segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Mas o que são mesmo as tais “multinacionais brasileiras”?



Multinacionais brasileiras? A resposta envolve alternativas que vão muito além do que um simples "sim" ou "não". Deve passar por um profundo debate sobre os "comos", os "porquês", os "paraquéns" e os "sob-quais-condições".

Por Paulo Kliass, na Agência Maior*

Conforme compromisso assumido no artigo da semana passada, fiquei de discutir um pouco agora o conceito expresso aqui no título. Multinacionais brasileiras? Confesso que a primeira vez em que me deparei com a expressão, há muitos anos atrás, senti um certo incômodo.

Afinal, na condição de brasileiro, uma pessoa que se considera de esquerda, num mundo dominado pelo capital estrangeiro, naquela época era mais fácil denunciar as mazelas do imperialismo provocadas pela ação perniciosa e exploradora das multinacionais com sede no exterior...

No entanto, o processo de internacionalização da economia avançou e alguns países do chamado bloco dos "não-desenvolvidos" ou "em desenvolvimento", segundo a classificação da preferência de cada um, avançaram mais do que a média dos desenvolvidos e do que a média mundial. Entre outros, é famoso o caso dos BRICs, acrônimo para designar Brasil, Rússia, Índia e China.

Com todos os problemas derivados das tentativas de agrupar realidades bastante diferentes entre si, esse conjunto consegue chamar a atenção para algumas semelhanças significativas. Trata-se de países de grande extensão territorial, com expressivo contingente populacional e elevado potencial de crescimento econômico a partir dos anos 2000.

Face à crise por que vêm passando as economias de Estados Unidos, Japão e Europa nas últimas décadas, os Brics passam a ser vistos como alternativas para a retomada do crescimento da economia em escala global. Seja pelo lado da produção de bens e serviços, seja pela capacidade mesmo de consumo representada por essa demanda concentrada territorialmente, mas da ordem de bilhões de indivíduos.

Cada um desses países tem seu ritmo próprio de crescimento da economia, sua história recente que explica a emergência repentina, sua entrada nesse mundo da divisão internacional do trabalho e do capital. O caso da China é o mais evidente: o País vem crescendo a taxas elevadíssimas ao longo das últimas 2 décadas e acaba de ultrapassar o PIB do Japão, tornando-se a segunda economia do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.

Com esse processo, emergem os mega-consórcios e as mega-empresas chinesas. Um das operações mais simbólicas foi a compra em 2004 da famosa IBM norte-americana, a antes toda poderosa empresa multinacional de informática. Passou a fazer parte da Lenovo, conglomerado majoritariamente chinês.

A China é detentora de boa parte da dívida pública dos EUA e desponta como a potência hegemônica das próximas décadas. Assim, a cada dia que passa uma nova empresa chinesa gigante desponta para o noticiário econômico nas mais diversas áreas, como transportes, bens de capital, siderurgia, petroquímica, automobilística, etc.

O caso russo está bastante vinculado ao processo descontrolado de transição às regras da economia mercado, ocorrido a partir da década de 90. O colapso político e econômico do regime soviético fez com que um conjunto de grandes conglomerados estatais fossem submetidos a um processo descontrolado de privatização. Na verdade, o que ocorreu foi uma transferência do patrimônio público para poucos indivíduos e/ou grupos, que se converteram em verdadeiros bilionários da noite para o dia.

Em especial nas áreas de transportes, siderurgia, telecomunicações, petroquímica, energia, entre outras. Um país com história milenar de influência na região, a atual Rússia continua a tentar exercer sua hegemonia econômica e diplomática naquela parte do mundo.
Quem nunca ouviu falar na Gazprom, a maior empresa de gás no mundo atual? Ao lado dela, as outras grandes empresas russas de escala internacional operam basicamente no ramo de energia, mineração e infra-estrutura.

O caso da Índia já é um pouco distinto. Desde o processo de luta contra a dominação britânica, o País tenta construir um caminho próprio que combine a afirmação da independência política com a construção de uma infra-estrutura social e econômica capaz de dar conta da enorme quantidade de desafios relativos à construção de uma Nação livre. A exemplo dos casos anteriores, sua história é milenar e conta períodos de apogeu de dominação social, econômica e cultural no Oriente.

Há quase meio século busca uma inserção baseada no fortalecimento regional do país e na ampliação de sua influência no mundo globalizado. A grande referência continua sendo o êxito do grupo Tata, um conglomerado mais conhecido na área da metalurgia e da indústria automobilística.
Há, inclusive, indícios de que estaria a preparar as malas para seu desembarque em nossas praias, atraído pelo potencial de produção e comercialização do carro mais barato do mundo - o Nano. As demais empresas gigantes indianas com influência mundial operam, em sua maior parte, nas áreas de energia, infra-estrutura, mineração e telecomunicações.

E o caso brasileiro? Pois é, nos últimos anos cada vez mais se menciona a expressão das "multinacionais brasileiras". Mas quais são elas, afinal? As listas variam muito, de acordo com os critérios utilizados, com os anos mantidos como referência e com os setores incluídos. Por exemplo, se excluirmos o setor financeiro, logo de cara ficam de fora Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES, Bradesco e Itaú.

Se a base for anterior a 2009, Sadia e Perdigão aparecem ainda separadas, antes da fusão de gigantes ocorrida no ano passado. Se incluirmos as empresas de construção civil, a sagrada trindade formada por Camargo Correia, Odebrecht e Andrade Gutierrez passa a ser presença assegurada. E por aí vai. Cada um monta a sua lista de acordo com seus interesses, muitas vezes para fazer incluir alguma ou excluir outra... Afinal, o jogo é prá cachorro grande, big businness!
De qualquer forma, em geral a lista é encabeçada pela Petrobrás e pela Vale. Em seguida surgem Gerdau, Braskem e Votorantim. A seguir as empresas alimentícias, como a Brazil Foods (Sadia + Perdigão) e a Friboi-JBS (maior empresa do mundo na área de carnes e frigoríficos).

