sábado, 25 de junho de 2011

Xenofobia difícil de acabar


por Marcela Valente, da IPS

Buenos Aires, Argentina, 24/6/2011 – Embora a nova legislação sobre imigração da Argentina seja considerada das mais progressistas da América Latina, a persistência de acentuados sinais xenófobos e discriminatórios em várias camadas da sociedade mostra que o avanço ainda é mais teórico do que prático. A rejeição ao estrangeiro, sem papéis legais, atinge milhares de imigrantes em escritórios públicos, nas ruas, nos diferentes empregos, nas escolas ou nos hospitais da Argentina, apesar de a lei lhes reconhecer direito de acesso a todos os serviços livremente.
1351 218x300 Xenofobia difícil de acabar“Passo sempre pelo hospital e está cheio de peruanos e paraguaios que tiram lugar dos argentinos”, diz à IPS uma mulher que garante reconhecer, apenas passando pela porta, “o sotaque” dos pacientes atendidos no centro médico estatal de San Isidro, uma localidade da região metropolitana de Buenos Aires. A socióloga Corina Rodríguez Enriquez, do Centro Interdisciplinar para o Estudo de Políticas Públicas (Ciepp), seleciona outra frase de igual teor, anotada em seu estudo, dita por taxistas: “Estes negros de merda, porque não voltam para o seu país?”.
Corina é autora de um trabalho, ainda inédito, sobre a imigração de mulheres paraguaias para a Argentina, uma dinâmica que ela insere nas “cadeias globais de cuidado”, para trabalhar cuidando da casa, dos filhos e dos idosos. A pesquisa integra um projeto da ONU Mulheres que também analisa “as cadeias de cuidado” entre imigrantes equatorianas e bolivianas na Espanha, peruanas no Chile e nicaraguenses na Costa Rica.
Na América Latina, a emigração feminina passou de 44,7% do total em 1960 para 50,5% em 2000. Esta feminização do fenômeno se acentuou a partir dos anos 1990 devido às crises econômicas que atingem seus países de origem. Corina afirmou que a transnacionalização dos cuidados cai em um regime injusto, no qual são vulnerados direitos, tanto dos que emigram quanto dos que devem enfrentar as tarefas familiares deixadas por quem parte.
As imigrantes, que deixam seus países em busca de melhores oportunidades de emprego, e que têm, em geral, pouca qualificação, costumam deixar para trás filhos aos cuidados de familiares para trabalhar em casas das classes média e alta. O principal ramo onde as mulheres se empregam é o serviço doméstico. Na Argentina, 58,1% das paraguaias trabalham nesse setor e, apesar de cuidar de uma instituição apreciada neste país como é a família, costumam ser discriminadas. Essa marginalização também atinge as mulheres em outros estratos sociais.
No artigo, a socióloga diz que a nova legislação migratória “é progressista” e “ampliou direitos”, mas, alerta, ainda persistem “travas culturais” no acesso à saúde ou educação, que respondem a uma “inércia” da burocracia. “A xenofobia e a discriminação continuam sendo uma realidade palpável na Argentina”, afirmou a autora. “A igualdade de direitos com o imigrante nem sempre é bem-vinda pelos argentinos”, acrescentou.
Para sua pesquisa, Corina fez diversas entrevistas com imigrantes empregadas na limpeza e no cuidado de crianças e idosos. Também ouviu patroas e funcionários e associações de imigrantes e de defensores dos direitos humanos. Dos depoimentos constam expressões discriminatórias de algumas empregadoras, um grupo que, por ter contratado estrangeira para trabalhar em sua casa, supõe-se que teria menos preconceitos.
“Há paraguaias que são muito sujas”, disse uma. “Tive duas experiências ruins com paraguaias porque são meio mentirosas”, afirmou outra. “Estes estereótipos de características vinculadas a nacionalidades também aparecem nos meios de comunicação, no discurso de funcionários e de vizinhos”, disse Corina à IPS. “São sinais persistentes da sociedade argentina”, acrescentou.
Estes males convivem com uma série de reformas em torno das migrações que foram pioneiras na região. Por um lado, a lei de 2004, que revogou uma norma da última ditadura (1976-1983) e, por outro, um programa que facilitou a regulamentação de estrangeiros sem os documentos necessários. Em conversa com a IPS, Luciana Litterio, da Direção Nacional de Migrações, assegurou que a Argentina foi o primeiro país da América Latina a avançar em uma lei reconhecendo a imigração como um direito humano.
“Depois o Uruguai promoveu uma lei semelhante, que teve a da Argentina como modelo, e agora, no Equador, se trabalha em uma lei que também coloca eixo nos direitos da pessoa”, acrescentou Luciana. A lei argentina, entre outras disposições, ordena que seja garantido o acesso de imigrantes à saúde e à educação públicas e elimina a obrigação de os funcionários públicos denunciarem os estrangeiros ilegais.
Já o Programa Pátria Grande, lançado em 2006, permitiu a mais de 400 mil imigrantes acesso a residência temporária apenas apresentando seu documento nacional e não tendo antecedentes criminais. Isto é, sem contrato de trabalho. Entretanto, Pablo Asad, representante da organização humanitária Centro de Estudos Legais e Sociais, que trabalha na cobertura legal com imigrantes, considera que ainda há muitas falhas na concretização dos direitos.
Asad destacou que há imigrantes que não conseguem matricular seus filhos em escolas públicas ou que são rejeitados em hospitais por não terem documento de identidade argentino e, ainda, que não existe um órgão onde denunciar estas falhas. Também ressaltou que a política argentina privilegia imigrantes de países próximos, facilitando os trâmites, mas age de forma mais rígidas com imigrantes de fora da América do Sul, como dominicanos ou senegaleses. 

