Lucas Morais no DIARIO LIBERDADE
Talvez o século XXI tenha sido oficialmente inaugurado com o golpe de Estado de 2001 nos Estados Unidos que, após os suspeitos atentados terroristas não interrompidos pelas forças armadas, instaurou nesta nação, em nome da suposta segurança nacional, um verdadeiro Estado policial-militar. Tudo isso enquanto rasgava a legislação internacional com a desculpa do combate ao terror para a promoção de guerras de ocupação e a penetração em mais de 120 países de modos distintos.
É a Guerra Global ao Terrorismo, doutrina promovida pelas forças armadas e secretas dos Estados Unidos para construírem, uma vez terminada a Guerra Fria, os bodes expiatórios para chantagearem as nações não-alinhadas, e ocuparem se preciso (sob o pretexto de “combater o terrorismo”) aqueles países que interessam às corporações transnacionais sob comando do Estado norte-americano, como nos casos da Líbia, Afeganistão e Iraque. Esta ofensiva imperialista estadunidense atinge diretamente os interesses dos povos árabes, africanos, latino-americanos, asiáticos, persas, palestinos, etc. As próximas vítimas podem ser a Síria ou o Irã, mas os EUA têm mesmo em sua mira prejudicar os interesses estratégicos da China e da Rússia.
Da Primavera Árabe ao Pesadelo Árabe?
A chamada crise alimentar, marcada pela concentração cada vez maior da produção de alimentos sob poder dos monopólios capitalistas transnacionais, afetou drasticamente todos estes povos, especialmente os povos do Chifre da África, que vivem uma das maiores secas em 60 anos e ameaçou a vida de mais de 11 milhões de pessoas na Etiópia, Somália, Quênia, Sudão, Sudão do Sul e Djibuti. Durante dois anos, nenhuma gota d'água caiu dos céus na Somália, Etiópia e Quênia. Mais de 10 mil seres humanos foram mortos.
Para se ter ideia, mais de 800 mil somalianos do sul fugiram rumo ao Quênia e Etiópia em busca de alimentos. Os campos de Dadaab, no Quênia, acolheram perto de 440 mil refugiados, 300% a mais de sua capacidade. São cerca de 1.400 somalianos em fuga por dia nas fronteiras, enquanto preços de alimentos são manipulados de modo a promover maiores lucros aos acionistas de grandes empresas como a Monsanto, afetando diretamente a vida de todos os povos que convivem com a escassez de alimentos em função da especulação capitalista.
Esta crise, junto à violenta manutenção dos regimes ditatoriais em países do norte da África e do Oriente Médio, impediram um maior desenvolvimento da produtividade do trabalho nos países mais desenvolvidos desta região e aprofundaram as consequências da crise capitalista global para estes povos que vivem historicamente submersos na pobreza e na miséria. São estes e vários outros fatores que levaram ao que chamamos hoje de Primavera Árabe.
Entretanto, a Primavera Árabe, que nasceu como um movimento libertário na luta por democracia no Iêmen, Bahrein, Egito, Tunísia e em menor escala na Líbia, transmutou-se para uma contrarrevolução aberta orquestrada pelo Pentágono e a CIA aliada ao braço europeu, a OTAN, e o braço israelense Mossad, junto aos regimes monárquicos da Arábia Saudita, Catar e Emirados Árabes. Todo este aparato está montado contra os interesses de real democratização nestes países e, simultaneamente, contra os interesses estratégicos das potências BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, grupo emergente que se articula conjuntamente para defender seus interesses estratégicos em contraposição política e econômica ao bloco atlantista dos EUA-União Europeia), que possuem investimentos por parte de suas transnacionais por toda esta região e também por toda a África.
Com a conquista da Líbia pelas forças do Pentágono e da OTAN, está sendo viabilizada a instalação da primeira grande base de operações militares dos Estados Unidos na África, o Africom. No Egito, Tunísia e Iêmen as transições estão sendo orquestradas pelo alto, mantendo-se os antigos regimes e o apoio ao/do imperialismo estadunidense. Enquanto isso fortalecem-se as organizações islâmicas conservadoras, que venceram com maioria as eleições na Tunísia e no Egito, enquanto no Iêmen é negociado o afastamento do ditador Ali Abdullah Saleh e a situação ainda segue incerta no país mais pobre e de mais civis armados do Oriente Médio.
