terça-feira, 29 de abril de 2014

Silvio Tendler apresenta “O veneno está na mesa 2″ – Escrevinhador

Silvio Tendler apresenta “O veneno está na mesa 2″


No Youtube
Direção: Silvio Tendler
Após impactar o Brasil mostrando as perversas consequências do uso de agrotóxicos em O Veneno está na Mesa, o diretor Sílvio Tendler apresenta no segundo filme uma nova perspectiva. O Veneno Está Na Mesa 2 atualiza e avança na abordagem do modelo agrícola nacional atual e de suas consequências para a saúde pública.
O filme apresenta experiências agroecológicas empreendidas em todo o Brasil, mostrando a existência de alternativas viáveis de produção de alimentos saudáveis, que respeitam a natureza, os trabalhadores rurais e os consumidores.
Com este documentário, vem a certeza de que o país precisar tomar um posicionamento diante do dilema que se apresenta: Em qual mundo queremos viver? O mundo envenenado do agronegócio ou da liberdade e da diversidade agroecológica?

Realização: Caliban Cinema e Conteúdo

Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida
Fiocruz
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
Bem Te Vi
Cineclube Crisantempo
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Os barões da banca e da droga - Carta Maior

Os barões da banca e da droga

Na última década, o HSBC colaborou com os cartéis da droga do México e da Colômbia na lavagem de dinheiro num montante de cerca de 880 bilhões de dólares.


Eric Toussaint
Arquivo

O caso do banco britânico HSBC constitui um exemplo suplementar da doutrina «demasiado grandes para serem encarcerados». Em 2014, o grupo mundial HSBC emprega 260.000 pessoas, está presente em 75 países e declara 54 milhões de clientes.

No decurso do último década, o HSBC colaborou com os cartéis da droga do México e da Colômbia – responsáveis por (dezenas de) milhares de assassinatos com armas de fogo – na lavagem de dinheiro num montante de cerca de 880 bilhões de dólares.

As relações comerciais do banco britânico com os cartéis da droga perduraram, apesar das dezenas de notificações e avisos de diversas agências governamentais dos EUA (entre as quais o OCC - Office of the Comptroller of the Currency).

Os lucros obtidos não só levaram o HSBC a ignorar os avisos, mas, pior ainda, a abrir balcões especiais no México, onde os narcotraficantes podiam depositar caixas cheias de dinheiro líquido, para facilitar o processo de lavagem.

Apesar da atitude abertamente provocatória do HSBC contra a lei, as consequências legais da sua colaboração directa com as organizações criminais foram praticamente nulas. Em Dezembro de 2012, o HSBC teve de pagar uma multa de 1900 milhões de dólares – o que equivale a uma semana de receitas do banco – para fechar o processo de lavagem.

Nem um só dirigente ou empregado foi sujeito a procedimento criminal, embora a colaboração com organizações terroristas ou a participação em actividades ligadas ao narcotráfico sejam passíveis de cinco anos de prisão. Ser dirigente de um grande banco dá direito a carta branca para facilitar, com total impunidade, o tráfico de drogas duras ou outros crimes.

O International Herald Tribune (IHT) fez uma reportagem sobre os debates realizados no departamento de Justiça. Segundo as informações obtidas pelo jornal, vários procuradores pretendiam que o HSBC se declarasse culpado e reconhecesse ter violado a lei que o obriga a informar as autoridades sobre a ocorrência de transações superiores a 10.000 dólares identificados como tendo origem duvidosa. Daí resultaria a cassação da licença bancária e o término das actividades do HSBC nos EUA. Após vários meses de discussão, a maioria dos procuradores tomou outro rumo e decidiu que melhor seria não processar o banco por atividades criminosas, pois era necessário evitar o seu encerramento. Convinha mesmo evitar manchar demasiado a sua imagem.
 
