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quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Prefeitura quer anular dispositivo do Plano Diretor Cicloviário de Porto Alegre

 


Plano Cicloviário foi aprovado em julho de 2009 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
 
Samir Oliveira no SUL21
 
A prefeitura de Porto Alegre quer anular na Justiça um dispositivo do Plano Diretor Cicloviário Integrado (PDCI) da cidade, aprovado em 2009 pela Câmara Municipal. Trata-se do segundo inciso do artigo 32 da lei complementar 626/09, que determina que 20% do valor total de multas arrecadadas pela EPTC deve ser investido na construção de ciclovias e em campanhas que promovam a educação no trânsito – focadas na convivência entre ciclistas e motoristas.
Histórico do caso
O PDCI foi uma iniciativa do próprio Poder Executivo, mas a emenda que determinou o investimento de 20% do que é arrecadado das multas em ciclovias foi de autoria do vereador Beto Moesch (PP). Apesar de não constar no projeto original enviado à Câmara, essa emenda foi sancionada pelo então prefeito José Fogaça (PMDB) em 2009.
Mas, desde então, a lei nunca foi cumprida, já que a EPTC sequer tem aplicado 10% do que arrecada com multas na construção de ciclovias. Por conta disso, no dia 6 de janeiro deste ano o Laboratório de Políticas Públicas e Sociais (Lappus) ingressou com uma representação no Ministério Público para cobrar o cumprimento da lei.
O caso está com a Promotoria de Justiça de Habitação e Defesa da Ordem Urbanística, sob os cuidados do promotor Luciano Brasil. No início do ano, ele requisitou à EPTC as informações referentes aos investimentos da verba arrecadada com as multas.
Pelos dados fornecidos, pode-se constatar que o Plano Diretor Cicloviário não vinha sendo cumprido. Desde julho de 2009, quando a lei entrou em vigor, até o final deste mesmo ano, a EPTC arrecadou R$ 3,6 milhões em multas e aplicou somente R$ 206,5 mil no que determina a lei, o que representa 5,71% do total.
Trecho da denúncia do Ministério Público utiliza informações fornecidas pela EPTC | Imagem: MP-RS
Em todo o ano de 2010, dos R$ 24,3 milhões arrecadados, R$ 2,1 milhões foram investidos em ciclovias ou campanhas educativas. O valor representa 8,71% do total, quando a lei diz que deveriam ser aplicados 20%.
Em 2011, dos R$ 26,3 milhões arrecadados com multas de trânsito, somente R$ 2,3 milhões foram aplicados conforme determina a o Plano Diretor Cicloviário – 8,98% do valor total.
Com esses dados em mãos, o promotor Luciano Brasil sugeriu que a EPTC criasse um fundo fixo para onde iriam os recursos das multas, o que facilitaria a aplicação de 20% desse montante para a construção de ciclovias. Como a empresa ignorou a sugestão, o promotor ingressou com uma ação civil-pública para obrigar o município a cumprir esse dispositivo do Plano Diretor Cicloviário.
Tramitação do processo
Porto Alegre recebeu Fórum Mundial da Bicicleta em fevereiro deste ano | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
O Ministério Público pediu, em caráter liminar, que a Justiça obrigasse a prefeitura a aplicar 20% do valor arrecadado em multas na construção de ciclovias, mas obteve derrota em primeira instância. Com isso, o promotor recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS).
Quando o processo chegou no TJ, a EPTC resolveu, então, alegar que esse dispositivo do Plano Diretor Cicloviário é inconstitucional. De acordo com a empresa, essa determinação não pode ser cumprida, pois seria necessário ter previsão orçamentária para fazer esses investimentos – algo que somente o prefeito pode determinar.
A alegação pegou o promotor e os cicloativistas de surpresa, já que não esperavam que a prefeitura fosse querer anular um dispositivo de uma lei que ela mesma sancionou. “Até então não houve nenhum tipo de reclamação da prefeitura em relação a essa lei”, estranha o promotor Luciano Brasil.
Ele entende que o dispositivo em discussão não é inconstitucional. “A verba proveniente da arrecadação de multas da EPTC não possui caráter orçamentário, pois não há previsão no orçamento para isso. É uma receita derivada do poder de sanção da empresa, não tem como estimar quanto será arrecadado”, argumenta o promotor.
Diretor do Lappus, integrante da Massa Crítica e vereador eleito de Porto Alegre, Marcelo Sgarbossa (PT) avalia que há um retrocesso na agenda cicloviária da cidade. “A prefeitura nunca cumpriu a lei e agora encontrou uma justificativa juridicamente questionável para não aplicá-la. Como é que a arrecadação de multas pode ser considerada uma verba prevista em orçamento?”, questiona.
Para ele, a administração municipal se favoreceu politicamente com a aprovação da lei – ganhando, à época, a simpatia dos ciclistas. “A prefeitura utilizou essa lei como forma de capital político para mostrar que tinha compromisso com a mobilidade urbana por meio de bicicletas. Agora, promovem um retrocesso bárbaro”, critica.
A ação que poderá declarar a inconstitucionalidade da medida está com o desembargador Armínio José da Rosa, que é o relator do processo, e será julgada pelo pleno do Tribunal de Justiça.
Em janeiro, prefeitura prometia cumprir a lei e não falava em inconstitucionalidade
Cezar Busatto havia garantido que o Plano Cicloviário seria cumprido | Foto: Ricardo Stricher/PMPA
O Sul21 acompanhou o início da ação do Ministério Público junto à prefeitura para que fosse cumprido o Plano Diretor Cicloviário. Em uma matéria publicada no dia 6 de janeiro deste ano, dois integrantes do primeiro escalão da prefeitura garantiram que a lei seria cumprida e não manifestaram inconformidades com a medida.
O secretário de Governança, Cezar Busatto (PMDB), disse que a lei seria aplicada em 2012. “Após diversas reuniões entre os órgãos envolvidos e o fechamento do relatório de arrecadação de valores de multas de 2011, nós já avisamos aos ciclistas que a partir deste ano ela será cumprida”, assegurou o peemedebista na época, em entrevista ao Sul21.
Na mesma matéria, o diretor-presidente da EPTC, Vanderlei Cappellari, reconheceu que os valores não aplicados desde 2009 não seriam recuperados, mas assumiu o compromisso de passar a cumprir a determinação do Plano Diretor Cicloviário em 2012. “Infelizmente, não temos como recuperar a verba da arrecadação de multas de 2009 e 2010, pois já fizemos investimentos em outras áreas. Agora temos que olhar pra frente e utilizar o valor arrecadado em 2011 em campanhas educativas e de incentivo a utilização da bicicleta como meio de transporte”, disse.
A opção de declarar parte da lei inconstitucional revoltou os ciclistas porto-alegrenses que acompanhavam as discussões do tema com a prefeitura. Ciclista há 20 anos, a professora de Antropologia Maria de Nazareth Agra Hassen diz que os ciclistas estão revoltados com a decisão da administração municipal.
“É óbvio que há uma intenção de se livrar da obrigação de aplicar 20% do que é arrecadado em multas na construção de ciclovias. É uma situação constrangedora para a prefeitura, já que nas reuniões o Busatto e o Cappellari afirmavam uma coisa e depois, sem conversar com as pessoas, entraram com essa ação”, critica.
Lucas Barroso/PMPA
Vanderlei Cappellari também tinha dito que a lei seria aplicada | Foto: Lucas Barroso/PMPA
Ela assegura que “os ciclistas se sentem muito enganados“. “A prefeitura cria uma aparente ideia de democracia e de discussão com os interessados, mas essa participação é falsa, porque, encerrada a reunião e apaziguados os ânimos, a prefeitura faz o que bem entende, à revelia do compromisso estabelecido com as partes”, condena.
Procurado pela reportagem, o secretário Cezar Busatto disse que não está acompanhando esse assunto e que, como é algo que diz respeito à área jurídica do governo, não teria condições de comentar.
Também procurada pela reportagem, a EPTC não quis se manifestar sobre o caso, alegando que o processo ainda corre na Justiça. A assessoria de comunicação da empresa enviou um e-mail com informações sobre a construção de ciclovias na cidade.
Confira a íntegra da nota enviada pela EPTC
PLANO DIRETOR CICLOVIÁRIO PREVE 495KM DE CICLOVIAS EM POA
• Ciclovia da Restinga – 4,6km de extensão. Ciclovia da Restinga = são 3 km na Avenida João Antônio da Silveira, entre as avenidas Edgar Pires de Castro e Ignês Fagundes. Outros 500 metros conduzirão até as proximidades do Parque Industrial, e 1,1km na Nilo Wulff, entre a Avenida João Antônio da Silveira e o terminal de ônibus.
• Ciclovia da Diário de Notícias – Ao longo da av. Diário de Notícias, entre Wenceslau Escobar e Chuí. 2,1km de extensão.
• Ciclovia de Ipanema – Inicia na Cel. Marcos com Dea Cofal, segue pela Dea Cofal e avenida Guaíba, encerrando na Osvaldo Cruz. 1,25 km de extensão.
• Ciclofaixa da Icaraí – 1,7km, entre as avenidas Chuí e Wenceslau Escobar, no sentido bairro-Centro, localizada ao lado direito da pista, junto ao meio-fio e segregada por tachões.
Próximas Ciclovias
Ipiranga – previsão de 9,4km, entre a Edvaldo e a Antônio de Carvalho (contrapartida Zaffari e Praia de Belas). Primeiro trecho concluído (cerca de 414m), entre a Érico Verissimo e Azenha), restante em fase de construção.
Aeroporto-Sertório (integrada na Dona Alzira) – previsão de 12km (investimento público) ciclovia circundando a área do Aeroporto pela avenida dos Estados, Severo Dullius, Dona Alzira e Sertório (iniciando na estação de metrô Farrapos, segue pela Sertório, Assis Brasil e encerra na Franciso Silveira Bittencourt).
Com a conclusão da duplicação da Edvaldo Pereira Paiva (Beira-Rio), obra preparatória para a Copa do Mundo que inclui uma ciclovia de 6,35km de extensão, haverá integração dos espaços exclusivos para os ciclistas das avenidas Ipiranga, Edvaldo Pereira Paiva, Padre Cacique (1 quilômetro a ser implantado) e Diário de Notícias (2,1 quilômetros já existentes), resultando em 17,4 quilômetros de ciclovias integradas.
Voluntários da Pátria – obra de duplicação da via, contará com ciclovia de 3,5km, entre a rua da Conceição e Av. Sertório.
Loureiro da Silva – 1,2 km de extensão, interligando a José do Patrocínio e Vasco Alves.
José do Patrocinio – 880 metros de extensão, ligando as avenidas Loureiro da Silva e Venâncio Aires.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O outro lado da Olimpíada de Londres em cinco protestos


Nem tudo é festa na capital britânica: ativistas denunciam ações obscuras de alguns patrocinadores e são reprimidos por autoridades

Na contramão dos furores patrióticos por medalhas, manifestantes britânicos realizaram protestos contra a Olimpíada de Londres. Sem o mesmo holofote de Usain Bolt, Michael Phelps e Andy Murray, cinco ações anti-Jogos questionaram seus polêmicos patrocinadores, colocando em xeque a lógica dos “benefícios” do megaevento e a controversa reformulação da região leste da capital britânica para construção do Parque Olímpico.

