sexta-feira, 26 de junho de 2009

Marcelo Branco e internet: direita e esquerda desconcertadas

Controle da internet, capitalismo e esquerda

Para Marcelo Branco, coordenador-geral do FISL-10, uma grande disputa pelo sentido do século 21 começou há pouco, com as tentativas de restringir e vigiar o uso da rede. Nesta nova batalha, as grandes empresas estão divididas; e os partidos e sindicatos, sem rumo

Antonio Martins do blog Trezentos

Corpo esguio, pele morena, cabelos longos, cacheados e grisalhos, o gaúcho Marcelo Branco é talvez a figura mais procurada para entrevistas nos corredores da PUC-RS, onde se desenvolve o Fórum Internacional do Software Livre (FISL10). Há alguns meses, este personagem carismático, que não tira do pescoço a kaffieh palestina, assumiu a coordenação geral da Associação do Software Livre (ASL), a ONG que organiza o evento. Mais um ponto na trilha de quem foi sindicalista e líder da luta contra a privatização da Telebrás (no início dos anos 1990); militou no PT gaúcho, integrou o governo do Estado e ajudou a conceber (há dez anos) o I FISL; mudou-se para a Espanha, colaborou com Manuel Castells e coordenou diversos projetos regionais de implantação de programas de computador abertos.

Em 24 de junho, dia da abertura do Fórum, Marcelo reservou quase uma hora para uma conversa pouco convencional com a equipe da Agência FISL. Não tratou dos números do evento, mas do futuro do planeta. Expôs sua visão particular sobre a emergência das redes e da internet; a importância da batalha por mantê-la livre, neutra e sem vigilância; o desconforto que esta disputa entre os grupos sociais e forças políticas que dominaram o cenário no século passado. O áudio da entrevista (55m, em cinco partes), está aqui. Veja abaixo os pontos principais:


Os sentidos da internet

A possibilidade de desintermediar as relações sociais pode abrir uma nova etapa civilizatória – mas seu sentido ainda é incerto. Os espaços para a articulação direta entre os seres humanos, sem as condições impostas pelo capital, estão se multiplicando. Há muito tempo falávamos em associações produtivas diretas entre trabalhadores, mas não havia meios tecnológicos para fazê-lo com rapidez e em grande escala. Estes meios são oferecidos agora pela internet: o site da Rede Brasileira de Economia Solidária, por exemplo, permite localizar, comprar ou trocar, após alguns cliques, centenas de itens produzidos por cooperativas.

A desnecessidade do capital aparece de forma ainda mais nítida em setores como a antiga indústria cultural, ou do copyright. Há alguns anos, uma banda de músicos que quisesse tornar-se conhecida precisava dos serviços de uma gravadora para ter acesso a estúdios, prensar discos, levá-los às lojas, fazer publicidade. Hoje, todos estes papéis podem (e são, em muitos casos) realizados pelos próprios músicos – inclusive porque a digitalização afundou os preços dos equipamentos.

Porém, sozinhas, estas condições não asseguram o surgimento de uma sociedade melhor. A condição democrática não é algo explícito, ou necessário, na rede. A internet pode ser usada igualmente para controle social – assim como, no século passado, algumas experiências políticas libertadoras degeneraram em Estados policiais. É por isso que na disputa pelos rumos da rede tem enorme importância na própria definição do sentido do século 21. Não por acaso, o tema central do FISL deste ano é “Liberdade. Contra o controle e a vigilância na internet”


A disputa pelo controle da rede

Os últimos anos foram marcados por enormes avanços democratizadores. Desde que a internet passou da fase pontocom para a 2.0, tem sucesso as iniciativas que promovem o compartilhamento, a desmercantilização, a colaboração. Estamos vivendo o início da época das redes sociais, que multiplica a potência e autonomia dos grupos articulados e capazes de gerar inteligência coletiva.

Há cerca de um ano, no entanto, começou um contra-ataque. Alguns de seus símbolos são a lei de restrição à internet na França (aprovada por proposta e pressão do governo Sarkozy mas derrubada em seguida pelo tribunal constitucional), o processo contra o grupo sueco Pirate Bay, cujo site facilita a troca de arquivos digitalizados e, no Brasil, o projeto de lei do senador Eduardo Azeredo.

