Paulo Metri no Correio da Cidadania | |
No processo de dominação cultural de uma sociedade, muitos de seus
membros tomam ações que não a favorecem, sem consciência do dano que
elas causam. Tomam-nas por cópia de padrão corriqueiro vindo do passado
ou influência proposital de terceiros, que são conscientes do dano. A
busca por influenciar o pensamento da sociedade é quase como uma guerra
de propaganda e muitos estratagemas são utilizados. Desta dominação, o
usufrutuário pode ficar com a melhor parte do comércio internacional ou
ter acesso a recursos minerais estratégicos e escassos ou receber
polpudos royalties por trabalhos intelectuais etc. Portanto,
está-se falando de algo de valor que influencia enormemente o bem-estar
da população de um país. A partir deste ponto, vão ser descritas várias
situações em que esta dominação está presente.
Observem o pensamento bastante elaborado que os países do mundo não
devem competir em todos os produtos comercializados mundialmente,
passando-se a evitar taxações protecionistas e subsídios, de forma que
cada um ganhe somente os mercados daqueles produtos para os quais tem
"vocação natural", ou seja, aqueles produtos para os quais possui
vantagens comparativas. E vão além dizendo que, desta forma, todos os
países saem ganhando, pois todos os produtos estarão sendo ofertados
para todos por quem os pode produzir pelos menores preços.
Uma tese do pensamento acadêmico, dentro da Teoria dos Jogos, foi
providenciada para embasar o raciocínio anterior e, ainda mais, uma
premiação do Nobel, hoje já bastante desgastada, foi entregue ao seu
autor por respaldar brilhantemente o pensamento, sem se ater ao fato que
ele é correto dentro de limites. Este posicionamento reproduz, para
todo o sempre, o instante de início de aplicação da tese. Fica vedado a
qualquer sociedade, que busca crescer, a possibilidade de migrar para
produtos com maior conteúdo tecnológico, para poder ter maior usufruto
do comércio mundial, ou seja, países ficam proibidos de adquirir
"vocações". Certamente, a teoria citada tinha beneficiários poderosos e
vingou exatamente por ir ao encontro de seus interesses. Notar que esta
tese só é válida para os subdesenvolvidos, pois, a produção de algodão
dos Estados Unidos recebe subsídios e este país ficou indignado pelo
Brasil, que tem produção de algodão mais barata, portanto, com vocação
para produzi-lo, ter levado o caso para a Organização Mundial do
Comércio.
As teses neoliberais e da globalização de interesse dos países centrais,
aquela globalização financeira e dos mercados, mas que não inclui a
globalização do mercado de mão-de-obra, eram dogmas irrefutáveis,
difíceis de serem contestados nos anos 80 e 90. A grande mídia, empresas
de marketing, políticos vendidos para o capital e prepostos remunerados
do mesmo formavam a tropa de choque do neoliberalismo, acarretando
dominação garantida dos países subdesenvolvidos, de população pouco
politizada e, na maioria das vezes, ricos em recursos naturais.
O neoliberalismo e a globalização de interesse dos desenvolvidos podem
ser vistos como instrumentos de dominação, e eles trazem como
conseqüência maior presença do capital estrangeiro na economia do país,
grande número de empresas nacionais sendo vendidas ou falindo, menos
proteção do país em virtude da desregulamentação providenciada, a
existência de legislação protetora dos interesses das empresas
estrangeiras, agências reguladoras criadas na administração do país
dominado para garantir os negócios para as empresas estrangeiras,
liberdade total de entrada e saída de dinheiro do país, a não submissão
das empresas estrangeiras aos Tribunais de Justiça do país, indo
qualquer discussão sobre a interpretação dos contratos para as
arbitragens internacionais, mesmo sendo uma disputa com o Estado etc.
