segunda-feira, 17 de maio de 2010

A sociedade do consumismo.....

O império do consumo

por Eduardo Galeano
Cartoon de Poderiu. O sistema fala em nome de todos, dirige a todos as suas ordens imperiosas de consumo, difunde entre todos a febre compradora; mas sem remédio: para quase todos esta aventura começa e termina no écran do televisor. A maioria, que se endivida para ter coisas, termina por ter nada mais que dívidas para pagar dívidas as quais geram novas dívidas, e acaba a consumir fantasias que por vezes materializa delinquindo.

Os donos do mundo usam o mundo como se fosse descartável: uma mercadoria de vida efémera, que se esgota como se esgotam, pouco depois de nascer, as imagens disparadas pela metralhadora da televisão e as modas e os ídolos que a publicidade lança, sem tréguas, no mercado. Mas para que outro mundo vamos mudar-nos?

A explosão do consumo no mundo actual faz mais ruído do que todas as guerras e provoca mais alvoroço do que todos os carnavais. Como diz um velho provérbio turco: quem bebe por conta, emborracha-se o dobro. O carrossel aturde e confunde o olhar; esta grande bebedeira universal parece não ter limites no tempo nem no espaço. Mas a cultura de consumo soa muito, tal como o tambor, porque está vazia. E na hora da verdade, quando o estrépito cessa e acaba a festa, o borracho acorda, só, acompanhado pela sua sombra e pelos pratos partidos que deve pagar. A expansão da procura choca com as fronteiras que lhe impõe o mesmo sistema que a gera. O sistema necessita de mercados cada vez mais abertos e mais amplos, como os pulmões necessitam o ar, e ao mesmo tempo necessitam que andem pelo chão, como acontece, os preços das matérias-primas e da força humana de trabalho.

O direito ao desperdício, privilégio de poucos, diz ser a liberdade de todos. Diz-me quanto consomes e te direi quanto vales. Esta civilização não deixa dormir as flores, nem as galinhas, nem as pessoas. Nas estufas, as flores são submetidas a luz contínua, para que cresçam mais depressa. Nas fábricas de ovos, as galinhas também estão proibidas de ter a noite. E as pessoas estão condenadas à insónia, pela ansiedade de comprar e pela angústia de pagar. Este modo de vida não é muito bom para as pessoas, mas é muito bom para a indústria farmacêutica. Os EUA consomem a metade dos sedativos, ansiolíticos e demais drogas químicas que se vendem legalmente no mundo, e mais da metade das drogas proibidas que se vendem ilegalmente, o que não é pouca coisa se se considerar que os EUA têm apenas cinco por cento da população mundial.

"Gente infeliz os que vivem a comparar-se", lamenta uma mulher no bairro do Buceo, em Montevideo. A dor de já não ser, que outrora cantou o tango, abriu passagem à vergonha de não ter. Um homem pobre é um pobre homem. "Quando não tens nada, pensas que não vales nada", diz um rapaz no bairro Villa Fiorito, de Buenos Aires. E outro comprova, na cidade dominicana de San Francisco de Macorís: "Meus irmãos trabalham para as marcas. Vivem comprando etiquetas e vivem suando em bicas para pagar as prestações".

Invisível violência do mercado: a diversidade é inimiga da rentabilidade e a uniformidade manda. A produção em série, em escala gigantesca, impõe em todo lado as suas pautas obrigatórias de consumo. Esta ditadura da uniformização obrigatória é mais devastadora que qualquer ditadura do partido único: impõe, no mundo inteiro, um modo de vida que reproduz os seres humanos como fotocópias do consumidor exemplar.

O consumidor exemplar é o homem quieto. Esta civilização, que confunde a quantidade com a qualidade, confunde a gordura com a boa alimentação. Segundo a revista científica The Lancet, na última década a "obesidade severa" aumentou quase 30% entre a população jovem dos países mais desenvolvidos. Entre as crianças norte-americanas, a obesidade aumentou uns 40% nos últimos 16 anos, segundo a investigação recente do Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Colorado. O país que inventou as comidas e bebidas light, os diet food e os alimentos fat free tem a maior quantidade de gordos do mundo. O consumidor exemplar só sai do automóvel par trabalhar e para ver televisão. Sentado perante o pequeno écran, passa quatro horas diárias a devorar comida de plástico.