É um ataque violento e combinado. Nele, estão envolvidos três agentes fundamentais: a) empresas dominantes em setores onde o capital está se tornando rapidamente obsoleto (como a indústria fonográfica e cinematográfica). Seu poder econômico está minguando, mas conservam enorme capacidade de articulação política e em especial de lobbyng. b) os segmentos dos Estados mais ligados à repressão, controle social e vigilância. São eles que procuram associar troca de arquivos digitais com “terrorismo”. Fato emblemático: a Convenção de Budapeste, onde se armou a ofensiva desencadeada agora contra a liberdade na rede, foi firmada dois meses após os atentados de 11 de setembro de 2001, num momento político marcado pelo medo. O Brasil não está entre os cerca de 40 países signatários; c) a velha mídia, que ideologicamente não consegue conceber relações sociais pós-capitalistas, e cujos interesses oligopolítisticos são diretamente afetados pela emergência da blogosfera.


Direita e esquerda desconcertadas, diante da desintermediação

Marcelo orgulha-se de seu passado como sindicalista e militante do PT. “Não espere nada de quem se diz esquerdista arrependido”, diz ele. Considera que, no século passado, os caminhos da transformação social estavam entrelaçados com os da representação política e sindical.

Contudo, destaca uma transição delicada. As novas tecnologias criam condições para desintermediar também as relações políticas. Marcelo não quer fazer projeções para o futuro; mas observa que, hoje, defender uma causa qualquer é uma opção que dispensa adesão a um partido político. Novas redes de mobilização social, em favor de objetivos específicos, vão se multiplicando a cada instante. Ao contrário do que sustenta a crítica conservadora, elas não são apenas virtuais. Produzem efeitos concretos, dos quais há exemplos abundantes: a campanha contra a lei Azeredo (agora, no Brasil); a derrubada do governo Aznar (em 2004, na Espanha); a denúncia da invasão do Líbano por Israel (em 2006); a avalanche em favor de Barack Obama; a persistente mobilização dos iranianos contra o fundamentalismo do governo Ahminejad.

No universo político e sindical da esquerda, muitos resistem a compreender esta transformação. Insistem em intermediar o que se pode fazer autonomamente. Esta resistência conservadora está na origem das críticas endereçadas a novidades políticas como o Fórum Social Mundial – taxado de “anárquico”, “sem rumo” ou “diverso demais” por setores da esquerda.

O curioso é que as redes provocam desorientação semelhante também no terreno do capital. Grandes empresas (como a Google) nascem e se agigantam num piscar de olhos, porque são sensíveis ao desejo de comunicação e des-hierarquização presente na sociedade. Outras vão se adaptando à mudança (Oracle, Sun, UOL e Itautec estão presentes e atuantes no FISL10). Mas setores como a indústria do copyleft atacam com virulência a nova lógica.

Democratização das Comunicações

Marcelo está particularmente preocupado com a luta pela democratização da mídia. Teme que oportunidades se percam. Refere-se, no Brasil, à Conferência Nacional de Comunicação (1 a 4 de dezembro).

Ele pensa que duas posturas são ineficazes ou insuficientes. A primeira é denunciar o conteúdo da mídia de massas (como se fosse possível esperar dela profundidade ou posturas democráticas). A segunda é supervalorizar as concessões públicas do espaço radioelétrico, hoje dominadas por alguns grandes grupos, em associação com famílias oligárquicas ou caciques políticos regionais. Estes pontos, de enorme importância no século passado, estão perdendo sentido aceleradamente. Se até os grupos de mídia mais contemporâneos (e em especial o público…) estão migrando para a internet, que efeito terá, em dez ou quinze anos, redistribuir os canais de rádio ou as estações de TV?

Marcelo vislumbra uma agenda alternativa. Nela, as batalhas que marcaram a luta pela democracia midiática nas décadas anteriores não desaparecem (“assim como não podemos nos esquecer das propostas anti-feudais, como a reforma agrária”). Mas o centro da disputa migra para a difusão da cultura digital. Livre circulação de conhecimento e bens imateriais na rede. Acesso público e gratuito à internet, em banda larga. Formação conceitual, técnica e tecnológica para uso das novas mídias. Políticas públicas novas, para realidades, demandas e desejos inéditos.

Importante em todo o mundo, incorporar esta pauta seria ainda mais decisivo no Brasil, julga o coordenador-geral da ASL. “Fomos colonizados e subalternos durante todo o período industrial. Mas alguns de nossos traços culturais – entre eles a criatividade, a diversidade e capacidade de comunicação – podem fazer de nós um ator destacado nas lutas pela democracia e igualdade no século 21”, arremata ele.

os tentáculos da mídia corporativa se expandem...