Envolverde/IPS

Quinta Full - Supertramp

Créditos: Lágrimapsicodélica1

PARIS
A música do Supertramp possui características únicas. Virtuoses em seus instrumentos, os membros do grupo, vindos da cena progressiva britânica, no decorrer de suas carreiras aproximaram-se do pop, e o resultado foi uma sonoridade única.

Paris, duplo ao vivo lançado em 1980, talvez seja a maior prova disso. A exuberância instrumental do Supertramp fica evidente em suas faixas, onde a técnica trabalha na construção de pequenas jóias da pop music. Dreamer e suas evoluções vocais é um belo exemplo disso. Breakfast In America, outro.

Mas os melhores momentos de Paris estão logo no seu início. "School", que abre o álbum, é uma das melhores músicas do grupo. Nela, a voz aguda de Roger Hodgson e o piano onipresente de Rick Davies, as duas maiores características do Supertramp, mostram uma sincronia absurda. O solo de Davies nesta faixa é antológico.

O outro é The Logical Song, talvez a canção mais conhecida do Supertramp, onde percebe-se como a banda soube usar do seu conhecimento musical para criar uma composição repleta de momentos que grudam na cabeça do ouvinte, mas que não soam necessariamente chatos. The Logical Song é um exemplo claro dos tempos em que a música pop possuía outro significado, e não era apenas uma classificação preguiçosa dada a artistas no mínimo medianos, mas que, infelizmente, dominam as paradas atualmente.

Paris é o melhor momento do Supertramp. Se você quer ter apenas um disco da banda, não existe escolha melhor.

Por: Cadao
1980 - PARIS

CD 1
School
Ain't Nobody But Me
The Logical Song
Bloody Well Right
Breakfast In America
You Started Laughing
Hide In Your Shell
From Now On

...::: DOWNLOAD :::...

CD 2
Dreamer
Rudy
A Soapbox Opera
Asylum
Take The Long Way Home
Fool´s Overture
Two Of Us
Crime Of The Century

...::: DOWNLOAD :::...

Discografia da Banda
senha/password: lagrimapsicodelica
1970 – Supertramp: Download
1971 - Indelibly Stamped: Download
1974 - Crime Of The Century: Download
1975 – Crisis? What Crisis?: Download
1977 - Even In The Quietest Moments: Download
1979 - Breakfast in America: Download
1980 - Paris (cd 1): Download
1980 - Paris (cd 2): Download
1985 - Brother Where You Bound: Download
1987 - Classics, Vol. 9: Download
1987 - Free As A Bird: Download
1988 - Live '88: Download
1992 - The Very Best Of Supertramp: Download
1992 - The Very Best Of Supertramp 2: Download
1994 - The Autobiography Of Supertramp: Download
1997 - It Was The Best Of Times (cd 1): Download
1997 - It Was The Best Of Times (cd 2): Download
1997 - Some Things Never Change: Download
2001 - Is Everybody Listening: Download
2002 - Famous Last Words: Download
2002 - Slow Motion: Download

Uganda: a luta da “ida a pé para o trabalho” e as lições do Soweto e da Praça Tahrir

