quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Energias renováveis: capitalismo, hegemonia e dominação


Na sociedade contemporânea as fontes de energia de origem fóssil ocupam um lugar estratégico no sistema de produção, servindo como instrumento de dominação e reprodução do modo de produção capitalista.
por Thulio Cícero Guimarães Pereira

Muito se fala e escreve sobre energia a obtida a partir de fontes renováveis como uma das principais soluções para enfrentar o problema do aquecimento global, geração de renda e emancipação das comunidades locais. Organizações como a ONU, OCDE, Banco Mundial, FMI entre outros, promovem estudos e recomendações que apontam as energias renováveis como fundamentais para o desenvolvimento “sustentável” no século XXI.
Mas o que se observa é que os esforços e investimentos nessa direção estão muito mais centrados na questão pragmática da segurança do abastecimento energético do que nas questões ambientais. As políticas e ações nessa área da Alemanha, França, EUA e China, demonstram haver preocupações muito maiores com o crescente problema do aumento do custo de extração do petróleo e acesso ao produto e rotas de abastecimento do que nas questões ambientais.
Uma leitura mais atenta permite perceber que a ênfase maior na questão climática, e sua inclusão na agenda internacional de políticas públicas, vêm principalmente de atores europeus, cujas fontes energéticas estão sob controle direto ou indireto dos EUA ou da Rússia. A necessidade de ampliar a oferta interna de energia para reduzir a dependência alemã ou francesa das fontes do Oriente Médio e da Sibéria, colocam a questão da energia extraída de fontes alternativas ao petróleo e gás natural, como central na política européia. Neste sentido, para os europeus é estratégico promover o uso de outras fontes energéticas, todas com maior custo, nos demais sistemas econômicos concorrentes, sob pena ver inviabilizado o produto europeu no mercado internacional. Como estratégia parece ser fundamental mobilizar a opinião pública internacional em torno da questão do aquecimento global, para que os demais países assumam compromissos na direção da transformação de suas matrizes energéticas, agregando fontes mais caras em suas estruturas de produção. O sucesso de tal empreitada junto à opinião pública também abre espaço para a possibilidade de se desenvolver barreiras de cunho ambiental para a entrada de produtos concorrentes no espaço econômico da União Européia e demais atores engajados nesse debate.
A leitura do que se produz em torno dessa questão apresenta um quadro quase que messiânico em torno das fontes renováveis, como se essa fosse uma questão de que necessitasse do voluntarismo engajado das forças sociais, em busca de um mundo melhor, uma nova utopia para a civilização. Não faltam exemplos, e entre eles o Brasil costuma ser apontado como uma “grande solução para um mundo desesperado por encontrar novos caminhos”.
 
A matriz energética brasileira

Esse discurso esquece que a matriz energética brasileira, onde as fontes renováveis representam 45% da matriz, em contraposição aos 7% da OCDE[i], é resultado de uma longa luta histórica para vencer a escassez da oferta de petróleo e gás em seu território, um dos principais instrumentos utilizado pelos grandes centros capitalistas para manter o controle sobre o país. Para se chegar a tal quadro, a sociedade brasileira empreendeu um brutal esforço para constituir cadeias produtivas baseadas em fontes como a hidroeletricidade e o etanol. Recursos públicos enormes foram transferidos, grande parte a fundo perdido, para construir essa infra-estrutura, recursos esses que se deixou de investir na erradicação da miséria, inclusive tendo sido seguramente um dos indutores de desigualdade e pobreza no Brasil. Sem esquecer que grandes projetos como, por exemplo, Itaipu, foi implantado durante a ditadura militar, que impôs à força o projeto muitas vezes lançando mão de atos de barbárie sociais e ambientais que ainda estão para serem descritos, se é que serão algum dia.
Nessa história não houve espaço para ações voluntariosas ou apaixonadas em busca de um paraíso na terra. Os brasileiros sabem o quanto custou construir e manter tal matriz, cujo atributo tão propalado mundo afora como uma matriz “limpa”. Sabe-se que, quando vista de perto deixa muito a desejar, ou mesmo, em muitos casos, não passa de discurso carregado de cinismo e hipocrisia. Em contrapartida, boa parte da sociedade brasileira organizada percebe que esta é uma questão de sobrevivência, uma das poucas opções que restaram ao país para enfrentar os brutais mecanismos de subordinação econômica e política e, para tanto, entre um futuro de miséria e submissão imposto pela mecânica capitalista e, um outro, com um mínimo independência e dignidade social, o que tem justificado politicamente os esforços e conseqüências das ações em busca da autonomia, mesmo às custas de grandes passivos ambientais e sociais derivados de tais empreendimentos.
Ora, seria pusilânime recomendar este resultado puro e simples da lógica do capital como exemplo para mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, quando se sabe que o quadro de degradação ambiental é conseqüência direta das transformações capitalistas, que no mundo contemporâneo atingiu proporções inimagináveis e conseqüências que ainda estão por serem descritas ou entendidas.
 