Em geral, está também presente a empresa de nosso Vice Presidente José de Alencar, a Coteminas. Freqüentam também a WEG (motores), a Natura e a Marcopolo (setor automobilístico). Alguns leitores podem estar se perguntando a essa altura: sim, Paulo, mas e daí? Pois é, boa pergunta! E daí?

E daí que, cada vez mais, a questão da inserção da economia brasileira no cenário internacional passa por um debate a respeito de qual a melhor estratégia a ser adotada. Muitos empresários, economistas e agentes públicos defendem a consolidação das chamadas "campeãs nacionais".
As declarações e as ações desenvolvidas pelo Presidente do BNDES, Luciano Coutinho, representam bem essa visão. Trata-se de envidar todos os esforços possíveis para que o Brasil constitua e fortaleça cada vez mais um pequeno número de "grandes e boas" empresas ditas brasileiras, em setores nos quais sejam capazes de despontar como lideranças no mercado planetário disputado da globalização acentuada.

Mas o detalhe é que a construção desse caminho custa caro, muito caro. E como sempre ocorre, a retórica liberal pede uma licença poética e chama ardentemente a presença do Estado, para ajudar nessa tarefa, agora sim, travestida de elevado grau de patriotismo! Afinal, esse é um País que vai prá frente...

E aqui entra o papel das instituições públicas, que operam com recursos do Estado brasileiro, como é o caso do BNDES. Além de emprestar a juros subsidiados, o Banco tem operado como o cimento financeiro necessário para a conformação dos grandes conglomerados brasileiros de capital...privado! E esse papel é encarado como a função nobre, por excelência, do Banco na atual etapa por que passa o processo de acumulação capitalista em escala internacional.

O BNDES empresta a juros mais baixos principalmente para os grandes conglomerados, oferece cartas de garantia para as ações no plano internacional, adianta recursos para processos de capitalização, entre outras operações. Todo esse esforço para o fortalecimento da causa nacionalista. Haja patriotismo...

Mas até o mais ingênuo dos Cândidos sabe que o capital não tem Pátria! O que move suas ações e decisões é a busca do lucro, da acumulação. E ponto final. Quantos não vibraram há alguns anos atrás, quando constituímos uma das maiores empresas de cerveja do mundo, com a fusão da Brahma e da Antarctica?

Mas, como reza o dito popular, alegria de pobre dura pouco. E, logo em seguida, a Ambev foi tranqüilamente vendida para os gigantes belgas da Interbrew. E desde 2005 voltamos a beber cerveja estrangeira... O que dizer da - até então - brasileira Garoto, engolida pela transnacional suíça Nestlé? E que agora, há poucos dias atrás, da nossa TAM sendo absorvida pela chilena LAN? O que foi feito desses gigantes tão brasileiros até bem pouco tempo atrás?

A análise da constituição das grandes multinacionais mostra alguns, digamos assim,"vícios" de origem. A Petrobrás é empresa da União desde sua fundação em 1954. A Vale foi privatizada e vendida a preço de banana há pouco mais de uma década.

A Gerdau e Braskem operam na área da siderurgia e petroquímica, com toda a facilidade propiciada pela aquisição de plantas com a privatização das empresas federais Siderbrás e Petroquisa. As empresas de construção civil devem sua existência e agigantamento às facilidades das grandes licitações de obras públicas pelo Estado brasileiro ao longo das últimas décadas.

Ou seja, fica evidente a presença da ação estatal para fortalecer e favorecer o grande capital privado, que por sua vez só existe em função das facilidades históricas já oferecidas pelo próprio Estado.

Talvez faça algum sentido o Brasil se lançar nessa aventura de competição na esfera internacional. Afinal, essas são as regras atuais do jogo e o País não consegueria sobreviver como uma ilha isolada. No entanto, é importante debatermos quais são as verdadeiras prioridades para um País com recursos não sobrantes como o nosso.

Como já mencionado, a ação do BNDES e do Estado tem um custo. Quando o Banco oferece tantas benesses ao capital privado, ele não exige nada em contrapartida. Por exemplo, não coloca como pré-condição o assento nos Conselhos de direção das empresas para exigir o cumprimento de requisitos mínimos em termos da ação empresarial, como a proibição da venda da empresa para grupos estrangeiros.

E ainda: respeito à responsabilidade social, manutenção e geração de novos empregos, política de sustentabilidade ambiental, respeito a determinadas condições mínimas para os trabalhadores, para ficar em apenas alguns itens.

Ou as nossas aspirações à liderança internacional incluiriam as pressões diplomáticas de liberar as empresas, como faz o Estado chinês pelo mundo afora, para operar com o uso de mão de obra ilegal no exterior, com o intuito único de aumentar sua competitividade?

O BNDES optou por concentrar também seus empréstimos para os grandes grupos. As informações demonstram que no último período, 57% dos desembolsos foram direcionados para apenas 12 grupos. Se tirarmos a Petrobrás e a Telebrás, restam apenas 10 conglomerados privados, incluindo as 3 gigantes da construção civil, a Votorantim, a Vale e a JBS-Friboi, entre outras.

Em seu portal, o Relatório do Banco se vangloria de que 72% dos empréstimos são direcionados para empresas de grande porte. E que 35% dos mesmos são para obras previstas no PAC. Em termos setoriais, 43% vão para a indústria da transformação e 40% para infra-estrutura.

