terça-feira, 27 de abril de 2010

Lei ambiental é descumprida por 90% dos produtores.....


Código Ambiental: 90% dos produtores descumprem lei

 LILIAN MILENA

Agropecuaristas querem reforma do Código Florestal Nacional alegando incompatibilidade das regras federais à realidade do produtor brasileiro. A Comissão Especial, que analisa as diretrizes, se reúne esta terça-feira (27) para definir o cronograma de trabalho das discussões.

Os reformistas estimam que 90% dos produtores brasileiros transgridem de alguma forma a Lei nº 4.771/65, o que significa 5 milhões de pessoas. Segundo o deputado federal, e relator da proposta de reforma, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), a alta taxa de fazendeiros que não se adéquam às regras ambientais é motivo suficiente para revisão das diretrizes nacionais de conservação e preservação de biomas.

Em contrapartida, ambientalistas reforçam a necessidade de se manter a proteção de áreas de mananciais, encostas e florestas, considerando os benefícios indiretos à economia agrícola e seus impactos sobre o clima local. André Lima, coordenador de Políticas Públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), lembra que os últimos desastres ambientais sofridos pelas populações dos estados de Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro foram resultados da combinação de fenômenos hidrológicos e desrespeito à legislação ambiental.

O porta-voz do IPAM alega que não existem estudos confiáveis de que 90% dos produtores, em todo o Brasil, não cumprem as diretrizes do Código Florestal. Lima concorda que as diretrizes federais podem ser aprimoradas, mas no sentido de aumentar a proteção dos recursos hídricos e da biodiversidade. Já em relação às regiões do país que mais sofreram perdas da sua biodiversidade (Sul e Sudeste), o ecologista aponta que há alternativas sustentáveis como a reposição de florestas perdidas além das propriedades.

Os reformistas querem que as áreas de proteção permanente (APP) e as reservas legais (RL), tenham territórios limitados abaixo do estabelecido pelo código federal. As APP são espaços com vegetação nativa, essenciais para conter processos de erosão ao longo de rios e mananciais. São classificadas junto aos corpos hídricos em geral, nascentes, topos de morros nas montanhas, serras, encostas e restingas. Proprietários de áreas classificadas como APP não podem alterá-las.

O limite mínimo de corredores marginários ao longo do curso de águas, reservatórios e nascentes, além do limite das cheias anuais, por exemplo, é de 30 metros. Logo, toda pessoa que tiver terreno em área de manancial não pode produzir culturas, criar gado ou construir nessa faixa.

Já as Reservas Legais são estabelecidas em toda e qualquer propriedade rural. O Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) avalia que a RL garante a conservação e reabilitação dos processos ecológicos e conservação da biodiversidade. A cobertura vegetal seria responsável por benefícios econômicos indiretos como amenização de cheias e da erosão, regulação do clima local, controle de pragas e proteção dos rios.

A lei determina que proprietários em áreas de Mata Atlântica mantenham 20% da cobertura vegetal original – se estiverem desmatadas, o dono do terreno terá que replantar os 20%. Proprietários no Cerrado devem proteger 35% do bioma, e na Amazônia, o índice mínimo de preservação é de 80%.

Os ruralistas propõem redução na Amazônia dos atuais 80% para 50% (alguns até mesmo para 20%), e no Cerrado, dos atuais 35% para 20%, como o estabelecido na Mata Atlântica.

Jean Paul Metzger, biólogo e ecologista do Instituto de Biociência da USP, destaca que simulações e pesquisas em campo, realizadas em diferentes áreas preservadas, apontam que para garantir o equilíbrio de espécies da flora e fauna e a interação delas ao ambiente, cerca de 60% da paisagem original deve ser preservada em qualquer bioma.

“Apesar deste valor ter sido definido para paisagens aleatórias, estudos considerando três padrões distintos de fragmentação na Amazônia sustentam a ocorrência de mudanças bruscas em valores próximos a 60%”, completa em seu artigo onde discute as bases científicas do Código Florestal.

Segundo o biólogo se as APP estiverem entre 10% e 20%, as RL devem ser de pelo menos 50%, ou mais de 60%. A consolidação dessas paisagens em grandes espaços, e/ou interligadas por corredores verdes, garante a conservação da biodiversidade e seus benefícios as atividades humanas, assim como controle do clima local.