O Egito e a Tunísia deverão formar assembleias constituintes e construir jovens democracias capitalistas com inspiração no islamismo conservador a la Turquia, dado que os partidos deste bloco possuem atualmente maior força político-partidária e aptidão para negociar as concessões “democráticas” e as manutenções autoritárias com os antigos regimes.
Esta chama de lutas em um contexto de ditaduras genocidas historicamente apoiadas pelo imperialismo ocidental acabou por reacender e influenciar também as lutas sociais dos povos nas nações centrais do capitalismo global, esfriadas especialmente após 1968.
A juventude ocupa as ruas na Europa contra a austeridade
No Estado espanhol, o Movimento 15 de Março logo irrompeu, com sua juventude fortemente afetada pela crise capitalista, sem perspectivas não somente para o futuro, mas principalmente para o momento atual. Quando movimentos similares começavam a dar sinais na França, logo foram reprimidos com brutalidade pela polícia parisiense sob o tacão de Sarkozy. Na Inglaterra uma ampla rebelião de jovens ingleses e imigrantes sem perspectivas incendiou vários pontos tradicionais de Londres, expressando uma guerra aberta em um contra-ataque enfurecido contra a repressão policial e as políticas de austeridade. O movimento Occupy London resiste em sua luta enquanto no dia 30 de novembro mais de 80 mil trabalhadores do setor público foram às ruas de todo o Reino Unido protestar contra as políticas de austeridade do governo da coalizão conservadora-liberal encabeçada por David Cameron, protagonizando a maior greve dos últimos 30 anos na Inglaterra.
Na Grécia, apesar das contundentes manifestações e das mais de sete greves gerais, governa agora a direita ligada aos bancos, que está quebrando ainda mais o país com suas políticas de desmantelamento do setor público e de todas as conquistas sociais e trabalhistas, em um verdadeiro ataque que mostra o que vem por aí para Portugal, Irlanda, Itália e o Estado espanhol. Por outro lado, na Islândia, o país que não se fala, o povo se organizou, chamou por um plebiscito que votou contra o pagamento das dívidas ilegítimas e está organizando uma Assembleia Constituinte que está dando o exemplo para os povos europeus afogados na inviabilidade dos absurdos pagamentos das dívidas de seus países.
A chamada “austeridade”, que nada mais é que a ofensiva capitalista em meio a sua crise geral, vai se transformando no acirramento das lutas entre as classes capitalistas e trabalhadoras, enquanto os novos jovens proletarizados são os mais atacados e afetados, já que, quando encontram emprego, logo são submetidos a acordos trabalhistas flexibilizados e a salários mínimos.
Ocupe Wall Street
Eis que 2011 chega aos Estados Unidos em torno de um chamado para o Occupy Wall Street, convocado principalmente pelas redes sociais da Internet, rapidamente difundido e já nos primeiros dias contando com presença massiva de alguns milhares de manifestantes, que foram reprimidos com gás de pimenta, cassetetes, bombas lacrimogêneas e, claro, prisões. O movimento ganhou solidariedade, se ampliou, espelhou-se por dezenas das principais cidades deste país e hoje é uma das principais praças de luta dos 99% contra os 1%. A luta é abertamente contra o capitalismo e conta com mais simpatia dos estadunidenses do que o movimento ultraconservador republicano Tea Party.
O movimento é composto fundamentalmente por jovens, tanto nos Estados Unidos quanto nas lutas sociais da Europa. Vale lembrar que em 1968, na vanguarda das revoltas europeias, estavam sempre a combativa juventude, com os partidos comunistas e centrais sindicais, que então possuíam grande força e influência entre o povo, coisa que mudou muito nestes mais de 40 anos.
Para onde vamos nesta tormenta perfeita?
Mas, talvez o século XXI, o nosso século XXI, tenha somente começado em 2011 na Praça Tahrir, a praça da libertação. Não cabe especular o que será destes movimentos, basta notar que eles são sintoma da crise capitalista global, que deverá entrar em fases ainda mais críticas nos próximos meses e anos. Por outro lado, são também expressões das resistências a esta ordem social decadente e destrutiva, que cada vez mais depende do monopólio e do aumento da violência para sobreviver.