Por outro lado, o Presidente Lula emitiu Medidas Provisórias entre 2009 e 2010, autorizando o Banco a aumentar sua capitalização em R$ 180 bilhões, com o objetivo de elevar o volume de empréstimos. Sempre com os juros da TJLP, altamente subsidiados, lembremo-nos disso.
A decisão que o País precisa tomar refere-se às prioridades e ao "timing" dessa estratégia de inserção internacional. Por exemplo, é mais do que sabido que sem investimento maciço em saúde, educação e ciência e tecnologia, de nada adianta esses vultosos investimentos nas empresas multinacionais brasileiras.

O futuro não está em empresas da construção civil ou do agronegócio! Constituir multinacionais para operar nesses setores é desperdiçar recurso público. A verdadeira sabedoria na formulação de políticas públicas está justamente em antecipar tendências estratégicas de longo prazo, para o futuro das próximas gerações e não para o País do depois-de-amanhã. Aqui entram aspectos como informática de última geração, nano eletrônica, engenharia genética, tendências da biodiversidade, mecatrônica, etc.

Muitos poderão argumentar que não basta apenas esperar o futuro, que as coisas são construídas desde já. De acordo. Mas que não faltem - como têm faltado - recursos para esses projetos de longo prazo. Sempre se faz pressão para liberar os recursos para o aqui e agora, mas as políticas que apresentarão seus resultados num futuro mais distante são sempre relegadas a um segundo plano. E nesse ponto toda a atenção deve ser conferida ao desenho do fundamental e bilionário Fundo do Pré Sal - em princípio, corretamente dirigido para essas missões estratégicas e não para o desperdício do "prá ontem"! Veremos.

Além disso, é fundamental que o comportamento do BNDES seja mais efetivo no controle dos recursos direcionados aos grandes conglomerados. Por exemplo, com o estabelecimento de uma Carta de Princípios a ser assinada pelos tomadores de empréstimos.

É público e notório que boa parte das empresas não têm compromisso algum com a sustentabilidade ambiental nem com a geração de emprego ou reaplicação de seus lucros com algum tipo de compromisso social. Pelo contrário, uma das empresas que despontvaa na liderança do recebimento de recursos para o agro-negócio, a Cosan, tem vários processos na Justiça por acusações de uso de trabalho escravo!

Multinacionais brasileiras? Como vimos, a resposta envolve alternativas que vão muito além do que um simples "sim" ou "não". Deve passar por um profundo debate sobre os "comos", os "porquês", os "paraquéns" e os "sob-quais-condições". Infelizmente, nem o propício momento do debate eleitoral está sendo usado para tal fim.

(*) Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10

Cuidado com os agrotóxicos nos alimentos



por Igor Felippe Santos

O Brasil bateu recorde na utilização de agrotóxicos no ano passado. Mais de um bilhão de litros de venenos foram jogados nas lavouras, de acordo com dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Agrícola. Com a aplicação exagerada de produtos químicos nas lavouras no país, o uso de agrotóxicos está deixando de ser uma questão relacionada especificamente à produção agrícola e se transforma em um problema de saúde pública e de preservação da natureza.
De acordo com dados divulgados em novembro de 2009 pelo Censo Agropecuário 2006 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), houve, em 2006, pelo menos 25.008 casos de intoxicação de agricultores. Os dados também indicam que herbicidas, fungicidas e inseticidas foram usados em mais de um milhão de fazendas.
O pesquisador da Fiocruz, médico e professor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Wanderlei Antonio Pignati, responsabiliza o agronegócio por essa expansão desenfreada. Para ele, “é preciso discutir o modelo de produção agrícola que está aí. É um modelo insustentável”. As transnacionais da agricultura vem concentrando a terra e utilizando uma grande quantidade de agrotóxicos para garantir a produção em escala industrial. Também prometiam diminuir a utilização com os transgênicos, mas com a sua aprovação de diversas variedades só aumenta o uso dessas substâncias químicas.
Pignati explica que “as sementes das grandes indústrias são dependentes de agrotóxicos e fertilizantes químicos. As indústrias não fazem sementes livres desses produtos, porque são produtores tanto das sementes como dos agrotóxicos. Criam sementes dependentes de agrotóxicos”. Ele realizou estudos sobre os impactos dos agrotóxicos no Mato Grosso, demonstrando que nas regiões com maior utilização de agrotóxicos é maior a incidência de problemas de saúde agudos e crônicos.
Os trabalhadores das fazendas que aplicam os agrotóxicos, seus familiares que vivem nas áreas pulverizadas, a população das cidades vizinhas e os consumidores de alimentos são os principais prejudicados pela utilização excessiva de venenos. Determinados agrotóxicos causam distúrbios neurológicos, respiratórios, cardíacos, pulmonares e no sistema endócrino, ou seja, na produção de hormônios, principalmente nas pessoas que trabalham diretamente na aplicação dessas substâncias.
Além disso, causam um desequilíbrio no ecossistema, com a contaminação dos poços artesianos de água potável, dos córregos, rios e lagoas, da água de chuva e do ar, além da própria produção que será comercializada.
O Brasil também é o principal destino de agrotóxicos banidos no exterior. Pelo menos dez produtos proibidos na União Europeia (UE) e Estados Unidos são liberados nas lavouras brasileiras, de acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Os agrotóxicos ocupam o quarto lugar no ranking de intoxicações. Ficam atrás apenas dos medicamentos, acidentes com animais peçonhentos e produtos de limpeza. Houve registro de 6.260 casos provocados por agrotóxicos em 2007. Laboratórios demonstram o risco de algumas substâncias provocarem problemas agudos e crônicos (veja abaixo).
Alimentos com resíduos tóxicos
Uma análise da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária ), realizada desde 2001, chamada Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), acompanha os níveis de resíduos de agrotóxicos nos alimentos consumidos pela população acima do permitido por lei. Os dados impressionam: no pimentão, foram encontrados até 64,36% de resíduos de substância tóxicas acima do permitido; 36,05%, no morango; 32,67%, na uva; 30,39%, na cenoura; 19,8%, no alface; e 17%31%, no mamão.
Para o professor Wanderlei Antonio Pignati, “a tendência é aumentar a utilização de agrotóxicos. Por isso, é preciso uma política mais contundente do governo, dos movimentos de agroecologia e da sociedade, que cada vez mais consome agrotóxicos”.  Nesse quadro, o MST pretende fazer uma campanha nacional para denunciar os efeitos nocivos dos agrotóxicos, ao lado de cientistas, pesquisadores, organizações ambientalistas, movimentos populares, centrais sindicais e entidades ligadas à educação.
Nesse período, é importante também questionar os candidados em relação às propostas para o controle dos agrotóxicos. Até agora, apenas José Serra (PSDB) se pronunciou sobre o assunto: propôs a criação do “defensivo agrícola genérico”. Com o apoio à utilização dessas substâncias químicas, que contaminam os alimentos e o ambiente, Serra quer criar doenças crônicas e agudas genéricas…
O modo de produção do agronegócio, além de aumentar a concentração de terra e expulsar famílias do campo, sustenta a sua produção na utilização de agrotóxicos em escala industrial. Precisamos de um novo modelo de produção agrícola, baseado em pequenas propriedades, organizadas em agroindústrias gerenciadas por cooperativas de trabalhadores rurais, para garantir a produção de alimentos saudáveis e de qualidade para a população brasileira.
Doenças causadas por agrotóxicos
Saiba algumas das doenças agudas e crônicas causadas pelos venenos nos trabalhadores, suas famílias, populações que moram perto das fazendas e consumidores em geral:
Má formação fetal
Dor de cabeça
Diarréia
Vômitos
Desmaios
Náuseas
Problemas de rim
Doenças de pele
Irritação ocular e auditiva
Depressão
Lesão neurológica
Neurite da coluna neurológica cervical
Câncer
Problemas hormonais, neurológicos e reprodutivos
Igor Felippe Santos é jornalista, editor da Página do MST, integrante da Rede de Comunicadores pela Reforma Agrária e do Centro de Estudos Barão de Itararé.