Triunfa o lixo disfarçado de comida: esta indústria está a conquistar os paladares do mundo e a deixar em farrapos as tradições da cozinha local. Os costumes do bom comer, que vêem de longe, têm, em alguns países, milhares de anos de refinamento e diversidade, são um património colectivo que de algum modo está nos fogões de todos e não só na mesa dos ricos. Essas tradições, esses sinais de identidade cultural, essas festas da vida, estão a ser espezinhadas, de modo fulminante, pela imposição do saber químico e único: a globalização do hamburguer, a ditadura do fast food. A plastificação da comida à escala mundial, obra da McDonald's, Burger King e outras fábricas, viola com êxito o direito à autodeterminação da cozinha: direito sagrado, porque na boca a alma tem uma das suas portas.

O campeonato mundial de futebol de 98 confirmou-nos, entre outras coisas, que o cartão MasterCard tonifica os músculos, que a Coca-Cola brinda eterna juventude e o menu do MacDonald's não pode faltar na barriga de um bom atleta. O imenso exército de McDonald's dispara hamburguers às bocas das crianças e dos adultos no planeta inteiro. O arco duplo desse M serviu de estandarte durante a recente conquista dos países do Leste da Europa. As filas diante do McDonald's de Moscovo, inaugurado em 1990 com fanfarras, simbolizaram a vitória do ocidente com tanta eloquência quanto o desmoronamento do Muro de Berlim.

Um sinal dos tempos: esta empresa, que encarna as virtudes do mundo livre, nega aos seus empregados a liberdade de filiar-se a qualquer sindicato. A McDonald's viola, assim, um direito legalmente consagrado nos muitos países onde opera. Em 1997, alguns trabalhadores, membros disso que a empresa chama a Macfamília, tentaram sindicalizar-se num restaurante de Montreal, no Canadá: o restaurante fechou. Mas no 98, outros empregados da McDonald's, numa pequena cidade próxima a Vancouver, alcançaram essa conquista, digna do Livro Guinness.

As massas consumidoras recebem ordens num idioma universal: a publicidade conseguiu o que o esperanto quis e não pôde. Qualquer um entende, em qualquer lugar, as mensagens que o televisor transmite. No último quarto de século, os gastos em publicidade duplicaram no mundo. Graças a ela, as crianças pobres tomam cada vez mis Coca-Cola e cada vez menos leite, e o tempo de lazer vai-se tornando tempo de consumo obrigatório. Tempo livre, tempo prisioneiro: as casas muito pobres não têm cama, mas têm televisor e o televisor tem a palavra. Comprados a prazo, esse animalejo prova a vocação democrática do progresso: não escuta ninguém, mas fala para todos. Pobres e ricos conhecem, assim, as virtudes dos automóveis último modelo, e pobres e ricos inteiram-se das vantajosas taxas de juro que este ou aquele banco oferece. Os peritos sabem converter as mercadorias em conjuntos mágicos contra a solidão. As coisas têm atributos humanos: acariciam, acompanham, compreendem, ajudam, o perfume te beija e o automóvel é o amigo que nunca falha. A cultura do consumo fez da solidão o mais lucrativo dos mercados. As angústias enchem-se atulhando-se de coisas, ou sonhando fazê-lo. E as coisas não só podem abraçar: elas também podem ser símbolos de ascensão social, salvo-condutos para atravessar as alfândegas da sociedade de classes, chaves que abrem as portas proibidas. Quanto mais exclusivas, melhor: as coisas te escolhem e te salvam do anonimato multitudinário. A publicidade não informa acerca do produto que vende, ou raras vezes o faz. Isso é o que menos importa. A sua função primordial consiste em compensar frustrações e alimentar fantasias: Em quem o senhor quer converter-se comprando esta loção de fazer a barba? O criminólogo Anthony Platt observou que os delitos da rua não são apenas fruto da pobreza extrema. Também são fruto da ética individualista. A obsessão social do êxito, diz Platt, incide decisivamente sobre a apropriação ilegal das coisas. Sempre ouvi dizer que o dinheiro não produz a felicidade, mas qualquer espectador pobre de TV tem motivos de sobra para acreditar que o dinheiro produz algo tão parecido que a diferença é assunto para especialistas.

