terça-feira, 14 de dezembro de 2010

ABU - NÃO - DA - BI

Por estar arrasado, indignado e para não escrever besteiras faço minhas as palavras de Marco Weisseimer, no seu blog RsUrgente

O preço da soberba: o Inter “preservou” tanto seu time que ele ficou em Porto Alegre


Havia algo de estranho no ar. Um certo aroma de anti-clímax. Milhares de colorados atravessaram mares e continentes para chegar aos Emirados Árabes. A confiança era grande. Muito grande. Mas havia algo de estranho no ar. Diferente do que ocorreu no Japão. Uma coisa chamou-me a atenção nos últimos dias. As entrevistas de jogadores, dirigentes e do técnico do Inter falavam do “nervosismo da estreia”, do “frio na barriga”, dos terríveis “minutos iniciais”. Não era a primeira vez que o Colorado participava de uma competição desse porte. Esses discursos pareciam dizer o contrário. Já entre a torcida o clima era de máxima confiança e esperança, razão que levou milhares de pessoas a viajar milhares de quilômetros.
No fim, o problema não foi o “frio na barriga” ou os “minutos iniciais”. Ao final do jogo, os comentaristas esgrimiam suas primeiras teses classificando a derrota do Inter para o Mazembe de “fiasco”, “vexame”. O Inter perdeu para um time ruim, repetiam em coro. O Mazembe pode até ser um time ruim. Mas, nos 90 minutos, o time ruim foi o Internacional. O Mazembe teve um goleiro que defendeu todas as bolas chutadas pelos atacantes colorados. Já o goleiro colorado não defendeu as duas que os africanos dispararam. A pontaria dos atacantes africanos funcionou. Já a do “ataque” colorado…A defesa e o ataque do Inter foram muito ruins. O time da República Democrática do Congo esbanjou força, confiança e eficiência. Não tiveram frio na barriga em nenhum momento do jogo.
Pior é ouvir, ao final do jogo, o inabalável Alecsandro dizer que fez uma boa partida no primeiro tempo e que só não fez um gol porque Tinga o atrapalhou. Aí podem ser encontradas algumas razões para a derrota. A permanência desse rapaz na equipe, após meses de repetidas atuações medíocres, é indicativo de uma certa soberba que aposta no valor de alguns supostos “medalhões”. Especialista em auto-promoção e em entrevistas sempre generosas consigo mesmo, o centroavante colorado saiu de campo repetindo o mesmo mantra de sempre: joguei bem. Imagine quando jogar mal.
Mas certamente ele não é o único responsável pela derrota. Os maiores responsáveis são os dirigentes do Inter e o técnico Celso Roth que passaram o segundo semestre repetindo que era preciso poupar o time para o Mundial. Após ganhar a Libertadores, o Inter arrastou-se pelo Campeonato Brasileiro, repetindo medíocres atuações, mais ou menos como a de hoje. Maior tempo de posse de bola e absoluta incompetência ofensiva. Toca pra cá, toca pra lá. Bola para Kleber. Chuveirinho pra área. Alecsandro sempre escondido atrás dos zagueiros, esperando uma falha da defesa. Na saída do jogo, um torcedor definiu bem esse quadro: o Inter passou seis meses sem jogar e acreditou que, num passe de mágica, voltaria a jogar bem em um jogo decisivo. Jogou exatamente o que vinha jogando.
Foi um fiasco, é verdade. Mas isso não é o principal. A derrota do Inter para o Mazembe mostrou que o futebol tem sua racionalidade própria. Na imensa maioria das vezes, vitórias e derrotas não são fruto do acaso, tem boas razões a explicá-las. O problema do Inter não foi o frio na barriga ou o nervosismo da estreia. O problema foi uma decisão equivocada de sua direção e de sua comissão técnica que desprezaram a ideia de que a qualidade no futebol tem a ver, entre outras coisas, com repetição, com a atitude de mudar o que não está funcionando. Não foi o nervosismo da estreia que derrotou o Colorado. Foi a soberba dos senhores Fernando Carvalho, Vitória Pífero e Celso Roth que acreditaram que o futebol apareceria num estalar de dedo, após meses guardado no armário, para se preservar. O Inter preservou tanto o futebol que foi campeão da Libertadores que ele acabou ficando em Porto Alegre. Agora é tarde. É enfiar a viola no saco e aguentar a flauta dos gremistas que não esperavam um Natal tão generoso. Resta o consolo (pequeno para um torcedor, é verdade) de que o futebol tem algo a nos dizer sobre a vida, seus acertos e erros. Os fiascos e os sucessos não caem do céu. Eles são cuidadosamente tecidos no dia-a-dia.