Poucas linhas de jornal contaram sobre as prisões em uma bicicletada pacífica e outras detenções em um protesto bem-humorado com creme de baunilha na Trafalgar Square, centro de Londres.

Manifestantes também jogaram badminton em frente à principal loja da Adidas na cidade e fizeram um bem sucedido abaixo-assinado contra a isenção fiscal de patrocinadores.

Divulgação (Greenwash Gold)
Uma das principais intervenções aconteceu logo antes da cerimônia de abertura, no dia 27 de julho.

Um grupo de ativistas conseguiu autorização do comitê olímpico local – a única para o dia da abertura – e realizou um die-in (tipo de protesto pelos mortos de uma tragédia realizado por simulações) homenageando as vítimas da catástrofe de Bhopal, na Índia. Enquanto isso, na cidade de Bhopal, crianças deficientes realizaram uma “Olimpíada paralela”.

As manifestações, mesmo que à sombra do megaevento, mostraram que o modelo de negócios da Olimpíada de Londres está longe de ser unanimidade. Ele é, acima de tudo, controverso, e deixa diversas lições para os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, daqui a quatro anos.

Veja quem foi às ruas (ou às redes sociais) e por quê.

Die-in

Há 28 anos, a cidade de Bhopal, norte da Índia, foi vítima de uma das maiores catástrofes ambientais da história. Em 1984, falhas em uma fábrica de pesticidas, de propriedade da Union Carbide, lançaram 27 toneladas de um gás tóxico, o isocianato de metila, e contaminaram 120 mil pessoas. A área nunca foi descontaminada e há indícios de que há grandes quantidades de mercúrio em seus lençóis freáticos.

Em 2001, a Dow Chemical Company, gigante do setor químico, comprou a Union Carbide, mas não assumiu total responsabilidade pela tragédia. Os efeitos foram devastadores. Os chamados “filhos de Bhopal” nasceram com deformidades. A empresa afirma que as indenizações pagas são suficientes para apagar a mancha da catástrofe, mas a área continua contaminada.

O caso raramente volta às páginas dos jornais. No dia 27 de julho, data da cerimônia de abertura, manifestantes mobilizados pela ONG DropDowNow foram às proximidades do Parque Olímpico e realizaram um die-in. Qual a relação disso com a Olimpíada?

A Dow Chemical, que também fabricou napalm para a Guerra do Vietnã, aportou 7 milhões de libras esterlinas (cerca de 21 milhões de reais) para ser patrocinadora dos Jogos Olímpicos. O acerto com o Comitê Olímpico Internacional, levou à renúncia ao vivo, na rede estatal BBC, de Meredith Alexander, ex-agente da Comissão para uma Londres Sustentável 2012.

O premiê conservador David Cameron saiu em defesa da multinacional e disse que a Olimpíada de Londres seria a mais verde da história. Segundo o contrato com o Comitê Olímpico Internacional, a Dow Chemical já é patrocinadora da Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016.

Contra a isenção

“Stratford [região do Parque Olímpico] será um paraíso fiscal”, escreveu Tim Hunt, da revista Ethical Consumer. A frase apontou o dedo para atletas e patrocinadores da Olimpíada, como McDonald’s e Visa, ambos com monopólio sobre suas respectivas áreas. Enquanto toda comida “de marca” vendida em Stratford é necessariamente do McDonald’s, a bandeira de cartões Visa está em todas as compras de bilhetes para os Jogos.

A isenção fiscal, segundo Hunt, foi preponderante para que os Jogos fossem sediados em Londres neste ano, com anuência do comitê olímpico local, chefiado por Sebastian Coe, do Partido Conservador. A legislação britânica sofreu mudanças para que isso acontecesse, em operação conjunta com o Tesouro.

A irritação de ativistas era questão de tempo. Eles rapidamente sublinharam a contradição entre isenção fiscal a multinacionais e políticas de austeridade do governo britânico, que enfrenta o mais longo período de recessão em 50 anos. A ONG 38 Degrees fez um abaixo-assinado virtual pedindo a todas as empresas patrocinadoras dos Jogos Olímpicos que paguem seus impostos sobre a exploração do megaevento.

Divulgação

Protestos na frente de uma loja da Adidas contra a exploração de trabalhadores

Houve uma enxurrada nas redes sociais e deu certo. Em duas semanas, 14 multinacionais enviaram comunicados à ONG informando que concordavam em pagar as taxas.

Bicicletada pacífica

Toda última sexta-feira do mês, ciclistas do grupo Critical Mass (ou Massa Crítica) saem pedalando por Londres. Desde 1994, eles se encontram no South Bank, perto da ponte Waterloo, e passeiam sem itinerário pela capital britânica como uma celebração do “andar de bicicleta”.

A última sexta-feira de julho caiu no dia 27, data da cerimônia de abertura da Olimpíada. Cerca de 500 ciclistas se reuniram para pedalar, mas não conseguiram cruzar a ponte Waterloo. O acesso à margem norte do rio Tâmisa estava fechado.
 

Motocicletas policiais com sirenes altíssimas escoltavam vans e ônibus que levavam os atletas ao Parque Olímpico, bloqueando ruas de toda a região central e leste de Londres. Segundo a polícia, era proibido pedalar na capital britânica naquela noite. Ciclistas disseram ter sido empurrados pela polícia para deixar o astro do futebol David Beckham passar e tiveram suas bicicletas confiscadas.

Ao todo, segundo dados oficiais da polícia britânica, 182 ciclistas foram presos durante a bicicletada, que contou com uso de spray de pimenta e da tática de contenção de manifestantes conhecida como “kettling”. Os policiais, unidos, formaram círculos em torno dos ciclistas, mantendo-os “presos” na rua.

Dos 182 detidos, 178 saíram no dia seguinte e quatro foram acusados de diversos crimes. “As pessoas não têm o direito de realizar um protesto que atrapalhe o direito de outras pessoas de seguir com suas vidas – atletas que treinaram durante anos por uma chance de competir, milhões de portadores de ingressos que queriam ver o maior evento esportivo do mundo e todo mundo em Londres que queria se locomover”, afirmou a polícia britânica em nota.

Creme de baunilha

Ativistas da Greenwash Gold 2012, campanha contra os patrocinadores “verdes” dos Jogos Olímpicos, foram até a Trafalgar Square, centro de Londres, para um pódio de mentirinha. Três pessoas, representando Rio Tinto, Dow Chemical e British Petroleum, posariam em frente ao relógio da contagem regressiva da Olimpíada e então jogariam um creme de baunilha com corante verde na cabeça, simulando lixo tóxico. Seis acabaram presos.

“Greenwash” é o termo usado por ativistas para empresas que fazem “lavagem verde de dinheiro”, ou seja, usam parte de seus lucros em patrocínios e projetos direcionados ao meio-ambiente, mas o destroem em suas atividades principais. A performance do grupo durou cerca de 15 minutos, tempo suficiente para que a polícia prendesse seis pessoas por “dano criminal” ao piso da Trafalgar Square – tudo isso porque caiu um pouco de creme de baunilha no chão.

“Era um protesto pacífico e legítimo contra patrocinadores terríveis, e os manifestantes acabaram presos por derrubar creme de baunilha”, disse o diretor da Bhopal Medical Appeal, Colin Toogood.

Além da norte-americana Dow Chemical, acusada como a responsável legal pela tragédia de Bhopal, a British Petroleum foi responsável pelo vazamento de petróleo no Golfo do México, em 2010. E a Rio Tinto, especialista em mineração, é duramente criticada por sua atuação em países como Indonésia e Papua Nova Guiné.

Badminton

Duas reportagens de jornal, uma do Daily Telegraph, mais à direita, e outra do The Independent, mais à esquerda, mostraram que a Adidas estava fabricando material esportivo para a Olimpíada à custa de trabalhadores em regimes desumanos, pagando salários baixíssimos e com carga horária de até 65 horas por semana. Os esforços foram grandes para revelar a história. O Telegraph foi até Camboja, enquanto o Independent viajou à Indonésia em busca de informações sobre a fabricação das roupas.



A ONG War on Want, de combate à pobreza, foi às ruas contra a Adidas e realizou um protesto em frente à principal loja da marca, em Oxford Street, e projetou um enorme logo da companhia em um prédio vizinho ao Parque Olímpico com os dizeres: “Exploitation. Not OK here, not OK anywhere. (Exploração. Não é OK aqui nem em qualquer outro lugar)”.

Todos os atletas do time olímpico do Reino Unido vestem Adidas e seus agasalhos estavam entre os mais vendidos. O design é de Stella McCartney, estrela mundial da moda. A empresa nega utilizar trabalhadores em regime de escravidão, cujos salários/hora não chegariam a um real.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Muçulmanos mudam regra da FIFA


  Por Rui Martins, de Genebra  no CORREIO DO BRASIL

Reprodução
FIFA cede à religião e aceita jogadoras cobertas da cabeça aos pés.

