sexta-feira, 17 de junho de 2011

Partidos, juventude e os movimentos sociais na internet

 
Por Marcelo Branco

Os jovens nativos digitais da sociedade em rede têm orgulho de ser brasileir@s, acreditam que o Brasil é o país do presente e concordam que têm um papel de transformar a sociedade. Se conectam mais com discursos coletivos do que individualistas e querem menos consumismo. Apenas 5% tem como objetivo ficar rico e sabem que podem trabalhar por uma causa coletiva e buscar seus sonhos pessoais ao mesmo tempo. Estes mesmos jovens, cada vez mais, vêem a Internet como ferramenta de mobilização e engajamento político e menos os partidos. [1]

“Quantos jovens não votaram no Chile, na Espanha? Não achem que estes jovens não acreditam na democracia. Eles não crêem na democracia que oferecem a eles (…).” Eduardo Galeano na Praça Catalunya [2]

Quando eu divulguei esta pesquisa na rede, surgiram muitos questionamentos e diálogos vindos, principalmente, de militantes partidários: isso é positivo ou negativo? Acho isso tremendamente positivo e tentarei sucintamente colocar a minha opinião, já tuitada de forma pulverizada. Acontece que os jovens estão exigindo muito mais participação e democracia do que os partidos políticos e a democracia representativa os oferecem. Eles querem mais participação. Estão errados?
Os partidos e os sindicatos são organizações construídas com base na revolução tecnológica industrial. Foram, por longos anos, a única e a melhor forma de catalizar de forma coletiva os pensamentos e ideologias para uma ação política efetiva. Sozinho, ninguém chega a lugar algum, e isso continua valendo. Estas organizações mediam e intermediam a relação entre os diversos interesses individuais e coletivos, através do “programa”, e representam estes interesses junto à sociedade.
Os movimentos sociais em rede, pós-internet, são formados por indivíduos conectados em rede, que manifestam suas opiniões e movem suas ações na perspectiva do engajamento coletivo, sem a intermediação de qualquer organização. Aliás, a Internet veio para questionar o papel de todas as organizações intermediárias. A indústria fonográfica que o diga.
Acredito que as formas de organizações da era industrial e as organizações de indivíduos conectados em rede, típicas da sociedade em rede, conviverão. Uma não substitui a outra.
Mas é #fato que nos últimos anos, em todo mundo, os partidos políticos e os sindicatos têm tido menos capacidade de mobilização coletiva do que os movimentos sociais em rede. E isso não é somente porque os programas dessas organizações estão defasados ou que não contemplam os interesses dos coletivos. Atualizar os programas dos partidos é importante, mas não será o suficiente para engajar a geração atual na forma de organização hierárquica dos partidos. Estes jovens estão, cada vez mais, experimentando novas formas para organizar suas ações políticas coletivas, utilizando a plataforma da Internet como base. E isso tem dado resultado.
Há quase 12 anos, na manifestação chamada de N30, mais conhecida como a “batalha de Seattle” [3], através da Direct Action Network (ação direta em rede) possivelmente tenhamos inaugurado a era das mobilizaçoẽs 2.0.
Desde Seattle, passando pelas mobilizações do Fórum Social Mundial aqui em Porto Alegre, nas marchas contra as guerras do Bush-pai, nas manifestações anti-globalização neoliberal, com destaque para Gênova e Barcelona, até as recentes revoltas árabes e agora a #globalrevolution partindo da Espanha para toda Europa [4], comprovam a força das redes da internet para organização de grandes ações coletivas.

Não acredito que os partidos ou sindicatos estão descartados como forma de organização política. Acontece que agora existem NOVAS formas de organização política. As novas formas de organização social (indivíduos conectados em rede) e as velhas (partidos e sindicatos) vão conviver, mas como organizações distintas.
As velhas organizações não podem ter a pretensão de englobar ou cooptar as novas. Terão que conviver, lado a lado, mas cada uma com a sua dinâmica própria. As dinâmicas das redes são distintas das dinâmicas partidárias. Não há como enquadrar as dinâmicas em rede nas hierarquias partidárias. Nem é possível que um partido funcione com as dinâmicas horizontais e sem hierarquias como nas redes.
O sucesso das organizações da era industrial (partidos e sindicatos) foi justamente o de organizar as pautas e as lutas de forma hierárquica e aprovadas por maioria. Nas dinâmicas em redes, raramente há votações para hierarquizar as ações. Funciona por adesão voluntária. A proposta com maior adesão avança na prática e mobiliza. Assim tem sido as experiências da última década.
No entanto, as dinâmicas dos movimentos em rede ainda tem sido incapazes de estabelecer uma nova ordem. Pelo menos por enquanto. Os partidos sim, estabelecem uma nova ordem, assumem o poder e governam. Creio que no futuro teremos experiências de uma nova ordem a partir de dinâmicas sociais em rede. Vivemos uma transição da era industrial para a era das sociedades em redes. As velhas formas e as novas conviverão, mas são distintas formas de organizações. Aliadas? Antagônicas? Complementares?
O certo é que existe, neste momento, uma tendência e um potencial global democratizante, que questiona os limites da democracia representativa e que aponta para uma nova democracia participativa, tendo a internet como plataforma de mobilização e viabilização desta nova relação direta dos cidadãos com a democracia.
Acredito que a recente pesquisa, “o sonho brasileiro”, realizada entre jovens de 18 a 24 anos e que ouviu mais de três mil pessoas de 173 cidades do país, aponta dados extremamente positivos na perspectiva de transformação social.

