Editorial do SUL21
Encabeçado pela Liga Brasileira de Lésbicas, começa a tomar corpo em todo o país um movimento pela retirada dos símbolos religiosos dos espaços públicos. Na última segunda feira (5), um documento com esta solicitação foi entregue ao presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, deputado Adão Villaverde (PT), que se comprometeu a submeter a reivindicação às bancadas partidárias. No mesmo dia, documento com teor semelhante foi protocolado no Palácio Piratini, destinado ao governador Tarso Genro, que ainda não se manifestou a respeito.
No dia 7 de novembro, as presidências da Câmara Municipal de Porto Alegre (CMPA) e do Tribunal de Justiça do RS (TJ-RS) já haviam recebido igual solicitação. Na CMPA, ainda que documento já tenha sido encaminhado para a Assessoria Jurídica da casa ele não foi distribuído, até o momento, para nenhum dos advogados do corpo funcional para análise. No TR-RS, um parecer já foi encaminhado ao corregedor, mas não até aqui não foi dado conhecimento público do seu teor.
Antes do Rio Grande do Sul, o Piauí foi palco de movimentação semelhante, sob a coordenação da mesma Liga Brasileira de Lésbicas que entregou documento ao Ministério Público daquele Estado, pedindo que o mesmo tipo de providência fosse tomado. Mesmo acatado pelo MP, o pedido de retirada dos símbolos religiosos dos três poderes públicos locais não foi levado a termo, uma vez que uma liminar judicial derrubou a decisão.
Além da já citada Liga Brasileira de Lésbicas, não por acaso os pedidos de retirada dos símbolos religiosos no Rio Grande do Sul foram assinados também por outras entidades de defesa de homossexuais e de discriminados, como o grupo Somos, o grupo Nuances, o grupo feminista Themis, a Rede Feminista de Saúde e a Marcha Mundial das Mulheres. Estes grupos congregam segmentos sociais que foram historicamente perseguidos e que ainda hoje são estigmatizados pelos preceitos religiosos das igrejas cristãs, exatamente aquelas cujos símbolos encontram-se expostos nos locais públicos.
Baseadas no artigo 19 da Constituição Federal brasileira, as entidades acima nominadas reivindicam apenas o respeito à determinação constitucional da laicidade do Estado. Desejam simplesmente que a lei maior seja cumprida e que a religião ou a sua ausência seja uma escolha individual, livre de qualquer influência que possa ser exercida por entidades e/ou agentes públicos. Em um Estado laico como o brasileiro e que desde a constituição republicana de 1891 consagrou a separação entre igreja e Estado não deveria ser motivo de estranheza tal reivindicação.
Na verdade, a estranheza deveria advir da manutenção de símbolos religiosos nos espaços públicos, principalmente os vinculados às atividades do Estado, após a promulgação da Constituição de 1988 e num momento histórico em que se apregoa, cada vez mais, o respeito à divergência e à diversidade. Não procedem os argumentos do hábito arraigado e/ou dos costumes, utilizados pelos que defendem a presença de tais símbolos. O que deve valer é a letra fria da lei. Por mais disseminados que sejam os princípios e as crenças religiosas, nada justifica a imposição de uma religião sobre as demais ou sobre os sem religião. Nada justifica, além disso, à luz dos fundamentos democráticos contemporâneos, o domínio de uma maioria, por mais ampla que ela possa ser, sobre as minorias, a ponto de serem desrespeitados seus direitos elementares de cidadania.