A decisão da FIFA de permitir às jogadoras dos países muçulmanos jogarem com véu e corpo coberto é um perigoso precedente e uma grande vitória da religião muçulmana sobre o mundo laico.
A notícia é muito mais política que esportiva e constitui a primeira grande brecha importante dos religiosos muçulmanos no mundo laico, num setor bastante popular como é o futebol. A França é até agora o único país a reagir, pois decidiu continuar proibindo o uso do véu (chador) pelas jogadoras inscritas na Federação Francesa de Futebol, com base na laicidade.
Sem começar qualquer jogo, são perdedoras todas as mulheres do mundo, porque o Ocidente laico está aceitando se submeter aos preceitos religiosos corânicos. As jogadoras dos países muçulmanos poderão competir com o véu, que cobre a cabeça e uma parte do rosto, mas não é só – mesmo com temperatura elevada terão de vestir uma traje de jogging cobrindo todo o corpo, um tanto folgado para não mostrar as formas das jogadoras.
O pretexto de se tratar de uma questão cultural árabe ou tradição não é procedente, pois muitas mulheres muçulmanas denunciam o véu como uma imposição masculina e uma restrição à sua liberdade. A decisão da FIFA, ao se dobrar ante uma exigência religiosa, anula os esforços de algumas esportistas iranianas e árabes de obter derrogação para jogarem sem o véu.
A francesa Anne Sugier, presidente da Liga do Direito Internacional das Mulheres, num artigo publicado no Journal du Dimanche, em Paris, considera a decisão da FIFA uma derrota para as mulheres e uma vitória para os religiosos dos países do Golfo, liderados pelo Qatar, que sob uma aparente promoção do esporte feminino reforçam a condição da mulher como cidadã de segunda classe.
Anne Sugier lembra algumas mulheres campeãs olímpicas que desafiaram os religiosos muçulmanos competindo de cabeça nua e no traje normal dos atletas, como, em Los Angeles, em 1984, a marroquina Nawal El-Moutawakel, primeira campeã olímpica africana e muçulmana, e Hassiba Boulmerka, primeira medalha de ouro da Argélia, em 1991, em Barcelona, que chegou a ser ameaçada de morte pelos islamitas argelinos do FIS e que dedicou sua vitória às mulheres argelinas.
Com a desculpa de se tratar de uma simples questão cultural o uso de um tecido cobrindo os cabelos (mas sem citar que as jogadoras são obrigadas a jogar de corpo totalmente coberto) o International Football Association Board ignorou o Artigo 4 do Regulamento da FIFA que proibe qualquer concessão política ou religiosa aos jogadores.
A pressão crescente veio da CAF, Confederação Asiática de Futebol, que representa mais de 220 milhões de muçulmanos, apoiada por um dos vice-presidentes da FIFA, príncipe Ali ben Al-Hussein da Jordânia, e pelo Irã. Essa brecha na laicidade do esporte pode chamar outras – a das jogadoras das seleções femininas dos países não muçulmanos serem convidadas a usarem o véu, quando os jogos forem em país muçulmano, a pretexto de respeito de sua cultura (e não de sua religião!).
Com a esperada popularização do futebol feminino, a singularidade das equipes de países muçulmanos nos encontros internacionais poderá provocar protestos das mulheres ocidentais mas será, ao mesmo tempo, uma publicidade religiosa até hoje ausente nos estádios. E logo mais haverá certamente novas medidas religiosas aceitas tanto pela FIFA como pelo COI.
Mas não é só no futebol a infiltração da lei corânica – os pais pedem dispensa das meninas nos cursos mistos de natação nas escolas, as mulheres não aceitam ser examinadas por médicos homens e maternidades são obrigadas a prever médicas no trabalho de parto de mulheres muçulmanas.
Traço marcante que envolveu essa decisão da FIFA – a insensibilidade geral da imprensa que parece ter achado normal como se fosse uma abertura da FIFA aos países muçulmanos e não uma restrição religiosa local às mulheres agora imposta de maneira global.
E nossa visão da mulher ? Um objeto de cobiça e desejos pecaminosos que deve ser obrigada a ficar coberta da cabeça aos pés para não despertar lascívia ? Que as mulheres reajam, mesmo no Ocidente, antes que seja tarde demais – na Tunísia, Líbia e Egito, onde podiam passear e ir à escola, universidade ou trabalho com roupas normais, as mulheres voltaram a ser obrigadas a colocar o véu e a usar roupas e mangas longas para cobrir seu corpo. Foi o inesperado retrocesso resultante da revolução árabe, numa mistura de religiosidade com machismo. (Publicado originalmente no site Direto da Redação)

Rui Martins, correspondente em Genebra

sábado, 23 de junho de 2012

“Boleiros podem mudar cultura homofóbica”, diz psicólogo especialista em sexualidade


Psicólogo paulista afirma: "ser homossexual é conviver com a ideia de ser o que o mundo diz que não é bom". /Foto: Reprodução

Rachel Duarte no SUL21

‘Ele é gay porque foi abusado na infância’. ‘A educação dele foi muito castrada por isso ele é gay’. ‘Não vou aceitar para ver se meu filho desiste dessa ideia de ser gay’. Muitas teorias são levantadas quando se discute a orientação sexual das pessoas que se relacionam com outras do mesmo sexo. O senso comum ainda acredita na origem da homossexualidade como doença, perversão ou opção. O psicólogo paulista com especialização em sexualidade humana Cláudio Picazio esclarece estes e outros preconceitos relacionados aos homossexuais em entrevista ao Sul21.

Autor dos livros Diferentes desejos, sobre orientação afetiva sexual; Sexo secreto, aulas de temas polêmicos para professores; e Uma outra verdade, com perguntas e respostas para pais e educadores sobre homossexualidade na adolescência, o psicólogo garante que homossexualidade está relacionada ao desejo sexual que nasce com as pessoas, não podendo ser ensinado, estimulado ou adquirido. “As pessoas querem criar teses para justificar a existência de uma orientação sexual que difere da sua”, diz.
Ele vê como urgente o combate ao bullying homofóbico, partindo da maior informação de pais e professores a respeito do tema. “Não é o filho gay que tem que dar suporte a estes pais, são os pais que devem dar suporte para os filhos gays. Esta história está errada”, defende Cláudio Picazio.
O psicólogo também estudou psicoterapia esportiva e por três anos analisou o comportamento dos jogadores de futebol nas categorias de base dos clubes do sudeste do país. Ele conta como os boleiros lidam com a homossexualidade e acredita que uma esperança para a revolução sobre gênero e sexualidade pode estar entre os jogadores de futebol. O afeto explícito dentro de campo pode alterar a noção machista que dita a impossibilidade de homens serem afetivos. “Se Neymar e Ganso se abraçam e se beijam, vemos isso acontecer nas arquibancadas. Existe esta influência na esfera geral, na massa da população”, afirma.

Sul21 – O senhor tem como explicar como é formada nossa orientação sexual?

Cláudio Picazio – Sempre começo corrigindo a terminologia. Não se trata de homossexualismo, é homossexualidade. Tem diferença. Geralmente na ciência tudo que termina com ‘ismo’ é qualificado como doença. Doença ou perversão. Não se fala heterossexualismo. Quando usamos heterossexualismo, trata-se de alguém muito doente nas relações com mulheres. Então, é heterossexualidade, homossexualidade, travestilidade. Comecemos por aí.

Sul21- Certo. Esclarecida a terminologia, como se desenvolve a orientação sexual?

Cláudio Picazio - Todo mundo acredita que a sexualidade é imposta ou aprendida. Não é aprendida. Descobrimos o nosso desejo sexual. Ninguém precisa ensinar o desejo sexual, ele se revela dentro da gente. Existe um preconceito que na educação de um filho se forma a sexualidade. Não é verdade. É algo da natureza. Desde a infância há meninos se interessando por meninos e meninas por meninas. Não podemos castrar isto. O desejo nasce e se orienta dentro de nós. Nós descobrimos isso. Querer entender o que faz uma pessoa virar homossexual também deveria estar relacionado à necessidade de saber o que faz uma pessoa virar hetero. As pessoas querem criar teses para justificar a existência de uma orientação sexual que é diferente da sua. ‘Ele foi muito castrado, por isso virou gay”. Não. As mulheres foram castradas a vida inteira e não foi por isso que viraram lésbicas. O mundo teme agora a exposição assumida dos homossexuais, como se um beijo na novela ou em público fosse influenciar outras pessoas a serem gays. Não é assim. Isto é uma cretinice.

Sul21 – Como o senhor define a homossexualidade?

Cláudio Picazio – Ser homossexual não é simplesmente aceitar que se gosta, ter paixão ou desejo por uma pessoa do mesmo sexo. Se perceber homossexual é se reconhecer como aquilo que o mundo diz que é o pior. Se o goleiro não pega uma bola quando o time adversário faz um gol, do que ele é chamado? Veado. Se alguém da uma fechada no trânsito? É veado. Tudo aquilo que é visto como ruim, errado e perverso, a sociedade vai alimentando como ‘coisa de veado’.
Cláudio Picazio analisou jogadores de futebol por três anos e acredita que boleiros podem mudar cultura homofóbica./Foto: Reprodução

Sul21 – O senhor afirma que o homem heterossexual precisa do homossexual para se afirmar como homem. Para ele ver o quanto tem masculinidade e está distante do ser “afeminado”. Os gays menos afetados seriam os que mais incomodam, por parecerem homens. Mas, os mais vulneráveis e os que estão mais presentes nas estatísticas de violência são os  travestis e os mais claramente homossexuais. Como o senhor explica isso?

Cláudio Picazio – Ele precisa do outro para afirmar a sua diferença. Por outro lado, ele teme um desejo por este diferente. Não necessariamente ele tem o desejo, mas ele teme ter. A partir do momento que ele teme, ele tem que agredir aquele objeto de desejo por achar que assim ele não sentirá desejo. Há também a inconformidade de que aquela pessoa que tem uma sexualidade diversa está rompendo com aquilo que é considerado bom ou correto. No Rio Grande do Sul podemos fazer uma analogia com o comportamento das torcidas de futebol. Os gremistas e colorados brigam não por um querer mudar para o time do outro, mas por entender que a sua opção é superior a do outro. Existe uma tentativa de superioridade. Você é menos por ser colorado ou menos por ser gremista na visão das torcidas adversárias. O humano infelizmente ainda vai muito nesta celeuma de querer hierarquizar as coisas e se afirmar diante de um poder que acha que tem.

Sul21 – A rivalidade também pode ser compreendida pelo caráter passional. Mas por que há essa relação de ódio com a sexualidade alheia? Por que a vida sexual do outro interessa para mim?