Esta juventude tem cada vez mais consciência dos limites da democracia capitalista e, não à toa, lutam por uma “Democracia real já”. Já os trabalhadores de todo o mundo vivem uma crise permanente especialmente a partir da década de 1980. Suportarão por quanto tempo a intensificação da exploração sem se rebelar contra o sistema explorador de seus patrões?
Que venha 2012!
Lucas Morais é jornalista, tradutor e editor de Diário Liberdade.
Da Primavera Árabe ao Pesadelo Árabe?
A chamada crise alimentar, marcada pela concentração cada vez maior da produção de alimentos sob poder dos monopólios capitalistas transnacionais, afetou drasticamente todos estes povos, especialmente os povos do Chifre da África, que vivem uma das maiores secas em 60 anos e ameaçou a vida de mais de 11 milhões de pessoas na Etiópia, Somália, Quênia, Sudão, Sudão do Sul e Djibuti. Durante dois anos, nenhuma gota d'água caiu dos céus na Somália, Etiópia e Quênia. Mais de 10 mil seres humanos foram mortos.
Para se ter ideia, mais de 800 mil somalianos do sul fugiram rumo ao Quênia e Etiópia em busca de alimentos. Os campos de Dadaab, no Quênia, acolheram perto de 440 mil refugiados, 300% a mais de sua capacidade. São cerca de 1.400 somalianos em fuga por dia nas fronteiras, enquanto preços de alimentos são manipulados de modo a promover maiores lucros aos acionistas de grandes empresas como a Monsanto, afetando diretamente a vida de todos os povos que convivem com a escassez de alimentos em função da especulação capitalista.
Esta crise, junto à violenta manutenção dos regimes ditatoriais em países do norte da África e do Oriente Médio, impediram um maior desenvolvimento da produtividade do trabalho nos países mais desenvolvidos desta região e aprofundaram as consequências da crise capitalista global para estes povos que vivem historicamente submersos na pobreza e na miséria. São estes e vários outros fatores que levaram ao que chamamos hoje de Primavera Árabe.
Entretanto, a Primavera Árabe, que nasceu como um movimento libertário na luta por democracia no Iêmen, Bahrein, Egito, Tunísia e em menor escala na Líbia, transmutou-se para uma contrarrevolução aberta orquestrada pelo Pentágono e a CIA aliada ao braço europeu, a OTAN, e o braço israelense Mossad, junto aos regimes monárquicos da Arábia Saudita, Catar e Emirados Árabes. Todo este aparato está montado contra os interesses de real democratização nestes países e, simultaneamente, contra os interesses estratégicos das potências BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, grupo emergente que se articula conjuntamente para defender seus interesses estratégicos em contraposição política e econômica ao bloco atlantista dos EUA-União Europeia), que possuem investimentos por parte de suas transnacionais por toda esta região e também por toda a África.
Com a conquista da Líbia pelas forças do Pentágono e da OTAN, está sendo viabilizada a instalação da primeira grande base de operações militares dos Estados Unidos na África, o Africom. No Egito, Tunísia e Iêmen as transições estão sendo orquestradas pelo alto, mantendo-se os antigos regimes e o apoio ao/do imperialismo estadunidense. Enquanto isso fortalecem-se as organizações islâmicas conservadoras, que venceram com maioria as eleições na Tunísia e no Egito, enquanto no Iêmen é negociado o afastamento do ditador Ali Abdullah Saleh e a situação ainda segue incerta no país mais pobre e de mais civis armados do Oriente Médio.
O Egito e a Tunísia deverão formar assembleias constituintes e construir jovens democracias capitalistas com inspiração no islamismo conservador a la Turquia, dado que os partidos deste bloco possuem atualmente maior força político-partidária e aptidão para negociar as concessões “democráticas” e as manutenções autoritárias com os antigos regimes.
Esta chama de lutas em um contexto de ditaduras genocidas historicamente apoiadas pelo imperialismo ocidental acabou por reacender e influenciar também as lutas sociais dos povos nas nações centrais do capitalismo global, esfriadas especialmente após 1968.