A economia do Petróleo

No centro do problema energia versus meio ambiente estão as energias fósseis como o petróleo, gás natural e carvão, mas erra-se ao identificá-las como o problema em si, como se a sua erradicação ou substituição por fontes alternativas poderiam mudar o encontro marcado que a sociedade contemporânea tem com as conseqüências das mudanças climáticas em curso, senão vejamos.
A indústria petrolífera internacional constitui-se numa gigantesca cadeia produtiva, envolvendo milhões de trabalhadores, milhares de empresas, dezenas de Estados e governos, etc. De grande densidade social e econômica, esta cadeia envolve um arcabouço complexo de subsídios diretos e indiretos, explícitos e implícitos, com mecanismos sofisticados de autodefesa e sobrevivência. Tal estrutura complexa é o resultado da expansão capitalista nos últimos 120 anos, e não existem indícios visíveis de que tal sistema esteja com seus dias contados ou iniciando uma trajetória decadente. Muito pelo contrário, os preços atuais do barril de indicam que a cada dia os combustíveis fósseis se tornam um negócio ainda mais atraente.
É necessário ampliar a análise e se perguntar por que o petróleo chegou a tal lugar no centro da cadeia produtiva moderna. Este debate normalmente é dominado por justificativas técnicas e operacionais, mas entendo que tais alegações só servem para encobrir a verdadeira razão pela qual ele e os demais combustíveis fósseis, como o gás natural e o carvão, estão na base da matriz energética mundial.
Tais cadeias produtivas, pela sua natureza, exigem grandes concentrações de capital na construção, operação e manutenção dos seus processos de produção e distribuição. Na verdade, são instrumentos perfeitos de dominação e hegemonia capitalista. Alternativas energéticas somente encontrarão espaço para substituir fontes fósseis se tecnicamente permitirem manter ou construir mecanismos similares de dominação. Alternativas energéticas de características emancipatórias encontram diante de si barreiras políticas intransponíveis em todos os lugares, e somente em casos especiais, e muito específicos, como foi o caso brasileiro, poderão vingar como base de uma matriz energética, desde que não tenham grande impacto sobre o sistema internacional.
A marginalidade continuará sendo a marca característica de tais fontes e, acredito eu, não há messianismo, voluntarismo, ou mesmo vontade política localizada que possa modificar tal situação. O tamanho e a complexidade dos interesses políticos e econômicos mobilizados em torno de tal cadeia produtiva, envolvendo capitalistas e trabalhadores, dificilmente poderá ser modificado com eficácia através de discursos e ações localizadas.
Corre-se o sério risco de assistirmos à transferência pura e simples de mais recursos públicos para os cofres de grandes corporações por conta do discurso fácil e indefinido da “sustentabilidade”, aprofundando ainda mais as desigualdades no mundo em que vivemos.
 