Segundo o historiador Eric Hobsbawm, o século XX pôs fim a sete mil anos de vida humana centrada na agricultura desde que apareceram as primeiras culturas, em fins do paleolítico. A população mundial urbaniza-se, os camponeses fazem-se cidadãos. Na América Latina temos campos sem ninguém e enormes formigueiros urbanos: as maiores cidades do mundo e as mais injustas. Expulsos pela agricultura moderna de exportação, e pela erosão das suas terras, os camponeses invadem os subúrbios. Eles acreditam que Deus está em toda parte, mas por experiência sabem que atende nas grandes urbes. As cidades prometem trabalho, prosperidade, um futuro para os filhos. Nos campos, os que esperam vêem passar a vida e morrem a bocejar; nas cidades, a vida ocorre, e chama. Apinhados em tugúrios, a primeira coisa que descobrem os recém chegados é que o trabalho falta e os braços sobram. Enquanto nascia o século XIV, frei Giordano da Rivalto pronunciou em Florença um elogio das cidades. Disse que as cidades cresciam "porque as pessoas têm o gosto de juntar-se". Juntar-se, encontrar-se. Agora, quem se encontra com quem? Encontra-se a esperança com a realidade? O desejo encontra-se com o mundo? E as pessoas encontram-se com as pessoas? Se as relações humanas foram reduzidas a relações entre coisas, quanta gente se encontra com as coisas? O mundo inteiro tende a converter-se num grande écran de televisão, onde as coisas se olham mas não se tocam. As mercadorias em oferta invadem e privatizam os espaços públicos. As estações de auto-carros e de comboios, que até há pouco eram espaços de encontro entre pessoas, estão agora a converter-se em espaços de exibição comercial.

O shopping center, ou shopping mall, vitrina de todas as vitrinas, impõe a sua presença avassaladora. As multidões acorrem, em peregrinação, a este templo maior das missas do consumo. A maioria dos devotos contempla, em êxtase, as coisas que os seus bolsos não podem pagar, enquanto a minoria compradora submete-se ao bombardeio da oferta incessante e extenuante. A multidão, que sobe e baixa pelas escadas mecânicas, viaja pelo mundo: os manequins vestem como em Milão ou Paris e as máquinas soam como em Chicago, e para ver e ouvir não é preciso pagar bilhete. Os turistas vindos das povoações do interior, ou das cidades que ainda não mereceram estas bênçãos da felicidade moderna, posam para a foto, junto às marcas internacionais mais famosas, como antes posavam junto à estátua do grande homem na praça. Beatriz Solano observou que os habitantes dos bairros suburbanos vão ao center, ao shopping center, como antes iam ao centro. O tradicional passeio do fim de semana no centro da cidade tende a ser substituído pela excursão a estes centros urbanos. Lavados, passados e penteados, vestidos com as suas melhores roupas, os visitantes vêm a uma festa onde não são convidados, mas podem ser observadores. Famílias inteiras empreendem a viagem na cápsula espacial que percorre o universo do consumo, onde a estética do mercado desenhou uma paisagem alucinante de modelos, marcas e etiquetas. A cultura do consumo, cultura do efémero, condena tudo ao desuso mediático. Tudo muda ao ritmo vertiginoso da moda, posta ao serviço da necessidade vender. As coisas envelhecem num piscar de olhos, para serem substituídas por outras coisas de vida fugaz. Hoje a única coisa que permanece é a insegurança, as mercadorias, fabricadas para não durar, resultam ser voláteis como o capital que as financia e o trabalho que as gera. O dinheiro voa à velocidade da luz: ontem estava ali, hoje está aqui, amanhã, quem sabe, e todo trabalhador é um desempregado em potencial. Paradoxalmente, os shopping centers, reinos do fugaz, oferecem com o máximo êxito a ilusão da segurança. Eles resistem fora do tempo, sem idade e sem raiz, sem noite e sem dia e sem memória, e existem fora do espaço, para além das turbulências da perigosa realidade do mundo.