A modesta multa de 1900 milhões de dólares é acompanhada duma espécie de liberdade condicionada: se, entre 2013 e 2018, concluírem que o HSBC não pôs fim definitivo às práticas que originaram a sanção (não é uma condenação), o Departamento de Justiça poderá reabrir o processo. Em resumo, a medida pode resumir-se assim: «Anda, meu patife, passa para cá uma semana do teu ordenado, e não voltes a repetir a brincadeira nos próximos cinco anos». Aí está um belo exemplo de «demasiado grande para ser condenado».

Em Julho de 2013, numa das reuniões da comissão senatorial que investigou o caso HSBC, Elizabeth Warren, senadora democrata do Estado de Massachusetts, apontou o dedo a David Cohen, representante do Ministério das Finanças e subsecretário responsável pela luta contra o terrorismo e a espionagem financeira.
 
A senadora disse, grosso modo, o seguinte: «O governo dos EUA leva muito pouco a sério a lavagem de dinheiro (…) É possível encerrar um banco que se dedica ao lavagem de dinheiro, as pessoas envolvidas podem ser interditas de praticar uma profissão ou actividade financeira e toda a gente pode ser mandada para a prisão. Ora, em Dezembro de 2012, o HSBC (…) confessou ter lavado 881 bilhões de dólares dos cartéis mexicanos e colombianos da droga; o banco admitiu igualmente ter violado as sanções. O HSBC não o fez apenas uma vez, é um procedimento recorrente. O HSBC pagou uma multa mas nenhuma pessoa foi banida do comércio bancário e não se ouviu falar dum possível encerramento das actividades do HSBC nos EUA. Gostaria que respondesse à seguinte questão: quantos bilhões de dólares um banco tem de lavar, antes de se considerar a possibilidade de encerrar a prática?»
 
O representante do Tesouro acusou o golpe, respondendo que o processo era demasiado complexo para permitir uma conclusão. A senadora declarou a seguir que quando um pequeno vendedor de cocaína é apanhado, fica uns quantos anos na prisão, enquanto um banqueiro que lava bilhões de dólares de droga pode regressar tranquilamente a casa, sem receio da Justiça. Esta passagem da audiência está disponível em vídeo e vale a pena vê-la. (ver abaixo)


 

 
A biografia de Stephen Green ilustra bem a relação simbiótica entre a finança e a governança. A coisa vai ainda mais longe, pois ele não se contentou em servir os interesses do grande capital, enquanto banqueiro e ministro; é também prior da igreja oficial anglicana e escreveu dois livros sobre ética e negócios, um dos quais intitulado «Servir a Deus? Servir a Mamom?». O título do livro remete para o Novo Testamento. «Ninguém pode servir dois senhores; porque ou há de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao Mamom». Mamom representa a riqueza, a avareza, o lucro, o tesouro. Encontramos esta palavra em aramaico, hebraico e fenício. Por vezes Mamom é usado como sinónimo de Satã. Quanto a Stephan Green, é elogiado pelas mais altas autoridades universitárias e é manifestamente intocável.

Passemos em revista alguns elementos da sua biografia. Começa a sua carreira no ministério britânico do Desenvolvimento Ultramarino, depois passa para o setor privado e trabalha para o consultor internacional McKinsey. Em 1982 é contratado pelo HSBC (Hong Kong Shanghai Banking Corporation), o mais imporrtante banco britânico, onde ascende rapidamente a funções de alta responsabilidade. Finalmente, em 2003, torna-se director executivo do HSBC e em 2006 acede à presidência do grupo, onde permanece até 2010.

As acusações feitas pelas autoridades americanas em matéria de lavagem de 881 bilhões de dólares do dinheiro dos cartéis da droga e de outras organizações criminosas dizem respeito ao período 2003-2010. Segundo o relato das 334 páginas tornadas públicas por uma comissão do Senado norte-americano em 2012, Stephan Green, desde 2005, foi informado por um empregado do banco que o HSBC tinha mecanismos de lavagem no México e levava a cabo múltiplas operações suspeitas. Ainda em 2005, a agência financeira Bloomberg, com sede em Nova Iorque, acusa o HSBC de lavagem de dinheiro da droga.
 