Uma afronta ao Estado de Direito

Ministério Público de Santa Catarina processa grupo RBS por formação de oligopólio de comunicação no Estado. No Rio Grande do Sul, a organização acaba de lançar um jornal em Canoas, Região Metropolitana de Porto Alegre, depois de expandir a operação da Rádio Gaúcha para a frequência FM. Apesar da negativa da empresa, desde o início do ano rola um boato de que o grupo iria comprar outros três tradicionais veículos do interior.

Por: Naira Hofmeister para ADufrgs

O parabéns a você para a RBS de Santa Catarina foi cantado pelo rei Roberto Carlos, estrela da festa de 30 anos da empresa no Estado, comemorados no dia 16 de maio. O apagar das velinhas, no entanto, pode ser bem menos animado e é esperado para o final do ano. Através de uma Ação Civil Pública, o Ministério Público Federal de Santa Catarina pede que o Grupo RBS abra mão de um dos seus cinco diários que circulam no Estado e escolha apenas duas, entre as seis emissoras da RBS TV regional. “Ainda esse ano podemos ter uma sentença. Porque essa ação tem instrução, ela se prova”, acredita o procurador da República no Estado de Santa Catarina, Celso Três.

A acusação é por formação de oligopólio. “É um conceito da ordem econômica, mas se aplica aos meios de comunicação porque suprime empregos, mexe no mercado local”, justifica. Com um agravante, sublinha o procurador. “Nesse caso, a concentração atinge o Estado Democrático de Direito porque bloqueia a garantia de ampla expressão e informação do cidadão. Só é possível haver múltiplas interpretações dos fatos da vida social a partir da pluralidade de órgãos de comunicação. O que não acontece em Santa Catarina”, acusa.

A ação foi ajuizada em novembro de 2008, mas o inquérito consumiu dois anos da rotina de Celso Três. A decisão de processar o grupo foi tomada em 2006, quando a RBS comprou o tradicionalíssimo jornal A Notícia, instalado há mais de 80 anos no município de Joinville. “Foi a gota d’água”, relata Três. “Todos os jornais de Santa Catarina são da RBS: A Notícia, Diário Catarinense, Jornal de Santa Catarina e Hora de Santa Catarina. Excetuados, é claro, os minúsculos, locais, sem qualquer expressão de rivalizar com a RBS”, sustenta a peça jurídica assinada por ele e outros três procuradores da República.

Apesar disso, nem o Ministério das Comunicações nem o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) condenam a compra do jornal A Notícia. Eles aceitaram o argumento da empresa, de que os veículos estão em nome de pessoas diferentes. “Os proprietários são da família Sirotsky e existem alguns laranjas. Mas se os veículos trazem a mesma manchete – ou transmitem a mesma programação – está caracterizado o oligopólio. É absurdo dizer que não!”, revolta-se Celso Três.

A certeza do procurador fica explícita na nomeação dos réus no processo. São treze ao todo – União, Cade e apenas duas pessoas físicas. Os demais citados são pessoas jurídicas, proprietárias das emissoras e jornais. Os responsáveis pelos CNPJs, no entanto, são todos ligados à família. A única exceção é Moacir Gervazio Thomazi, antigo proprietário de A Notícia.

Citado nominalmente, o presidente do Grupo RBS, Nelson Sirotsky é também o responsável por quatro veículos que respondem à ação. Outras duas pessoas da lista compartilham seu sobrenome: Denise e Marcelo, que respondem respectivamente pelas emissoras da RBS TV em Criciúma e Joinville. Já as televisões de Chapecó e Joaçaba estão representadas por Eduardo Magnus Smith, diretor executivo de desenvolvimento de negócios do Grupo RBS.

Além de pedir a devolução do jornal A Notícia ao dono anterior – ou sua venda para um grupo independente da RBS - o processo foca a concessão de radiodifusão, que é uma outorga pública. O Decreto-Lei nº 236, publicado em 1967 estabelece que nenhuma empresa ou pessoa pode ter mais de dez emissoras de televisão em todo o território nacional. A RBS possui 18, apenas de canal aberto. Também impede a concessão de mais de duas por Estado – só em Santa Catarina o grupo mantém seis canais locais que transmitem a programação da RBS TV, além do Canal Rural e a TV Com, que só abrange Florianópolis. “Isso é lei desde a época dos militares”, justifica Três.