Revista Caras visitou os bastidores do Encontro de Blogueiros

por Luiz Carlos Azenha no viomundo

Houve um debate sobre mudar o nome do Encontro de Blogueiros Progressistas. “Livres”, “independentes”, “de esquerda” e outras propostas surgiram. Eu, por mim, diria que foi o encontro do Miro (Altamiro Borges, do blog do Miro), da Danielle (Barão de Itararé) e das Conceições, a Lemes (Blog da Saúde) e Oliveira (Maria Frô). Refiro-me àqueles que, de fato, suaram sangue para fazer do encontro o sucesso que foi, considerando especialmente que tudo foi organizado em menos de três meses. Ah, e teve a turma do Emerson Luis (Nas Retinas), de Brasília, sem a qual não teria havido transmissão.
Estamos todos mortos de cansaço, de maneira que fica mais fácil, primeiro, publicar fotos e vídeos do encontro. A seguir, a cobertura que a revista Caras faria dos bastidores do encontro (o Cloaca faria melhor):
O blogueiro do Cloaca News ganhou o prêmio Barão de Itararé por causa das sátiras mortais que publica em seu espaço, mas nós da Caras teríamos escolhido a Aline, de Minas Gerais, pelo acessório que nos faz lembrar José Serra.
Francisquinho ao pai, Rodrigo Vianna, do Escrevinhador: “Papai, esses blogueiros estão cheirando mal”.
Altamiro Borges, do blog do Miro, se prepara para levantar vôo (ao lado da Conceição Lemes).
O carioca Miguel do Rosário, do Óleo do Diabo, estava um luxo no inverno paulistano.
O ator José de Abreu disfarçou bem (com a Conceição Oliveira, do Maria Frô). Queria mesmo, como nós da Caras, ter ido ao encontro do Millenium.
O prefeito Gilberto Kassab proporcionou o ponto alto da reunião, dando um banho nos blogueiros sujos que comemoravam o evento no bar da esquina.

Dominação cultural

  Paulo Metri   no Correio da Cidadania
 
No processo de dominação cultural de uma sociedade, muitos de seus membros tomam ações que não a favorecem, sem consciência do dano que elas causam. Tomam-nas por cópia de padrão corriqueiro vindo do passado ou influência proposital de terceiros, que são conscientes do dano. A busca por influenciar o pensamento da sociedade é quase como uma guerra de propaganda e muitos estratagemas são utilizados. Desta dominação, o usufrutuário pode ficar com a melhor parte do comércio internacional ou ter acesso a recursos minerais estratégicos e escassos ou receber polpudos royalties por trabalhos intelectuais etc. Portanto, está-se falando de algo de valor que influencia enormemente o bem-estar da população de um país. A partir deste ponto, vão ser descritas várias situações em que esta dominação está presente.
 
Observem o pensamento bastante elaborado que os países do mundo não devem competir em todos os produtos comercializados mundialmente, passando-se a evitar taxações protecionistas e subsídios, de forma que cada um ganhe somente os mercados daqueles produtos para os quais tem "vocação natural", ou seja, aqueles produtos para os quais possui vantagens comparativas. E vão além dizendo que, desta forma, todos os países saem ganhando, pois todos os produtos estarão sendo ofertados para todos por quem os pode produzir pelos menores preços.
 
