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quinta-feira, 25 de junho de 2009
Grãos aumentam até 115% devido a produção de bicombustíveis
Os zapatistas
Polêmica entre o indigenismo e a autonomia política | | | |
Escrito por Guga Dorea - Correio da Cidadania | |
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Esses 15 anos de existência do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) nos revelaram uma questão das mais importantes para pensarmos a complexidade das relações sociais e interpessoais nos dias de hoje. O que é ser igual e diferente na sociedade contemporânea? Só para começar o diálogo, deter-me-ei nesse artigo a duas visões de mundo que permeiam o México: a concepção indigenista - que combate a existência dos próprios zapatistas - e a proposta de autonomia política e administrativa defendida pelo EZLN. Antes de entrar nessa polêmica propriamente dita, é importante destacar como o México foi pensado, pela elite dominante, no âmbito da modernidade. O pensador mexicano Luis Villloro afirma que uma visão unilateral da História do México tende a priorizar a idéia de que uma nova nação só sairá do papel quando as diferenças forem sobrepujadas pela noção abstrata de um contrato social entre indivíduos iguais, no qual a heterogeneidade perde o seu contorno em nome da homogeneidade.
"A nova nação se concebe como uma unidade entre Estados (sistema de poder político) e nação (unidade de cultura e projeto coletivo). Ao novo Estado deve corresponder, portanto, uma nação homogênea: uma só ordem legal, uma só língua, uma educação comum, uma cultura nacional, um só projeto coletivo. Só se admitem diversidades que não rompam com essa unidade"(1).
Estamos entrando aqui na órbita ondulante de um discurso nitidamente liberal. Tal proposição pode apontar para a idéia de que as diferenças não devem se sobrepor à igualdade. A autonomia política parte de outra premissa: a de que a igualdade não gera necessariamente o reconhecimento das diferenças. Nesse caso, Villoro faz a seguinte indagação: o simples acesso do todo à plena cidadania, ou melhor, a uma suposta inclusão de todos na lógica do sistema vigente, significa o automático respeito ao chamado "diferente"?
Se a resposta for sim, não haveria mais a necessidade de buscar efetivamente a autonomia política em relação ao Estado. Todos serão iguais perante a lei quando a nação atingir um grau elevado de homogeneização "civilizatória". Retornamos com isso ao mito do progresso como motor para a inclusão do não-cidadão no espectro do mercado consumidor capitalista.
Diante disso, diz ainda Villoro, existe uma preposição no México de que o ser igual é sinônimo do vir a ser "um grupo de ‘letrados’ criollos e mestiços"(2) desqualificando, portando, a luta pela autonomia política no país. Trata-se, segundo ele, de uma nação que surge sob a égide do que é chamado de "contrato social"(3), no qual os povos indígenas não foram devidamente consultados.
Esse é o ponto de vista, segundo Héctor Díaz-Polanco(4), defendido pela corrente indigenista do México. Eles afirmam que o princípio da autonomia política depõe contra a homogeneização da nação, sendo depositário da cultura do atraso e do anti-progresso capitalista. Trata-se de colocar os defensores da autonomia como irradiadores da discórdia e de projetos xenófobos, que levariam à desintegração da unidade mexicana.
Dessa forma, os indigenistas afirmam que os defensores da autonomia são os culpados pela emergência dos fantasmas da balcanização, do separatismo e da ruptura política da unidade nacional. O direito de ser diferente, nesse caso, teria como suporte a anti-razão em contraposição à razão e o atraso em detrimento à evolução civilizatória e universal, à qual todos devem se adequar de uma forma homogênea e igualitária.
Para Polanco, tal polêmica está sendo pautada por conceitos diferenciados, ou seja, trata-se de um embate entre os indigenistas e uma visão etnicista que, segundo o autor, levou a uma "idealização das comunidades indígenas", que passaram a ser vistas como autênticas tendo no seu contraponto o "mundo oposto (o ‘ocidental"), este visualizado como o mundo das "trevas" e da opressão.
Autonomia, segundo diversos pensadores que debatem a partir de outra perspectiva, não significa lutar por separatismos, o que levaria, aí sim, a região a um perigoso isolamento político e cultural. Trata-se da possibilidade de um indivíduo ou coletivo exercer livremente seu projeto de vida constituindo-se, a partir daí, as diferenças inerentes a cada um de nós. É romper com a idéia de que de um lado existem os "iguais" e, de outro, os "diferentes".
Não é também resgatar uma concepção liberal de indivíduo, em que cada um é soberanamente dono de si e persegue seu interesse próprio, buscando o maior custo-benefício possível, sem levar em consideração a existência do outro. Ser autônomo, portanto, não é fechar-se em si mesmo e sim a tentativa de restabelecer formas diferenciadas de comunicação entre indivíduos ou coletivos.