Ouvia-se muito, nas décadas de 80 e 90, e ainda se ouve, hoje, em
diversos lugares, frases como: "É anacrônico falar que certa política é
entreguista. O que tem de mais existirem empresas estrangeiras atuando
em um setor?", "Nacionalismo é coisa de autoritário", "As redes sociais
no mundo de hoje integram as sociedades e passou a ser antiquado ser
nacionalista" etc. Estas frases causam grande repulsa por configurarem a
intenção de enganar o ouvinte para permitir a dominação. Sobre tantos
chavões, pode-se dizer, resumidamente, que o fluxo de caixa de longo
prazo de uma empresa estrangeira atuando no país terá sempre mais
recursos saindo do país do que entrando, pela simples razão que, se
assim não fosse, ela não teria entrado no país. Em outro comentário,
cuidar dos nacionais, os que aqui estão, é o lógico, natural e
exatamente o que é feito nos países desenvolvidos, não havendo nada de
autoritário no fato. O argumento usado exaustivamente que determinado
conceito é anacrônico, quando o certo seria exatamente o oposto, que é o
moderno, não é um raciocínio lógico. Procura-se unicamente conquistar
os mais jovens, que buscam sempre a reforma, até como uma forma de
auto-afirmação. Por isso, o neoliberalismo foi aceito por muitos como o
moderno e o bom, quando provou ser o atraso e o ruim.
Contrapondo-se a esta dominação comprometedora, deve-se destruir a
regulamentação benéfica ao capital internacional, comum para todos os
países subdesenvolvidos, implantada por imposição do mesmo e ampliada
durante a onda neoliberal, que varreu o mundo nas citadas décadas, alem
de criar barreiras protecionistas para todas as indústrias nascentes
etc. O conjunto de regulamentações neoliberais e da globalização
prejudicial trouxe danos aos Estados subservientes ao capital externo,
principalmente danos ao desenvolvimento, com reflexo na qualidade de
vida das suas populações. Decisões soberanas e benéficas para a
sociedade do país têm sido implantadas em países como China e Índia, e
não é por outra razão que as suas taxas de crescimento têm sido altas.
No Brasil, hoje, apesar do furor neoliberal ter diminuído de
intensidade, ainda há muito entulho do pensamento neoliberal em diversas
leis e instâncias do nosso poder.
Assim como a história conhecida é aquela contada pelos vencedores das
batalhas, pode-se dizer que modelos de economia mais difundidos são
aqueles formulados pelos vitoriosos da guerra econômica. Por exemplo, o
caso atual dos países menos desenvolvidos da Europa é bastante
contundente, pois banqueiros vão lucrar muito com a crise, enquanto, à
população destes países, restará aumento de impostos, diminuição dos
salários e dos gastos sociais, desemprego, falência de empresas
nacionais, entrada do capital externo comprando ativos do país avaliados
por baixo, visando remessas futuras de lucros para as matrizes etc.
Isto, que é pouco divulgado desta forma, é chamado de "ajuste". A nossa
economia é muito importante para ser cuidada por economistas sem visão
crítica da realidade, retidão de princípios e conteúdo de nacionalidade.
Assim como qualquer pessoa só entrega sua saúde a um médico que lhe
inspira confiança, a saúde coletiva não pode ser entregue para qualquer
economista compromissado com interesses diferentes dos da sociedade.
Algumas escolas de economia do mundo subdesenvolvido reproduzem o modelo
do capital, sem terem a preocupação de atender à sociedade, pois o
projeto do capital internacional é vencedor em quase o mundo todo, tendo
mídia, propaganda, marketing político e até exércitos a seu favor. Além
disso, há pouco sucesso de políticas econômicas revolucionárias que
vençam déficits sociais em países subdesenvolvidos, a menos de exceções
com algum sucesso, como é o caso do Brasil atual. Arrazoados econômicos
libertadores voltados aos países subdesenvolvidos existem, mas os
interesses dos desenvolvidos aliados aos de oligarquias regionais não os
deixam sair das folhas dos livros. E as escolas de economia dos
subdesenvolvidos, que poderiam ser o lócus da denúncia, mantêm-se, salvo
exceções, com discordâncias insipientes, quando não pregam o
neoliberalismo. Na verdade, devia-se deixar claro que, sem uma
estratégia nacionalista, o desenvolvimento dos retardatários do sistema
mundial não ocorrerá. Obviamente, o ensino de economia que carregasse
muita bagagem de história seria proveitoso, mas tem pouco espaço, em um
mundo em que grupos econômicos e políticos fortes boicotam a divulgação
de experiências, sorrateiramente. A própria economia é uma arma de
dominação.