Uma tese do pensamento acadêmico, dentro da Teoria dos Jogos, foi providenciada para embasar o raciocínio anterior e, ainda mais, uma premiação do Nobel, hoje já bastante desgastada, foi entregue ao seu autor por respaldar brilhantemente o pensamento, sem se ater ao fato que ele é correto dentro de limites. Este posicionamento reproduz, para todo o sempre, o instante de início de aplicação da tese. Fica vedado a qualquer sociedade, que busca crescer, a possibilidade de migrar para produtos com maior conteúdo tecnológico, para poder ter maior usufruto do comércio mundial, ou seja, países ficam proibidos de adquirir "vocações". Certamente, a teoria citada tinha beneficiários poderosos e vingou exatamente por ir ao encontro de seus interesses. Notar que esta tese só é válida para os subdesenvolvidos, pois, a produção de algodão dos Estados Unidos recebe subsídios e este país ficou indignado pelo Brasil, que tem produção de algodão mais barata, portanto, com vocação para produzi-lo, ter levado o caso para a Organização Mundial do Comércio.
 
As teses neoliberais e da globalização de interesse dos países centrais, aquela globalização financeira e dos mercados, mas que não inclui a globalização do mercado de mão-de-obra, eram dogmas irrefutáveis, difíceis de serem contestados nos anos 80 e 90. A grande mídia, empresas de marketing, políticos vendidos para o capital e prepostos remunerados do mesmo formavam a tropa de choque do neoliberalismo, acarretando dominação garantida dos países subdesenvolvidos, de população pouco politizada e, na maioria das vezes, ricos em recursos naturais.
 
O neoliberalismo e a globalização de interesse dos desenvolvidos podem ser vistos como instrumentos de dominação, e eles trazem como conseqüência maior presença do capital estrangeiro na economia do país, grande número de empresas nacionais sendo vendidas ou falindo, menos proteção do país em virtude da desregulamentação providenciada, a existência de legislação protetora dos interesses das empresas estrangeiras, agências reguladoras criadas na administração do país dominado para garantir os negócios para as empresas estrangeiras, liberdade total de entrada e saída de dinheiro do país, a não submissão das empresas estrangeiras aos Tribunais de Justiça do país, indo qualquer discussão sobre a interpretação dos contratos para as arbitragens internacionais, mesmo sendo uma disputa com o Estado etc.
 
Ouvia-se muito, nas décadas de 80 e 90, e ainda se ouve, hoje, em diversos lugares, frases como: "É anacrônico falar que certa política é entreguista. O que tem de mais existirem empresas estrangeiras atuando em um setor?", "Nacionalismo é coisa de autoritário", "As redes sociais no mundo de hoje integram as sociedades e passou a ser antiquado ser nacionalista" etc. Estas frases causam grande repulsa por configurarem a intenção de enganar o ouvinte para permitir a dominação. Sobre tantos chavões, pode-se dizer, resumidamente, que o fluxo de caixa de longo prazo de uma empresa estrangeira atuando no país terá sempre mais recursos saindo do país do que entrando, pela simples razão que, se assim não fosse, ela não teria entrado no país. Em outro comentário, cuidar dos nacionais, os que aqui estão, é o lógico, natural e exatamente o que é feito nos países desenvolvidos, não havendo nada de autoritário no fato. O argumento usado exaustivamente que determinado conceito é anacrônico, quando o certo seria exatamente o oposto, que é o moderno, não é um raciocínio lógico. Procura-se unicamente conquistar os mais jovens, que buscam sempre a reforma, até como uma forma de auto-afirmação. Por isso, o neoliberalismo foi aceito por muitos como o moderno e o bom, quando provou ser o atraso e o ruim.
 
Contrapondo-se a esta dominação comprometedora, deve-se destruir a regulamentação benéfica ao capital internacional, comum para todos os países subdesenvolvidos, implantada por imposição do mesmo e ampliada durante a onda neoliberal, que varreu o mundo nas citadas décadas, alem de criar barreiras protecionistas para todas as indústrias nascentes etc. O conjunto de regulamentações neoliberais e da globalização prejudicial trouxe danos aos Estados subservientes ao capital externo, principalmente danos ao desenvolvimento, com reflexo na qualidade de vida das suas populações. Decisões soberanas e benéficas para a sociedade do país têm sido implantadas em países como China e Índia, e não é por outra razão que as suas taxas de crescimento têm sido altas. No Brasil, hoje, apesar do furor neoliberal ter diminuído de intensidade, ainda há muito entulho do pensamento neoliberal em diversas leis e instâncias do nosso poder.
 
Assim como a história conhecida é aquela contada pelos vencedores das batalhas, pode-se dizer que modelos de economia mais difundidos são aqueles formulados pelos vitoriosos da guerra econômica. Por exemplo, o caso atual dos países menos desenvolvidos da Europa é bastante contundente, pois banqueiros vão lucrar muito com a crise, enquanto, à população destes países, restará aumento de impostos, diminuição dos salários e dos gastos sociais, desemprego, falência de empresas nacionais, entrada do capital externo comprando ativos do país avaliados por baixo, visando remessas futuras de lucros para as matrizes etc. Isto, que é pouco divulgado desta forma, é chamado de "ajuste". A nossa economia é muito importante para ser cuidada por economistas sem visão crítica da realidade, retidão de princípios e conteúdo de nacionalidade. Assim como qualquer pessoa só entrega sua saúde a um médico que lhe inspira confiança, a saúde coletiva não pode ser entregue para qualquer economista compromissado com interesses diferentes dos da sociedade.
 