Fontes:
[1]- Pesquisa “O sonho brasileiro”. Box1824 (agência especializada em mapear tendências de comportamento), e Instituto Datafolha.
- Jovens sonham e acreditam no Brasil By Ricardo Kotscho, do R7
[3]- Seattle: uma década de ativismo 2.0 By #comunidadedigital das turmas e ex-alunos de comunicação digital da ESPM-RJ Turma 7A – 2009.2

Para jurista, reações põem em risco conquistas LGBT no Brasil


"Há reações bastante fortes. A própria presidente, de forma infeliz, desqualificou o trabalho do Ministério da Educação", critica Rios | Ramiro Furquim/Sul21

Igor Natusch no Sul21

Roger Raupp Rios é juiz da 4ª Vara Federal de Porto Alegre, mestre e doutor em Direito pela UFRGS e professor de mestrado em Direitos Humanos na UniRitter. Tem atuado de forma destacada na questão de direitos sexuais e antidiscriminação. Ele é autor de uma decisão pioneira no Brasil, de 1996, quando se posicionou a favor de um casal homossexual em questão de direito previdenciário. Desde então, tem sido nome importante no estudo jurídico voltado à consolidação dos direitos dos homossexuais.
Na noite desta quarta, o jurista participou de um seminário promovido pela Escola Superior da Magistratura (ESM) da AJURIS, em Porto Alegre. Ao lado da médica e especialista em antropologia social Elizabeth Zambrano, Roger Raupp Rios discutiu o panorama que se descortina a partir da decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceram por unanimidade no mês passado a união estável para casais do mesmo sexo. Uma decisão que abre um horizonte novo para as relações homoafetivas, ao mesmo tempo que desperta um contra-ataque incisivo por parte de setores que não aceitam a mudança, liderados pela bancada evangélica no Congresso Nacional.
Minutos antes do começo da palestra, Roger Raupp Rios conversou com o Sul21 sobre a posição do Supremo, interpretando-a como um sinal brasileiro na direção do que já vinha sendo apontado por tribunais da Europa, EUA e até mesmo da América Latina. Foi surpreendido pela informação de que o Ministério da Saúde decidiu eliminar as restrições para doação de sangue por homossexuais, ao mesmo tempo em que fez um alerta sobre a série de iniciativas políticas que já estão sendo tomadas contra a decisão do STF e contra as conquistas da comunidade LGBT em geral. E demonstrou descontentamento com a posição da presidenta Dilma Rousseff, que criticou abertamente a cartilha para conscientização em escolas como trazendo em si uma “propaganda de opção sexual”.

Sul21 – Quais são as perspectivas que surgem a partir da decisão do STF, que reconheceu a união homoafetiva como uma célula familiar? O que uma decisão como essa nos indica em termos de mudanças jurídicas no Brasil?

Roger Raupp Rios – Eu diria que nem indica, mas sim confirma. É uma decisão que confirma o que vem acontecendo há pelo menos 15 anos no Brasil, que confirma o que vem sendo decidido tanto em tribunais federais quanto estaduais. Já há reconhecimento, nesses tribunais, de uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo. Nesse sentido, mais do que indicar uma novidade, a decisão do Supremo confirma uma tendência que já vem se verificando, e que coloca o Brasil ao lado de outros tribunais internacionais, inclusive latino-americanos, como México, Argentina e Colômbia. Ingressamos no grupo dos países cujos tribunais de cúpula reconhecem esses direitos. Com a decisão, o Brasil entrou nesse rol, de forma um tanto tardia talvez, mas entrou.

Sul21 – Temos então uma tomada de posição junto à comunidade internacional, também?

RRR - Essa decisão é uma afirmação clara de que o tipo de preconceito voltado contra homossexuais é incompatível com a Constituição brasileira e com os direitos básicos do ser humano. Afirmar isso com todas as letras pode indicar uma série de novas possibilidades em várias outras áreas, tanto no direito de família como em outros direitos civis, como no direito do trabalho, da política, no mundo comunicação social, da saúde, do ensino e aí por diante. É verdade que já temos avanços nesses mundos, especialmente na saúde. Mas o STF afirmar, com todas as letras e de forma categórica, que a homofobia viola a Constituição é um bom indicativo, em minha opinião.
"Ingressamos no grupo dos países cujos tribunais de cúpula reconhecem esses direitos", destaca o jurista | Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – De qualquer modo, já começam a surgir alguns reflexos positivos da decisão do Supremo, como a sinalização do Ministério da Saúde em acabar com as restrições a homossexuais na hora de doar sangue…

RRR – Foi anunciado isso? O Ministério da Saúde disse isso?