Constituição desrespeitada

“A maior rede regional de TV do País conta com 18 emissoras distribuídas no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, com uma cobertura que atinge 790 municípios e mais de 17 milhões de espectadores nos dois estados. Possui 85% da grade de programação da Rede Globo e 15% voltada ao público local”. Essa é a descrição que o site do Grupo RBS dá para a Rede Brasil Sul de televisão, a RBS TV. É um tiro no pé. Isso porque a Constituição Brasileira determina que 30% da programação de rádio e TV devem ser locais.

Regulamentado ou não, o artigo é o argumento que o procurador da República utiliza na peça jurídica. “Já que a legislação está trancada no Congresso - o que é uma vergonha - queremos que a justiça estabeleça esse critério. Porque quando se fala em programação local, estamos falando em direito de expressão do cidadão”, justifica o procurador da República.

Celso Três admite que modificar – ou fazer cumprir - a legislação não é uma tarefa fácil. “Tem que ter coragem para fazer isso. Cabe ao presidente da República fazer um pronunciamento em rede nacional, explicar para sociedade. Vai ter muita emissora que vai criticar, é claro. Os 30% são razoáveis, ainda sobra 70% da grade para a programação nacional. Isso enseja a diversidade”.

Empresa é um partido político

Para além do poderio econômico que uma empresa do tamanho da RBS (veja quadro abaixo) detém, uma das maiores preocupações do Ministério Público de Santa Catarina é com a pressão política que o grupo pode exercer. “Uma situação é você ter a televisão, ser transmissora da Globo - e todo mundo sabe que o País só assiste à Globo. Mas bem mais grave é você ter a Globo, os jornais e as rádios. Porque os veículos se somam. Isso se chama propriedade cruzada e catapulta o posicionamento político”, critica Três.

O texto da Ação Civil Pública cita um exemplo bem conhecido dos gaúchos: a manipulação de pesquisas eleitorais. O documento traz até uma referência ao ocorrido no pleito gaúcho de 2002, no qual concorriam Tarso Genro (PT) e Germano Rigotto (PMDB) - e vencido por este último. A divulgação de pesquisas com percentuais muito diferentes daqueles verificados nas urnas, que indicavam ampla margem do peemedebista, gerou o cancelamento de 25 mil assinaturas de Zero Hora. A campanha obrigou a RBS a pedir desculpas publicamente através de um editorial publicado em Zero Hora. “No episódio eleitoral, uma das instituições [que executam pesquisas encomendadas pela RBS], embora tenha registrado corretamente o vencedor do pleito no Rio Grande do Sul, errou gravemente na diferença percentual entre os votos dos dois candidatos”, admitiu na época em editorial na Zero Hora, o presidente do Grupo RBS, Nelson Sirotsky.

No caso catarinense, o beneficiado é colega de partido de Rigotto e, assim como ele, saiu vencedor do pleito. “Na ultima eleição ao governo do Estado de Santa Catarina, o Grupo RBS encetou uma ação de sinergia em prol de Luiz Henrique da Silveira”, lê-se na peça jurídica, que a seguir, descreve a seqüência de eventos. No primeiro turno, os jornais da RBS juravam que Luiz Henrique estava eleito, sem a necessidade do segundo confronto – “fato desmentido nas urnas”, aponta o procurador. No segundo turno, as pesquisas veiculadas pela RBS indicavam uma vantagem de 20% do candidato sobre seu oponente, Espiridião Amim (PP). A diferença na apuração foi de 5,42%. “Doutrinada à exaustão a vitória de uma candidatura, a tendência do eleitorado, especialmente o indeciso, é aderir à vencedora”, denuncia a peça jurídica. “Quando se diz que é a RBS quem governa o Estado, que ela faz e tira o governo, é nesse sentido. Aí o governador que se opõe a um grupo como esse, é derrubado”, complementa Três.

No Rio Grande do Sul, Canoas é a bola da vez

Na mesma semana em que comemorou seus 30 anos em Santa Catarina, a RBS lançou o semanário Mais Canoas, que vai circular às sextas-feiras encartado em Zero Hora e no Diário Gaúcho. A tiragem prevista é de 25 mil exemplares mas dependendo da competência do departamento comercial, deve aumentar. Canoas é o segundo maior PIB do Rio Grande do Sul. A cidade tem um diário editado pelo Grupo Sinos, que já atua na região há 50 anos.