Cláudio Picazio – Infelizmente a nossa cultura é baseada nisso. Eu valho mais por aquilo que eu sou. Sou mais macho e melhor quanto mais mulher eu pegar. Tenho mais valor assim. E isto também se transferiu para  amulher. As mulheres estão repetindo este péssimo comportamento masculino. Conforme o número de caras que eu fiquei na balada, mais legal eu sou. Então vai se baseando um valor quantitativo e não qualitativo sobre as relações humanas. A mulher copia o pior do homem neste sentido. Queimaram os sutiãs, conquistaram inúmeros direitos. Têm sua liberdade sexual e erótica. Mas a revolução feminina aconteceu e não houve uma revolução masculina. Ela se igualou aos homens que, na verdade, precisam se transformar. Um homem afetivo hoje é excluído. Ele não pode ter afeto por que é visto como um ‘não homem’. Mais do que homofobia, o problema é a aversão ao afeto. Recordemos o caso dos pai e filho se abraçando em São Paulo que foram agredidos por trocarem afeto e serem confundidos com homossexuais. Esta agressão não foi por causa da sexualidade, foi por causa do gesto de afeto. A nossa sociedade não dá conta da questão amorosa no masculino. A homofobia tem fundamento nisso. O homem amoroso é excluído. No Rio Grande do Sul isso é ainda mais forte. É proibido aos homens serem afetivos, isso é feminino. Se ele transa com outros homens de forma violenta ele é aceito, porque daí é considerado mais macho ainda. Só não pode ter amor. O homem afetivo rompe com o que é esperado de um homem. Quanto menos afetivo for o homem, melhor. Isto é um valor que se reproduz e afeta os relacionamentos e a humanidade. Percebemos na infância que os meninos ainda precisam gostar de jogar futebol ou judô. Se algum menino gostar de escutar Beethoven ou de pintar, o constrangimento dos pais é enorme. Já está feita a confusão de que ele é ou pode ser homossexual.

Sul21 – Falando em futebol, o senhor tem um estudo de três anos nas categorias de base dos times do sudeste do país. O futebol, apesar de alguns avanços femininos no esporte, é genuinamente masculino. Como se lida com a homossexualidade neste universo de boleiros?
"O jogador de futebol para o homem brasileiro é a principal referência de masculinidade".

Cláudio Picazio – O jogador de futebol, para o homem brasileiro, é a principal referência de masculinidade. Ele é aguerrido, combatente em campo e passa essa imagem. Tanto que, se um jogador usa brinco de brilhante ou pinta os cabelos de colorido não é sinônimo de homossexualidade. É permitido. Aquilo deixa de ser feminino nos olhos dos homens se é um jogador de futebol que faz. Eu fico extremamente feliz quando vejo troca de afeto entre jogadores. Por mais que ainda choque ou cause estranhamento em algumas pessoas, é comum ver o mesmo sentimento contagiando a torcida. Se o Neymar e o Ganso se abraçam e se beijam, vemos isso acontecer nas arquibancadas. Existe esta influência na esfera geral, na massa da população. Eu chego a afirmar que a salvação do gênero masculino no Brasil está no comportamento dos jogadores de futebol.

Sul21 – Sabe-se que existem muitos jogadores de futebol homossexuais, mas não publicamente. Admitir isso causaria uma revolução masculina?
"Existem muitos gays que não são afetivos e heteros que não são agressivos. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.".

Cláudio Picazio– No caso da homossexualidade de jogadores de futebol, que sabemos que existe bastante, é ainda mais delicado. O preconceito é muito maior. Entre os jogadores não. Eles convivem muito, acabam sendo bastante íntimos e conseguem se respeitar. É como uma grande família. Eles se apoiam. A relação com os técnicos também tende a ser sempre respeitosa porque o importante é o desempenho do atleta e não a vida privada dele. E não existe esta coisa que se pensa no senso comum, que os jogadores gays saem pegando todo mundo no vestiário ou que não podem estar diante dos outros que vão querer pegar. O problema é a visão preconceituosa que vem de fora. Outra coisa: se o homem é gay, ele está condenado a gostar de coisas femininas, não pode gostar de jogar futebol ou mesmo ser um jogador de futebol? Não são nossas preferências que fazem nossa sexualidade. Olhar para um quadro de Monet não fará você se tornar feminino. O que escutar Vivaldi influenciaria em você gostar de um pênis ou de uma vagina? É uma cretinice este tipo de pensamento. Mas, o pior de tudo isso, é a relação com a violência. Para o homem ser homem, ele tem que ser violento. E depois, este homem é violento com a mulher e também é condenado pela sociedade. Qual a alternativa que ele tem? Se o homem não der porrada ele não é homem. Entrando em contato com uma mulher ele vai resolver as coisas como?

Sul21 – Como romper o ciclo educativo da homofobia e do preconceito? Qual a contribuição da escola e dos pais neste processo?

Cláudio Picazio – Temos que ensinar a população que agressividade não significa heterossexualidade e homossexualidade não significa doçura e candura. Prova disso é que existem muitos gays que não são afetivos e heteros que não são agressivos. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Certa vez eu presenciei uma cena em uma loja de brinquedos. Um pai e uma mãe caminhando com um filho pequeno e um bebê de colo, no colo do pai. O filho menor foi até uma boneca e segurou no colo como o pai fazia. A atitude da criança causou uma reação imediata do pai que pediu para a mãe ‘tirar a boneca do menino’. O filho queria reproduzir o que o pai fazia e foi repreendido por ser homem brincando de boneca. O pai ficou apavorado e não enxergou o que estava na intenção do menino. E era uma loja de um lugar nobre de São Paulo. Então, a questão não é de classe.
Livro 'Diferentes desejos, sobre orientação afetiva sexual' de Cláudio Picazio./Foto: Reprodução

Pais e filhos devem entender que os filhos não nascem para suprir as expectativas dos pais. A gente existe para corresponder às próprias expectativas. O conselho de alguns colegas é dar um tempo para os pais absorverem a ideia. Isto é errado. Não é o filho gay que tem que dar suporte para estes pais, são os pais que devem dar suporte para os filhos gays. Esta história está errada. Temos nas famílias ainda um processo educacional que é equivocado: “eu vou tentar falar com aversão a respeito, para ver se ele deixa de ser”. Como se esta deseducação pudesse transformar alguém. As pessoas ainda acreditam que homossexualidade é uma opção. Não é. Mas, mesmo se fosse, requer respeito das pessoas. Eu já atendi vários casos de pais que se arrependeram porque os filhos se mataram. Na escola é preciso enfrentar e orientar os professores para detectar e combater o bullying. O bullying homofóbico é cometido de muitas maneiras. Uma risadinha, um olhar torto, chegando até a agressões verbais e físicas. Tudo é muito doido. Os gays escutam o todo tempo falar coisas a seu respeito que muitas vezes não são verdadeiras. Blindar este tipo de bullying, percebido todo o tempo, é muito difícil. Até porque são coisas veladas, como um tio que não te cumprimenta, pais que não te reconhecem. É tudo muito pesado. O processo terapêutico é fundamental para apoiar as vítimas deste bullying.

Sul21 – Já tivemos a oportunidade de falar sobre sexualidade com outros especialistas que acreditam que o futuro da humanidade será de relações bissexuais e/ou poligâmicas. O senhor partilha desta visão?

Cláudio Picazio – É muito controverso isso. O comportamento dos homens e mulheres pode ser bissexual. Homens podem transar com homens e mulheres, assim como mulheres como mulheres e homens. Podem existir relações múltiplas. Enfim, todas as formas de desejo. Agora, para as relações se tornarem bissexuais ou poligâmicas existe um elemento muito crucial que influencia o ser humano a não conseguir viver assim: o ciúme. A perda do objeto amoroso. As pessoas não se acostumam com isso. Os anos 70 não deram certo até hoje por causa disso. Não é possível assistir nossa amada ou amado transando com outro na nossa frente de forma feliz sempre. Em termos afetivos, temos capacidade de amar dois gêneros. Amamos nosso pai e mãe, irmãos e irmãs. Temos uma esfera amorosa que permite o amor por homens e mulheres, mas por um gênero temos desejo sexual e por outro não. Eu particularmente acredito que o futuro da humanidade é ter mais respeito por quem tem desejo erótico por homens ou mulheres, mas não que todos vão virar bissexuais ou poligâmicos. Temos mais liberdade para experimentar, porém, se um gay transa com uma mulher não vai deixar de ser gay e vice-versa. Ele teve uma atitude sexual de determinada orientação, mas o desejo sexual não muda sua orientação. A evolução humana tem que ser para não se preocupar mais com o desejo sexual dos outros. As nossas transas não serem uma espécie de preenchimento de currículo.
Psicólogo defende que orientação sexual é algo que nasce com o indivíduo, não é fruto da educação./Foto: Reprodução

Sul21 – Gostaria de encerrar com uma curiosidade em relação ao orgasmo masculino que o senhor defende: homens não tem orgasmo toda vez que ejaculam?

Cláudio Picazio – O mito do orgasmo masculino. Essa tese eu adoro. (risos) O homem não tem um orgasmo a cada ejaculação, ele tem um gozo. Ele tem um prazer, mas orgasmo é muito diferente. A grande excitação e a grande satisfação, é como perder os sentidos. Isso não é em toda relação que ele tem. Na rapidinha que ele dá, ele ejaculou, mas não foi o grande prazer erótico que o faz levitar, tremer as pernas. Existe um desconhecimento neste sentido e que gera uma perseguição em relação ao orgasmo. O mesmo para mulher. Às vezes as pessoas estão mais dispostas, mais tranquilas e vão conseguir ter. Outras vezes não estão tão confiantes ou excitados e não terão. E o problema é que isto é equiparado com felicidade. Se eu não tive um orgasmo eu não sou feliz. Se eu não enlouquecer na cama, eu não sou homem ou mulher. Mas a intimidade e o prazer não se resumem a ter orgasmo. Às vezes não gozar e só curtir a intimidade é super prazeroso e excitante. Não precisamos ficar escravos de mitos.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Euforia com mega-eventos pode manter intactos retrocessos da era Teixeira

Escrito por Gabriel Brito, da Redação  do CORREIO DA CIDADANIA

Cerca de dois meses após a renúncia de Ricardo Teixeira da presidência da CBF, absolutamente nada no futebol brasileiro oferece sinais de mudança. Seu sucessor, José Maria Marin, entulho malufista e da ditadura, continua candidamente no cargo que parecia prestes a ser disputado em novas eleições, com o crescente beneplácito dos clubes, federações e governo federal.