A febre do petróleo e do gás natural

Nesse contexto, o que está acontecendo no Brasil pode sim servir de exemplo de como funciona a lógica capitalista com relação à energia. A analise do que está acontecendo em torno das reservas do Pré-Sal é bastante ilustrativa. Grandes forças políticas estão sendo mobilizadas em torno do petróleo e do gás, envolvendo boa parte do mundo político brasileiro, desde prefeitos das mais humildes cidades do interior, passando por vereadores, deputados estaduais, federais, senadores, o executivo até o judiciário, todas as suas esferas públicas estão mobilizadas em torno da discussão da partilha dos benefícios da exploração dessa fonte. Sem esquecer o engajamento direto das grandes federações de indústrias, centrais sindicais, universidades, imprensa e a comunidade científica.
Os anúncios de investimentos de recursos públicos não são questionados, e não existe debate público para definir os rumos dos investimentos. Não é demais afirmar que as principais forças organizadas da sociedade brasileiras estão vivendo a febre do petróleo. O debate do desenvolvimento futuro do Brasil está galvanizado em torno do petróleo e, ao que parece, o pensamento crítico nacional foi anestesiado pelo cheiro do óleo e do gás encontrado na costa brasileira.
O antigo sonho nacionalista, pelo qual a esquerda, e parte da direita, lutaram nos últimos 100 anos se realiza com a descoberta e exploração dos campos de petróleo a 350 km da costa brasileira, de frente para o principal mercado consumidor formado por São Paulo e Rio de Janeiro. Boa parte da sociedade brasileira percebe-se como protagonista de um momento de ruptura histórica, que está redefinindo as estruturas da produção capitalista brasileira, e por conseqüência, a estrutura social do país, que sente ter finalmente encontrado o seu futuro.
O sentimento é de que o Brasil finalmente recebeu seu passaporte, ou o bilhete premiado, para entrar no fechado clube dos países ricos, aqueles de dominam os processos de divisão da produção internacional.
Certamente que nesse cenário, os 45% de energia “limpa” poderá ser, em boa parte, queimado em nome do crescimento econômico, talvez, quem sabe, algo em torno de 27% poderá ser literalmente carbonizado na pira do desenvolvimentista, igualando o Brasil aos demais países “desenvolvidos” da OCDE, cuja grande meta é chegar em 2035 com uma matriz onde as fontes renováveis ocuparão um glorioso lugar de 18%1.
Declarações do poder público brasileiro, como as da presidenta Dilma no dia de sua posse, reafirmando o compromisso com a manutenção da proporção das fontes renováveis na matriz energética, encontram diante de si a crescente articulação de grandes interesses sociais e econômico em torno do petróleo. As ações concretas na direção de aumentar os investimentos em fonte renováveis para manter sua proporção atual na matriz energética, terão que ser adotadas, sinalizando que as ações ultrapassam o campo da retórica. O problema é que o Pré-Sal exige e exigirá muito mais recursos, e é grande a probabilidade dele se tornar um enorme sorvedouro do orçamento público e privado brasileiro nos próximos trinta anos.
Guardadas as devidas proporções, uma febre parecida está ocorrendo nos EUA, só que em torno do gás natural de xisto, também conhecido como “shale gas”, que promete reduzir consideravelmente a crescente dependência daquele país de fontes de energia no exterior. Após a publicação do relatório com o mapa internacional da mina pela USDA em abril de 2011[ii], é grande a probabilidade de que tal febre também contamine a Europa e China, onde estão grandes reservas, e até mesmo o Brasil, cujo potencial estimado das reservas próximas aos grandes centros consumidores, possivelmente não deixará o país de fora desse possível grande movimento de expansão capitalista.
O interessante e sintomático, é que tais movimentos estão ocorrendo concomitantemente com a chamada “primavera árabe”, na qual parece que aqueles povos estão divisando algumas luzes de autonomia e liberdade, ao custo de muito sangue, numa história de dominação brutal determinada pelo petróleo.
Ao que parece, a questão das fontes de energia continuará sendo fundamental para o sistema capitalista internacional, e não ha indícios de que a escolha das fontes deixará de ser determinada pela dinâmica da hegemonia e dominação do capital.
Daí enxergar a possibilidade de transformar as fontes de energias renováveis em solução para o combate ao aquecimento global ou instrumento de emancipação das comunidades parece ser um exercício sem grandes perspectivas de sucesso. Soluções tecnológicas para energia “mais limpas” são conhecidas do mundo cientifico desde a segunda metade do século XIX, e os lugares que elas ocupam nas esquecidas prateleiras empoeiradas das universidades e laboratórios só servem para demonstrar que a questão chave parece estar em outro lugar, no campo das opções de modelos de organização social da produção. Ao que parece, é grande a probabilidade de que qualquer coisa diferente disso resultará no aprofundamento e reafirmação da hegemonia do petróleo e numa longa e grave crise ambiental global.
Sem uma reflexão mais cuidadosa provavelmente a busca por um mundo capitalista movido à energias renováveis não passe de um belo sonho em uma noite de verão ou, em termos mais modernos e midiáticos, apenas um delírio na “primavera” energética.
Thulio Cícero Guimarães Pereira
Doutor em Sociologia Política e professor e pesquisador da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR. Atualmente desenvolve pós-doutorado em Planejamento Energético na COPEE/UFRJ.