Wikiliquidação do Império?

  Por Boaventura de Sousa Santos - no CorreioDoBrasil

WikiLeaks
WikiLeaks

A divulgação de centenas de milhares de documentos confidenciais, diplomáticos e militares, pela Wikileaks acrescenta uma nova dimensão ao aprofundamento contraditório da globalização. A revelação, num curto período, não só de documentação que se sabia existir mas a que durante muito tempo foi negado o acesso público por parte de quem a detinha, como também de documentação que ninguém sonhava existir, dramatiza os efeitos da revolução das tecnologias de informação (RTI) e obriga a repensar a natureza dos poderes globais que nos (des)governam e as resistências que os podem desafiar. O questionamento deve ser tão profundo que incluirá a própria Wikileaks: é que nem tudo é transparente na orgia de transparência que a Wikileaks nos oferece.
A revelação é tão impressionante pela tecnologia como pelo conteúdo. A título de exemplo, ouvimos horrorizados este diálogo – Good shooting. Thank you – enquanto caem por terra jornalistas da Reuters e crianças a caminho do colégio, ou seja, enquanto se cometem crimes contra a humanidade. Ficamos a saber que o Irã é consensualmente uma ameaça nuclear para os seus vizinhos e que, portanto, está apenas por decidir quem vai atacar primeiro, se os EUA ou Israel. Que a grande multinacional famacêutica, Pfizer, com a conivência da embaixada dos EUA na Nigéria, procurou fazer chantagem com o Procurador-Geral deste país para evitar pagar indenizações pelo uso experimental indevido de drogas que mataram crianças. Que os EUA fizeram pressões ilegítimas sobre países pobres para os obrigar a assinar a declaração não oficial da Conferência da Mudança Climática de Dezembro passado em Copenhague, de modo a poderem continuar a dominar o mundo com base na poluição causada pela economia do petróleo barato. Que Moçambique não é um Estado-narco totalmente corrupto mas pode correr o risco de o vir a ser. Que no “plano de pacificação das favelas” do Rio de Janeiro se está a aplicar a doutrina da contra-insurgência desenhada pelos EUA para o Iraque e Afeganistão, ou seja, que se estão a usar contra um “inimigo interno” as táticas usadas contra um “inimigo externo”. Que o irmão do “salvador” do Afeganistão, Hamid Karzai, é um importante traficante de ópio. Etc., etc, num quarto de milhão de documentos.
Irá o mundo mudar depois destas revelações? A questão é saber qual das globalizações em confronto— a globalização hegemônica do capitalismo ou a globalização contra-hegemônica dos movimentos sociais em luta por um outro mundo possível— irá beneficiar mais com as fugas de informação. É previsivel que o poder imperial dos EUA aprenda mais rapidamente as lições da Wikileaks que os movimentos e partidos que se lhe opõem em diferentes partes do mundo. Está já em marcha uma nova onda de direito penal imperial, leis “anti-terroristas” para tentar dissuadir os diferentes “piratas” informáticos (hackers), bem como novas técnicas para tornar o poder wikiseguro. Mas, à primeira vista, a Wikileaks tem maior potencial para favorecer as forças democráticas e anti-capitalistas. Para que esse potencial se concretize são necessárias duas condições: processar o novo conhecimento adequadamente e transformá-lo em novas razões para mobilização.