Os donos do mundo usam o mundo como se fosse descartável: uma mercadoria de vida efémera, que se esgota como esgotam, pouco depois de nascer, as imagens que dispara a metralhadora da televisão e as modas e os ídolos que a publicidade lança, sem tréguas, no mercado. Mas a que outro mundo vamos nos mudar? Estamos todos obrigados a acreditar no conto de que Deus vendeu o planeta a umas quantas empresas, porque estando de mau humor decidiu privatizar o universo? A sociedade de consumo é uma armadilha caça-bobos. Os que têm a alavanca simulam ignorá-lo, mas qualquer um que tenha olhos na cara pode ver que a grande maioria das pessoas consome pouco, pouquinho e nada, necessariamente, para garantir a existência da pouca natureza que nos resta. A injustiça social não é um erro a corrigir, nem um defeito a superar: é uma necessidade essencial. Não há natureza capaz de alimentar um shopping center do tamanho do planeta.

O original encontra-se em www.resumenlatinoamericano.org , nº 2199

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Violência na Nigéria....

Na Nigéria, o regresso do “Genio do Mal”

Jean-Christophe Servant* Odiario.info

 
“A maior parte das pessoas detidas são menores que não podem legalmente ser sujeitos a condenações penais. Grande número dos suspeitos detidos afirmam que foram mandados, mas no fim de contas os responsáveis por isso não são perseguidos e os nomes deles não são revelados ao público”. Afirmações terríveis as do nigeriano Shamaki Gad Peter, director de uma ONG com sede em Jos: a Liga pelos Direitos Humanos.
Infelizmente, é também uma declaração de grande banalidade. Recolhida pelo Irin (“Nigéria: Responsabilizar os Perpetradores da violência de massas – ou não”, 13 de Abril de 2010), confirma realmente o que todos os nigerianos sabem muito bem desde a implantação duma democracia de fachada, a “Democrazy”, em 1999: de Kano a Jos, de Kaduna a Lagos, os verdadeiros responsáveis pelos conflitos étnico-religiosos que ensanguentam a enorme federação desde o regresso dos civis ao poder – mais de 13 000 vítimas em dez anos – continuam a manobrar, quase sempre impunes, nas antecâmaras do poder central.
Dos cerca de 36 estados da Federação, às antecâmaras dos 774 governos locais, estes homens e estas mulheres, que sacrificaram tudo por uma carreira política, fazem parte dos principais intermediários das sequências de violência que regularmente cobrem de sangue o país, com saldos assassinos à imagem da dimensão demográfica da gigantesca África: 150 milhões de habitantes. Na Nigéria, a ferocidade das lutas políticas para a conquista da melhor parte do bolo nacional continua com efeito a ser a grelha principal com a qual é preciso continuar a descodificar o menor abalo étnico-religioso.
O caso de Jos, capital do estado do Plateau, na linha fronteiriça entre um mundo muçulmano de etnia haoussa-fulani que desceu do norte, e um puzzle de minorias autóctones maioritariamente cristianizadas, é um verdadeiro caso de referência. Desde os 1 000 mortos de Setembro de 2001 – um drama que passou completamente desapercebido quando o mundo estava de olhos cravados nas ruínas do World Trade Center -, a cidade foi teatro de várias réplicas, como as de Novembro de 2008 e as do inverno que há pouco terminou. Ora, prossegue o Irin, as diversas comissões de inquérito iniciadas para julgar os culpados «não deram provas de transparência e acabaram com poucos resultados concretos, perpetuando a impunidade».