Algumas escolas de economia do mundo subdesenvolvido reproduzem o modelo do capital, sem terem a preocupação de atender à sociedade, pois o projeto do capital internacional é vencedor em quase o mundo todo, tendo mídia, propaganda, marketing político e até exércitos a seu favor. Além disso, há pouco sucesso de políticas econômicas revolucionárias que vençam déficits sociais em países subdesenvolvidos, a menos de exceções com algum sucesso, como é o caso do Brasil atual. Arrazoados econômicos libertadores voltados aos países subdesenvolvidos existem, mas os interesses dos desenvolvidos aliados aos de oligarquias regionais não os deixam sair das folhas dos livros. E as escolas de economia dos subdesenvolvidos, que poderiam ser o lócus da denúncia, mantêm-se, salvo exceções, com discordâncias insipientes, quando não pregam o neoliberalismo. Na verdade, devia-se deixar claro que, sem uma estratégia nacionalista, o desenvolvimento dos retardatários do sistema mundial não ocorrerá. Obviamente, o ensino de economia que carregasse muita bagagem de história seria proveitoso, mas tem pouco espaço, em um mundo em que grupos econômicos e políticos fortes boicotam a divulgação de experiências, sorrateiramente. A própria economia é uma arma de dominação.
 
Não se estão contestando deduções lógicas de teses da teoria econômica existente. São contestadas as aplicações, muitas vezes, incorretas das teses. Por exemplo, uma premissa é mencionada no início do estabelecimento de uma tese econômica e, depois, ela é totalmente esquecida à medida que a tese é repetida para o cidadão comum. Assim, a tese passa a ser verdadeira para qualquer situação, ou seja, abandona-se a sua premissa fundadora. Especificando com um exemplo, diz-se freqüentemente que, em um mercado de competição perfeita, a competição é benéfica para a sociedade por acarretar produtos e serviços pelo mínimo preço. Depois, passa-se, rapidamente e de forma simplificada, a dizer para a sociedade que a competição é boa para ela, sem se especificar em que situação. Esquece-se de dizer que o mais comum, em qualquer país, são os mercados serem imperfeitos.
 
Sob a ótica pobre de regulação de mercados, é considerado um fator positivo trazer produtos e serviços estrangeiros para competir com produtos e serviços genuinamente nacionais, dentro do princípio de que a competição é benéfica para a sociedade, sem se olhar para nenhum dos atendimentos de objetivos adicionais satisfeitos pelos nacionais e não atingidos pelos estrangeiros.
 
No entanto, há cerca de dez anos, o órgão responsável por garantir a concorrência nos Estados Unidos aprovou a fusão de determinada área das empresas americanas General Electric e Honeywell, apesar da grande concentração de mercado que a fusão acarretava. Não existia outra empresa americana fabricando o mesmo produto, tendo pesado na decisão a criação, com a fusão, de uma empresa americana de maior porte com mais capacidade de competir mundialmente. O órgão regulador de mercado da Comissão Européia não aprovou esta fusão, significando que a nova empresa não poderia vender seus produtos no mercado europeu, pela razão justa de que houve concentração de mercado. A Europa possuía uma empresa que fabricava o mesmo produto. Para o governo americano, ter sua empresa forte no mercado mundial era o maior objetivo. Para não haver abuso de poder de mercado, internamente, iriam usar outros mecanismos, como controle de preços.
 
O triste é que órgãos do setor público no Brasil fazem seus concursos para entrada de novos funcionários de forma que a visão errada da economia, de interesse social duvidoso, deve ser respondida pelo candidato como a resposta certa. Isto é conseqüência de dominação cultural, graças ao interesse de grupos econômicos estrangeiros e à interferência da oligarquia nacional que também é controladora da sociedade. Então, foram e estão sendo criados nichos neoliberais no setor público.
 
A linha de raciocínios que fundamentou a reforma do Estado, nos anos 90, era que ele tinha esgotado sua capacidade de investimento em infra-estrutura, era mau administrador de empresas, era refém dos servidores públicos, graças ao corporativismo, deveria exercer somente as "funções típicas de Estado" etc. Para solucionar estes "problemas", como eram chamados à época, foi privatizado um número considerável de empresas estatais, muitas a preços irrisórios, e foram criadas as agências reguladoras setoriais, que deveriam controlar as relações econômicas nestes setores, agora tomados por empresas privadas, protegendo sempre o consumidor.
 
Mas, hoje, existe um problema grave que precisa ser enfrentado e, para resolvê-lo, precisa existir coragem para tomada de decisões. Trata-se das agências reguladoras estarem, como era esperado, não satisfazendo aos interesses superiores da sociedade brasileira. Na verdade, elas foram criadas para garantirem os interesses do capital internacional no Brasil, após a compra das empresas estatais. Assim, as agências, este instrumento de dominação do capital, estão visivelmente defendendo os interesses dos seus patrões, em detrimento de defender a sociedade.
 
O esquecimento dos dirigentes das agências com relação a quem eles devem servir chega a ser revoltante. Como é possível a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) permitir o cálculo da tarifa elétrica errada durante tantos anos, prejudicando o consumidor? Como explicar o Brasil ter uma das mais altas tarifas de telefonia, com o beneplácito da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL)? Em que país do mundo, com exceção do Brasil, um funcionário da Halliburton sairia de seu emprego, diretamente, para ser diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP), que cuida exatamente de contratos em que a Halliburton está envolvida? A falta de inibição desta Agência é tamanha que, querendo aumentar a velocidade de entrega de blocos do nosso território para empresas estrangeiras explorarem e produzirem petróleo, ela decidiu, na oitava rodada, tolher a apresentação de ofertas pela Petrobrás para sobrar mais blocos para as estrangeiras.
 