Quanto à primeira condição, já sabíamos que os poderes políticos e econômicos globais mentem quando fazem apelos aos direitos humanos e à democracia, pois que o seu objectivo exclusivo é consolidar o domínio que têm sobre as nossas vidas, não hesitando em usar, para isso, os métodos fascistas mais violentos. Tudo está a ser comprovado, e muito para além do que os mais avisados poderiam admitir. O maior conhecimento cria exigências novas de análise e de divulgação. Em primeiro lugar, é necessário dar a conhecer a distância que existe entre a autenticidade dos documentos e veracidade do que afirmam. Por exemplo, que o Irã seja uma ameaça nuclear só é “verdade” para os maus diplomatas que, ao contrário dos bons, informam os seus governos sobre o que estes gostam de ouvir e não sobre a realidade dos fatos. Do mesmo modo, que a táctica norte-americana da contra-insurgência esteja a ser usada nas favelas é opinião do Consulado Geral dos EUA no Rio. Compete aos cidadãos interpelar o governo nacional, estadual e municipal sobre a veracidade desta opinião. Tal como compete aos tribunais moçambicanos averiguar a alegada corrupção no país. O importante é sabermos divulgar que muitas das decisões de que pode resultar a morte de milhares de pessoas e o sofrimento de milhões são tomadas com base em mentiras e criar a revolta organizada contra tal estado de coisas.
Ainda no domínio do processamento do conhecimento, será cada vez mais crucial fazermos o que chamo uma sociologia das ausências: o que não é divulgado quando aparentemente tudo é divulgado. Por exemplo, resulta muito estranho que Israel, um dos países que mais poderia temer as revelações devido às atrocidades que tem cometido contra o povo palestiniano, esteja tão ausente dos documentos confidenciais. Há a suspeita fundada de que foram eliminados por acordo entre Israel e Julian Assange. Isto significa que vamos precisar de uma Wikileaks alternativa ainda mais transparente. Talvez já esteja em curso a sua criação.
A segunda condição (novas razões e motivações para a mobilização) é ainda mais exigente. Será necessário establecer uma articulação orgânica entre o fenómeno Wikileaks e os movimentos e partidos de esquerda até agora pouco inclinados a explorar as novas possibilidades criadas pela RTI. Essa articulação vai criar a maior disponibilidade para que seja revelada informação que particularmente interessa às forças democráticas anti-capitalistas. Por outro lado, será necessário que essa articulação seja feita com o Foro Social Mundial (FSM) e com os media alternativos que o integram. Curiosamente, o FSM foi a primeira novidade emancipatória da primeira década do século e a Wikileaks, se for aproveitada, pode ser a primeira novidade da segunda década. Para que a articulação se realize é necessária muita reflexão inter-movimentos que permita identificar os desígnios mais insidiosos e agressivos do imperialismo e do fascismo social globalizado, bem como as suas insuspeitadas debilidades a nível nacional, regional e global. É preciso criar uma nova energia mobilizadora a partir da verificação aparentemente contraditória de que o poder capitalista global é simultaneamente mais esmagador do que pensamos e mais frágil do que o que podemos deduzir linearmente da sua força. O FSM, que se reune em Fevereiro próximo em Dakar, está precisar de renovar-se e fortalecer-se, e esta pode ser uma via para que tal ocorra.

Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

Torneiras fechadas e torneiras abertas

  Frei Marcos Sassatelli   no Correio da Cidadania
 
O ministro da Fazenda Guido Mantega afirmou que o novo governo terá "torneiras fechadas" e repetiu várias vezes que é necessário "frear gastos públicos". Acrescentou que "todos os ministérios terão de dar a sua contribuição". Declarou também que negociar um salário mínimo superior aos R$ 540 previstos no projeto de Orçamento-2011 é "uma ameaça à consolidação fiscal".
 
Disse ainda "ser fundamental que não sejam aprovados projetos em tramitação no Congresso, como a PEC 300, que eleva salários na área de segurança". Além de "cortar despesas de custeio e aumentar a poupança pública", o ministro "se comprometeu a economizar o suficiente para reduzir a dívida pública de 41% para 30% do PIB em 2014" (Folha de S. Paulo, 25/11/10, p. A6).
 
Como se pode perceber pela fala do ministro, está claro que - embora mudando algumas pessoas - a política econômica continua a mesma. Ela está voltada para os interesses do grande capital. "Mudança, mas sem virada de mesa. Executivos do mercado de capitais viram na indicação da equipe econômica da presidenta eleita, Dilma Rousseff, um esforço de renovação, porém, conservando o status quo longamente testado e aprovado" (Ib., p. A8).
 
O povo empobrecido, oprimido e excluído continuará recebendo do poder público "esmolinhas" para que não se revolte e para que continue alimentando o "populismo" dos nossos governantes, tão necessário para fins político-eleitoreiros.
 
As torneiras, senhor ministro, deveriam estar fechadas para o desvio de verbas, para o superfaturamento nas licitações públicas, para os mensalões, para a barganha política na distribuição de cargos, para a prática da corrupção e para todos os gastos desnecessários, como, por exemplo, a compra do Aerodilma.
 
Quem leu a notícia "governo negocia a compra de novo avião presidencial" e tem um mínimo de senso de justiça deve ter ficado profundamente indignado. É um acinte que subestima a inteligência do nosso povo. Não dá para entender como um governo que pretende ser "dos trabalhadores" (mas que, de fato, traiu "os trabalhadores") se preocupe tanto com posturas ostensivas e luxuosas. Parece que os nossos governantes estão se lambuzando com o poder às custas do povo sofrido. Lembrem-se de que não é o cargo que dá valor e dignidade à pessoa humana, mas é a pessoa humana que dá valor e dignidade ao cargo.
 
O Aerodilma "custa até cinco vezes os US$ 56,7 milhões (…) pagos em 2005 pelo Aerolula, um Airbus-A319 em versão executiva". Que vergonha! As próprias autoridades estão escondendo a cara. "Justificar tal despesa seria complicado, como foi em 2005, e seria fonte certa de desgaste para Dilma (…) Assim, juntou-se a fome com a vontade de comer, e a nova compra está sendo camuflada por uma necessidade real" (Folha de S. Paulo, 29/11/10, p. A12). Vejam só a preocupação do nosso governo. É realmente ridículo. É realmente assustador ver tanta irresponsabilidade.
 
As torneiras, senhor ministro, deveriam estar abertas para implementar políticas públicas que criem condições permanentes de vida digna para o nosso povo (isso não se faz com "esmolinhas"); que defendam e promovam os direitos humanos; que implantem um sistema de educação pública de qualidade, um sistema de saúde com atendimento respeitoso e competente, um verdadeiro sistema de segurança (sem violência policial); um transporte coletivo eficiente; enfim, políticas públicas voltadas para a geração de empregos com salário justo para todos, principalmente para os jovens, tirando-os do mundo da violência e das drogas (não com salário mínimo de R$ 540, que é uma afronta aos trabalhadores(as)). Isso, sim, significa "virar a mesa" e pôr em prática uma política econômica diferente, uma política econômica humana e a serviço do bem comum.
 
Infelizmente, no sistema capitalista neoliberal, as relações econômicas, internacionais e nacionais, são estruturalmente criminosas e assassinas. Matam os pobres paulatinamente. Basta lembrar que, em 2009, o governo gastou 36% do orçamento da União (380 bilhões de reais) para pagar os juros da dívida pública, enquanto gastou 4,8% para a saúde e 2,8% para a educação. Trata-se de uma verdadeira sangria, que torna os ricos sempre mais ricos à custa dos pobres sempre mais pobres.
 
Por que o governo, dito "popular" e "dos trabalhadores" (não "dos capitalistas"), não promove uma auditoria a respeito da dívida pública, interna e externa, como seus membros sempre defenderam antes de chegar ao poder? A própria Constituição Federal de 1988, a respeito da dívida externa, diz que o governo deve fazer a auditoria, no prazo de um ano, a partir da data de sua promulgação. Não o fez. Por quê?
 