No que se refere às inúmeras execuções extrajudiciais efectuadas pelos membros das forças policiais anti-motim (MOPOL) executadas no local em Novembro de 2008 – 118 casos confirmados – a ONG Human Rights Watch conclui que não conduziram a nenhuma condenação («Mortes Arbitrárias pelas Forças de Segurança», 20 de Julho de 2009). Para o investigador Eric Guttschuss, encarregado deste relatório para a HRW, «As execuções são um meio que aparenta reagir à violência mas, à medida que o tempo passa e que diminuem as pressões incitando o governo a agir, cada vez há menos medidas concretas destinadas a atacar as raízes da violência e a apresentar à justiça os [presumíveis] autores».
Deve-se ao antigo homem forte nigeriano, Ibrahim Badamasi Babangida, no poder entre 1985 e 1993, a operação da redistribuição eleitoral de 1991 que acrescentou uma centena de governos locais ao mapa eleitoral já complexo da Nigéria. “Esta reorganização”, esclarece o investigador nigeriano Philip Ostien, que ensina direito na Universidade de Jos, “resultou essencialmente duma manipulação concertada visando favorecer os membros chave da administração Babangida, assim como os seus principais conselheiros, apoiantes dos lobbystas”. (“Jonah Jang and the Jasawa: Ethno-Religious Conflict in Jos, Nigeria” [PDF], Agosto 2009).
No Estado de Jos, este decreto serviu para dividir o governo local da capital – até então nas mãos dos beroms cristianizados – em duas circunscrições, Jos Sul e Jos Norte, permitindo assim à comunidade muçulmana haoussa-fulani, até aí mantida afastada da vida política do Estado, dispor de uma praça forte e de um representante. Confrontando dois sistemas clientelistas em volta duma cidade que estende a sua influência urbana sobre os bairros suburbanos, essa clivagem contribuiu fortemente para acentuar o ressentimento interconfessional que, conforme vimos, se desencadeou a partir de 2001. «Segundo os cânones ocidentais, um maior número de governos locais deveria permitir que a democracia se aproximasse das organizações de base e estivesse mais apta a auscultar as reivindicações locais», refere Philip Ostien. «Mas na prática, na Nigéria, isso só serviu para contribuir para multiplicar a prevaricação política e a violência». «A Nigéria do general Babangida dividiu o país cinicamente, institucionalizando a corrupção e avivando as rivalidades entre as três etnias principais, os yorubas, os ibos e os haoussa-fulani», lembram Jean Claude Usunier e Gérard Verna, autores em 1994 de La Grande Triche. Corruption, éthique et affaires internationales, (A Grande Falcatrua. Corrupção, ética e questões internacionais) das edições La Découverte. Como realçava na época Didi Adodo, um dirigente sindical nigeriano, «Os colonialistas não fizeram tanto mal à alma nigeriana como Babangida».
«A África precisa de instituições fortes, e não de homens fortes». Afastado do poder desde as desastrosas eleições gerais de 1993 que roubaram a vitória ao defunto milionário yoruba Moshood Abiola e permitiram que o cleptocrata Sani Abacha se instalasse no poder até à sua morte em 1998, Ibrahim Badamasi Babangida, aliás IBB, aliás «The Evil Genius» («O génio do mal»), nunca mais largou a cena política. Regularmente consultado no seu palácio de Minna, no estado nortenho de Níger, manteve-se um dos principais «fabricantes de reis» nigerianos, como um garante da estabilidade da Federação. Uma influência que repousa sobretudo na imensa fortuna acumulada durante o seu mandato, exercido em parte durante a crise petrolífera da primeira guerra do Golfo: terão desaparecido dos cofres do Estado nigeriano 12,4 mil milhões de dólares de receitas do petróleo entre 1990 e 1991.
Actualmente, M. Babangida encara seriamente ser investido pelo partido que está no poder desde 1999, o PDP, o Partido Democrático Popular, a fim de concorrer às cruciais eleições gerais de 2011, e suceder ao presidente interino Goodluck Jonathan. G. Jonathan instalou-se no palácio de Aso Rock, em Abuja, depois de seis meses de crise constitucional devida à longa doença do chefe de Estado em exercício, Umaru Yar’Adua. Entrevistado por Christine Ananpour da cadeia de informações americana CNN, por ocasião da sua primeira viagem oficial ao estrangeiro – na ocorrência, os Estados Unidos – G. Jonathan ocultou a questão da sua participação nas eleições de 2011 (“I won’t force myself to meet Yar’Adua, diz Johathan, 14 de Abril de 2009).