Stephen Green responde que se trata de um ataque irresponsável e sem fundamento, que põe em causa a reputação dum grande banco internacional acima de todas as suspeitas. Em 2008, uma agência federal norte-americana comunica a Stephen Green que as autoridades mexicanas descobriram a existência de operações de lavagem realizadas pelo HSBC México e uma das suas filiais num paraíso fiscal das Caraíbas («Cayman Islands Branch»). A agência acrescenta que a situação pode implicar uma responsabilidade penal para o HSBC.
 
A partir desse momento, as autoridades norte-americanas de controle dirigem repetidos avisos à direção do banco, muitas vezes aflorando a gravidade dos fatos. O banco promete alterar os seus comportamentos, mas na realidade prossegue as práticas criminosas. Finalmente os avisos dão lugar em Outubro de 2010 a um aviso para pôr termo às práticas ilegais. Em finais de 2012, após a apresentação pública do relatório da comissão senatorial e meses de debate entre diferentes agências de segurança dos EUA, é aplicada uma multa de 1900 milhões de dólares à HSBC.

Stephen Green está em boa posição para saber o que fazia o banco no México, nos paraísos fiscais, no Médio Oriente e nos Estados Unidos, pois além de dirigir o conjunto do grupo HSBC, dirigiu no passado o HSBC Bermudas (estabelecido num paraíso fiscal), o HSBC México, o HSBC Médio Oriente. Presidiu igualmente o HSBC Private Banking Holdings (Suíça) SA e o HSBC América do Norte Inc.

Quando veio a público, em 2012, que o HSBC teria de pagar uma considerável multa nos EUA por branqueamento de dinheiro dos cartéis da droga, Stephen Green já tinha passado de grande patrão do HSBC a ministro do governo conservador-liberal conduzido por David Cameron.

Voltemos um pouco atrás para descobrir que o timing seguido por Stephen Green foi perfeito. Coisa de artista. Em Fevereiro de 2010, publica o livro O Justo Valor: Reflexões sobre a Moeda, a Moralidade e Um Mundo Incerto. O livro é apresentado ao público nestes termos: «Será que alguém pode ser ao mesmo tempo uma pessoa ética e um homem de negócios eficaz? Stephen Green, simultaneamente sacerdote e presidente do HSBC, acha que sim.» Reparem que a «pessoa ética e o homem de negócios eficaz» são identificados com o «sacerdote e presidente do HSBC». A publicidade é patente. Na mesma época recebe o título de doutor honoris causa, concedido pela School of Oriental and African Studies (SOAS) da Universidade de Londres.

Em Outubro de 2010, pela segunda vez desde 2003, a justiça dos EUA avisa o HSBC para que ponha termo às suas actividades criminosas. O público ainda não está ao corrente. É tempo de Stephen Green abandonar o navio. Em 16 de Novembro de 2010, a pedido de David Cameron, é nobilitado pela rainha de Inglaterra e passa a ser o «barão» Stephen Green de Hurstpierpoint do condado do Sussex ocidental. Nada disto pode acontecer por acaso. Para um homem de negócios que permitiu o branqueamento de dinheiros dos «barões» da droga, trata-se duma bela promoção. À conta disso torna-se membro da Câmara dos Lordes em 22 de Novembro de 2011. Se lessem isto num blog, diriam certamente que o autor estava a exagerar.

Em Dezembro de 2010 demite-se da presidência do HSBC e em Fevereiro de 2011 sobe a ministro do Comércio e Investimento. Depois de empossado no cargo, coloca os seus bons serviços à disposição do patronato britânico, com o qual mantém relações muito frutuosas e estreitas, uma vez que desde Maio de 2010 ocupa o posto de vice-presidente da Confederação da Indústria Britânica.
 
Desempenha um papel igualmente importante na promoção de Londres, que se prepara para receber os Jogos Olímpicos em Julho de 2012. É durante esse mês que uma comissão norte-americana envia o seu relatório sobre a questão do HSBC. Stephen Green recusa responder às perguntas dos membros da Câmara dos Lordes em relação à sua implicação no escândalo. É protegido pelo presidente do grupo dos lordes conservadores, que diz que um ministro não tem de vir diante do Parlamento dar explicações sobre negócios estranhos ao seu ministério.