Se o governo promovesse a auditoria da dívida pública, descobriria quem fez a dívida, como o dinheiro foi usado, quem se beneficiou (não foi, certamente, o povo) e, talvez, descobriria que, na realidade, a dívida já foi paga muitas vezes e que o credor é o próprio povo. Isso poderia justificar, legal e moralmente, o cancelamento e o não pagamento da dívida pública e o PIB poderia ser usado integralmente para implementar políticas públicas em benefício do povo.
 
Mas, mesmo admitindo a hipótese que, depois da auditoria, sobrassem algumas dívidas (o que é muito improvável), o governo teria a obrigação moral de pagar a dívida só depois de resolver os problemas sociais básicos do nosso povo e depois que todos tivessem uma vida humana digna. Isso justificaria a moratória.
 
Graças a Deus, ainda tem muita gente que acredita num "outro mundo possível" e num "outro Brasil possível". E é por isso que continua lutando para que o "sonho" se torne realidade. "Vem, Senhor, não tardes mais, és o anseio das nações! Vem curar os nossos 'ais' e expulsar as opressões!" (Canto litúrgico do Advento).
 
Frei Marcos Sassatelli, Frade Dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) e membro da Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO, Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia e administrador paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra.

A fraude bilionária no Banco Panamericano

A Verdade - 131210_silvio_pan [Lula Falcão] É comum ouvirmos ou lermos nos grandes meios de comunicação burgueses que a empresa privada é eficiente, à prova de corrupção, lucrativa e possui uma gestão profissional.
A fraude bilionária de R$ 2,5 bilhões no banco Panamericano, propriedade privada da família Silvio Santos, é mais um exemplo do quanto é falsa essa tese da eficiência da empresa privada.
De acordo com o Banco Central (BC), a fraude foi descoberta entre julho e agosto deste ano, mas só foi revelada no dia 9 de novembro, por coincidência no mesmo dia em que o principal acionista do banco, Silvio Santos, recebeu, com aval do próprio BC, um empréstimo de R$ 2,5 bilhões do Fundo Garantidor de Crédito (FGG), associação criada pelas instituições financeiras para socorrer bancos em dificuldade.
Várias foram as manipulações utilizadas para praticar a fraude pelos diretores do banco, executivos que recebiam salários de 90 mil reais por mês e mais bônus.
A principal, segundo o BC, era a venda de carteiras de créditos para outros bancos sem dar baixa, passando a ideia de que tinha mais recursos do que possuía na realidade. No setor de cartão de crédito, o esquema funcionava da seguinte maneira: um cliente tinha uma dívida no cartão de crédito do banco de R$ 1.000,00, pagava R$ 200,00 e financiava o restante. A dívida era só R$ 800,00, mas ela era duplicada e se transformava em R$ 1.600,00. O banco pagava R$ 1.000,00 aos lojistas e R$ 600,00 restantes eram desviados. Como o banco tem milhares de clientes com cartões de crédito, calcula o BC que nesse setor a fraude foi de R$ 400 milhões.
Há também casos de cartões e de empresas fantasmas, ou seja, de pessoas inexistentes. No total, oito diretores do Banco Panamericano abriram 11 empresas nos últimos três anos, consideradas pela investigação como fantasmas e que serviam para legalizar a fraude. Também há caso de um único cliente do banco receber R$ 120 milhões de rendimento por uma aplicação, graças a taxas muito superiores às do mercado.
De acordo com o jornal Valor Econômico, o principal envolvido na fraude é o ex-presidente do banco, Rafael Palladino, primo de primeiro grau de Íris Abravanel, mulher de Silvio Santos. Palladino é também sócio de Silvio Santos em várias empresas, como o Baú Distribuidora de Títulos e Valores Imobiliários, a Liderança Capitalização S.A., a TV Stúdios Anhanguerra e o próprio Banco Panamericano. (Valor, 15/11/2010)
Mas, para o presidente do Banco Central Henrique Meirelles, o apresentador e empresário Silvio Santos é o maior responsável, pois como principal dono deveria saber o que se passava no banco: "O responsável número 1 é o acionista majoritário", declarou Meirelles.