Dessa forma, ficou até fácil para os asseclas de Teixeira, certamente em tom de gratidão, exaltarem o “legado” e o “brilhantismo” de sua gestão, que teria tornado o futebol brasileiro vencedor como nunca. Não faltaram exemplos da mídia, capitaneada pela Globo, ressaltando os títulos conquistados pela seleção em todas as categorias, e o esquecimento, nada inocente, das variadas formas de devastação que Teixeira e sua turma promoveram em nosso futebol.

Cabe, portanto, uma análise a respeito do que foram, de fato, os anos de Ricardo Teixeira à frente do futebol nacional e sua verdadeira herança.

O Ministério do Bom Senso adverte:

Antes que alguns precipitados saiam em defesa do que Romário definiu como “câncer extirpado”, é bom se ater a tais fatos, vide a subserviência com que certa parte da mídia tratou o cartola, inclusive em sua vexatória despedida através de carta lida por um “desconhecido” vice.

Em primeiro lugar, os atuais valores astronômicos que giram em torno da CBF e da camisa da seleção nacional não são nada mais que produto da valorização global adquirida pelo futebol a partir dos anos 90, tornado um grande e bilionário negócio em escala mundial. E nesse sentido, o Brasil ainda se encontra atrás de outros países, apesar de ser hoje a sexta economia do mundo e o propalado “país do futebol”.

Em segundo, quem trouxe e bancou a Copa do Mundo no Brasil foi o governo federal, cuja chancela foi fundamental para receber o voto de confiança da FIFA, que por sua vez tem escolhido somente países que permitem uma fácil ramificação de seus negócios – e também de seus parceiros. Além disso, a federação internacional estabeleceu, no fim dos anos 90, um rodízio de continentes para receber a Copa. Quando chegou a vez da América do Sul, o Brasil foi candidato único. E ainda a respeito do mundial, cabe lembrar que Teixeira garantiu que seria financiado pela iniciativa privada, algo que comprovadamente não acontecerá.

Em relação aos títulos da seleção, não passa de “apropriação indébita”, provavelmente a maior especialidade da figura cuja gestão distanciou como nunca a seleção brasileira de seus torcedores. Aceitou passivamente uma patética imposição da FIFA (em 2003), por pressão da UEFA (a Confederação Européia), de só realizar amistosos da seleção em território europeu (ou a 4 horas de distância de avião), o que caiu como uma luva em sua estratégia de terceirizar os jogos da seleção para uma empresa de marketing esportivo, que por sua vez se ocupa de “vendê-los” pelos mais lucrativos preços. Por isso a equipe canarinho acumulou dezenas de “clássicos” inexpressivos mundo afora, inclusive mantendo relações com os mais repugnantes governos.

Além do mais, jamais propiciou um ambiente de profissionalismo e organização nas federações e nos clubes, que passaram a maior parte desses anos acumulando dívidas estratosféricas e, mais diretamente, sendo roubados e degradados pelos mais diversos conluios de cartolas e empresários – assim como os estádios. Aliás, foi sob sua gestão que essa nova categoria surgiu com toda a força no futebol nacional, sem barreiras para atuação, o que levou ao assalto de inúmeras categorias de base. Acabou-se a velha Lei do Passe para que todo o poder fosse transferido aos empresários.

Dentro de tamanha desordem e insolvência financeira, não surpreende que as últimas gerações de jovens tenham se acostumado a assistir nossos melhores jogadores pela televisão, nas competições européias, nos mais diversos países e em clubes de todos os níveis. Em muitos casos, não há televisão que resolva, pois também mandamos enormes contingentes do nosso “pé-de-obra” para os países árabes, asiáticos, do leste europeu, dentre outros destinos que oferecem enorme comodidade estrutural e salários com os quais os clubes brasileiros não podem concorrer.

E a respeito da retórica estelionatária de que sua gestão trouxe incríveis 112 taças, de todas as categorias, incluindo as Copas de 94 e 2002, só nos resta o desprezo e aquele riso de canto de boca, de quem sabe que no futebol, especialmente o brasileiro, jamais se coloca na conta de dirigentes os títulos conquistados pelos jogadores. Um discurso francamente abusivo, pois jamais se viu Teixeira vivenciar e debater o futebol, de modo a demonstrar algum conhecimento que pudesse ser colocado na conta dos resultados da seleção, para bem ou para mal.

O futebol doméstico continuou parado no tempo, com um calendário extenuante e a eterna troca de favores com dirigentes de federações estaduais dando as cartas e mantendo tais competições com fórmulas caça-níqueis, desgastantes e cada vez piores tecnicamente. Já as divisões nacionais de acesso seguem ao relento, sendo absolutamente insuficientes para acomodar os cerca de 600 clubes profissionais que militam no país. Fora que as séries C e D são ainda muito precárias e desprestigiadas.

Com isso, privilegiam-se enormemente os grandes clubes, com um ano inteiro repleto de competições e jogos atraentes, o que obviamente os faz mais rentáveis, criando um grupo seleto de poucas dezenas, que basicamente são os times das séries A, e mais modestamente, B. A imensa maioria fica relegada a competições fracas e pouco úteis, ou simplesmente no ócio por meses, o que as impede de se sustentar com consistência e revelar novos jogadores.

Um tiro no peito do Norte/Nordeste

Na esteira de tamanho descaso com os clubes, por conta da excessiva atenção destinada aos negócios, não é de surpreender que as equipes das regiões Norte e Nordeste, e dos estados mais fracos em geral, sucumbissem aos tempos modernos. Descuidada a organização do futebol doméstico, por sua vez guiado pelos interesses particularistas da Rede Globo, é esperado que as equipes de segundo ou terceiro escalão também se vejam diante de dificuldades imensas.

Preocupada somente com audiência e retorno publicitário, a Vênus Platinada, grosso modo, só quer saber de Corinthians e Flamengo, o que relega equipes tradicionais e importantes, menos populares e de força mais regional, a papéis cada vez mais decorativos no cenário futebolístico, por vezes sequer servindo como formadoras de novos atletas, algo que em última instância prejudica todo o conjunto.

Contra a vontade da associação que congregava os clubes nordestinos, Teixeira e Globo extinguiram o Campeonato do Nordeste, competição que reunia os principais clubes da região e era um grande sucesso de renda e público, encerrado em 2002. O mesmo se deu com a Copa Norte, que mesmo de forma mais modesta também fortalecia alguns clubes da região.

Com esse fator, somado a uma distribuição cada vez mais elitizada do dinheiro e a eterna covardia dos dirigentes dos clubes, gente absolutamente do mesmo nível de Teixeira, talvez apenas com menos habilidades, o século 21 marcou o início da marginalização dos times dessas regiões, cuja distância para os grandes do Sudeste/Sul não parou de crescer.

Mesmo algumas potências campeãs nacionais como o Bahia e o Sport sofrem para se manter na primeira divisão, que dirá a respeito de ter grandes equipes por longo período, como se via antigamente. Hoje em dia, a principal divisão nacional abriga poucos clubes nordestinos, que via de regra lutam apenas pela permanência, jamais pelas primeiras posições.

Ao Norte, potências regionais como Remo e Paysandu não conseguem lugar sequer na segunda divisão, mesmo possuindo admiráveis massas torcedoras. Já os amazonenses, a despeito de sediarem a Copa, têm um futebol que mal pode ser chamado de profissional, sendo que seu campeonato amador supera o ‘oficial’ em popularidade.

O mesmo vale para o Centro-Oeste, com exceção de Goiás. Mas as sedes da região na Copa serão os novos estádios a serem erguidos em Cuiabá e Brasília. O belo e prontíssimo Serra Dourada não tem vez nessa grande onda de negócios em torno dos estádios/shoppings.

Como se não bastasse, um dos últimos atos de Teixeira foi ajudar a implodir a negociação coletiva dos clubes com a televisão pela transmissão do Campeonato Brasileiro, evitando a concorrência exigida pelo Cade e favorecendo descaradamente a Rede Globo, que mais uma vez levou a melhor rasgando as regras do jogo e usando seu cacife de emissora oficial da República.

Com isso, as agremiações partiram para negociações individuais, o que tende a mostrar efeitos nefastos para o futebol nacional até no curto prazo, uma vez que as equipes mais populares e com mais “força de mercado” assinaram contratos por valores incomparáveis. Isso certamente aumentará o abismo entre os times grandes e pequenos no país. Portanto, outra punhalada nos clubes do Norte/Nordeste, que, a depender das medições de mercado, sempre estarão (muito) atrás.

Um legado... para os amigos

Diante do apanhado, fica notório que Ricardo Teixeira não passou de mero balconista do mundo do futebol, isso na chamada era da globalização, isto é, no momento em que o esporte, como tudo na vida, se mercantilizou como nunca, trazendo diversos negócios associados e entes outrora estranhos interessados em investir. Sequer, portanto, pode ser chamado de visionário ou qualquer coisa que o valha.

Sua postura pessoal diante da imprensa e do público torcedor sempre foi marcada pela arrogância e triunfalismo nos momentos de vitórias, dentro ou fora de campo. Por outro lado, sempre agiu como rato nos momentos negativos ou de questionamentos, desaparecendo completamente do radar.

Tampouco utilizou as fortunas angariadas pela seleção brasileira no sentido de fomentar o futebol país afora, especialmente nos locais com menos recursos. Preferiu comprar jatinhos e financiar campanhas políticas de aliados, entre outros investimentos obscuros.

Jamais dialogou ou respeitou torcedores, sendo presença inexistente nos estádios e grandes jogos dos torneios nacionais, e nunca se importou com as condições de conforto e respeito aos jogadores e freqüentadores desses locais que agora passam por um claríssimo processo de higienização e elitização.

Pois, no que depender de gente como Teixeira, o futebol tem mais é que se tornar um espetáculo para quem pode pagar, de preferência cada vez mais, sem que haja problemas na substituição do torcedor pelo consumidor nas arquibancadas. Aliás, arquibancadas e gerais podem sumir e dar lugar somente às chamadas numeradas e seu seleto público abastado e passivo.

O governo, por sua parte, apesar de financiar Copas do Mundo e dívidas gigantescas desses clubes, nada faz, contentando-se em limá-lo do cargo, em nome dos fortes apelos públicos, e escrever mais uma página farsesca de sua “faxina contra a corrupção”, sem qualquer conteúdo político de fundo e propostas realmente renovadoras. Como dito em análise anterior, não passa de uma rápida aparada de arestas a fim de tornar todas as maracutaias vindouras mais discretas e palatáveis, pois, diante dos mega-negócios que se avizinham, um personagem como Teixeira só tinha a atrapalhar.