A julgar pelas práticas relatadas em Santa Catarina, é bom os executivos do Grupo Sinos começarem a se preocupar. No estado vizinho, a RBS praticou dumping, que é a taxação de preço abaixo do valor de mercado. No caso, a venda de exemplares do jornal Hora de Santa Catarina - de caráter popular - “por reles R$ 0,25” de acordo com a Procuradoria da República - para concorrer com o Notícias do Dia, do grupo Record. “À concorrência, resta quebrar ou vender-se a RBS”, alerta o texto jurídico.

E no litoral catarinense, para “combater” o Diarinho - jornal de Itajaí com 30 anos de existência, que utiliza uma linguagem sarcástica e tem leitores fiéis - a RBS pressionou uma rede de supermercados para não expor os exemplares nos caixas. “A empresa também faz negociações com os anunciantes, de reduzir o valor pago caso não anunciem em outros diários”, complementa Três.

Em 2008, o grupo incorporou a Rádio Metrô FM, a preferida dos pagodeiros de Porto Alegre. Depois de substituir os programas e comunicadores tradicionais pelos da casa – nesse caso, a rádio Cidade, principal concorrente da Metrô – a RBS simplesmente extinguiu o veículo. Agora, o espaço 93,7 do dial FM é ocupado pela Gaúcha, exatamente a mesma programação de AM. “O que não entendemos é como a concessão de radiodifusão, que é pública pode ser simplesmente adquirida por uma opu outra empresa”, questiona coordenadora regional do Fórum Nacional de Democratização da Comunicação, Claudia Cardoso.

E além dos quatro jornais que já mantém no estado, a RBS agora está de olho em três novos diários tradicionais do Interior. A empresa nega o interesse, mas no início do ano chegou a visitar as redações de O Nacional, de Passo Fundo, Agora, de Rio Grande e o Informativo de Lajeado.

Por uma mídia mais democrática

Cinco artigos da Constituição Brasileira tratam sobre a proibição da formação de oligopólio ou monopólio na comunicação. Apesar disso, o setor, ao lado das indústrias de chocolate, bebidas e pasta de dente, lidera o ranking de concentração do mercado brasileiro. “O lobby das empresas de mídia é muito forte e por isso, mesmo depois de 20 anos de sua publicação, esses artigos não foram regulamentados”, lamenta Claudia Cardoso.

Depois de anos articulando com governos, os movimentos sociais conseguiram marcar a data da primeira Conferência Nacional da Comunicação. Vai ser em dezembro. “Vivemos num país que tem mais televisões do que geladeira. É preciso reestruturar a comunicação, e capacitar o público para a crítica”, defende.

A idéia é combater o discurso uníssono, contra o qual não há voz suficientemente forte que tenha eco. Como a criminalização dos movimentos sociais pautada pela imprensa conservadora do Brasil. A reportagem de ADverso constatou que as charges dos jornais Zero Hora e Diário Catarinense do dia xx de abril eram idênticas em seu conteúdo, ainda que as assinaturas fossem de dois cartunistas diferentes. Coincidentemente, os desenhos ironizavam o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, um dos grupos que freqüentemente acusam a mídia de patrulhamento ideológico. “Em Santa Catarina chegamos a ter a mesma manchete em mais de um jornal. Idêntico! A ótica do Ministério Público é a proteção do direito à informação do cidadão. Isso é inerente à pluralidade - não existe diante de um órgão oligopolista”, avalia Celso Três.

Quem é a RBS

Faturamento em 2006: R$ 825 milhões

Lucro líquido em 2006: R$ 93 milhões

18 emissoras TV aberta (afiliadas da Globo)

2 emissoras de TV comunitária

1 emissora de agronegócio

25 emissoras de rádio

8 jornais diários

4 portais na internet

Editora RBS Publicações

Gráfica

Gravadora Orbeat Music

Empresa de Logística ViaLog

Empresa de marketing para público jovem Kzuka

Participação em empresa de móbile marketing

Fundação de Responsabilidade Social

Ainda sobre o Irã...