Após a divulgação do crime, descobriu-se que vários diretores do banco transferiram seus novos bens para parentes e enviaram dinheiro para o exterior. Rafael Palladino, o ex- nº 1 do banco, remeteu quatro meses antes da fraude ser divulgada US$ 2 milhões para os EUA. O dinheiro foi enviado por uma das empresas de Palladino para uma outra empresa sua e da esposa Ruth Palladino, sediada em Miami.
O ex-diretor financeiro do banco, Wilson de Aro, também realizou operações para proteger seu patrimônio nos meses de setembro e outubro. Entre essas ações, está a criação da empresa M2GW com capital de R$ 3,1 milhões, que foi doada aos filhos.
O diretor jurídico Luiz Augusto de Carvalho Bruno e uma sócia, Joyce de Paula, adquiriram a Antillas Emprreeendimentos com capital de apenas R$ 100. Elinton Bobrik, diretor de novos negócios, comprou a Razak Empreendimentos em 9 de dezembro. Ambas as empresas foram criadas como holdings, geralmente usadas para a lavagem de dinheiro em paraísos fiscais. (FSP, 16/11/10)
Gente fina é outra coisa
Silvio SantosApesar de ser um dos maiores roubos já acontecidos no sistema financeiro nacional, cerca de R$ 2,5 bilhões, nenhum alto executivo do banco ou do grupo Silvio Santos foi preso ou mesmo convocado para depor na polícia.
Pelo contrário, o Grupo Silvio Santos recebeu um empréstimo bilionário com condições privilegiadas para pagar, condições tão especiais que nenhum cidadão que tem uma dívida de cartão de crédito ou no cheque especial encontra no mercado. São dez anos para pagar e o primeiro pagamento só começa depois de três anos. O empréstimo não terá juros, mas reajustes de acordo com a inflação medida pelo IGPM. "Eu disse que juros eu não pagaria. Aceitei apenas corrigir o desgaste inflacionário em cima do dinheiro. Tenho dez anos para pagar, com três de carência", declarou o empresário à imprensa após fechar o negócio.
Nesses dez anos, Silvio Santos poderá achar um bom comprador para o banco ou, com suas empresas capitalizadas graças ao empréstimo bilionário, voltar a ter lucros e assim evitar uma nova falência e salvar suas 44 empresas avaliadas em R$ 2,7 bilhões e dadas em garantia do empréstimo. Mas há um detalhe: as ações da emissora de televisão SBT, por se tratar de uma empresa concessionária de radiodifusão, não foram efetivamente entregues em garantia ao empréstimo. Foi feita uma cláusula onde Silvio Santos se compromete a vender o SBT, caso não pague o empréstimo. Mas apenas as TVs de São Paulo, Rio e Brasília estão em seu nome. As outras TVs do SBT estão em nome de sua filha, do irmão, da cunhada e da irmã.
Tem mais. Em primeiro de dezembro de 2009, a Caixa Econômica Federal (CEF) comprou 35,54% do banco (49% das ações com direito a voto) por R$ 739,3 milhões. Na ocasião, não havia evidências públicas de que o banco estaria em dificuldades, embora toda venda de banco sempre esconda alguma incapacidade financeira da instituição em questão. Acontece que essa compra das ações do banco pela Caixa só foi aprovada pelo Banco Central em novembro deste ano, no mês em que a fraude foi divulgada e o empréstimo de 2,5 bilhões de reais obtido. A CEF poderia ter cancelado a compra das ações, pois foi lesada pelo Panamericano, mas não o fez. Manteve o negócio, alegando que tinha interesse na carteira dos clientes do banco.
O grupo Silvio Santos é um exemplo clássico de como funciona uma empresa privada. Nele, esposa, irmãos, filhas, sobrinhos e primos ocupam altos cargos para receberem salários milionários. Sua mulher, Iris Abravanel, é a autora de telenovelas do SBT. As filhas têm cada uma um alto cargo no grupo: Cintia Abravanel dirige o Teatro Imprensa; Patricia Abravanel é diretora executiva da Abravanel Incorporações; Daniela Abravanel é diretora e presidente do  SBT; Rebeca Abravanel dirige a unidade de negócios de moda e beleza do grupo e Renata Abravanel é a diretora de projetos de novas mídias e do site do SBT. Henrique Abravanel, irmão, é diretor de operações do grupo Silvio Santos; Leon Abravanel, sobrinho, é diretor de produção do SBT; Guilherme Stoliar, sobrinho, é atual presidente do grupo Silvio Santos e Fernando Abravanel, também sobrinho, é diretor artístico do SBT. Todos eles com capacidade comprovada, como revela o sobrenome que ostentam.