Em 21 de Abril passado, o professor Mahmud Mamdani, director do Makerere Institute of Social Research na universidade de Kampala, Uganda, fez uma intervenção na Conferência Distrital do Rotary Internacional em Munyonyo. Eis a transcrição integral do seu discurso. Por Mahmud Mamdani no PASSA PALAVRA

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Aqueles de vocês que não são de cá talvez tenham ouvido falar de uma nova forma de protesto social chamada “ida a pé para o trabalho” [1]. Tanto a oposição que iniciou esse tipo de marcha como o governo que está determinado a fazê-la parar são guiados pela lembrança de um acontecimento singular.
A lembrança da Praça Tahrir alimenta as esperanças da oposição e fomenta os receios do governo. Para muitos dos oposicionistas, o Egipto acabou por significar a terra prometida, no sentido proverbial. Para muitos dos governantes, o Egipto representa um desafio fundamental ao poder, que exige que se lhe resista a todo o custo.
As coisas chegaram a um ponto em que o mínimo sinal de protesto desencadeia a máxima reacção do governo. A tal ponto que o governo, que há apenas poucas semanas chegou ao poder com uma maioria arrasadora, parece agora carecer não só de flexibilidade mas também de estratégia de saída.
Os civis, tanto os apoiantes como os cépticos, ao verem os meios militares saírem à rua para manter a ordem civil nas ruas, veem esbater-se a distinção entre polícia civil e tropas militares uma vez que os que estão no poder insistem em tratar qualquer mero acto de protesto civil como se fosse uma rebelião armada.
Enquanto o governo está a perder a coerência e a unidade que aparentava nas eleições, a oposição está a conseguir ao menos um vislumbre da unidade e da visão que perdera durante o período eleitoral.
Se pensarmos que muitos destes [agora] opositores, muitos dos que tinham estado no anterior Parlamento, foram capazes do pior quando lhes coube governar, então esta inversão torna-se ainda mais espantosa.
Como é possível que alguma dessa mesma oposição, que ainda ontem via no Parlamento um passaporte para o clientelismo e uma licença para a pilhagem, esteja agora a descobrir a determinação e a coragem moral mesmo sem haver eleições à vista e sendo os tempos actuais bem duros? Este pensamento, por si só, é fonte de noções contraditórias na população, ao mesmo de cepticismo e de optimismo, quando se trata de política.
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Não pretendo, agora, nem celebrar a oposição nem demonizar o governo. Apenas quero falar dessa lembrança que parece ser um impulso para muita gente na oposição e um pesadelo para muitos dos governantes. É a lembrança da Praça Tahrir. Não será exagero afirmar que a grande revolução egípcia começou em Túnis. Onde irá acabar? Daqui a dez anos vamos lembrar-nos disso como um acontecimento local, continental ou global? Como devemos perceber, agora, o seu significado?
Os historiadores admitem que não existe uma narração objectiva única de qualquer acontecimento. A narração depende, em parte, da posição do observador. Para muitos na Europa, os acontecimentos de Túnis e do Cairo foram uma prova de que as revoluções coloridas que se iniciaram na Europa de Leste com a queda da União Soviética começaram finalmente a espalhar-se para fora dessa região.
Na África Oriental, deu-se um alvoroço de discussão acerca da Praça Tahrir, sobretudo na imprensa. Muita gente se questionava se a revolução egípcia iria espalhar-se para sul do Saará. E respondiam, sem hesitar: “Não!” E porque não? Porque, dizem os manda-chuvas da comunicação, as sociedades subsaarianas estão tão divididas por questões étnicas, tão desunidas pelo tribalismo, que ninguém consegue atingir o grau de unidade necessário para enfrentar com êxito o poder policial.
A meu ver, esta resposta não faz muito sentido. Porque essa resposta parece uma caricatura. Em caso algum, na história das lutas vencedoras, se encontrará um povo já unido antes de haver movimento. Pela simples razão que uma das coisas que assinalam o êxito de um movimento é a unidade. A unidade é forjada por meio da luta.