Teixeira foi pra bem longe, mas se o país se recusa a adentrar a maioridade política, administrativa e moral, não será o futebol, mero reflexo geral, a tomar a iniciativa. Por aqui isso está claro. E que venha a Copa e seus ilusionismos, sob a batuta da mesma CBF de sempre.


Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Altamiro Borges: A queda do cartola Ricardo Teixeira

Por Altamiro Borges

Depois de muita agonia, finalmente os torcedores podem comemorar: na manhã de hoje (12), o cartola Ricardo Teixeira anunciou a sua renúncia à presidência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e ao Comitê Organizador da Copa-2014 (COL). A sua queda já era esperada há tempo, mas ele adiou a saída para preparar, nos bastidores, uma transição menos traumática. Quem o substitui na CBF é o seu fiel aliado José Maria Marin, o ex-governador malufista de São Paulo.

Mesmo assim, a queda evidencia a fragilidade do bando que dirige a entidade máxima do futebol brasileiro há duas décadas. Além dos protestos crescentes dos torcedores nos estádios, Ricardo Teixeira vinha perdendo influência política. A presidenta Dilma Rousseff sequer o recebia mais em audiências. Para piorar, cresceram as denúncias de corrupção envolvendo sua gestão na CBF. Até a TV Globo, que sempre protegeu o cartola, percebeu que era o momento de deixar o barco.

*****

Abaixo, a conturbada trajetória de Ricardo Teixeira segundo o sítio UOL:

16/01/1989


Aos 41 anos, é eleito presidente da CBF e anuncia o técnico Sebastião Lazaroni na seleção brasileira. Seu diretor de futebol, Eurico Miranda, listou os 39 selecionáveis para as eliminatórias da Copa-1990. E a primeira polêmica foi criada. A lista tinha dez atletas do empresário uruguaio Juan Figer e sugeria favorecimento, uma vez que não foi divulgada pelo novo treinador, que estava no futebol árabe, mas por Eurico Miranda, também vice de futebol do Vasco.


16/07/1989


A seleção derrota o Uruguai por 1 a 0 (gol de Romário), no Maracanã, e conquista a Copa América após 40 anos do último título.


19/07/1989


Tem início a disputa da primeira Copa do Brasil, competição criada no primeiro ano da gestão de Ricardo Teixeira e que teve o Grêmio como campeão.


16/01/1990


João Havelange, presidente da CBF, diz que ao deixar a Fifa (previa a saída em 1994) o melhor nome para sucedê-lo era o de Ricardo Teixeira. Dias depois, em entrevista para aFolha, desconversou e disse que precisava ser alguém jovem para o cargo.


18/01/1990


Polêmica com a federação portuguesa. Sporting, Porto e Benfica chegaram a se recusar a liberar os brasileiros para a seleção alegando que a CBF não havia acertado seguro e o salário dos selecionáveis nos jogos de 1989. Silas era do Sporting, Branco, do Porto e o trio Valdo, Ricardo Gomes e Aldair, do Benfica.


24/06/1990


A seleção perde para a Argentina por 1 a 0 (gol de Caniggia), em Turim, e é eliminada nas oitavas de final da Copa do Mundo da Itália. Lazaroni perde o emprego e o ex-jogador Paulo Roberto Falcão é chamado para o cargo.


19/05/1991


A data marca o que foi a primeira virada de mesa da era Teixeira. Neste dia, a primeira fase do Brasileiro-1991 terminou com o Grêmio rebaixado. O time disputou a Série B em 1992, mas ficou distante dos primeiros colocados. O jeito encontrado pela CBF para trazer a equipe de volta para a elite foi inchar o Brasileiro-1993, promovendo 12 clubes.


21/07/1991


A seleção fica com o vice da Copa América do Chile. Nem mesmo a vitória por 2 a 0 sobre a equipe da casa mudou a sorte do time de Falcão.


17/07/1991


O cartola antecipa a eleição de janeiro de 1992 para esta data e é reeleito. Ele concorreu sozinho e foi escolhido por unanimidade pelas 27 federações. O segundo mandato iniciou oficialmente em 16 de janeiro de 1992, válido até a mesma data de 1996. O pleito foi outra polêmica na sua trajetória na CBF. Ao antecipar a votação concorreu com a oposição enfraquecida e sem ser enquadrado na Lei Zico (ainda um projeto).


31/07/1991


Em reportagem de capa, a Folha mostra que a reeleição de Teixeira é contestada em Brasília e considerada "manobra ilegal". Isso porque ao antecipar a eleição em seis meses ele concorreu sem adversários e evitou ser enquadrado pelo "Projeto Zico" (que seria votado Lei em agosto). Caso isso ocorresse, o projeto estenderia o direito a voto a 84 clubes, além das 27 federações, possibilitando um pleito mais equilibrado.


22/09/1991


Em entrevista à Folha, Teixeira diz que está insatisfeito com a seleção e que a equipe deveria ser formada apenas com jogadores que estão no Brasil. Prometia ainda ficar no cargo até janeiro de 1996 (fim do segundo mandato) e não almejava dirigir a Fifa.


02/08/1992


Com vitórias contra Estados Unidos e México, a seleção conquista a segunda taça da era Teixeira na Copa da Amizade, nos Estados Unidos. Torneio não oficial.


27/06/1993


Mais uma vez a seleção é eliminada pela Argentina em um torneio oficial. Dessa vez nas quartas da Copa América do Equador. Após 1 a 1, perdeu nos pênaltis por 6 a 5.


25/07/1993


A seleção brasileira é derrotada pela Bolívia e perde a invencibilidade de 31 jogos e 40 anos em eliminatórias da Copa do Mundo (desde 1954). O time treinado por Carlos Alberto Parreira ouve muitas críticas.


19/09/1993


A seleção derrota o Uruguai por 2 a 0 (gols de Romário), no Maracanã, e assegura sua participação na Copa do Mundo de 1994.


17/07/1994


Após empate sem gols, a seleção brasileira derrota a Itália nos pênaltis por 3 a 2 e conquista a Copa do Mundo após 24 anos da última conquista. No retorno ao Brasil, a delegação trouxe dos EUA 17 toneladas de bagagens e compras (tinha embarcado com duas toneladas na ida). O cartola foi acusado de ter transportado equipamentos para sua choperia El Turf, protagonizando o que ficou conhecido como "voo da muamba".


11/06/1995


O Brasil supera a Inglaterra por 3 a 1 e fatura a Copa Umbro, terceiro título da era Teixeira. Antes tinha vencido Suécia (1 a 0) e Japão (3 a 0).


03/07/1995


Teixeira é reeleito pela segunda vez com o voto de 26 federações estaduais e de todos os 24 clubes que participam da primeira divisão do futebol brasileiro. A federação do Pará não votou. Não houve nenhum candidato de oposição. Na solenidade, Teixeira afirmou que a disputa da Olimpíada de Atlanta-1996 era a prioridade.


23/07/1995


Nos pênaltis, o Brasil é vice da Copa América do Uruguai em duelo contra a seleção anfitriã. No tempo normal foi 1 a 1 e nos pênaltis derrota do time de Zagallo por 5 a 3.


31/07/1996


Na semifinal dos Jogos de Atlanta-1996, a seleção perde para a equipe da Nigéria por 4 a 3 e vai disputar o bronze. Goleia Portugal por 5 a 0.


24/11/1996


A data marca o que foi a segunda virada de mesa da era Teixeira. Fluminense e Bragantino, rebaixados, ficaram na elite em 1997 beneficiados pelo escândalo de arbitragem que envolveu Ivens Mendes (ver maio de 1997). O caso cancelou os rebaixamentos, mas não os acessos da Série B para a elite do Nacional.


05/12/1996


Celebrado como um dos grandes feitos da gestão de Teixeira, a CBF apresentou as novas camisas confeccionadas pela Nike. O contrato rendeu para os cofres da entidade US$ 220 milhões (total) em dez anos, além de investir mais US$ 180 milhões em eventos e promoções.


01/01/1997


A CBF assina o segundo acordo milionário, dessa vez com a Coca-Cola. O acordo previa R$ 30 milhões (total) até o fim do contrato, no final de 2002. Em maio de 2001, a entidade rescindiu o acordo e fechou com a AmBev (guaraná Antarctica) por uma cifra maior.


07/05/1997


Reportagem publicada pela TV Globo mostram gravações telefônicas que sugerem a manipulação de resultados. O dirigente pedia R$ 25 mil a dirigentes do Atlético-PR em troca de "ajuda" e R$ 100 mil (esquema que foi apelidado de "um, zero, zero") para o presidente do Corinthians, Alberto Dualib. Mendes pediu demissão da Comissão de Arbitragem da CBF (ele estava no cargo desde 1989) e Armando Marques assumiu.


29/07/1997


"Vocês vão ter de me engolir." Assim Zagallo desabafou após o título da Copa América da Bolívia. Na final, vitória do Brasil sobre a seleção anfitriã por 3 a 1.


21/12/1997


Com goleada por 6 a 0 sobre a Austrália, o Brasil conquista pela primeira vez a Copa das Confederações, disputada na Arábia Saudita.


12/07/1998


Com uma derrota por 3 a 0, a seleção perde a final da Copa do Mundo para a anfitriã França. O jogo ficou marcado pelo problema de saúde sofrido pelo atacante Ronaldo na noite anterior à final.


01/07/1999


Pela terceira vez Teixeira é reeleito na CBF. Novamente como candidato único e de forma unânime. O pleito criou uma comissão anti-Lei Pelé, que ainda seria votada. A Lei Pelé iria regulamentar todo o esporte brasileiro. A obrigatoriedade da transformação dos clubes em empresas, o limite de prazo dos contratos dos jogadores e a proibição do registro de atletas na CBF são alguns pontos que incomodavam os dirigentes.


18/07/1999


A seleção derrota o Uruguai por 3 a 0 (dois gols de Rivaldo e um de Ronaldo) e fatura o título da Copa América do Paraguai.


04/08/1999


Com uma seleção mais jovem e reformulada por Vanderlei Luxemburgo, a seleção perde o bi da Copa das Confederações para o México por 4 a 3.