A prática corrente em alguns setores é de os diretores das respectivas agências serem nomeados a partir de indicações dos agentes econômicos do setor, ou seja, de forma  acadêmica, as agências foram capturadas pelos agentes regulados. Só em uma sociedade completamente desprotegida, como a brasileira, com baixo grau de politização, com meios de comunicação não formadores de cidadãos conscientes, podem acontecer verdadeiras agressões aos cidadãos comuns como estas. É interessante que as agências reguladoras, ao não cumprirem seu mínimo papel para com a sociedade, estão conscientizando esta mesma sociedade de como foram ruins as privatizações ocorridas.
 
A lei 9.478 de 1997, que quebrou o monopólio estatal do petróleo, permitiu a retirada do petróleo nacional por empresas estrangeiras sem grande usufruto da sociedade brasileira, estabeleceu a possibilidade de entrega do território nacional para estrangeiros, criou a agência reguladora ANP, também dita as diretrizes de uma política energética para o país. É incrível que, nesta política, há a preocupação de se satisfazerem os consumidores e nada é dito a favor dos cidadãos, que engloba também os ainda numerosos miseráveis, consumidores de quase nada.
 
Na reforma da nossa Constituição, tiraram o artigo que privilegiava a empresa nacional de capital nacional nas compras do Estado. Nas privatizações que ocorreram na França, qualquer grupo francês que concorresse a uma privatização já saía em posição vantajosa quando comparado com as empresas estrangeiras que disputavam a mesma privatização.
 

Propositadamente, ouve-se muito que "monopólio é o pior dos mundos", sem se especificar sobre que tipo de monopólio se está falando. O monopólio estatal socialmente controlado é muito benéfico para a sociedade, enquanto o monopólio privado é, verdadeiramente, o pior dos mundos.
 
É triste ver alguém ser manipulado. Em um noticiário de um canal de televisão, falava-se de desemprego. Não se falou, em momento algum, que o modelo econômico atual não privilegia o pleno emprego. Pelo contrário, o apresentador disse que "as pessoas devem buscar ter habilidades especiais e conhecimentos adicionais para poderem garantir seus empregos". Logo depois, entrevistaram um cidadão que, combinado ou não com a TV, disse, de forma muito convicta, que "ia fazer todos os cursos que pudesse para poder conseguir emprego". O pobre manipulado, na sua total ignorância, acha que ele próprio é o culpado por estar desempregado. Chega a ser desumano levar uma pessoa, que sofre, a pensar que é a causadora do próprio sofrimento. Qualquer hora, ele estará pedindo desculpas por estar desempregado, mas dirá que se esforçará ao máximo, fazendo cursos e tudo mais, de forma a melhorar seu currículo, para poder conseguir um emprego.
 
As pessoas precisam entender que isto não tem que ser assim. Todo cidadão tem o direito a um emprego. O Estado tem o dever de providenciá-lo. Se ele estudar, o que será bom para ele, facilitará a obtenção de um emprego. Mas, mesmo sem estudo, a economia deve estar gerando empregos para todos. No laissez faire da economia do nosso país do período liberal, "espertos" retinham a mais valia dos operários na época de grandes lucros. Na época da recessão, houve cortes frenéticos de pessoal para reduzir o custo de mão-de-obra. O drama de cada operário demitido não é considerado. O salário "economizado" correspondente a um mês de um empregado demitido pode ser gasto na compra de uma bolsa Louis Vuitton da executiva da empresa. O salário e a bolsa trazem felicidades nas duas pessoas bem diferentes.
 
Pior que a dominação imposta pelo mais forte é a irracional entrega voluntária feita pelos nossos pares, reproduzindo razões que não são relevantes para a sociedade. E não se está falando da entrega consciente dos bandidos.
 
Paulo Metri é conselheiro da Federação Brasileira de Associações de Engenheiros.