Não se estão contestando deduções lógicas de teses da teoria econômica
existente. São contestadas as aplicações, muitas vezes, incorretas das
teses. Por exemplo, uma premissa é mencionada no início do
estabelecimento de uma tese econômica e, depois, ela é totalmente
esquecida à medida que a tese é repetida para o cidadão comum. Assim, a
tese passa a ser verdadeira para qualquer situação, ou seja, abandona-se
a sua premissa fundadora. Especificando com um exemplo, diz-se
freqüentemente que, em um mercado de competição perfeita, a competição é
benéfica para a sociedade por acarretar produtos e serviços pelo mínimo
preço. Depois, passa-se, rapidamente e de forma simplificada, a dizer
para a sociedade que a competição é boa para ela, sem se especificar em
que situação. Esquece-se de dizer que o mais comum, em qualquer país,
são os mercados serem imperfeitos.
Sob a ótica pobre de regulação de mercados, é considerado um fator
positivo trazer produtos e serviços estrangeiros para competir com
produtos e serviços genuinamente nacionais, dentro do princípio de que a
competição é benéfica para a sociedade, sem se olhar para nenhum dos
atendimentos de objetivos adicionais satisfeitos pelos nacionais e não
atingidos pelos estrangeiros.
No entanto, há cerca de dez anos, o órgão responsável por garantir a
concorrência nos Estados Unidos aprovou a fusão de determinada área das
empresas americanas General Electric e Honeywell, apesar da grande
concentração de mercado que a fusão acarretava. Não existia outra
empresa americana fabricando o mesmo produto, tendo pesado na decisão a
criação, com a fusão, de uma empresa americana de maior porte com mais
capacidade de competir mundialmente. O órgão regulador de mercado da
Comissão Européia não aprovou esta fusão, significando que a nova
empresa não poderia vender seus produtos no mercado europeu, pela razão
justa de que houve concentração de mercado. A Europa possuía uma empresa
que fabricava o mesmo produto. Para o governo americano, ter sua
empresa forte no mercado mundial era o maior objetivo. Para não haver
abuso de poder de mercado, internamente, iriam usar outros mecanismos,
como controle de preços.
O triste é que órgãos do setor público no Brasil fazem seus concursos
para entrada de novos funcionários de forma que a visão errada da
economia, de interesse social duvidoso, deve ser respondida pelo
candidato como a resposta certa. Isto é conseqüência de dominação
cultural, graças ao interesse de grupos econômicos estrangeiros e à
interferência da oligarquia nacional que também é controladora da
sociedade. Então, foram e estão sendo criados nichos neoliberais no
setor público.
A linha de raciocínios que fundamentou a reforma do Estado, nos anos 90,
era que ele tinha esgotado sua capacidade de investimento em
infra-estrutura, era mau administrador de empresas, era refém dos
servidores públicos, graças ao corporativismo, deveria exercer somente
as "funções típicas de Estado" etc. Para solucionar estes "problemas",
como eram chamados à época, foi privatizado um número considerável de
empresas estatais, muitas a preços irrisórios, e foram criadas as
agências reguladoras setoriais, que deveriam controlar as relações
econômicas nestes setores, agora tomados por empresas privadas,
protegendo sempre o consumidor.
Mas, hoje, existe um problema grave que precisa ser enfrentado e, para
resolvê-lo, precisa existir coragem para tomada de decisões. Trata-se
das agências reguladoras estarem, como era esperado, não satisfazendo
aos interesses superiores da sociedade brasileira. Na verdade, elas
foram criadas para garantirem os interesses do capital internacional no
Brasil, após a compra das empresas estatais. Assim, as agências, este
instrumento de dominação do capital, estão visivelmente defendendo os
interesses dos seus patrões, em detrimento de defender a sociedade.
O esquecimento dos dirigentes das agências com relação a quem eles devem
servir chega a ser revoltante. Como é possível a Agência Nacional de
Energia Elétrica (ANEEL) permitir o cálculo da tarifa elétrica errada
durante tantos anos, prejudicando o consumidor? Como explicar o Brasil
ter uma das mais altas tarifas de telefonia, com o beneplácito da
Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL)? Em que país do mundo, com
exceção do Brasil, um funcionário da Halliburton sairia de seu emprego,
diretamente, para ser diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP),
que cuida exatamente de contratos em que a Halliburton está envolvida? A
falta de inibição desta Agência é tamanha que, querendo aumentar a
velocidade de entrega de blocos do nosso território para empresas
estrangeiras explorarem e produzirem petróleo, ela decidiu, na oitava
rodada, tolher a apresentação de ofertas pela Petrobrás para sobrar mais
blocos para as estrangeiras.