David Cameron afirmou em 2013 que lorde Green fez um «soberbo trabalho» ao intensificar os esforços do Governo britânico para reforçar as exportações britânicas, para fazer avançar os tratados comerciais e especialmente o tratado transatlântico entre a União Europeia e os EUA. Lorde Green esforçou-se muito para aumentar as vendas de armas britânicas nos mercados mundiais. Terminou o seu mandato de ministro em Dezembro de 2013 e dedicou o seu precioso tempo a dar conferências (certamente muito bem remuneradas) e a receber os favores propiciados por numerosas autoridades acadêmicas.

A sua carreira certamente não ficará por aqui. A sua hipocrisia não tem limites. Em Março de 2009, quando o HSBC estava metido até ao pescoço na lavagem de dinheiros de organizações criminosas, Green teve o descaramento de declarar, numa conferência de imprensa a propósito das responsabilidades na crise iniciada em 2007-2008: «Estes acontecimentos evocam a questão da ética do sector financeiro. Dá a impressão que, muito frequentemente, os responsáveis não se perguntam se as suas decisões são correctas e apenas se ralam com a sua legalidade e conformidade aos regulamentos. É necessário que este sector retome o sentido da correcção ética como motor das suas actividades.» É assim que Stephen Green, vampiresco tubarão, navegando acima das leis, se dirige aos sabujos que vão pressurosos repercutir as suas belas palavras na grande imprensa.

Green e todos quantos organizaram o branqueamento de dinheiro no seio do HSBC devem responder pelos seus atos perante a justiça e ser condenados severamente, sofrer privação de liberdade e ser obrigados a realizar trabalhos de utilidade pública. O HSBC deveria ser encerrado e a direcção despedida. Em seguida o mastodonte HSBC deveria ser retalhado, sob controlo cidadão, numa série de bancos públicos de média dimensão, cujas missões seriam estritamente definidas e exercidas no quadro dum estatuto de serviço público.

Tradução: Rui Viana Pereira

Revisão: Maria da Liberdade

ODiario.info » “Se a Frente Ampla com Mujica já está à direita, o que vem agora com Tabaré vai ser pior”.

“Se a Frente Ampla com Mujica já está à direita, o que vem agora com Tabaré vai ser pior”.



No Uruguai, como em outros lados, governantes com um discurso de esquerda governam à direita. E, como diz Zabalza, “o que realmente determina na América Latina é o tema do imperialismo”. Num quadro de intensificação da ofensiva imperialista contra os processos progressistas ali em curso, parte determinante da definição da correlação de forças está nos povos destes países. Porque estes governos já se sabe para que lado cairão.