Pensando mais especificamente na autonomia indígena que está em jogo no México, não se trata de buscar um eventual isolamento em guetos étnicos contra um eventual consenso unificador. Não é defender a imposição de um outro modelo de vida que se tornaria dominante, estabelecendo-se, como diria Foucault, uma luta de verdades contra verdades.
Mais recentemente, o sociólogo Boaventura de Sousa Santos (5) nos mostrou que é possível lutar pela igualdade quando a diferença nos inferioriza e pelo direito a sermos diferentes quando a idéia de igualdade deseja a aniquilação da própria diferença.
Continuaremos com esse tema no próximo artigo. Antes, fica uma questão para o leitor: o que você costuma pensar quando diz que o outro é "diferente"? Ele é "diferente" em relação a quê?
Notas:
1) Ver Villoro, Luis, O futuro dos povos indígenas, págs. 173 & 174, in Buenrostro Y Arellano, Alejandro & Umbelino de Oliveira, Ariovaldo (orgs), Chiapas: construindo a esperança, Paz e Terra, São Paulo, 2002
2) Ídem
3) Talvez o autor esteja vinculando essa idéia, em um ponto de vista teórico, ao conceito de "contrato social" criado, cada com uma concepção diferenciada, pelos autores clássicos da teoria política Hobbes, Locke e mesmo Rousseau. Inclusive, em seu livro "O poder e o Valor", Villoro afirma que se baseou, além de Marx e Maquiavel, em Rousseau, porém sem segui-los. Pelo contrário, ele utilizou os dois últimos como referências, como clássicos e indispensáveis que são, para se contrapor em seguida às suas convicções.
4) Ver Polanco-Díaz, Héctor, O Indigenismo Simulador IV, in Buenrostro Y Arellano, Alejandro & Umbelino de Oliveira, Ariovaldo (orgs), Chiapas: construindo a esperança, Paz e Terra, São Paulo, 2002
5) Ver Santos, Boaventura de Souza, Entrevista com Boaventura de Sousa Santos, www.dhnet.org.br/direitos/militantes/boaventura/boaventura, s/d
Guga Dorea é jornalista, cientista político e pesquisador-colaborador do Projeto Xojobil.
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Eleições no Irã...
PAUL CRAIG ROBERTS
As declarações de Obama sobre os recentes acontecimentos no Irão, em agressividade crescente mas controlada, não só não deixam de se integrar na operação como se conjugam com a tentativa de recuperação, ao menos parcialmente, do prestígio perdido pelo império.
Há uma série de comentadores que tem vindo a exprimir a sua crença idealista na pureza de Mousavi, Montazeri, e da juventude ocidentalizada de Teerão. O plano de desestabilização da CIA, anunciado há dois anos (ver abaixo) não terá contaminado, por qualquer razão, os incidentes em curso.
Afirma-se que Ahmadinejad viciou as eleições, porque os resultados foram anunciados cedo demais após o fecho das urnas, antes de ser possível contar todos os votos. Mas Mousavi anunciou a sua vitória várias horas antes de as urnas fecharem. Isto é uma desestabilização clássica da CIA destinada a desacreditar um resultado oposto. Força uma declaração precoce sobre a votação. Quanto mais tempo durar o intervalo entre a prévia declaração de vitória e o anúncio da contagem dos votos, mais tempo tem Mousavi (e a CIA) para criar a impressão de que as autoridades estão a utilizar o tempo para alterar a votação. É de espantar que as pessoas não percebam este truque.
Quanto à acusação do grande ayatolla Montazeri de que as eleições foram viciadas, é preciso não esquecer que ele foi a escolha inicial para suceder a Khomeini, mas perdeu a favor do actual Líder Supremo, Khamenei. Encontra assim nos protestos uma oportunidade para ajustar contas com Khamenei. Montazeri tem um incentivo para contestar as eleições, esteja ou não a ser manipulado pela CIA, que tem uma bem sucedida história de manipular políticos frustrados.
Há uma luta pelo poder entre os ayatollas. Muitos deles alinharam contra Ahmadinejad porque este os acusa de corrupção, satisfazendo assim o Irão rural onde os iranianos acham que o estilo de vida dos ayatollas indica um excesso de poder e de dinheiro. Na minha opinião, o ataque de Ahmadinejad contra os ayatollas é oportunista. No entanto, torna-se esquisito para os seus detractores americanos afirmarem que ele é um reaccionário conservador alinhado ao lado dos ayatollas.