Para provar este aspecto, e alguns outros, olhemos agora para a revolução democrática no Egipto no contexto histórico mais amplo, a história da luta pela democracia neste continente. Quero começar com um acontecimento que ocorreu há mais de três décadas na África do Sul. Refiro-me ao levantamento do Soweto em 1976, o qual se seguiu à formação de sindicatos independentes em Durban, em 1973. Estes dois processos, no seu conjunto, inauguraram uma nova era na luta anti-apartheid na África do Sul.
[A revolta d’] O Soweto foi uma sublevação da juventude. Numa época em que os adultos haviam concluído que só pela luta armada se poderiam conseguir mudanças significativas, [a revolta d’] o Soweto inaugurou uma forma de luta alternativa.
Esta nova forma de luta substituiu a noção de luta armada pela de luta popular. Deixou-se de pensar na luta como sendo travada apenas por combatentes profissionais, guerrilheiros, com o povo a aplaudir das bancadas, passou a ser um movimento com pessoas normais como seus participantes-chave. O potencial da luta popular assenta em massas de gente, guiadas por uma nova imaginação e por novos métodos de luta.
O significado do Soweto foi duplo. Primeiro, como já disse, substituiu a crença no poder das armas pela descoberta de um poderio maior, o de um povo organizado enfrentando a opressão. Segundo, o Soweto forjou uma nova unidade – uma unidade mais ampla. O regime do apartheid dividira a sociedade sul-africana em diferentes raças (brancos, indianos, negros) e diferentes tribos (zulus, xhosas, pédis, vendas, etc.) submetendo cada uma delas a um conjunto específico de leis, de modo que, mesmo quando elas se organizavam para reformar ou revogar a lei em questão, elas tinham de o fazer separadamente. Neste contexto, apareceu uma personagem nova, Steve Biko, um líder visionário ao leme de um novo movimento, o Movimento da Consciência Negra.
A mensagem de Biko minou o edifício estatal do apartheid. O negro não é um cor, disse Biko. O negro é uma experiência. Se é oprimido, és negro. Isto era uma mensagem revolucionária – porquê?
uganda-7O ANC vinha falando de não-racialismo desde a Carta da Liberdade em meados dos anos 1950. Mas o não-racialismo do ANC só tocava a elite política. Os líderes individuais de brancos, indianos e negros aderiram individualmente ao ANC. Mas as pessoas normais ficaram confinadas e presas a uma perspectiva política que se limitava às estreitas fronteiras da raça ou da tribo. Biko forjou uma visão capaz de ultrapassar essas fronteiras.
Por essa altura, deu-se um outro acontecimento. Foi outra lufada de ar fresco. Foi a Intifada palestiniana. O que se chamou Primeira Intifada teve um potencial semelhante ao do Soweto. Como as crianças do Soweto, as crianças palestinianas também deram o peito às balas apenas com pedras nas mãos. Mal vista pelos movimentos de libertação, cada um deles reclamando-se único representante dos oprimidos, a juventude da Intifada fez apelo a uma unidade mais ampla.
Apesar de ter chegado mais de trinta anos depois do Soweto, a Revolução Egípcia faz poderosamente lembrar o Soweto. Isso acontece por duas razões pelo menos.
Adoptar a violência?
Primeiro, como no Soweto de 1976, a Praça Tahrir de 2011 foi um adeus ao namoro de toda uma geração com a violência. A geração de Nasser, e a que se seguiu, optaram pela violência como chave para haver mudanças fundamentais na política e na sociedade. À partida, era uma tendência laica.
uganda-3Quanto mais Nasser foi esmagando a oposição e justificando esse esmagamento na linguagem do nacionalismo laico, mais a oposição se ia exprimindo em linguagem religiosa. A tendência política mais importante que apelou ao rompimento cirúrgico com o passado, agora, usou a linguagem do Islão radical. O seu principal representante era Said Qutb. Eu interessei-me pelo Islão radical após o 11 de Setembro, quando li o livro mais importante de Said Qutb, Signposts. Fez-me lembrar a linguagem dos políticos radicais da Universidade de Dar-es-Salaam, onde fui professor nos anos 1970.