Falar com Jorge Zabalza é fazê-lo com um pedacito irredutível da luta do MLN Tupamaros dos anos 60 e 70. Irmão de Ricardo, outro “tupa” caído em combate quando o Movimento guerrilheiro ocupou a localidade de Pando em 8 de Outubro de 1969, e eterno reivindicador de Raúl “Bebe” Sendic, o falecido líder da tupamaragem revolucionaria e artiguista.
Zabalza foi um dos muitos reféns da ditadura, que esteve preso 13 anos em duríssimas condições. Depois, já em liberdade, foi um digno edil montevideano que se opôs à espúria concessão do Casino de Carrasco, como desejava o presidente da câmara frenteamplista. A sua decisão provocou um terramoto na Frente e levou até à renúncia do próprio Tabaré Vázquez, que a presidia.
Com o tempo, Zabalza continuou reivindicando a rebeldia e os princípios das suas origens, enquanto vários dos seus companheiros de prisão e de luta foram tomando outros rumos no plano político e também no ideológico. Hoje, Zabalza converteu-se num franco-atirador (guevarista-bolivariano-artiguista) que incomoda o poder, uma vez que não se cala perante as injustiças e muito menos ante as involuções no campo das ideias. Por tudo isso, entrevistar o Tambero (a alcunha por que é conhecido no Uruguai e no mundo) oferece muitos títulos jornalísticos estimulantes. Escutemo-lo então.
-Pouco antes de Pepe Mujica assumir o Governo, muitos dos seus seguidores afirmavam que “agora sim vai radicalizar-se o processo”. ¿Qual é sua opinião sobre o ocorrido neste mandato do seu ex companheiro do MLN Tupamaros?
-Essa era uma leitura bastante parcial, uma vez que Mujica sempre apoiou o modelo económico que patrocinava o actual vice-presidente Danilo Astori, ligado às corporações multinacionais. No fundamental, Tabaré, Mujica e Astori têm uma coincidência plena no “Uruguai produtivo” que temos: plantar soja transgénica com agro-tóxicos, florestação de eucalipto e de pinheiro, mega-mineração. Um país absolutamente dependente das corporações, com o capital estrangeiro a governar. Eles a única coisa que fazem é mudar o cenário para que nada mude: um ano Tabaré, logo Mujica, agora voltaria Tabaré novamente. Disfarçam o discurso e a aparência, um dia Mujica apresenta-se popularucho, outro dia filosofa, sempre com grandes contradições, ou grandes discursos para depois fazer tudo ao contrário. Tabaré aparece mais doutoral, Astori pressupõe que sabe tudo e logo não sabe onde meter-se quando não pode com a inflação.
-Face a estas questões quase de senso comum no que diz respeito aos deficits, ¿o que é que passa com a base da Frente Ampla o do próprio Movimento de Participação Popular? ¿Não se rebelam? ¿É assim tão forte o verticalismo?