[i]IEA - International Energy Agency. Energy. World Energy Outlook 2010. OECD/IEA, Paris, 2010, p. 622 e 690.

[ii]U.S. Department of Energy - USDOE.. World Shale Gas Resources: An Initial Assessment of 14 Regions Outside the United States. U.S. Energy Information Administration, Washington, D. C, April, 2011. Disponível em . Acesso em 15 ago. 2011.
Ilustração: Felipe Luigi

Somos uma cultura que não deu certo: o código florestal



Repito o que já escrevi aqui: o jornalista e especialista em questões ecológicas, Washington Novaes nos tem alertado, com dados seguros, dos riscos que passamos, caso não tomarmos mais a sério as mudanças que estão ocorrendo no estado do planeta Terra. Tudo isso será agravado,se o atual Código Florestal for aprovado. Parece que o Estado brasileiro não gosta da naturez, nem se preocupa com o futuro da Terra e da humanidade. Veja quanto destina para o Ministério do Meio Ambiente e com ele ao IBAMA? Apenas 0,5% do orçamento.Isso é fazer-nos ridículos face ao mundo e revelar o farisaismo de nossos discursos oficiais sobre preservação ambiental. O artigo de Novaes foi publicado no dia 4/11/2011 no Estado de São Paulo: lB

O CÓDIGO FLORESTAL NO MUNDO DA ESCASSEZ

Washington Novaes

Aproxima-se a hora de votações decisivas no Senado do controvertido projeto de lei sobre um novo Código Florestal. E crescem as preocupações, tantos são os pontos problemáticos que vêm sendo apontados por instituições respeitáveis como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a Academia Brasileira de Ciência, o Ministério Público Federal, o Instituto de Pesquisas da Amazônia, o Museu da Amazônia, os Comitês de Bacias Hidrográficas e numerosas entidades que trabalham na área, entre elas o Instituto SocioAmbiental e a SOS Mata Atlântica.
Não faltam motivos para preocupações graves. Entre elas: a possibilidade de transferir licenciamentos ambientais para as esferas estadual/municipal, mais suscetíveis a pressões políticas e econômicas; a anistia para ocupações ilegais, até 2008, de áreas de proteção permanente (reconhecidas desde 1998 como crime ambiental); a redução, de 30 para 15 metros, das áreas obrigatórias de preservação às margens de rios com até 10 metros de largura ( a proposta atinge mais de 50% da malha hídrica, segundo a SBPC); a isenção da obrigação de recompor a reserva legal desmatada em todas as propriedades com até 4 módulos fiscais (estas são cerca de 4,8 milhões num total de 5,2 milhões; em alguns lugares o módulo pode chegar a 400 hectares); a possibilidade de recompor com espécies exóticas e não do próprio bioma desmatado; nova definição para “topo de morro” que pode reduzir em 90% o que é considerado área de preservação permanente.
São apenas alguns exemplos. Há muitos. Para que se tenha idéia da abrangência dos problemas: o prof. Ennio Candotti (ex-presidente da SBPC), o Museu da Amazônia e outros cientistas lembram que naquele bioma há uma grande variedade de áreas úmidas, áreas alagadas, de diferentes qualidades (pretas, claras, brancas), baixios ao longo de igarapés, áreas úmidas de estuários etc.; cerca de 30% da Amazônia pode ser incluído entre as áreas úmidas e cada tipo exige uma regulamentação específica, não a regra proposta no projeto. No Pantanal, são 160 mil quilômetros quadrados.
Mas não bastassem todas essas questões, recentes portarias ministeriais (ESTADO, 29!10) e do Ministério do Meio Ambiente mudaram – para facilitar – os procedimentos obrigatórios para licenciamento de obras de infra-estrutura e logística, com o argumento de que há 55 mil quilômetros de rodovias, 35 portos e 12 mil quilômetros de linhas de transmissão de energia sem licenciamento – como se o problema estivesse nos órgãos ambientais, e não nos empreendedores/construtores.