Ordem judicial capaz de matar não ressuscita

 
Jacques Tavora Alfonsin (*)
No dia 21 deste mês de agosto completou-se um ano do assassinato praticado contra o agricultor Elton Brum da Silva, como conseqüência de uma ordem judicial determinada em ação movida contra agricultores sem-terra, como ele, no município de São Gabriel. A agilidade que o Poder Judiciário mostrou para defender o direito de propriedade, no processo que assassinou Elton, é geometricamente desproporcional aos males que esse direito causa, mesmo quando descumpre a sua função social.
Para se ter uma idéia desse fato, é suficiente uma busca de internet no site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, comarca de São Gabriel, para se constatar que nem data de audiência para coleta de possíveis provas foi designada, no processo 20900023900, que apura a responsabilidade criminal do policial militar que matou o Elton.
Enquanto a ordem letal teve execução imediata, o processo crime segue a passo de gente que caminha a pé e cansada de promessas legais traídas, bem como ele caminhava… Elton engrossa a lista macabra de gaúchos mortos em defesa de sua dignidade e cidadania, direito de acesso à terra, reforma agrária, ora pelos efeitos das ordens judiciais, ora pela repressão violenta dos seus protestos coletivos. Ah, não vai faltar quem diga: “Tudo certo, mas onde se lembra aí o soldado da BM, Valdeci de Abreu Lopes, que morreu na esquina democrática de Porto Alegre, num outro agosto, esse de 1990, durante um protesto dos sem-terra”? – Com a dor que se lamenta a morte do Elton e de tantos outros que não vivem mais, tem de se chorar a desse brigadiano, mas sem se esquecer, sob pena de cumplicidade com a versão tendenciosa que a mídia produziu na época, duas diferenças notáveis, pelo menos.
A primeira, a de que o assassino do Elton, além de somente ter sido identificado pela sua corporação mais de mês depois do assassinato, está gozando de plena liberdade, não havendo chance de se saber nem quando será julgado, enquanto os sem-terra denunciados criminalmente pela morte de Valdeci foram presos em seguida e aguardaram, nessa condição de confinamento, mais de ano antes do júri que os condenou. a segunda, de que o tiro que matou o Elton foi dado pelas costas, sem possibilidade alguma de defesa da vítima, enquanto o instrumento que matou o brigadiano deu-se em reação imediata ao tiro que ferira no abdome uma agricultora sem-terra que participava do protesto.
A “explicação” que se dá para tudo isso, já que justificativa não existe, é da mais variada espécie e artifício, como costuma acontecer com aquelas doutrinas jurídicas rubricistas que sustentam formulismos enredados na tramitação dos processos judiciais. Há prazos diversos para acusações, há prazos para defesas, para recursos, para sentenças. Só não há prazo para se perseguir, prender e, se as circunstâncias exigirem (?), matar gente pobre, lutando por seus direitos. Elton não é a primeira e, pelo rumo que a história vem demonstrando, não será a última vítima dessas injustiças perpetradas “em nome da lei e do direito”. São tantos os conflitos gerados pela concentração da propriedade privada sobre terra, em nosso Estado e no país, o inexplicável atraso na execução da reforma agrária, provado pelo número das ações judiciais de desapropriação de terra paradas nos tribunais, que isso provocou até mudança em um dos dispositivos do Código de Processo civil.
Foi no intuito de não deixar juízas e juízes quase sozinhas/os, para decidir sobre matéria que sempre envolve multidão, interesse social, conflito grave entre direitos, risco de acontecer coisas como a que eliminou a vida do Elton, que o art. 82 daquele Código, em seu inc. III, passou a exigir que o Ministério Público sempre fosse ouvido nos casos que “envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.” Era de se esperar que essa mudança na lei processual determinaria mais cuidado, uma cautela maior no deferimento de liminares, especialmente daquelas que são executadas sem chance de defesa dos réus, como ocorre quase sempre quando esses são sem-terra ou sem-teto. Aqui no Estado, não é o que tem acontecido, na maior parte das vezes. Dependendo do agente ministerial que atua nesses casos, o “público” da sua denominação, bem ao contrário, tem reforçado o que há de pior no “privado” das demandas que chegam em juízo.
Com um agravante, como ocorreu durante o ano passado. Agora, os latifundiários gaúchos nem precisam se mexer. É o próprio Ministério Público que sai em sua defesa, como aconteceu em Canoas, Carazinho, Pedro Osorio e São Gabriel. Em algumas execuções das ações judiciais que dois dos seus representantes propuseram nessas comarcas, foi tal a violência empregada contra acampadas/os, que só não morreu nenhum/a sem-terra, por sorte. Como essas ordens judiciais não têm o poder de ressuscitar, a ínfima chance que se abre de, pelo menos, alguém poder mitigar o mal feito é a de, mais tarde, um/a outro/a juiz/a, com um pouco mais de sensibilidade humana e social, “indenizar” (?) as/os herdeiras/os da vítima, que dela dependiam para viver.
É o que está acontecendo agora com a família do Elton. Em julho passado, atendendo pedido da advogada Cláudia M. Avila, que atua em defesa dessa família, numa ação judicial proposta contra o Estado do Rio Grande do Sul, pleiteando reparação de danos morais e materiais que a morte causou, o juiz Gilberto Schafer, do 2º Juizado da 3ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, já deferiu uma liminar em favor da mesma família, em tudo diferente daquela que causou a morte do Elton. Em seu despacho já se antecipa o direito dos/as familiares receberem do Estado 70% do salário mínimo nacional, sob a seguinte justificativa: “O Estado do Rio Grande do Sul tem responsabilidade de ordem objetiva pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros [...], devendo assim responder pelos atos omissivos e comissivos, dolosos ou culposos, que resultem em prejuízo a outrem, sendo plenamente aplicada a teoria do risco administrativo”.
A viúva, a filha pequena e o pai de Elton, evidentemente, não estariam sofrendo agora dessa necessidade, se a decisão judicial anterior não tivesse provocado a sua morte. Pouco lhes consola o fato de que o seu sangue foi derramado em defesa da vida de milhões de outros brasileiros que, como ele, são vítimas de uma injustiça social que, ao lado de produzir riqueza para alguns, gera pobreza e miséria para a maioria de quantas/os precisam do acesso a terra legalmente previsto em seu favor.
Por isso mesmo, todos os movimentos sociais que atuam em favor de trabalhadoras/es pobres, como o MST, por exemplo, não deixam morrer a esperança. A de que esse tipo de tratamento que elas/es sofrem há de ser vencido, por ser desumano, cruel, ilegal, profundamente injusto. Um dia, justamente por força de sua luta político-jurídica, esse tratamento não continuará se refletindo em cada processo judicial apenas para registrar mais um número e mais um nome.
Já enfrentaram no passado, e continuarão enfrentando a violência que assassinou o seu companheiro Elton, como a própria causa da infidelidade que grande parte da sociedade civil e do Poder Publico dedicam à interpretação e à aplicação da lei como se ela não existisse, exatamente, para proteger e defender os direitos humanos fundamentais de quantas/os, embora desses sejam os verdadeiros titulares, por ora não passem de vítimas da sua violação. Pelo menos esse poder de ressuscitar, que as sentenças não têm, o povo pobre sem-terra e sem-teto tem provado ter.

(*) Procurador do Estado do Rio Grande do Sul aposentado