Há comentadores que “explicam” as eleições iranianas baseando-se nas suas próprias ilusões, desilusões, emoções e interesses ocultos. Quer os resultados das votações que predizem a vitória de Ahmadinejad sejam correctos ou não, até agora não há indícios que possam levar a concluir que as eleições foram viciadas. Por outro lado, há relatórios credíveis de que há dois anos que a CIA anda a trabalhar para desestabilizar o governo iraniano.
A 23 de Maio de 2007, Brian Ross [1] e Richard Esposito noticiaram no ABC News: “A CIA recebeu aprovação secreta presidencial para montar uma operação secreta “negra” a fim de desestabilizar o governo iraniano, afirmam à ABC News agentes, actuais e antigos, da comunidade dos serviços de informações”.
A 27 de Maio de 2007, o Telegraph de Londres noticiou sem reservas: “Bush assinou um documento oficial sancionando planos da CIA para uma campanha de propaganda e desinformação destinada a desestabilizar, e a fazer cair, o governo teocrático dos mullahs”.
Uns dias antes, a 16 de Maio de 2007, o Telegraph noticiara que John Bolton [2], o instigador da guerra neoconservador da administração Bush, dissera ao Telegraph que um ataque militar americano ao Irão “seria uma ‘última opção’ depois de falharem as sanções económicas e as tentativas para fomentar uma revolução popular”.
A 29 de Junho de 2008, Seymour Hersh [3] noticiou no New Yorker: “No final do ano passado, o Congresso aceitou um pedido do Presidente Bush para financiar uma grande escalada de operações secretas contra o Irão, segundo actuais e antigas fontes militares, dos serviços de informações e do Congresso. Estas operações, para as quais o Presidente pediu quatrocentos milhões de dólares, estavam descritas numa Decisão Presidencial assinada por Bush, e destinam-se a desestabilizar a liderança religiosa do país”.
Os protestos em Teerão têm sem dúvida muitos participantes sinceros. Mas os protestos têm também todas as marcas dos protestos orquestrados pela CIA na Geórgia e na Ucrânia. É preciso ser-se completamente cego para não ver isso.
Daniel McAdams sublinhou alguns pontos esclarecedores. Por exemplo, o neoconservador Kenneth Timmerman [4] escreveu, um dia antes das eleições, que “fala-se de uma ‘revolução verde’ em Teerão”. Como é que Timmerman podia saber disso a não ser que fosse um plano orquestrado? Porque é que havia de haver uma ‘revolução verde’ preparada antes da votação, principalmente se Mousavi e os seus apoiantes estavam tão confiantes na vitória como afirmam? Isto parece prova evidente de que os EU estão envolvidos nos protestos contra as eleições.
Timmerman continua, escrevendo que “o National Endowment for Democracy gastou milhões de dólares na promoção de revoluções ‘coloridas’… Parte desse dinheiro parece ter ido parar às mãos de grupos pró-Mousavi, que têm ligações a organizações não governamentais fora do Irão, que recebem fundos do National Endowment for Democracy”. A própria Foundation for Democracy, neoconservadora, de Timmerman é “uma organização privada, sem fins lucrativos, fundada em 1995, que recebe fundos da National Endowment for Democracy, para promover no Irão a democracia e padrões de direitos humanos internacionalmente reconhecidos”.
Notas:
[1] Brian Ross é um dos mais respeitados jornalistas de investigação nos EUA, correspondente
do ABC News desde 1994. (N.T.)
[2] John Robert Bolton é uma figura política conservadora que desempenhou cargos em várias
administrações presidenciais republicanas. Esteve envolvido em diversos grupos de grupos de
pensadores e institutos políticos conservadores, entre os quais o Project for the New American
Century (PNAC). É considerado como uma das figuras mais destacadas do movimento
neoconservador. (N.T.)
[3] Seymour Hersh é um jornalista de investigação, laureado com o Prémio Pulitzer dos
Estados Unidos, e escritor. Ficou conhecido mundialmente em 1969 pela denúncia do
Massacre de My Lai. Em 2006 noticiou os planos militares americanos em relação ao Irão que
aconselhavam, alegadamente, o uso de armas nucleares contra este país. (N.T.)
[4] Kenneth Timmerman é um jornalista, escritor político e activista republicano conservador.
Em 1995 fundou a Foundation for Democracy in Iran com o apoio de expatriados iranianos da
oposição para tentar derrubar o governo iraniano. (N.T.)
[*] Paul Craig Roberts foi secretário adjunto do Tesouro na administração Reagan e editor sócio do Wall Street Journal. Tem tido muitas nomeações de universidades. É co-autor de The Tyranny of Good Intentions.
Tradução de Margarida Ferreira