Em relação aos corredores junto aos cursos hídricos, as pesquisas apontam para uma área superior aos 60 metros (30 metros de cada lado do rio) estipulados pela lei federal. Os valores mínimos deveriam ser de 50 metros para cada margem, independente do tipo de bioma. A manutenção de 30 metros resulta na conservação de apenas 60% das espécies locais.

Os reformistas querem incluir as APP no cômputo das RL. A legislação prevê a proteção de 20% da Mata Atlântica num determinado território, isso é, considerando apenas as reservas legais. A exigência é para que as áreas de proteção permanentes se somem às porcentagens de reservas legais, em âmbito regional.

Para os ambientalistas RL e APP se complementam. Enquanto a primeira visa a conservação da biodiversidade e uso sustentável de recursos naturais, a segunda tem função de preservar recursos hídricos, paisagens, além de garantir estabilidade geológica em morros e biomas típicos de matas ciliares. Portanto seria um erro ecológico considerá-las equivalentes.

Outro ponto da reforma que não tem agradado nem um pouco os ecologistas é a proposta de transformar o Conselho Nacional do Meio Ambiente, o CONAMA, num órgão consultor técnico. Atualmente o Conselho, do Ministério do Meio Ambiente, é consultivo e deliberativo, composto por representantes de cinco setores: da federação, estados, municípios, do setor empresarial e da sociedade civil.

O CONAMA ajuda a estabelecer medidas propostas pelo IBAMA e demais entidades que integram o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), ou seja, normas e critérios para o licenciamento de atividades de impacto ambiental em todo o país. E, para os ecologistas, a transformação do Conselho em uma instituição apenas consultiva tende a tornar as discussões menos democráticas.

“A transformação do CONAMA num órgão consultivo é um retrocesso secular. O Conselho é uma conquista da sociedade com participação direta de diferentes setores, incluindo agricultores, madeireiros, estados, municípios e ONGs. Essa estrutura tem auxiliado no engajamento para o cumprimento das normas ambientais”, defende André Lima.

Para acessar o relatório "O Código Florestal tem base científica?" na íntegra, clique aqui.

A historia da água engarrafada....