Escritora analisa o resultado das eleições no Irã

Em uma entrevista à rede Al Jazeera, a escritora iraniana Azar Nafisi analisa o resultado das eleições no Irã. Para ela, uma parte importante do povo iraniano usou um espaço aberto para expressar o que quer. "Eles votaram não apenas contra Ahmadinejad, mas pelo que defendem. O quadro homogêneo pintado extremamente apresentado, em que a maioria das pessoas no Irã acreditam no islamismo ortodoxo não é verdadeira. O Irã é um país de diferentes minorias étnicas e de diferentes religiões. Muitas das minorias têm sido oprimidas pelo regime", afirma.

Azar Nafisi é mais conhecida como autora do Reading Lolita in Tehran: A Memoir in Books [algo como: “Lendo Lolita em Teerã: uma autobiografia nos livros”], um retrato sempre angustiante de como a Revolução Islâmica no Irã afetou uma professora e seus estudantes.

Seu novo livro, Things I've Been Silent About [“Coisas que tenho silenciado”], é um livro de memórias sobre como foi ter crescido contra o pano de fundo da revolução política iraniana.

Ela é professora visitante e diretora executiva das Cultural Conversations no Instituto de Política Externa da Faculdade de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins em Washington DC. Nafisi é professora de estética, cultura e literatura, e dá cursos sobre a relação entre cultura e política. A Al Jazeera conversou com ela sobre as recentes eleições no Irã.

Al JazeeraO que acaba de acontecer no Irã?
Azar Nafisi – Bem, o que acaba de acontecer no Irã é a continuação do que vem acontecendo há trinta anos. O povo iraniano levantou oposição e usou um espaço aberto para expressar o que quer. Eles votaram não apenas contra [o presidente Mahmoud] Ahmadinejad, mas pelo que defendem.

AJMas parece que Ahmadinejad ganhou com uma esmagadora maioria.
AN – Mas o mais impressionante é que tanta gente vá às ruas para demonstrar e protestar e tornar seus desejos conhecidos. Isso é ótimo porque desfaz o mito de que no o povo iraniano aprova as leis extremistas sobre eles imposta pelo regime islâmico. Em qualquer sociedade há extremistas.

Sempre haverá pessoas apoiando aqueles como Ahmadinejad, assim como muitos estadunidenses apoiaram o Senhor Bush ou os cristãos fundamentalistas. Mas isso não significa que o povo iraniano prefira uma teocracia a um país pluralista com liberdade religiosa e de expressão para todos.

Nos seus slogans e pedidos durante as eleições eles queriam liberdade e democracia e repudiaram as leis repressivas. Mas tão importante quanto isso é o fato de que muita gente da elite dominante no Irã estão entendendo que não podem comandar a sociedade do jeito que diziam que podiam. Um bom exemplo é o próprio Senhor Mousavi.

Para vencer, Mousavi assumiu alguns slogans progressistas, contra os quais ele já tinha lutado. Eu estava lá no começo da Revolução Islãmica, quando ele foi Primeiro Ministro, e implementou muitas das medidas repressivas que agora denuncia. Eu (assim como muitos outros) saí da universidade que Mousavi ajudou a fechar, como parte da Revolução Cultural.

O fato de Mousavi ou Karoobi escolherem falar de liberdade e direitos humanos mostra em que medida o regime está afetado pela resistência do povo iraniano. Eu penso que esses são pontos importantes a respeito das eleições e não apenas quem venceu e quem perdeu.

AJMas você não acha que o resultado dessas eleições, a eleição da linha dura de Ahmadinejad contra Mousavi, reformista, sugere que a maioria dos iranianos quer que sua teocracia continue?
AN – Para mim, eleições num país como o Irã não tem o mesmo significado que em países como os Estados Unidos. Nós dificilmente temos escolha em quem votar, de qualquer forma. Também não houve um só observador internacional. Um número razoável de pessoas não pode sequer ler no Irã e votará em Ahmadinejad.

Eu admito que posso estar enganada, mas para mim o verdadeiro critério de avaliação não é o número de votos. O verdadeiro critério está nas plataformas que os candidatos usam para vencer. Foi realmente impressionante e interessante ver o que Mousavi escolheu como plataforma para ganhar.

Ele não fez campanha apenas contra Ahmadinejad, mas contra os próprios fundamentos da República Islãmica. O fato de que Mousavi tenha posto sua carreira política em risco para defender essas posições indica que um número considerável de pessoas não quer o que existe agora.