Said Qutb dizia, na introdução do livro, que o tinha escrito para a vanguarda islamista; dava-me a impressão de estar a ler uma versão do Que fazer? de Lenine. O principal argumento de Said Qutb nesse texto é que é preciso distinguir os amigos dos inimigos, porque com os amigos usa-se a persuasão e com os inimigos usa-se a força. Pensei que estava a ler Mao Zedong em Como resolver correctamente as contradições no seio do povo.
Perguntei a mim próprio: como poderei classificar Said Qutb? Como inscrevendo-se numa tradição linear chamada Islão político? Será que se compreende melhor a história do pensamento arrumando-a em recipientes etiquetados conforme as civilizações – um islâmico, outro hindú, outro confuciano, outro cristão – ou, em alternativa, um europeu, outro asiático, outro africano?
A opção de Said Qutb pela violência política não estaria em consonância com a luta armada dos movimentos de libertação nacional dos anos 1950 e 1960? Não seria a concepção de base de que a luta armada é não só a forma de luta mais eficaz mas também a mais genuína?
Quanto mais lia a distinção de Said Qutb entre Amigos e Inimigos, usando-se a violência com os inimigos e a razão com os amigos, mais eu percebia que tinha de compreender Said Qutb no contexto do seu tempo.
Não há dúvida de que, como todos nós, Said Qutb estava envolvido em conversas com muita gente: estava envolvido em múltiplos debates não apenas com intelectuais islâmicos, contemporâneos ou de gerações anteriores, mas também com intelectuais contendores inspirados por outras formas de pensamento político.
E o enfrentamento mais importante na época era com o marxismo-leninismo, uma ideologia militante laica que influenciou ao mesmo tempo a linguagem de Qutb e as suas formas de organização e de luta. O mais significativo da Praça Tahrir foi ter deixado cair a marca de Said Qutb e o namoro com a violência revolucionária.
A segunda semelhança entre o Soweto e a Praça Tahrir situa-se na questão da unidade. Tal como a luta anti-apartheid na África do Sul tinha reproduzido acriticamente as divisões entre raças e tribos institucionalizadas nas práticas do Estado, também as divisões religiosas se tornaram parte das convenções na política dominante do Egipto.
A Praça Tahrir trouxe uma nova forma de política. Deixou cair a linguagem religiosa na política, mas fê-lo sem por isso optar por um radicalismo laico que banisse totalmente a religião da esfera pública. Nesse sentido, apelou a uma maior tolerância das identidades culturais, que incluísse tanto as tendências laicas como as religiosas. O novo contrato era que, para participar na esfera pública, há que praticar uma política inclusiva e respeitadora dos outros.
Foi uma mudança pela qual se deixou de considerar a identidade religiosa em política, e se deixou de fazer da identidade religiosa uma base para o facciosismo político e a violência sectária. Nos dias que precederam a [revolta da] Praça Tahrir, a violência sectária foi repetidamente desencadeada pelos que estavam no poder, mas sem nenhum antídoto convincente, houve alguma tendência para isso passar para a sociedade. Basta pensar nas violências que houve contra a minoria copta nas semanas que precederam a histórica assembleia da Praça Tahrir.
uganda-2[A revolta d’] O Soweto obrigou muita gente de todo o mundo a rever as suas opiniões sobre África e os africanos. Antes do Soweto era convencional assumir que a violência era uma segunda natureza dos africanos e que os africanos eram incapazes de viverem juntos em paz.
Antes da Praça Tahrir, e em particular a seguir ao 11 de Setembro, a imagem transmitida pelo discurso oficial e pelos meios de comunicação no Ocidente era determinada pela ideia de que os árabes tinham uma predisposição genética para a violência e para a discriminação contra os que são diferentes. Mas na Praça Tahrir as diferentes gerações e géneros bateram-se e manifestaram-se como dizemos em kiswahili “bega kwa bega” [ombro com ombro]. Foi o que fez gente de pertenças religiosas diferentes.