03/07/2000


A CBF desiste da candidatura à Copa do Mundo de 2006, em favor da África do Sul. "Nós estaremos trabalhando em prol da candidatura da África do Sul, para obter o apoio deles para a Copa-2010", disse Ricardo Teixeira na ocasião.


20/07/2000


Como o Gama ganhou na justiça comum o direito de estar na primeira divisão (foi rebaixado em 1999), o futebol brasileiro sofre a terceira virada de mesa. Bahia, Fluminense, Juventude e América-MG, que estavam na Série B, também são incluídos no Nacional, que passa para 25 participantes. A inclusão foi arquitetada pela CBF e pelo Clube dos 13.


07/06/2000


O Brasil cai ante a França na semifinal da Copa das Confederações com derrota por 2 a 1. O revés faria Emerson Leão, que chamou basicamente atletas que só atuavam no campeonato nacional ser demitido. Antes o time ainda perdeu para a Austrália por 1 a 0 na decisão de terceiro lugar.


23/10/2000


Com dois jogadores a mais, a seleção brasileira olímpica, comandada por Vanderlei Luxemburgo, perde para a equipe de Camarões por 2 a 1 na prorrogação e é eliminada nas quartas de final de Sydney-2000.


31/08/2001


É internado no hospital Pró-Cardíaco, na zona sul do Rio, após sentir dores nos braços. Teixeira foi submetido a uma angioplastia (cirurgia plástica nos vasos sanguíneos) na artéria coronária direita, que apresentava obstrução de 85% e liberado três dias depois.


10/04/2001


Ricardo Teixeira depõe para a CPI instalada na Câmara, em outubro de 2000, para investigar supostas irregularidades no contrato entre a CBF e a multinacional Nike. Também deporia na CPI do Senado, na qual é acusado, entre outros crimes, de apropriação indébita dos recursos da confederação, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. O governo federal pediu a saída de Teixeira, mas a vitória na Copa-2002 (14 meses depois) e o apoio de cartolas o mantiveram no cargo.


24/05/2001


CBF assina novo acordo com a AmBev por cerca de US$ 180 milhões em 18 anos. Mais um contrato milionário da gestão de Teixeira. Embora tenha dito na época que o negócio não tinha intermediários, a Folha revelou em junho do mesmo ano que empresa do economista Renato Tiraboschi, ex-sócio e amigo do cartola, recebeu US$ 8 milhões.


23/07/2001


Nas quartas de final da Copa América, o Brasil é surpreendido pela seleção de Honduras, perde por 2 a 0 e é eliminado. Luiz Felipe Scolari recebe muitas críticas, mas é mantido como técnico.


24/08/2001


Relatório elaborado pela Câmara dos deputados que fizeram parte da CPI CBF/Nike, finalizada em julho, apontou que as federações que demonstraram apoio a Teixeira entre 1998 e 2000 receberam R$ 12,5 milhões em doações da CBF.


31/08/2001


O cartola é internado no hospital Pró-Cardíaco, no Rio, após sentir dores nos braços. Ele foi submetido a uma angioplastia (cirurgia plástica nos vasos sanguíneos) na artéria coronária direita, que apresentava obstrução de 85%. Foi liberado três dias depois.


30/06/2002


O Brasil conquista o pentacampeonato da Copa do Mundo ao derrotar a Alemanha, no Japão, por 2 a 0 (gols de Ronaldo).


29/03/2003


A CBF testa pela primeira vez a fórmula de pontos corridos no Campeonato Brasileiro. O sistema agradou e foi mantido desde então. Com 24 clubes nas duas primeiras edições, 22 em 2005 e 20 desde 2006.


23/06/2003


Com empate contra a Turquia, o Brasil cai na primeira fase da Copa das Confederações. Antes perdeu para Camarões e venceu os Estados Unidos.


09/07/2003


Com voto em branco do São Paulo e nulo do Vitória, o cartola é reeleito com 46 dos 49 votos disponíveis. Votaram as 27 federações e os 24 clubes do Brasileiro-2003.


25/07/2004


Com uma seleção mista, o Brasil conquistou mais uma edição da Copa América. No Peru, empatou com a Argentina por 2 a 2 e venceu a final nos pênaltis por 4 a 2.


29/06/2005


Com direito a goleada sobre a Argentina por 4 a 0, a seleção conquista o segundo título da Copa das Confederações, disputada na Alemanha.


23/09/2005


Segundo esquema de manipulação de arbitragem é revelado. Uma reportagem da revista "Veja" denunciava uma rede de apostas realizadas pela internet, no qual estava envolvido o árbitro Edílson Pereira de Carvalho. O esquema de manipulação de resultados para favorecer um grupo de empresários foi batizado como Máfia do Apito. No dia 2 de outubro os 11 jogos suspeitos foram anulados e remarcados.


30/09/2005


O ex-árbitro Armando Marques deixa o cargo de presidente da Comissão de Arbitragem da CBF por causa do escândalo de manipulação de resultados no Brasileiro-2005. Marques substituiu Mendes, que pediu demissão em 1997 também após escândalo.


15/04/2006


Sem abrir concorrência, a CBF renovou com a parceria com a Nike, aumentando para mais 12 anos. O novo acordo previa o pagamento de US$ 12 milhões por ano.


16/07/2007


É reeleito mais uma vez com mandato até 2012. Ele recebeu o voto das 27 federações e apoio dos 20 clubes do Brasileiro-2007. Um dia antes a seleção tinha conquistado a Copa América com vitória sobre a Argentina por 3 a 0, na Venezuela.


30/07/2007


Apontada como a possível maior vitória da era Teixeira, o Brasil é escolhido para sediar a Copa do Mundo de 2014. A decisão foi anunciada em Zurique, na Suíça.


22/08/2008


O Brasil chega novamente a semifinal de uma Olimpíada, mas é eliminado pela Argentina por 3 a 0. Na decisão da medalha de bronze vence a Bélgica por 3 a 0.


15/05/2009


O atacante Ronaldo afirma que o cartola tem "duplo caráter" na sabatina da Folha. "Até 2006 a gente tinha ótimo relacionamento, e acabou. Não me importa absolutamente nada ter relacionamento com uma pessoa de duplo caráter. É muito fácil, na hora que se ganha, estar ali e levantar troféu, ser campeão junto com os jogadores. Na hora que perde, é fácil também pegar alguém para Cristo e crucificar essa pessoa", disse.


31/05/2009


Em evento nas Bahamas, foram anunciadas as 12 cidades-sedes da Copa do Mundo-2014: Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Brasília, Curitiba, Salvador, Recife, Natal, Fortaleza, Manaus e Cuiabá.


28/06/2009


A conquista da Copa das Confederações da África do Sul, com vitória contra os Estados Unidos por 3 a 2, é até o momento o último título da era Teixeira.


21/12/2010


O cartola anuncia que a unificação dos títulos de campeão brasileiro de 1959 a 1970. Assim, Santos e Palmeiras passam a ser recordistas com oito conquistas e o Brasileiro-1971 deixa de ser considerado como a primeira edição do Nacional.


25/03/2011


Uma possível CPI para investigar a organização da Copa-2014 perde força após Teixeira visitar o Planalto. Uma semana antes Anthony Garotinho, deputado pelo PR-RJ, passou a recolher assinaturas para a instalação da CPI. Eram necessários 171 nomes, mas ao menos 34 deputados retiraram a assinatura após a visita de Teixeira.


06/04/2011


Em balanço divulgado por Teixeira é informado que a CBF registrou um lucro líquido de R$ 83 milhões ao longo de 2010. Recorde na história da entidade. De 2008 para 2009, o lucro havia subido 126%: de R$ 32 mi para R$ 72,4 milhões.


08/07/2011
Em entrevista para a revista "Piauí", o cartola diz que pode fazer "todo tipo de maldade" na Copa do Mundo de 2014 para atingir inimigos. "Em 2014, posso fazer a maldade que for. A maldade mais elástica, mais impensável, mais maquiavélica. Não dar credencial, proibir acesso, mudar horário de jogo. E sabe o que vai acontecer? Nada. Sabe por quê? Porque eu saio em 2015. E, aí, acabou", disse. O cartola classificou a imprensa brasileira como "vagabunda" e disse estar "cagando" para as denúncias. "Que porra as pessoas têm a ver com as contas da CBF?"


13/08/2011
Matéria veiculada no "Jornal Nacional" da TV Globo apresenta as investigações sobre supostas irregularidades em contrato da seleção brasileira para a realização de um amistoso contra Portugal, em 2008. A reportagem chamou a atenção porque Teixeira era até então um aliado histórico da emissora.


20/10/2011


O novo estádio do Corinthians, que está sendo construído em Itaquera, é confirmado como palco da abertura da Copa do Mundo-2014. No dia seguinte o delegado Victor Hugo Poubel, chefe da Delegacia de Repressão aos Crimes Financeiros da Superintendência da Polícia Federal no Rio, diz à Folha que Teixeira voltará a ser investigado pela PF por suspeita de lavagem de dinheiro.


01/12/2011


Dois anos após dizer que cartola tinha "duplo caráter", o ex-jogador Ronaldo diz ser amigo dele. "O presidente [Teixeira] me conhece desde que tenho 13 ou 14 anos. Nossa relação é a melhor possível. Aquela pequena briga foi um momento isolado e superado completamente", disse em coletiva.


08/12/2011


O presidente da Fifa, Joseph Blatter, ameaça revelar provas de que Teixeira recebeu suborno no da empresa ISL, que prestou serviços para Fifa e faliu em 2001. A ameaça não se concretizou e o caso continua sob sigilo judicial na Suíça.


15/01/2012


Reportagem de capa da Folha apresenta documento que revela que uma fazenda cartola é o elo entre o dirigente e a Ailanto Marketing. Essa empresa é investigada por superfaturar o amistoso da seleção brasileira contra Portugal em 2008. A pressão sobre Teixeira aumenta.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Além dos desmandos de sempre, muito marketing e pouca bola

  Gabriel Brito, da Redação do CORREIO DA CIDADANIA   

Tal como 2010, o ano que finda tampouco deixa motivos para grandes festejos no esporte brasileiro. No anterior artigo retrospectivo, destacou-se a obscenidade de diversos acontecimentos da política esportiva, basicamente relacionados aos grandes eventos que se avizinham. Dentro dos campos, quadras, pistas, piscinas, mais dissabores que alegrias, capitaneados pela desastrosa Copa do Mundo da seleção de futebol.