Como os ricos enriquecem
A fraude bilionária no banco de Silvio Santos deixa bem claro como os ricos constroem suas fortunas, a quem serve a propriedade privada, e como eles se mantêm ricos mesmo quando devem a deus e o mundo.
Diz a lenda que Silvio Santos fez fortuna como vendedor e trabalhando muito, além de ser um  bom patrão. Porém, em 2009, com a queda nos lucros das suas empresas, a primeira medida de Silvio Santos não foi investigar o balanço do banco ou das outras empresas, mas demitir de uma tacada só 1,2 mil funcionários.
Aliás, o próprio Silvio Santos deixou claro numa carta enviada em janeiro de 2000 aos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que sua fortuna não teria tido alcançada se não tivesse o apoio da ditadura militar. Na carta, publicada pela primeira vez no jornal Tribuna da Imprensa pelo jornalista Hélio Fernandes, Silvio Santos confessa que ganhou a televisão do presidente General Ernesto Geisel, que para montar a rede SBT foi ajudado pelo presidente General Figueiredo, e que o governador Orestes Quércia "arranjou" para ele 10 milhões no Banespa, banco do Estado. Vejamos trechos da carta de Silvio Santos ao TRF:
"... em 1976, os homens que governavam o pais, achavam que o BRASIL deveria ter, uma rede  de televisão, que fosse capaz de dividir a audiência e a opinião pública com a REDE GLOBO.  Fui convidado para esta tarefa e ganhei do Presidente GEISEL a concessão de uma emissora de televisão no Rio de Janeiro, a TV CORCOVADO. Na época os meus recursos financeiros eram pequenos, mas com muito trabalho, me saí bem no Rio, passei no "TESTE" e o Presidente FIGUEIREDO achou que eu teria condições pessoais e profissionais para assumir o controle de uma rede, que começou com 4 estações, e que hoje tem 99 afiliadas. (...)
Pedi 10 milhões de dólares adiantados para fazer publicidade do BRADESCO, o LAZÁRO BRANDÃO me ajudou, confiou em mim, penhorei os meus bens e graças ao governador ORESTES QUÉRCIA, consegui mais 10 milhões no BANESPA e, logo após, vendi para o JOSÉ MARTINEZ por 15 milhões de dólares a TV CORCOVADO DO RIO. A situação estava tão ruim que eu ia fechar o BAÚ e entregar a Rede ao Governo. Era muito difícil, quase impossível, conseguir anúncio no mercado publicitário, em razão da concorrência da primeira Rede.
Tentando encontrar uma solução, eu lancei no BRASIL o (CLAM) primeiro plano de saúde com CAPITALIZAÇÃO, que oferecia assistência médica e hospitalar, com a devolução integral do dinheiro capitalizado, após 20 anos. Foi um sucesso de vendas." (Tribuna da Imprensa, 29 de maio de 2007)
Assim, sem as constantes ajudas e favores do Estado, empréstimos em condições privilegiadas e a proteção de órgãos oficiais para promover jogos de azar dizendo que era capitalização para enganar a boa-fé de milhões de pessoas, Silvio Santos já teria falido há muito tempo.
Agora, Silvio Santos recebe uma nova mega-ajuda do Banco Central, que manteve a sete chaves a fraude no seu banco, aguardando a negociação com Fundo Garantidor de Crédito e dando aval ao empréstimo de R$ 2,5 bilhões, e da própria Caixa Econômica que comprou uma massa falida.
Pelo menos por mais dez anos, a família Silvio Santos continuará vivendo no mesmo luxo e riqueza e com todos os seus bens preservados. Afinal, "o crime do rico a lei o cobre". Passados esses dez anos, terá mais uma nova ajudinha, isso se não houver uma transformação profunda neste sistema econômico e político que serve unicamente para sustentar uma minoria de parasitas e para espalhar desemprego e miséria para a imensa maioria da população. Enquanto isso, 11,2 milhões de brasileiros passarão neste Natal mais um dia com fome, como revelou pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre segurança alimentar divulgada em 26 de novembro.