Que podemos nós aprender com isso?

As novas ideias criam a base para novas unidades e novas formas de luta. A tendência do poder é tentar politizar as contradições culturais que há na sociedade e, então, afirmar que as divisões são algo natural. Para ter êxito, uma nova política precisa de facultar um antídoto, uma prática alternativa que una os que estão divididos pelos modos de governo dominantes.
Antes e depois do Soweto, Steve Biko insistia que a negritude não tinha a ver com a biologia, mas sim com a experiência política. Com isso, ele criou a base ideológica para uma nova unidade, uma unidade anti-racista.
Não tenho conhecimento de algo semelhante a [a ideia de] Steve Biko na Praça Tahrir. Talvez no Egipto houvesse, não um, mas muitos Bikos. Mas acredito que a Praça Tahrir acabou por se tornar um símbolo que alicerça uma nova unidade, a unidade que procura conscientemente desmontar as práticas religiosas sectárias.
No Uganda dos nossos dias, a governança prevalecente procura dividir a população politizando a etnicidade. O mote é: uma tribo, um distrito. Dentro do distrito, um tribalismo administrativo separa os bafuruki [imigrantes] dos que são designados como indígenas do distrito. Como modo de governo, o tribalismo institucionaliza a discriminação oficial contra alguns cidadãos e a favor de outros.
uganda-4As novas ideias alimentam novas práticas. Com o tempo, até a mais revolucionária das ideias pode tornar-se uma rotina desprovida de sentido. Basta ver-se como nós conseguimos reduzir a prática da democracia a rituais rotineiros.
O que é notável nos acontecimentos que nós conhecemos como “Ida a pé para o trabalho” é que eles vieram na esteira de umas eleições nacionais cujos resultados foram absolutamente decisivos. O que quer que lhe venha a acontecer, a [campanha] “Ida a pé para o trabalho” obriga-nos a repensar a prática da democracia no Uganda.
Desde logo é-se surpreendido pela onde de cinismo, quer de governantes quer de governados. Uma parte cada vez maior da população vê as eleições, não como o momento para fazer opções significativas, mas como o momento para sacar benesses de políticos que, mais do que certo, nunca mais verão até às próximas eleições!
De modo semelhante, uma parte cada vez maior da classe política acaba por pensar nas eleições como um exercício gerido cujo resultado é decidido, não por quem vota, mas por quem controla a contagem dos votos. O que pensar da democracia contemporânea quando uma eleição em que os que estão no poder podem ter o apoio da vasta maioria da população – cerca de 90% no Egipto e cerca de dois terços no Uganda – não nos dá a mínima ideia do nível de insatisfação que há no eleitorado?
Reparem neste facto notável. Apesar do crescimento das universidades e dos think tanks [centros de investigação] por todo o mundo, os investigadores e os consultores têm sido incapazes de prever a maior parte dos acontecimentos importantes da história contemporânea.
Porquê? Foi assim com o Soweto de 1976, foi assim com a queda da União Soviética e foi assim com a revolução egípcia. Em que estado se encontra a nossa capacidade de conhecimento, quando somos capazes de prever uma catástrofe natural – um terramoto, ou mesmo um tsunami – mas não uma mudança política? Parece que a regra é: quanto maior a mudança, menos provável é a hipótese de ela ser prevista.
Penso que o motivo disto é só um. As grandes mudanças na vida social e política requerem um acto de imaginação. Requerem uma ruptura com as rotinas, uma desligamento das convenções. Por isso as ciências sociais, que se focam no estudo das rotinas, dos comportamentos institucionais e repetitivos, são incapazes de prever grandes acontecimentos. É nisto que reside o desafio da classe política do Uganda.
Não será por haver pouca gente envolvida na campanha “Ida a pé para o trabalho” que se poderá negar tratar-se de algo intelectualmente brilhante. Esse brilho assenta na sua simplicidade, na sua capacidade para conferir à mais simples das actividades humanas, caminhar, um importante significado político: a capacidade para dizer não.
Por ironia, muita gente da oposição, e talvez outra tanta no governo, parece considerar a “Ida a pé para o trabalho” como um atalho para a tomada do poder, o que é muito improvável. O significado real da “Ida a pé para o trabalho” é que ela quebrou a influência da rotina. Por isso se nos apresenta como um desafio. Esse desafio está a surgir como uma nova linguagem política, um novo modo de organização, um novo modo de governo.
uganda-6Daqui, deste meu posto privilegiado, gostaria de vos dar algumas reflexões à guisa de conclusão.
Deveríamos resistir à tentação de vermos a Praça Tahrir – como, antes, o Soweto – como um roteiro a seguir. Em vez disso, olhemos para o Egipto como uma visão, uma visão democrática, tanto o evento como o processo. Lembrem-se de que foram precisas quase duas décadas para que a Revolta do Soweto gerasse o seu fruto democrático na África do Sul. Quanto ao Egipto, a revolução democrática acaba de começar. Ninguém sabe quanto tempo será preciso para institucionalizar o seu fruto.
Hoje, temos de reconhecer que a Praça Tahrir não levou a nenhuma revolução, mas a uma reforma. E isso não é uma coisa má. A lição do Egipto – ao contrário da sua vizinha Líbia – é a força moral da não-violência. Ao contrário da violência, a não-violência não se limita a resistir e a excluir; também opta e inclui, desse modo abrindo novas possibilidades de reforma, possibilidades que pareciam inimagináveis ainda ontem.
O desafio que se coloca hoje à classe política ugandesa não é o de cerrar fileiras para um combate final, como é tendência habitual. O verdadeiro desafio é criar possibilidades de novas políticas, na base de novas associações e novas imaginações. O verdadeiro desafio não é a revolução, mas a reforma. Ainda não está decidido qual dos dois – governo ou oposição – irá encabeçá-la e proporcionar a iniciativa.