Dessa forma, fica difícil expor algo de novo e, acima de tudo, positivo em mais um ano que termina em nossa pátria tão repleta de ufanismos. Mas diante, justamente, desse quadro de grande manipulação, desinformação e enganações diversas, mantém-se a necessidade de se fazer o papel mais chato da trama que só anuncia a felicidade geral da nação.

Trata-se do contraponto ao que se vende como emancipação esportiva do país, na mesma esteira eufórica do desenvolvimento econômico nacional, mas que esconde muito mal as vísceras de projeto meramente capitalista, comandado pela parceria público-privada que realmente funciona por aqui: a associação de governantes, que, sob os mais cínicos e variados discursos, falsificam suas tarefas de promoção da justiça social e econômica, com seus empresários financiadores de campanha, que cartelizam todos os grandes negócios, projetos e obras deste “desenvolvimento”.

Assim, o que podemos dizer é que, mais do que nunca, o esporte e, em especial, o futebol brasileiro têm reproduzido em escala acentuada a própria vida cotidiana verde e amarela. Enquanto vemos os mesmos políticos desmoralizados em seus parlamentos anunciarem com pompa as grandes obras de infra-estrutura e estádios que nos servirão de “legado”, temos uma mídia que predominantemente vende tais eventos como autêntica agência de propaganda.

Empresas que sempre foram marcadas pela corrupção e super-faturamento em seus serviços ao Estado são apresentadas como grandes atores de nosso crescimento e do próprio orgulho que tais eventos representarão. A mídia comercial, com suas edições de fim de ano destacando os mais influentes e “especiais” dos brasileiros, deita perfis de cartolas esportivos e corporativos, apresentando-os com capa de homens de visão e conscientes de seu papel social.

Tal cobertura acrítica da grande e monopólica mídia acaba superando largamente o papel do contraditório desempenhado pelos movimentos sociais, especialmente os comitês populares de cada cidade sede, e da chamada imprensa alternativa, que se esforça na divulgação dos acontecimentos por um ponto de vista social. Mas não tem o poder de alcance, por exemplo, de uma das grandes sócias da Copa e das Olimpíadas: a Rede Globo, claro, que, além de transmitir, faz todo o trabalho de marketing que se possa desejar para o “bom andamento” dos fatos.

Assim, um estádio que será construído em torno de uma série de imoralidades, a começar pelo uso indiscriminado do dinheiro público e a quase certeza de remoções mal recompensadas, é vendido como grande ponto de partida do desenvolvimento da zona leste de São Paulo. E tal como em diversos outros momentos políticos de relevância histórica mundo afora, um time de grande força popular é o grande escudo do poder público para dar vazão a interesses escusos.

Só não se sabe qual será o futuro do Corinthians, em seu estádio que só será seu de verdade após a Odebrecht recuperar o dinheiro investido (a partir de empréstimo do BNDES), sob risco de uma impagável dívida. O mesmo vale para todas as outras “arenas” (nome dos shoppings travestidos de estádios) reformuladas ou novinhas, superfaturadas desde o início e cercadas de incerteza acerca de sua gestão e viabilidade posteriores ao Mundial de futebol.

Portanto, tal como dito desde a escolha do Brasil como sede de tais eventos, não haverá muito a fazer contra processo tão avassalador. Remar contra tem a serventia de evitar um massacre ainda maior e a promoção ilimitada de injustiças e violências sociais, especialmente através das remoções de famílias de favelas em áreas de interesse do mercado. No entanto, o máximo que se conseguirá é a chamada redução de danos. E posteriormente, a briga pela apropriação pública e social do que houver de “legado” estrutural.

Lá dentro, as mesmas ilusões

Já nos campos, o Brasil continua em péssima fase de sua história. Tal como nos últimos anos, a seleção, agora sob o comando de Mano Menezes, encontra-se completamente sem rumo, incapaz de reavivar a velha escola nacional que encantou o mundo e formou timaços. Não se consegue montar um grupo coerente e regular de jogadores, com estilo fiel ao que aprendemos a apreciar e livre dos vícios impostos pelo futebol de resultados, obsessivo física e taticamente e divorciado da perfeição nos fundamentos mais técnicos do jogo. Fora a contaminação por variados pragmatismos absorvidos da Europa, por onde vive ou deseja viver a nata do nosso futebol. Obviamente, isso é fator chave para a descaracterização do nosso jogo, “artístico”, “moleque”, “imprevisível”, ou o que o valha e hoje inexiste.

“Um futebol muito corrido e pouco pensado. O Brasil precisa se reencontrar”, resume, há anos, Tostão, um dos maiores se não o maior analista de futebol do país – e craque da seleção de 70, se não bastar...

O problema, pouco compreendido, é que não se atira a essência de um poção mágica ao espaço e depois a recupera num piscar de olhos. Essa seleção sem cara, alma, graça, distanciada das raízes e da própria casa, é o mais límpido e cristalino reflexo dos 22 anos de Ricardo Teixeira e sua gestão comprovadamente mafiosa e incompetente na CBF, associada a outra aliada de primeira hora do atraso: de novo, a Globo, que não se cansa de transformar o futebol em mero produto de entretenimento, onde reina a paparicação, e se poda a verdadeira cultura popular e autêntica do jogo.

Essa nefasta sociedade foi quem passou tal período evitando os necessários avanços, que vão muito além da escolha de um treinador certo e a conquista de uma ou outra taça. O grande desastre é que o futebol brasileiro ficou não apenas sem escola, mas sem direção, cara, visão, mentalidade, coerência, gestão, e como vai longe a lista... Em suma, tudo que o aclamado Barcelona, e também a seleção espanhola, não fizeram. Não à toa agora gozam o trono que pensamos ser eternamente nosso.

Em todo este período, no qual o futebol se “modernizou” e se transformou também em grande negócio capitalista, deixaram-se no Brasil as mesmas estruturas que nas décadas anteriores já anunciavam a penúria, até por nunca terem sido capazes de organizar coerentemente sequer duas edições consecutivas do campeonato nacional, como mostra a história.

O interesse mesquinho, e falsamente favorável aos pequenos, das federações estaduais, a inadequação do nosso calendário, sempre na contramão do resto do mundo, a liderança não menos despótica da confederação continental e o nível de imbricação, protagonismo e ingerência atingido pelos empresários, agora turbinadíssimos por fundos ainda mais poderosos de investimentos, nos levaram a tamanha decadência. Portanto, nada gratuita.

Mesmo assim, seguimos sem visão

Mas como o esporte é uma das áreas da vida mais pródigas em desfazer mitos e desmentir as maravilhas do marketing, dentro de campo tivemos um ano que, se não nos levar a uma rápida reflexão, pode significar novos e traumáticos infortúnios. O que não é nada desejável quando se está perto de sediar Copa e Olimpíadas...

Na Libertadores, 5 dos 6 brasileiros fracassaram retumbante e precocemente, sendo derrotados para equipes de países vizinhos sempre desabonadas por nossa mídia, que, por mais que raramente os veja jogar, jamais dá o braço a torcer e reconhece seus méritos, até mesmo quando batem nos brasileirinhos, o que fizeram a granel em 2011. Via de regra, “são times limitados, mas esforçados, raçudos e que jogam com a pressão da torcida”. É hora de contar outra...

Apesar do título do Santos na Libertadores, os demais foram um fracasso. Assim como na Copa Sul-Americana, vencida pela virtuosa Universidad de Chile – que já vendeu o artilheiro do torneio pra Europa, nessa triste saga... E também na Copa América de seleções, na qual fomos eliminados nas quartas de final para o Paraguai, nos pênaltis, com três empates, uma vitória e outra campanha horrorosa.

Já o massacre sofrido pelo Santos contra o Barcelona na final do Mundial de Clubes deve ser visto como choque de realidade, não como “maior espetáculo da Terra”. Pois parece muito oportunista da parte da mídia, e de todos, sempre resistentes em aplaudir rivais gringos, agora reverenciar incansavelmente o timaço catalão. Sim, trata-se de um dos maiores que já vimos, mas não se pode perder de vista que foi a maior diferença de gols da história do Mundial de Clubes e que foi aterradora a postura entregue, reverente, submissa, dos atletas santistas, como se cientes de estarem diante de mestres imbatíveis e de que o negócio era fruir a aula... Não parece ser o papel que melhor cabe ao futebol brasileiro.

Não há marketing que cubra tamanha fraqueza e despreparo de nosso futebol diante de outras grandes potências, que passaram as últimas décadas saqueando livremente nossos talentos (e dos vizinhos), melhoraram seu futebol doméstico, evoluíram na maneira de jogar, (re)criaram estilos, variações táticas ofensivas e também progrediram na formação de jogadores, até pelo fato de contarem com legiões imigrantes, cujos filhos talentosos florescem por lá mesmo. Em suma, estamos no futebol exercendo o mesmo papel periférico e subalterno de sempre da geopolítica e da economia.

A tragédia é que tal tendência não dá o mínimo sinal de reversão. Os megaeventos simplesmente não estão servindo como oportunidade de retomada de “nosso devido lugar” no esporte, especialmente naquele em que éramos reis. E ninguém parece atentar para tamanho desperdício.

O pior de tudo é que o boom econômico brasileiro já chegou ao futebol (e aos poucos aos demais), nossos clubes têm dinheiro como nunca, mas não conseguem sair da fórmula fácil de trazer de volta medalhões cadentes sem conter a sangria “juvenil”. “Essa grana toda só vai servir pra deixar tudo igual, mas com um custo maior. Eles vão deixar tudo no mesmo nível, apenas custando mais”, opina o jornalista Paulo Calçade, do Estadão/ESPN.

Diante do atual protagonismo brasileiro no esporte, e também sua história ao menos em alguns deles, fica clara a falta que faz uma verdadeira política esportiva, inclusive com participação do Estado, algo mais que comum na organização de parâmetros e objetivos “macro” de toda uma nação, neste e em qualquer âmbito. Até pela possibilidade mais clara de punir desmandos e assaltos, o que nunca ocorre no nosso espúrio cenário. A maneira como caiu o ministro Orlando Silva, aliado de primeira hora do que há de pior no mundo esportivo, foi só um pequeno exemplo de como ainda estamos atrasados nessa estruturação, que pode cobrar um inesquecível preço nos próximos e esperados tempos.

Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.