Rússia-Uzbequistão desafiam os EUA

Rússia-Uzbequistão desafiam os EUA

M. K. Bhadrakumar*

M. K. Bhadrakumar 
Bhadrakumar, experiente diplomata e analista de política internacional depois de analisar os últimos desenvolvimentos do golpe que depôs o Presidente Bishkek do Quirguistão, conclui: “O Kremlin não se deixará cair duas vezes na mesma armadilha. Na Geórgia, sob circunstâncias em geral similares, os EUA receberam generoso apoio da Rússia no tormentoso inverno de 2003 para limpar os restos da revolução “Cor-de-rosa” e estabilizar a situação; até que, de repente, os EUA deram posse a Mikheil Saakashvili, o qual, desde então, é como espinho espetado na carne viva de Moscovo.”
Já começam a aparecer na imprensa russa os primeiros sinais de suspeita quanto ao pedigree da revolução no Quirguistão. Moscovo parece estar-se afastando do governo de transição de Roza Otunbayeva, ex-embaixatriz do Quirguistão em Londres e em Washington.
Os comentários já deixam transparecer sinais de suspeita de que os EUA estejam por trás do levante de Bishkek. Fala-se de uma máfia da droga, que teria incitado ao recente derrube do regime de Bishkek com apoio dos EUA – “os interesses geoestratégicos dos EUA e da narcomáfia internacional misturaram-se facilmente, para alegria dos dois lados. (…) Há lógica evidente em valer-se dos serviços dos barões da droga, para derrubar [o ex-presidente Kurmanbek] de Bakiyev, ele que, dia após dia, exigia pagamentos cada vez mais altos pela sua lealdade aos EUA”.
Comentarista russo disse à rádio Ekho de Moscovo, que “A revolução no Quirguistão foi organizada pelo business das drogas.” O Quirguistão é centro de tráfico de drogas. O cultivo da papoila no Quirguistão cresceu exponencialmente e é hoje comparável ao que se vê no Afeganistão.
Têm aparecido matérias na imprensa russa e na imprensa chinesa que associam a base dos EUA em Manas e os barões da droga. A inteligência do Irã capturou Abdulmalik Rigi, líder terrorista Jundallah, exatamente quando viajava ao Quirguistão, para o que se suspeita que fosse uma reunião na base dos EUA em Manas.
Os comentários que se vêem na imprensa russa contam, em certa medida, com o beneplácito oficial. Todos têm a ver com a natureza da revolta em Bishkek e questionam aspectos circunstanciais. Ao mesmo tempo, Stratfor – o influente think-tank – já começou a divulgar contra-interpretações, segundo as quais o golpe teria sido apoiado pelos russos. Entre ditos e contraditos, Moscovo parece estar investindo na avaliação segundo a qual Washington beneficiou com a consolidação política de Otunbayeva em Bishkek.
Nas palavras de um comentarista russo, “Há várias indicações de que Moscovo tem-se mostrado cautelosa nas manifestações relativas ao novo governo no Quirguistão (…). A verdade é que os políticos que compõem o novo governo no Quirguistão não são 100% pró-russos (…) e bem poucos são claramente associados ao ocidente”.
Mas, de facto, Otunbayeva disse ao Washington Post e à revista Newsweek que o aluguer da base aérea de Manas aos EUA seria prorrogado “automaticamente” e que “manteremos as mesmas relações de longo prazo com os EUA”.
Robert Blake, assistente da secretária de Estado dos EUA para a Ásia Central, disse em Bishkek, depois de dois dias de reuniões com Otunbayeva, que a liderança dela seria “oportunidade histórica rara para criar uma democracia que poderá servir como modelo para a Ásia Central e toda uma vasta região”.
Blake elogiou a mudança de regime em Bishkek como uma “transição democrática” – e prometeu ajuda dos EUA para “encontrarmos vias rápidas para melhorar a situação económica e social”.
Os ataques esporádicos contra os russos étnicos no Quirguistão (estimados em 700 mil pessoas) também fizeram soar sinais de alarme em Moscovo. O presidente Dmitry Medvedev ordenou que os militares tomassem as medidas necessárias. Um porta-voz do Kremlin disse que se inclui, entre essas medidas, aumentar a segurança em torno dos “interesses russos” no Quirguistão.
Moscovo dá sinais de não estar convencida de que os ataques aos russos tenham sido incidentes isolados. Sente-se no ar o risco de que a situação degenere em anarquia, com gangs armadas tomando a lei nas próprias mãos e os clãs do sul do Quirguistão trabalhando para reinstalar Bakiyev no poder. Seja como for, Medvedev claramente mudou de tática na 3ª.-feira [20de Abril], depois de visitar o presidente Islam Karimov do Uzbequistão. Muito visivelmente, manifestou-se na direcção de afastar a Rússia de qualquer identificação com o governo de transição de Otunbayeva. Disse Medvedev:
“Essencialmente, temos de revitalizar o Estado. Hoje, não há Estado. O Estado foi deposto. Esperamos que esse governo de transição tome as medidas necessárias para essa revitalização. A anarquia terá efeito negativo para os interesses do povo do Quirguistão e seus vizinhos. É extremamente importante legitimar as autoridades, o que significa que é preciso organizar eleições, não apenas um simulacro de nomeações para vários cargos dos três poderes. Só depois disso será possível desenvolver alguma cooperação económica com a Rússia.
A Rússia estendeu a ajuda humanitária ao Quirguistão, mas plena cooperação económica só será possível depois que forem criadas instituições de poder adequadas. O presidente do Uzbequistão partilha o mesmo ponto de vista.”
A união entre russos e uzbeques desafiou o governo de transição a não se sentir governo legalmente constituído – por mais robusto que seja o apoio que obtenha dos EUA.