A juventude ocupa as ruas na Europa contra a austeridade
No Estado espanhol, o Movimento 15 de Março logo irrompeu, com sua juventude fortemente afetada pela crise capitalista, sem perspectivas não somente para o futuro, mas principalmente para o momento atual. Quando movimentos similares começavam a dar sinais na França, logo foram reprimidos com brutalidade pela polícia parisiense sob o tacão de Sarkozy. Na Inglaterra uma ampla rebelião de jovens ingleses e imigrantes sem perspectivas incendiou vários pontos tradicionais de Londres, expressando uma guerra aberta em um contra-ataque enfurecido contra a repressão policial e as políticas de austeridade. O movimento Occupy London resiste em sua luta enquanto no dia 30 de novembro mais de 80 mil trabalhadores do setor público foram às ruas de todo o Reino Unido protestar contra as políticas de austeridade do governo da coalizão conservadora-liberal encabeçada por David Cameron, protagonizando a maior greve dos últimos 30 anos na Inglaterra.
Na Grécia, apesar das contundentes manifestações e das mais de sete greves gerais, governa agora a direita ligada aos bancos, que está quebrando ainda mais o país com suas políticas de desmantelamento do setor público e de todas as conquistas sociais e trabalhistas, em um verdadeiro ataque que mostra o que vem por aí para Portugal, Irlanda, Itália e o Estado espanhol. Por outro lado, na Islândia, o país que não se fala, o povo se organizou, chamou por um plebiscito que votou contra o pagamento das dívidas ilegítimas e está organizando uma Assembleia Constituinte que está dando o exemplo para os povos europeus afogados na inviabilidade dos absurdos pagamentos das dívidas de seus países.
A chamada “austeridade”, que nada mais é que a ofensiva capitalista em meio a sua crise geral, vai se transformando no acirramento das lutas entre as classes capitalistas e trabalhadoras, enquanto os novos jovens proletarizados são os mais atacados e afetados, já que, quando encontram emprego, logo são submetidos a acordos trabalhistas flexibilizados e a salários mínimos.
Ocupe Wall Street
Eis que 2011 chega aos Estados Unidos em torno de um chamado para o Occupy Wall Street, convocado principalmente pelas redes sociais da Internet, rapidamente difundido e já nos primeiros dias contando com presença massiva de alguns milhares de manifestantes, que foram reprimidos com gás de pimenta, cassetetes, bombas lacrimogêneas e, claro, prisões. O movimento ganhou solidariedade, se ampliou, espelhou-se por dezenas das principais cidades deste país e hoje é uma das principais praças de luta dos 99% contra os 1%. A luta é abertamente contra o capitalismo e conta com mais simpatia dos estadunidenses do que o movimento ultraconservador republicano Tea Party.
O movimento é composto fundamentalmente por jovens, tanto nos Estados Unidos quanto nas lutas sociais da Europa. Vale lembrar que em 1968, na vanguarda das revoltas europeias, estavam sempre a combativa juventude, com os partidos comunistas e centrais sindicais, que então possuíam grande força e influência entre o povo, coisa que mudou muito nestes mais de 40 anos.
Para onde vamos nesta tormenta perfeita?
Mas, talvez o século XXI, o nosso século XXI, tenha somente começado em 2011 na Praça Tahrir, a praça da libertação. Não cabe especular o que será destes movimentos, basta notar que eles são sintoma da crise capitalista global, que deverá entrar em fases ainda mais críticas nos próximos meses e anos. Por outro lado, são também expressões das resistências a esta ordem social decadente e destrutiva, que cada vez mais depende do monopólio e do aumento da violência para sobreviver.
Esta juventude tem cada vez mais consciência dos limites da democracia capitalista e, não à toa, lutam por uma “Democracia real já”. Já os trabalhadores de todo o mundo vivem uma crise permanente especialmente a partir da década de 1980. Suportarão por quanto tempo a intensificação da exploração sem se rebelar contra o sistema explorador de seus patrões?
Que venha 2012!
Lucas Morais é jornalista, tradutor e editor de Diário Liberdade.