É certo que, em nome do princípio de «mudança» nigeriana – que pretende que se alterne entre os dois mandatos entre um presidente saído do norte muçulmano e um chefe de Estado originário do sul cristão – deveria ser novamente uma figura política muçulmana a assumir a chefia do país. Ora as aspirações de Babangida, que aceitou manter-se no banco desde 1999, mediante a garantia da sua impunidade, parecem desde já ter sido entendidas por Washington. Os observadores, com os nigerianos em primeiro plano, repararam com inquietação que este último se encontrou discretamente, em 24 de Fevereiro passado, no seu refúgio de Mina, com dois elos de contacto da administração Obama: O secretário de Estado para os Assuntos Africanos, Johnny Carson, assim como o embaixador americano na Nigéria, Robin Sanders. Não transpirou nada deste encontro, organizado enquanto diversas outras figuras americanas se encontravam no país: o antigo presidente George W. Bush e a sua antiga secretária de Estado, Condoleezza Rice.
Tratava-se de abordar a questão da instalação da Africom na Nigéria? De analisar a crise de governação de que o país acabava de sair? De falar sobre petróleo? Ou de encarar, pura e simplesmente, o futuro? O artigo do advogado nigeriano, Funmi Feyde-John, publicado pelo site Pambazuka News («A crise constitucional da Nigéria e a ingerência americana», 22 de Março de 2010), aponta algumas pistas. Johnny Carson declara nomeadamente: «A Nigéria tem necessidade de um dirigente forte, eficaz e de boa saúde a fim de garantir a estabilidade do país e para reagir aos inúmeros desafios político, económico e da segurança da Nigéria». «A África precisa de instituições fortes, não de homens fortes» responde-lhe Gerard LeMelle, director executivo de Africa Action, a mais antiga das organizações americanas de defesa dos direitos humanos dedicadas ao continente, no site do grupo de reflexão americano Foreign Policy In Focus («África Precisa de Instituições Fortes, Não de Homens Fortes», 5 de Março de 2010). «Este encontro secreto, mesmo que tenha sido organizado por outras razões, liga a administração Obama a uma célula cancerosa da política nigeriana». Como é que os nigerianos, principalmente os do Delta do Níger que foram vítimas do reinado de Babangida, vão reagir a esta novo evolução? E o que é que vocês fariam se estivessem no seu lugar?
Numa entrevista concedida à BBC («O ex-lider da Nigéria, Babangida, “não vai comprar a presidência”», 13 de Abril de 2010). Babangida, que reconhece ser «o nigeriano vivo mais vigiado do seu país, e sobre o qual se investigou mais», declarou que não compraria a presidência… Para Goodluck Jonathan, um ijaw originário do Delta petrolífero, uma «etnia» principal na história do país, o tempo parece contado. O presidente interino, que acaba de assinar uma parceria estratégica com os Estados Unidos, decide nomear um novo presidente da muito contestada comissão eleitoral independente a fim de substituir Maurice Iwu, na linha da mira de Washington. M. Iwu foi especialmente encarregado de dirigir as eleições gerais de 2007, enodoadas por irregularidades. Esta substituição garantirá eleições gerais credíveis? Com o regresso de M. Babangida, mais parece que o país vai avançar para uma nova zona de temporais. E desta vez, é em Lagos, um caldeirão yoruba, especialmente hostil a IBB, que eles se poderão desencadear.

Origem: Les blogs du Diplo

* Jornalista

Tradução de Margarida Ferreira