Claramente, Moscovo e Tashkent estão trabalhando para que Otunbayeva não tome decisões políticas importantes (por exemplo, sobre o destino da base dos EUA em Manas). Ela deve, em vez disso, organizar novas eleições e formar novo governo eleito.
Otunbayeva já se manifestou a favor de reformas constitucionais de longo alcance, principalmente para transformar o Quirguistão em democracia parlamentar, bem diferente do actual sistema presidencial de governo. Moscovo vê aí, oculta, a intenção, no governo de transição, de adiar as eleições, contando, para isso, com o poder dos EUA.
Enquanto isso, Bakiyev saiu do Cazaquistão a semana passada, mudando-se para Belarus. Não se sabe o quanto, nesse movimento, teria sido iniciativa de Minsk, que teria oferecido asilo a Bakiyev. Logo depois de chegar a Minsk, Bakiyev anunciou que ainda não renunciara ao seu posto. “Nenhum poder me obrigará a renunciar à presidência. O Quirguistão não será colónia de ninguém” – disse ele. E conclamou os líderes mundiais a não reconhecer o governo de Otunbayeva.
O movimento de Bakiyev cria dificuldades para Washington. Os EUA davam-se muito bem com Bakiyev e continuam a dar-se muito bem hoje, também, com Otunbayeva. Mas não há meio de persuadir Bakiyev a aceitar uma transição legal, ordeira, do poder, para Otunbayeva.
Mas Washington também não pode subscrever o governo de Otunbayeva, enquanto sua legitimidade for contestada na região (inclusive dentro do próprio Quirguistão). Além disso, Otunbayeva não se pode considerar estável, se deixa o país deslizar na direção da luta entre clãs, da fragmentação e da anarquia.
Na visita de dois dias a Moscovo, Karimov deixou bem claro que Tashkent prevê desenvolvimentos sombrios na troca de governo em Bishkek.
Em linguagem forte, Karimov disse que “há grave perigo de que o que está a acontecer no Quirguistão se torne mudança permanente. Já está criada a ilusão de que seria muito fácil derrubar um governo legalmente eleito” – e alertou para o risco de a instabilidade no Quirguistão “infectar” outros Estados na Ásia Central.
Rússia e Uzbequistão consideraram oportuno dar as mãos. Medvedev destacou que suas conversas com Karimov em Moscovo aconteceram em clima de “confiança e compromisso em todos os aspectos de nossas relações bilaterais e nossos negócios regionais e internacionais”. Karimov respondeu no mesmo diapasão: “O Uzbequistão vê a Rússia como parceira confiável e firme, o que comprova que a Rússia desempenha papel crítico no trabalho de preservar a paz e a estabilidade no mundo e, especificamente, na Ásia Central.”
“Os nossos pontos de vista coincidem completamente”, disse o presidente do Uzbequistão, e concluiu: “O que se passa hoje no Quirguistão não beneficia ninguém. Não beneficia, sobretudo, os países limítrofes do Quirguistão.”
O primeiro-ministro russo Vladimir Putin também falou de alinhamento regional: “o Uzbequistão é o país-chave na Ásia Central. Temos relações muito especiais com o Uzbequistão”, disse ele.
É muito provável que, agora, Rússia e Uzbequistão contem com que os desenvolvimentos no Quirguistão sejam introduzidos na agenda do encontro da Organização de Cooperação de Xangai [ing. Shanghai Cooperation Organization (SCO)], marcada para a capital Tashkent, em Junho.
Segundo comentário russo semioficial, “A reunião [da SCO] poderá ajudar a criar e implantar mecanismos que garantam a segurança no país e em toda a Região.” O secretário-geral da Organização de Cooperação de Xangai (com sede em Pequim) visitou Bishkek semana passada e reuniu-se com Otunbayeva.
Washington tem pela frente uma potencial dor de cabeça diplomática. Precisa garantir que a próxima reunião da SCO não se converta em replay da reunião de 2005 – que questionou a própria razão de ser da presença militar dos EUA na Ásia Central.
Se Washington forçar o passo do grande jogo, pode sofrer o coice do chicote – que pode virar bola de neve e levar, até, à retirada dos EUA da base de Manas, opinião que já se ouve, como reivindicação, em algumas secções influentes da opinião no Quirguistão.
Se a coisa chegar a esse ponto, a grande questão será se Otunbayeva saberá tirar as castanhas do lume pelos EUA. Original da cidade sulista de Osh, mas tendo vivido toda a vida adulta na capital, dominada por clãs do norte, ela não tem base social ou política e está em posição de desvantagem.
A realidade geopolítica é que o Quirguistão tem de estar em harmonia com os interesses das potências regionais – sobretudo Rússia e Uzbequistão –, como também os EUA deveriam procurar estar, em nome do superior interesse da estabilidade em toda a região. Por mais que se deva buscar essa harmonia, o facto é que a influência dos russos e uzbeques (além da dos kazaques) ainda é preponderante na sociedade e na política do Quirguistão.
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O Kremlin não se deixará cair duas vezes na mesma armadilha. Na Geórgia, sob circunstâncias em geral similares, os EUA receberam generoso apoio da Rússia no tormentoso inverno de 2003 para limpar os restos da revolução “Cor-de-rosa” e estabilizar a situação; até que, de repente, os EUA deram posse a Mikheil Saakashvili, o qual, desde então, é como espinho espetado na carne viva de Moscovo.

* O embaixador M K Bhadrakumar foi diplomata de carreira nos Serviços Estrangeiros da Índia e é hoje analista político em Ásia Times.
Tradução de Caia Fittipaldi