A prática corrente em alguns setores é de os diretores das respectivas
agências serem nomeados a partir de indicações dos agentes econômicos do
setor, ou seja, de forma acadêmica, as agências foram capturadas pelos
agentes regulados. Só em uma sociedade completamente desprotegida, como
a brasileira, com baixo grau de politização, com meios de comunicação
não formadores de cidadãos conscientes, podem acontecer verdadeiras
agressões aos cidadãos comuns como estas. É interessante que as agências
reguladoras, ao não cumprirem seu mínimo papel para com a sociedade,
estão conscientizando esta mesma sociedade de como foram ruins as
privatizações ocorridas.
A lei 9.478 de 1997, que quebrou o monopólio estatal do petróleo,
permitiu a retirada do petróleo nacional por empresas estrangeiras sem
grande usufruto da sociedade brasileira, estabeleceu a possibilidade de
entrega do território nacional para estrangeiros, criou a agência
reguladora ANP, também dita as diretrizes de uma política energética
para o país. É incrível que, nesta política, há a preocupação de se
satisfazerem os consumidores e nada é dito a favor dos cidadãos, que
engloba também os ainda numerosos miseráveis, consumidores de quase
nada.
Na reforma da nossa Constituição, tiraram o artigo que privilegiava a
empresa nacional de capital nacional nas compras do Estado. Nas
privatizações que ocorreram na França, qualquer grupo francês que
concorresse a uma privatização já saía em posição vantajosa quando
comparado com as empresas estrangeiras que disputavam a mesma
privatização.
Propositadamente, ouve-se muito que "monopólio é o pior dos mundos", sem se especificar sobre que tipo de monopólio se está falando. O monopólio estatal socialmente controlado é muito benéfico para a sociedade, enquanto o monopólio privado é, verdadeiramente, o pior dos mundos.
É triste ver alguém ser manipulado. Em um noticiário de um canal de
televisão, falava-se de desemprego. Não se falou, em momento algum, que o
modelo econômico atual não privilegia o pleno emprego. Pelo contrário, o
apresentador disse que "as pessoas devem buscar ter habilidades
especiais e conhecimentos adicionais para poderem garantir seus
empregos". Logo depois, entrevistaram um cidadão que, combinado ou não
com a TV, disse, de forma muito convicta, que "ia fazer todos os cursos
que pudesse para poder conseguir emprego". O pobre manipulado, na sua
total ignorância, acha que ele próprio é o culpado por estar
desempregado. Chega a ser desumano levar uma pessoa, que sofre, a pensar
que é a causadora do próprio sofrimento. Qualquer hora, ele estará
pedindo desculpas por estar desempregado, mas dirá que se esforçará ao
máximo, fazendo cursos e tudo mais, de forma a melhorar seu currículo,
para poder conseguir um emprego.
As pessoas precisam entender que isto não tem que ser assim. Todo
cidadão tem o direito a um emprego. O Estado tem o dever de
providenciá-lo. Se ele estudar, o que será bom para ele, facilitará a
obtenção de um emprego. Mas, mesmo sem estudo, a economia deve estar
gerando empregos para todos. No laissez faire da economia do
nosso país do período liberal, "espertos" retinham a mais valia dos
operários na época de grandes lucros. Na época da recessão, houve cortes
frenéticos de pessoal para reduzir o custo de mão-de-obra. O drama de
cada operário demitido não é considerado. O salário "economizado"
correspondente a um mês de um empregado demitido pode ser gasto na
compra de uma bolsa Louis Vuitton da executiva da empresa. O salário e a
bolsa trazem felicidades nas duas pessoas bem diferentes.
Pior que a dominação imposta pelo mais forte é a irracional entrega
voluntária feita pelos nossos pares, reproduzindo razões que não são
relevantes para a sociedade. E não se está falando da entrega consciente
dos bandidos.
Paulo Metri é conselheiro da Federação Brasileira de Associações de Engenheiros.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
Dominação cultural
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