(Lula Falcão é diretor de Redação de A Verdade e membro do comitê central do PCR)

A democracia cultural

Emir Sader no Carta Maior

O modelo econômico social - com as adequações que já começaram a ser colocadas em prática –, que claramente deu certo, deverá continuar a ser a referência fundamental para o próximo governo. Questões fundamentais passarão as vinculadas aos valores que devem predominar em uma sociedade que tem se transformado aceleradamente em toda a década que termina.

Uma expressão da importância dessa esfera foi dada pela campanha eleitoral, em que a comparação entre os governos FHC e Lula era avassaladoramente favorável a este, o que levou a oposição a buscar um atalho de deslocamento para explorar preconceitos no plano dos valores de setores da classe média, mas também se setores populares. Daí a diferença entre o índice de popularidade do governo Lula e a votação que a Dilma conseguiu.

Os valores predominantes na sociedade brasileira, produto das transformações que o neoliberalismo impôs, foram provenientes do “modo de vida norteamericano”, assentado na competição individual no mercado de todos contra todos. Uma visão segunda a qual “tudo tem preço”, “tudo se vende, tudo se compra”, tudo é mercadoria. Uma visão que incentiva o consumidor em detrimento do cidadão, o mercado às custas dos direitos , a esfera mercantil contra a esfera pública.

Os avanços econômicos e sociais geram a base para que os valores predominantes na sociedade brasileira possam mudar nos seus fundamentos. O apoio do povo brasileiro ao governo Lula é resultado do papel essencial que o governo passou a dar aos direitos de todos, independentemente do nível de renda, governando para todos e não apenas para aqueles que têm poder de renda, aqueles que conseguem ter acesso ao consumo por meio do mercado.

Os valores implícitos no modelo econômico e social do governo Lula são os da preponderância do direito sobre a competição, são os direitos de todos e não apenas dos que possuem poder de renda adquirida no mercado. São os dos direitos para todos, do governo para todos, da cidadania estendida a todos. O da reestruturação do Estado em torno dos interesses públicos e sua desmercantilização, sua desfinanceirização.

Os valores que deveriam nortear os novos contornos da sociedade brasileira, de uma sociedade mais justa, deveriam ser os de solidariedade, justiça social, desenvolvimento econômico e social, soberania política, cidadania, direitos para todos. O neoliberalismo buscou mercantilizar tudo, concentrando aceleradamente as riquezas, atentando gravemente contra a democracia, contra o acesso aos direitos para todos.

A construção dos valores de uma nova solidariedade é decisiva para consolidar os avanços econômicos e sociais dos últimos anos, porque é no plano da consciência, dos valores, das ideias, dos costumes e hábitos que regem as vidas das pessoas, que se constroem as formas de sociabilidade. Desmercantilizar é democratizar, é superar o filtro do mercado, que seleciona os que têm poder de acesso a bens, para estender esse direito a todos. É privilegiar a esfera dos direitos em oposição à esfera mercantil.

Na esfera mercantil triunfa quem tem maior poder aquisitivo, uma esfera centrada no consumidor. Na esfera pública todos têm direitos, uma esfera centrada no cidadão. Essa a grande transformação que o Brasil precisa viver nos próximos anos, para se tornar uma democracia não apenas nos planos econômico e social, mas também no plano cultural.