido como enviado especial desse conjunto de nações para promover as negociações entre as partes. Pelo nenhum resultado dessa missão, faz-se pesar que ele se limitou a fazer turismo.

Muita coisa pode acontecer agora. Bargouthi poderá não ser obedecido. O Hamas continuará em pé de guerra e o Fatah fazendo de conta que acredita nas negociações com Israel.

Até mesmo Barghouti poderá ser anistiado pelos israelenses, por ser pragmático e aceitar o Estado de Israel, embora nos limites de 1967, com uma Palestina independente tendo soberania sobre Jerusalém Oriental. Não será por Netanyahu, é claro, mas por seu sucessor, que nunca poderá ser tão duro quanto ele.

Adotando o caminho da resistência civil, a renúncia dos palestinos ao processo de paz implicará provavelmente no fim da Autoridade Palestina, que foi criada em função desse processo.

Livre ou preso, Barghouti é uma voz que os palestinos ouvem. É de se acreditar que sua estratégia será posta em prática. Mas não se pode pensar em resultados a curto prazo.

A resistência civil vai atrair uma repressão ainda mais violenta de Israel. Que tornará cada vez mais negativa sua imagem internacional e mais urgente uma solução. Serão necessários muitos anos. Muito tempo para as pessoas da Europa se emocionarem o bastante e se associar aos palestinos nos protestos. E mais tempo ainda para os estadunidenses e os israelenses sentirem e agirem igual.

Bargouthi acredita que só quando isso acontecer haverá pressão externa e até interna para o governo de Israel aceitar uma Palestina independente e viável.

Luiz Eça é jornalista.

Monólogos da Vagina




Os Monólogos da Vagina foi criado e interpretado por Eve Ensler, que debutou no off Broadway em 1996. Este controverso trabalho iniciou rapidamente uma onda nacional de boas críticas e continuou a percorrer a América do Norte e todo o mundo.O show foi chamado "um fenômeno real e verdadeiro" pelo The New York Times. "Um trabalho de arte com um texto inteligente" disse o Variety. "Simplesmente espetacular. Nota ´A´" disse a Entertainment Weekly. Agora, a intimidade do show original de Eve Ensler foi magnificamente trazida para a tela. Os Monólogos da Vagina captura a performance única de Eve Ensler e viaja para além dos palcos à medida que ela explora o ímpeto criativo por trás dos monólogos, e conduz uma série de novas e reveladoras entrevistas tão inspiradoras como aquelas que motivaram o trabalho original.

Até onde vai a insubordinação militar

ESTIGMA
 
 Luís Fernando Veríssimo no CONTEXTOLIVRE
 
É difícil acreditar que não exista, entre os militares, uma corrente, ou talvez até uma maioria, que reprova a atitude dos clubes de reformados das Forças Armadas em relação à Comissão da Verdade e ao esclarecimento final do que houve nos anos de rebeldia e repressão.
Dos clubes militares só se pode esperar bravatas vazias mas ignora-se até que nível vai a mesma insubordinação entre os da ativa.
Entende-se a resistência a remexer lama antiga mas é impossível que se continue a sonegar à Nação uma parte tão importante da sua história. E é impossível que ainda confundam a preservação da honra da instituição militar com o silêncio, e prefiram o estigma das acusações nunca investigadas ao esclarecimento.
 
LEGADO
 
Dizem que o legado mais importante de qualquer presidente americano não são suas obras, suas escolhas econômicas ou sua herança política, são suas nomeações de juízes para a Suprema Corte.
Os juízes supremos, com suas decisões e interpretações da lei, são os que determinam os rumos do país, seja quem for o presidente — que é apenas temporário, enquanto eles costumam ser longevos. A Suprema Corte americana (muito mais marcadamente do que a nossa, onde há algumas figuras intermediárias) se divide em conservadores e liberais, e nos últimos anos tem sido dominada pelos conservadores. Que, apesar da antipatia declarada da maioria por uma Corte muito “ativista”, tem se metido bastante em política.
Foi a atual Corte, com duas ou três exceções, que literalmente doou a reeleição ao Bush, quando houve aquele problema da recontagem dos votos para ele e para o Gore na Flórida e havia a ameaça de que a recontagem favoreceria o Gore. A Corte mandou parar a recontagem.
Estes mesmos juízes, quase todos nomeados por republicanos, estavam infernizando a vida do Obama, que tenta criar um programa de saúde publica que só os Estados Unidos não têm, entre as potências industriais do mundo, e que os juízes retalharam.
 
CAÇA-NIQUEIS
 
A mesma Suprema Corte americana decidiu eliminar qualquer limite ao que empresas e corporações podem doar aos candidatos a cargos públicos em campanha. Antes, claro, já davam muito dinheiro escondido, ou você pensa que a Caixa 2 foi inventada no Brasil?
Agora podem dar às claras, e o quanto quiserem. E os candidatos prometerem o melhor governo que o dinheiro pode comprar.
No Brasil deveríamos fazer o mesmo, uma espécie de leilão em que o candidato se ofereceria abertamente ao maior patrocinador com o compromisso de defender seus interesses no governo ou no Congresso. O que nos pouparia de espetáculos melancólicos como o do Demóstenes — claramente uma vítima do sistema atual de financiamento de campanhas — negociando apoio clandestino com o rei dos caça-níqueis.