Leonardo Sakamoto
Montadoras estão planejando demitir, apesar do aumento de
vendas trazido pela redução de IPI. General Motors e a Volkswagen
abriram programas de demissão voluntária, sendo que a GM estuda fechar a
linha de montagem de veículos de São José dos Campos e extinguir 1.500
vagas, segundo o sindicato de metalúrgicos local. A informação é de
matéria publicada nesta terça (3) pela Folha de S.Paulo, apontando que as empresas estão preocupadas que isso seja euforia passageira.
Outra matéria, do jornal Estado de S. Paulo,
aponta que, desde o início da crise econômica internacional, o governo
abriu mão de R$ 26 bilhões em impostos para indústria automobilística.
E, nos últimos três anos, as montadoras enviaram US$ 14,6 bilhões ao
exterior, o que dá cerca de R$ 28 bi em valores de hoje.
Brasileiros e brasileiras, um valor semelhante à nossa renúncia
fiscal foi exportada para ajudar a manter as matrizes dessas empresas
que não haviam se preparado para lidar com a crise.
O governo não consegue garantir, de fato, que as montadoras aqui
instaladas não demitam trabalhadores por conta desses benefícios. Muito
menos consegue a autorização delas para que sejam colocadas na mesa
outros temas importantes, como um controle mais rígido sobre a cadeia
produtiva dessas empresas. Hoje, ao comprar um carro, você não tem como
saber se o aço ou o couro que entrou na fabricação do veículo foram
obtidos através de mão-de-obra escrava e trabalho infantil ou se
beneficiando de desmatamento ilegal. Por que? Porque essas empresas não
rastreiam como deveriam os fornecedores de seus fornecedores, apesar das
comprovações de ilegalidades apontadas pelo Ministério Publico Federal e
pela sociedade civil.
Quando anunciadas, essas políticas são consideradas a salvação da
pátria. Mas a história mostra que as coisas não são tão simples assim.
Até porque é exatamente nesses momentos que a indústria aproveita para
fazer aquele ajuste tecnológico básico, tornando mais gente
desnecessária.
Durante o pico da crise de 2008, a General Motors demitiu 744
trabalhadores de sua fábrica em São José dos Campos (SP) sob a
justificativa de “diminuição da atividade industrial”. Mesmo após ter
recebido apoio dos governos da União e do Estado de São Paulo no sentido
de facilitar a compra de seus produtos por consumidores. O setor também
é beneficiário de recursos oriundos de fundos públicos, como o Fundo de
Amparo ao Trabalhador e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, ou
seja, pertencente aos trabalhadores.
Carpideiras do mercado disseram e escreveram, na época, que o
Ministério do Trabalho e Emprego e sindicatos faziam uma chiadeira
irracional, pedindo contrapartidas à cessão de linhas de crédito ou
corte de impostos. Atestaram que empresas não podem operar esquecendo
que estão inseridas em uma economia de mercado, buscando a taxa de lucro
média para continuar sendo viável. Em outras palavras, defendiam que
não dá para esperar que o capital seja dilapidado da mesma forma que o
trabalho em uma crise.
Essa “regra do jogo” me faz lembrar um restaurante self-service. Você
passa com a bandeja e escolhe o que quer e o que não quer para o
almoço. O que é bom para você, coloca no prato. O que é ruim, fica para a
massa se servir depois. Traduzindo: o Estado tem que garantir e ajudar o
funcionamento das empresas, mas as empresas não podem sofrer nenhuma
forma de intervenção em seu negócio. Um liberalismo de brincadeirinha,
de capitalismo de periferia, com um Estado atuante, mas subserviente do
poder econômico, em que o (nosso) dinheiro público deve entrar calado
para financiar os erros alheios. Privatizam-se lucros (que depois são
exportados), estatizam-se prejuízos.
O governo tem a obrigação sim de exigir contrapartidas de quem vai
receber recursos ou benefícios devido à crise econômica – aliás, este é o
momento ideal para isso. Quando as empresas estiverem surfando
novamente, após este ciclo recessivo mundial passar, vai ser mais
difícil colocar cartas na mesa como agora.
Em momentos de crise como esse é que direitos trabalhistas e sociais
têm que ser reafirmados, garantidos, universalizados e não o contrário.
Pois é nesta hora que a população que sobrevive apenas de seu salário
está mais fragilizada. E é em momentos como esse que sabemos quem é
socialmente responsável e não aquelas que fazem propagandas na TV com
carros cruzando lindas estradas cheias de
macacos-prego-do-piercing-amarelo para mostrar é verde.
Em 2008, li depoimentos de montadoras dizendo que os trabalhadores
tinham que entender que esta é uma crise global e muitas de suas sedes
estão passando sérias dificuldades, correndo o risco, inclusive de
fechar. O que é mais um caso self-service. Lembro um exemplo que pode
ser ilustrativo: um dia, questionei a Ford, nos Estados Unidos, sobre o
porquê de não atuar de forma mais incisiva para evitar que suas
subsidiárias em países como o Brasil estivessem inseridas em cadeias
produtivas em que há crimes ambientais ou trabalho escravo. Como
resposta, disseram que há independência entre as ações da matriz e das
subsidiárias e que as matrizes não podem interferir, apenas pedir que
atuem de acordo com a legislação.
Ótimo! Tá resolvido o problema. Pois, elas não vão se incomodar se o
Brasil regular o envio de remessas de lucros para o exterior, utilizando
os recursos para ajudar a passar a tempestade de forma mais suave por
aqui. E não estou falando em reestatizar a nossa renúncia fiscal porque o
leite já foi derramado, mas de que as empresas invistam mais por aqui.
De uma forma diferente, reorganizando o setor em padrões mais
sustentáveis, por exemplo. Seria um bom momento para mudar a matriz de
produção em direção a algo com menos impacto social e ambiental
(o Estado poderia fazer isso diretamente, mas prefere injetar recursos
em atores que professam modelos de desenvolvimento antigos e depois pede
calma em encontros como a Rio+20 – vai entender).
Afinal de contas, já que muitas empresas não se incomodam tanto com a
qualidade de vida dos trabalhadores em toda a sua cadeia de valor (da
produção do carvão ao chão de fábrica), por que se incomodariam com o
resultado dos lucros desse trabalho, não é mesmo?