Sul21 – Sim, o ministro da Saúde (Alexandre Padilha) editou no começo da semana uma portaria sobre esse assunto.

RRR – É curioso. Na verdade, é muito curioso, e digo isso sem querer ser irônico, não estou usando de ironia ou de cinismo, de forma alguma. É curioso porque essa é uma questão que há anos vem sendo debatida e que não tem nada a ver com afetividade. A afirmação de que a afetividade legitima algum tipo de conhecimento não muda nada no estado sorológico de uma pessoa. Nesse sentido, é um desdobramento bem interessante…

Sul21 – Uma mudança de posição, digamos assim.

RRR – E o que fez com que esse padrão fosse modificado? É isso que acho importante a gente questionar. Saiu alguma pesquisa? Porque há muitas pesquisas no campo da saúde pública, e há muitas reivindicações de movimentos sociais ligados à luta contra a homofobia. Isso é algo que é discutido há muito tempo, e é um ponto que sempre foi controverso dentro do próprio Ministério da Saúde, que sempre foi conhecido por ser um ministério bem progressista com relação a questões de sexualidade. Por exemplo, logo após as primeiras edições das Paradas Gays o Ministério da Saúde se colocou como financiador, como parte de uma política de fortalecimento da estima (entre os homossexuais), como forma de combater a violência e diminuir os índices de contágio de doenças sexualmente transmissíveis nesse grupo. Então veja, dentro de um ministério que historicamente sempre foi progressista, nessa questão da doação de sangue nunca tinha se conseguido avançar. Então, é extremamente interessante que haja esse desdobramento.
Seminário na Ajuris discutiu panorama após STF reconhecer união estável para casais do mesmo sexo | Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – De qualquer modo, é possível perceber que alguns setores estão reagindo a essa decisão do STF. Um exemplo está no material produzido pelo Ministério da Educação, que seria distribuído em escolas e acabou sendo vetado.

RRR - Sim, e não só nisso, não só no chamado “kit anti-homofobia”. Há projetos e decretos federativos no Congresso, articulados por essa chamada bancada evangélica, que desejam não só que o governo não distribua o kit anti-homofobia, mas também que revogue a resolução do Conselho Federal de Medicina que tirou a homossexualidade de seu rol de doenças reconhecidas. Querem revogar essa decisão! Querem derrubar a portaria do Ministério da Saúde que incluiu, dentro das atribuições do Sistema Único de Saúde, cirurgias de mudança de sexo. Há um requerimento da bancada evangélica junto ao Ministério da Justiça questionando as afirmações do governo de que há muitos registros de violência homofóbica no país. Entende? Tem uma série de reflexos, de reações bastante fortes. A própria Presidência da República – de forma no mínimo infeliz, para não dizer imprudente – desqualificou o trabalho do Ministério da Educação sem saber do que estava falando…

Sul21 – Eu ia fazer justamente essa pergunta, sobre a posição adotada pela presidente no caso…

RRR - Sim, a presidente da República falou sem conhecimento, já que os próprios elaboradores da campanha dizem que ela não viu a campanha como um todo. A campanha sequer tinha sido lançada, estava iniciando o período de testes para verificar sua eficácia. E uma campanha que não tem absolutamente nada a ver com propaganda de qualquer direcionamento sexual! Infelizmente, a coisa foi conduzida de forma totalmente equivocada. A tensão é muito grande, e acho que essa decisão acabou colocando ainda mais lenha na fogueira da resistência, acabou dando ainda mais força a esse movimento de reação.

Sul21 – E qual a posição a ser tomada para consolidar o que já foi conquistado? Como evitar retrocessos?

RRR - Olha, acho importante identificar que tipo de reação está havendo e em que ela se fundamenta. A partir daí, se for o caso, e me parece que é o caso, contestar as premissas nas quais se baseia essa reação. Por exemplo, essas pessoas compreendem de forma muito equivocada o que é laicidade, porque na verdade não estão propondo um Estado laico, e sim um Estado cujas políticas sejam baseadas nos valores de determinadas religiões. Pode ser que se mostre cada vez mais importante explicitar isso. Também ser mais rigoroso quanto à aferição de violência e discriminação contra homossexuais do que temos sido até então. E compreender a decisão do STF não só de forma louvatória – e eu acho que a decisão deve ser louvada, porque realmente foi muito importante – mas de uma forma sedimentada e profunda. Crítica até, mas em um bom sentido, buscando mostrar o tamanho da conquista obtida ao mesmo tempo em que reforça a necessidade de avançar em pontos que ainda não foram devidamente atendidos por ela.