-Começa a aparecer lentamente um certo desengano. É evidente que esta campanha de Tabaré Vázquez não é acompanhada pelo mesmo entusiasmo que teve a que o levou ao Governo em Março de 2005. Eles queixam-se de que vai pouca gente às iniciativas, estão a dizer que não têm militância. Como querem tê-la se depois fazem tudo ao contrário daquilo que prometem. Havia uma expectativa de que com a chegada do “grande Tabaré” as massas iam acorrer à convocatória. Mas não é assim. Inclusivamente as últimas sondagens indicam que todos os partidos juntos superam a Frente Ampla e portanto corre muito risco a maioria parlamentar, o que os preocupa.
O certo é que há uma grande despolitização e desideologização da campanha eleitoral, que provoca que as pessoas não tenham entusiasmo. Querem vender-lhes através da publicidade eleitoral este sabonete ou aquele sabonete, mas são todos a mesma coisa.
-Em uma das paredes do Cerro de Montevideo, pudemos ver um mural que dizia: “Do realismo à traição”, no sentido de que Mujica sempre disse que “esta é a realidade, o mundo mudou”, e há outros militantes que pensam que “na realidade os princípios foram traídos”. ¿Que pensa destas opiniões?
-Creio que Mujica fez uma opção política pelo capitalismo. Em algum momento, a (Fernández) Huidobro, Mujica, Bonomi quebrou-se-lhes aquela fibra de querer mudar o mundo e fazer uma opção pelos trabalhadores, e perderam a convicção. Então incorporaram-se nas fileiras de todos aqueles a quem combatíamos, como os estancieiros do Uruguai que geram latifúndio, que o Governo protege. Não houve um só choque com o imperialismo. Quando toda a América Latina se levanta contra o Imperio e saímos à rua em defesa da Venezuela, Mujica toma uma atitude de “grande conciliador”. A direita de Venezuela vem buscá-lo e ele diz que sim, que vai ali resolver tudo, e por sorte Maduro disse-lhe que “não, obrigado”.
Houve aqui uma mudança ideológica porque se quebrou a vontade de lutar a estes companheiros. Em algum momento da sua carreira como Tupamaros e revolucionários, em algum calabouço, deixaram as convicções.
-Entretanto, têm surgido algumas reivindicações que geram mobilizações multitudinárias, como a luta pela terra.
-Essa é uma expectativa que todos temos, de como se está a reagir. Dizem, tal como em relação a outros países da América Latina, que no Uruguai se reduziu a pobreza, mas a terça parte da população tem um rendimento inferior a 14 mil pesos, quando o cabaz básico é superior a 50 mil. São pobres, não têm como cobrir as suas necessidades básicas. Esse descontentamento está ali, larvar.
Por sorte, face a empreendimentos como a mina a céu aberto Aratirí que vai ocupar cerca de 40 mil hectares, ou perante as injustiças que estão ocorrendo com os trabalhadores nos laranjais, há gente que reage. Em defesa da água e da terra e de todos os recursos naturais. Com as pessoas em movimento e lutando há possibilidade de fazer política que tenha um sentido revolucionário. Não estamos a falar de fazer uma Revolução agora, mas sim de poder apontar um caminho, um horizonte que seja revolucionário.
-¿Sendic continua sendo um ícone para os rebeldes do Uruguai?
-Naturalmente. Se não fosse assim, ¿por que crê que alguns se fazem esquecidos de Sendic? ¿Porquê quando chegam os Tupamaros ao governo nenhum se lembra de dizer ¡Viva Sendic! vamos reivindicar as suas ideias e o seu pensamento revolucionário? Porque Sendic tinha um projecto político, e fique claro que não falo dos anos 70 mas de depois de sairmos das prisões, de construir uma Frente a partir das bases, com quatro propostas: não pagar a dívida externa; fazer uma reforma agrária, expropriando os latifundiários sem indemnização e passando a propriedade das terras ao Estado; estatizar a Banca, e elevar o salário ao mesmo poder aquisitivo que tinha nos anos 60. Isso significava outro modelo de Uruguai, um modelo de produção e de capital investido para o povo, de outra forma de vida. Tinha uma orientação de não respeitar a classe dominante, de chocar com ela e não de lhe fazer reverências.
Como actualmente nenhum dos ex guerrilheiros que estão no Governo pode reivindicar esse programa, porque estão fazendo o oposto e estão entregando o país ao capital estrangeiro, Sendic vive clandestino no coração do povo. Nós, sempre que podemos, tratamos de o retirar dessa clandestinidade. Este ano vai haver uma marcha com a gente da UTAA (Unión de Trabajadores Azucareros de Artigas), que vêm de Bella Unión, os trabalhadores laranjeiros de Paysandú, os companheiros de Tacuarembó e de Rivera, e gente do MST do Brasil, vamos ao Cemitério para o homenagear.
A nossa ideia é que os jovens que hoje estão lutando levantem o legado de Sendic, que saibam que os Tupamaros não eram como os que estão governando o Uruguai. Que os Tupamaros tinham dignidade, bandeiras e queriam uma Revolução agrária, a mesma que fez Artigas.