Nota do tradutor

[1] “Walk to Work” é uma campanha lançada pela oposição ao governo do Uganda. Consiste, muito simplesmente, em ir para o trabalho a pé, em vez de usar transporte particular ou público, como forma de protesto contra a subida dos preços dos combustíveis e dos alimentos.
Artigo original (em inglês) no jornal ugandês Sunday Monitor. Também disponível no Pambazuka News. Tradução do Passa Palavra.

Casa do Artista Riograndense pede ajuda


Instituição, que ampara profissionais que enfrentam dificuldades para se sustentar, promoverá festa junina neste sábado


Instalada há seis décadas no bairro Glória, em Porto Alegre, a Casa do Artista Riograndense (CAR) pede ajuda. Hoje com oito moradores, a casa se mantém graças a contribuições e projetos _ entre eles, uma festa junina marcada para a tarde deste sábado (leia ao final do texto).

Fundada em 1949, a CAR sempre visou a atender artistas — especialmente atores, radialistas e músicos — na faixa dos 60 anos ou mais que estivessem enfrentando dificuldades para se sustentar. O prédio da Rua Anchieta, que lembra uma pequena escola, foi erguido em um terreno doado por particulares. Ali, convivem profissionais que ainda mantêm a atividade artística — como o ator e músico Zé da Terreira, o ator Catulo Parra e o cantor Carlos Conde — e também aposentados, como a atriz Lais Dias.

Como seus moradores, a casa tem de administrar um orçamento pequeno. A receita mensal, obtida por meio de contribuições espontâneas de um grupo de 18 sócios, fica em torno de R$ 200 mensais — o suficiente, por exemplo, para trocar alguma fechadura emperrada ou uma lâmpada queimada. Outras despesas acabam dependendo de ajuda externa. Em maio, o Sindicato dos Músicos Profissionais ajudou a pagar o abastecimento de água. A energia elétrica é paga pelo ator Roberto Birindelli. A banda larga da sala dos computadores (doados pela Fundação Gaúcha dos Bancos Sociais) sai do bolso do presidente da casa, Luciano Fernandes.

Diretor de Propaganda do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado do Rio Grande do Sul (Sated), Fernandes assumiu a gestão da casa no ano passado. Ele explica que a manutenção da CAR é uma causa abraçada pelo sindicato nos últimos anos, embora não haja vínculo formal entre a casa e a entidade. Fernandes comemora algumas conquistas, como o início da reforma da cozinha — graças a um acordo com o governo do Estado, a obra está a cargo de quatro presidiários vindos de Charqueadas. Uma verba de R$ 10 mil deve ser liberada pelo município para mais reformas — a pintura das paredes é uma das prioridades. Uma recente doação de livros serviu para criar uma pequena biblioteca.

Uma ideia, segundo Fernandes, é alugar espaços da casa para grupos teatrais do Interior que venham se apresentar na Capital.

— Faríamos isso a título de experiência, para ver se não incomoda os moradores. É uma tentativa de dar sustentabilidade — explica o presidente.

Enquanto isso, os moradores ocupam seus modestos quartos com criatividade. No segundo piso, uma imensa colagem enfeita a parede do radioator e produtor Wilson Gomes, que também pintou as paredes da escada. Peças artesanais em bambu são uma das especialidades de Catulo Parra. Na porta de Zé da Terreira, um recado prega a boa convivência: "A princípio não é elegante falar mal de terceiros na sua ausência".

— Aqui é tudo maravilhoso. O problema somos nós — brinca Catulo.

Para contribuir
> Nesta sábado, a partir das 17h, uma festa junina na Casa de Teatro (Rua Garibaldi, 853) vai arrecadar fundos para a Casa do Artista Riograndense.

> O evento terá apresentações de teatro de bonecos, casamento na roça encenado por alunos da Casa de Teatro e shows musicais de Serrote Preto e Ian Ramil. Os moradores da casa Zé da Terreira e Catulo Parra também deverão se apresentar.

> Os ingressos para o evento custam R$ 5.