AJEntão você, enquanto liberal, está otimista com o resultado dessas eleições?
AN – Sim, sem dúvida – quer dizer -, não otimista, mas esperançosa. Eu vivi 18 anos com a República Islãmica – nos piores anos. O que me deu esperança foi o modo como essa sociedade não-violenta resistiu ao poder oficial. E não tenho qualquer razão para mudar essa perspectiva. Mas o povo iraniano votou nesse poder oficial – eles votaram na República Islãmica. Agora votaram num presidente ortodoxo.

Um dos problemas das revoluções é que são um período de grande agitação mas também de grande confusão. Isso sempre me preocupa. As pessoas estão muito certas do que não querem, mas não muito do que querem. Quando o povo votou pela república islâmica não sabia em quê estava votando.

A JOs resultados dessas eleições pegaram o mundo de surpresa. A mídia internacional fracassou na percepção dos assuntos e sentimentos dos iranianos?
AN – Sim! Isso é o que me fascina toda vez que venho aos EUA. Quando eu escrevi sobre os estudantes lendo Lolita em Teerã fui acusada de dizer que a literatura ocidental é maior. Não era isso o que eu estava dizendo. O que eu estava dizendo era que as pessoas no Irã estavam tomando e analisando e vendo esse texto à sua própria maneira – de uma maneira que o Ocidente não faz.

O quadro homogêneo pintado extremamente apresentado, em que a maioria das pessoas no Irã acreditam no islamismo ortodoxo não é verdadeira. O Irã é um país de diferentes minorias étnicas e de diferentes religiões. Muitas das minorias têm sido oprimidas pelo regime. Isso não é o islamismo – é um estado usando o Islã para ter poder e nós precisamos acabar com essa mentira.

AJVocê tem falado e escrito sobre a importância da literatura e da cultura na luta pelos direitos humanos e liberdades no Irã e ao redor do mundo, mas será que a arte, a cultura e a literatura serão algum dia mais poderosas que a religião? É suficiente começar uma revolução?
AN – Se você observa isso no longo prazo, sim, serão. Eu nunca esqueço que Paul Ricoeur, o filósofo, veio falar no Irã. Ele tinha 80 anos mas foi tratado como Bon Jovi.

Em determinada altura, o Ministro para Orientação Islãmica disse a Ricoeur: “Pessoas como nós [políticos] vamos desaparecer, mas vocês, o povo, vai permanecer”. Isso sempre fica na minha lembrança. Nós não lembramos do rei da Pérsia No século XIV; tempo do poeta Hafiz; nós lembramos de Hafiz.

AJVocê trabalha para a Universidade John Hopkins como diretora executiva de conversações culturais. Como essa eleição influenciará as conversações do Irã com o resto do mundo?
AN – Parte disso depende do resto do mundo – como escolherá conversar com o Irã. O governo dos EUA é muitas vezes tolo nas suas respostas ao Irã. Para eles, apoiar os direitos humanos se traduz em dar dinheiro a vários grupos e indivíduos e em ter um tratamento hostil com o país. Mas o ponto é não agir por trás de indivíduo algum, mas dar voz ao povo. Shirin Ebadi, a advogada vencedora do Nobel, é alguém cuja confiança no Irã não é posta em questão. A mídia deveria dar-lhe mais espaço do que a Ahmadinejad.

Eu penso que Barack Obama deveria reconhecer que o povo iraniano tem uma história, uma cultura e aspirações que diferem do que diz o regime [de Ahmadinejad].

AJSeu último livro trata de um grupo de mulheres vivendo em Teerã e você tem conduzido muitos workshops para promover a atuação das mulheres na luta pelos direitos humanos e a cultura. O que o resutlado dessas eleições dizem a respeito da mulher hoje?
AN- Eu acho que as mulheres do Irã têm se tornado os canários do espírito. Se você quer medir o quanto uma sociedade é livre, observe as suas mulheres. As mulheres iranianas trabalharam verdadeiramente por sua liberdade nessas eleições. Veja a sua campanha pelas assinaturas – elas escolheram uma campanha não-violenta para educar as pessoas dentro e fora do país a respeito das leis repressivas do seu país.

Elas desempenharam um papel importante no último século trazendo para a disputa política uma revolução constitutional. No começo deste século, elas jogarão um papel central na mudança da sociedade em direção a sua abertura.

Tradução: Katarina Peixoto