-Passando da épica à realidade: ¿que vai fazer Zabalza nas próximas eleições presidenciais do mês de Outubro?
-Zabalza não quer votar em ninguém. Não vou votar em Tabaré Vazquez. Se a Frente Ampla com Mujica está à direita, o que vem agora para o Uruguai vai ser pior. Com ele podemos esperar um Tratado de Livre Comercio com os Estados Unidos. Se houver mobilização popular, Tabaré vai dar pauladas, que ninguém duvide. Vai ser como Rodríguez Zapatero em Espanha, ou como a social-democracia grega. Portanto, não há que votar em Tabaré. Há gente que nos diz, “mas não há nada melhor, votar na direita é pior”, e eu afirmo que Tabaré é a direita, com tanta soberba e arrogância como os outros candidatos da direita tradicional. Nós vamos apelar a não votar, ou a votar nulo ou em branco.
-¿Quais são as razões para que, depois de tanto tempo, a esquerda mais rebelde não se possa unir e marchar em conjunto?
-Ao não haver uma grande mobilização e luta popular não surgem propostas unitárias. O calor da luta das gentes ajudaria muito a juntar-nos. Se não existe uma retaguarda, o povo com espírito insurrecto, como dizia o Che Guevara, não existe vanguarda.
-¿Preocupa-o a situação de Venezuela, atacada externa e internamente pelo Império?
-Preocupa-me muito. O mundo mudou nestes últimos dez anos. A Rússia parou o carro dos EUA na Síria e agora está a ganhar-lhe a “coreiada” na Ucrânia, e os norte-americanos não se vão atrever a intervir directamente e acabarão por meter a viola no saco. Então, resta-lhes a América Latina, e em especial Venezuela, Cuba, Brasil. Creio que nos próximos anos haverá que esperar que o imperialismo procure concentrar-se naquilo que continuam a chamar o seu “pátio das traseiras”. Vai ser tempo de definições, e é aí que regressamos à situação uruguaia. Seguramente, Tabaré vai definir-se pela Aliança do Pacífico ou aliar-se com a direita fascista do continente.
-Como não é diplomata, pergunto-lhe como se vê desde o Uruguai a situação argentina.
-Essa sim que é uma pergunta difícil. Há um modelo económico que pretende ter uma aparência mais ligada à defesa do nacional, mas por outro lado assinam os contratos com Chevrón, que significam uma entrega total do país. Por um lado, na Argentina estão a ser processados e enviados para a prisão muitos verdugos e torturadores, os assassinos da época do terrorismo de Estado, e por outro lado os trabalhadores de Las Heras são condenados a prisão perpétua. É um autêntico disparate. É continuamente uma no cravo e outra na ferradura. Eu creio que o que realmente determina na América Latina é o tema do imperialismo. Maduro combate abertamente contra os EUA, Correa expulsa a base ianque de Manta, Evo Morales expulsa o embaixador dos EUA. Em contrapartida, Cristina Fernández não se sabe se apoia ou não essas posições, umas vezes é sim, outras vezes é não. Apesar de que estão um pouco desavindos, é como Mujica: tanto te digo uma coisa, como te digo outra… Mujica há 20 dias que está dizendo que vai visitar Obama, e depois diz que não pode por razões várias. Mas nunca diz, “não, não vou porque os EUA assassinaram no Iraque, no Afeganistão, na Síria ou na Líbia”. Em vez disso, informa que “não se sente bem”, ou afirma que o vai visitar “porque a embaixadora dos EUA no Uruguai é muito simpática e nos trata sempre bem”. Jamais toma uma posição política e ideológica face ao imperialismo. E Cristina Fernández faz o mesmo.
-Outro tema pendente no Uruguai é o não julgamento dos militares genocidas.
-O problema dos direitos humanos no Uruguai não é apenas a cerrada defesa da impunidade que estão fazendo o Poder Judicial por um lado e o Governo com a sua política de esquecimento e perdão. Agora aparece este tema de que Mujica, por presumíveis razões humanitárias, vai trazer cinco prisioneiros de Guantánamo, a pedido de Obama. Entretanto, não dá conta dos adolescentes que estão presos nos centros de reclusão e que estão algemados. As autoridades actuais das prisões de menores gabam-se de que já não há fugas, mas se não há é porque os presos têm algemas nos pulsos e nos tornozelos. ¿Isto não são direitos humanos? E o facto comprovado de que nas esquadras do Uruguai se tortura ou a violência policial que há nos bairros, ou nos estádios. ¿Isso não são direitos humanos? Estes que nos governam acostumaram-se a ter um discurso que parece de esquerda, e que a nível internacional provoca aplausos, mas a realidade é que há tempo que nenhum genocida é processado, e que ultimamente, dos que haviam sido declarados culpados por assassinar companheiros nossos, têm sido deixados en liberdade. Essa é a grande contradição uruguaia: grandes discursos, mas na prática tudo ao contrário.

Fonte original: Resumen Latinoamericano

Rebelión publicou este artígo com autorização do autor mediante uma licença de Creative Commons, respeitando a sua liberdade para o publicar em outras fontes.