Para contatar a Casa do Artista
Internet: casadoartistariograndense.blogspot.com
Telefone: (51) 9123-7519

Para contribuições diretas:
Banco Banrisul - Agência 0073 - Conta 06.011348.0-8

Papel dos festivais na recepção e divulgação dos cinemas africanos



Do blog CINE-AFRICA
 
Há cinquenta anos atrás, o cinema africano nascia e se afirmava como um cinema engajado, comprometido social e ideologicamente com as lutas de emancipação que agitavam toda a África nos períodos da descolonização. Mas depois das independências, novas prioridades afastaram os governos africanos do seu cinema. A partir dos anos 70, os cinemas africanos se tornaram de vez filhos da cooperação cultural que sobretudo a França vem mantendo com as suas ex-colônias. Muitas vozes denunciam os efeitos perversos da política de ajuda francesa nas cinematografias africanas. Paradoxalmente, as críticas mais virulentas partem dos próprios cineastas que vêem nesta forma de apoio um freio e um empecilho à emergência de políticas cinematográficas endógenas. Toda a ambiguidade da ajuda ocidental às cinematografias africanas decorre do fato de que ela carrega boa parte das contradições que cercam as relações do ocidente com o Outro e com essas culturas. Olivier Barlet resume assim o paradoxo da relação da ajuda internacional com os cinemas africanos:
“Os sucessos dos filmes africanos fragilizaram esta cinematografia: há muita pressão sobre os conteúdos e a política de ajuda, ao corresponder a uma necessidade ocidental de imagens do sul, tende para uma adaptação às normas de qualidade internacional.” (BARLET, 1996)


Se a ajuda a uma cinematografia estrangeira é ambígua, precisa o autor, não é porque a transforma numa cinematografia assistida - todo o cinema é, aliás, assistido, inclusive Hollywood. O problema é que esta ajuda é baseada no princípio de um gesto bondoso de um centro em relação ao Outro, à sua cultura e ao seu cinema, isto é, um cinema diferente. Isso não deixa de acarretar consequências no plano temático e ideológico nos trabalhos dos cineastas africanos que se sentem cada vez mais impelidos a conformar os conteúdos de seus filmes às expectativas ligadas a esta “solidariedade” interessada, proveniente de uma grande nação de cultura. Para muitos autores, a cooperação cultural da França com as suas ex-colônias é ainda opaca, ela oscila entre a boa consciência, dever moral, vergonha com o passado colonial e interesse geopolítico.


Há mais de quatro décadas que os recursos da cooperação mantêm viva a produção fílmica na África. Por um lado, isso cria um comodismo nos governos africanos que tendem a considerar o cinema como um setor secundário, e não prioritário, nos esforços de desenvolvimento. Por outro, a ajuda que vem de fora retarda o envolvimento do setor privado local na produção cultural e a emergência e consolidação de uma indústria cultural que seria uma alternativa ao desenvolvimento econômico. Enquanto isso não acontecer, os cineastas lidam como podem com a ambiguidade da política cinematográfica francesa. E na falta de uma política de acompanhamento dos filmes no plano da distribuição, todo o cinema africano se tornou um cinema de evento, um cinema para festivais. À necessidade de ajuda à produção de imagens nos países africanos corresponde uma outra demanda por filmes africanos nos festivais consagrados a esta cinematografia do sul: a distribuição.


Todavia, nesta situação de marasmo e de total entrega das cinematografias africanas às políticas pensadas sob medida para elas e de dependência aos festivais organizados para elas, o Burkina Faso figura como exceção. Não somente pela histórica implicação dos sucessivos governos deste pequeno país da África ocidental na atividade cinematográfica, mas também pela organização do maior evento dedicado, de forma bienal, às produções fílmicas de toda a África e de sua diáspora. Neste texto, nosso objetivo não é denunciar nem fazer uma crítica injusta às diversas formas de ingerência da atividade cinematográfica na África. Ao contrário, pegamos nas contradições da dependência do cinema africano da ajuda, dos festivais e da crítica ocidentais como ponto de partida para um esforço de compreensão do valor de outras experiências endógenas que pontuam a história do cinema africano e que buscam quebrar esta dependência. Nesta perspectiva, o Festival Pan-africano de Cinema e Televisão (FESPACO), a Federação Panafricana dos Cineastas (FEPACI) e os esforços do Burkina Faso por um pan-africanismo no cinema africano devem ser percebidos como alternativas à carência de uma política cinematográfica na África.

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