E tudo isso acontece no momento em que as últimas estatísticas dizem que o desmatamento na Amazônia permanece em níveis inaceitáveis: em sete meses deste ano foram mais de 1.800 quilômetros quadrados, número quase idêntico ao de igual período do ano passado (Folha de S. Paulo, 1/11). E no momento em que se reduz a área de vários parques nacionais na Amazônia para facilitar a implantação de hidrelétricas questionáveis. Esquecendo a advertência do consagrado biólogo Thomas Lovejoy: o desmatamento no bioma já chegou a 18%; se for a 20%, poderá atingir o “turning point” irreversível, com conseqüências muito graves na temperatura e nos recursos hídricos, ali e estendidas para quase todo o país. É uma advertência reforçada por estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e Escritório Meteorológico do Hadley Centre, da Grã-Bretanha. Já o prof. Gerd Sparoveck, da USP (ESTADO, 26/10) adverte: o passivo com o desmatamento no país já é de 870 mil quilômetros quadrados.
E ainda se pode perguntar: mesmo admitindo a hipótese otimista de o Congresso rejeitar todas as mudanças indesejáveis – hipótese difícil, dado o desejo de grande parte dos congressistas de “agradar” o eleitorado ruralista e parte do amazônico (que vê no desmatamento oportunidade de empregos e renda) -, mudará o quadro, lembrando que o Ministério do Meio Ambiente (e, por decorrência, o Ibama) tem apenas cerca de meio por cento do orçamento da União ? Não esquecendo que o Ibama só tem conseguido receber cerca de um por cento das multas que aplica a desmatadores ?
Estamos numa encruzilhada histórica, reforçada pelo fato de a população do planeta haver chegado a 7 bilhões de pessoas e caminhar para pelo menos 9 bilhões neste século – o que exigirá o aumento da oferta de alimentos em 70%, quando o desperdício, hoje, nos países industrializados, chega a um terço dos produtos disponibilizados; quando nas discussões do ano passado na Convenção da Diversidade Biológica se demonstrou que o mundo perde entre US$2,5 trilhões e US$4,5 trilhões anuais com a “destruição de ecossistemas vitais”; quando a “pegada ecológica” da humanidade, medida pela ONU, indica que estamos consumindo mais de 30% além do que a biosfera planetária pode repor.
Nessa hora, em que o até ex-ministro Delfim Netto, que admite nunca haver se preocupado antes com a questão, manifesta (no livro O que os economistas pensam da sustentabilidade, de Ricardo Arnt) seu desassossego com a escassez de recursos naturais no mundo e a possibilidade de esgotamento, é preciso mudar nossas visões. Admitir que tudo terá de mudar – matrizes energética, de transportes, de construção, de urbanização, nível de uso de terra, água, minérios, tudo. Relembrar o que diz há décadas o PNUD: se todas as pessoas tiverem o nível de consumo do mundo industrializado, precisaremos de mais dois ou três planetas para supri-lo. A atual crise econômico-financeira está mostrando o quanto nos descolamos da realidade, com um giro financeiro anual (em torno de US$600 trilhões) dez vezes maior que todo o produto bruto no mundo no mesmo espaço de tempo (pouco mais de US$60 trilhões).
Se não nos dermos conta dessa insustentabilidade, razão terá o índio Marcos Terena, quando diz que “vocês (não-índios) são uma cultura que não deu certo”.

O rei está nu


Wikileaks e a comunicação proporcionada pela nova mídia contribuem para a criação de uma democracia de fato
  
Pedro Carrano, 
de Foz do Iguaçu (PR)


A página criada por Julian Assange, em 2006, na Suécia, ao expor mais de 250 mil documentos de vários Estados e embaixadas, revelou que vivemos em sociedades mal informadas, o que aumenta a demanda por uma democracia real e por mais transparência – dentro do raciocínio do jornalista Ignacio Ramonet.
Hoje, o grupo suspendeu suas atividades em busca de recursos, após o bloqueio feito pelas operadoras de cartões de crédito Visa, Mastercard, Paypal e Bank of America, em clara retaliação por parte de empresas e governos ao projeto. “Esse é provavelmente o mais forte ataque que Wikileaks sofreu (...) isso nunca aconteceu antes. Nós abrimos um sistema que esperamos nos traga nova informação para expor a corrupção”, disse o jornalista islandês Kristinn Hrafnsson durante o encontro.
Os idealizadores do Wikileaks se revelaram desapontados com a mídia corporativa dos países centrais, caso dos periódicos Der Spiegel (Alemanha), The Guardian (Inglaterra), El País (Espanha) e Le Monde (França), uma vez que nenhum deles mostrou interesse em estabelecer uma parceria na divulgação das informações. “A grande mídia não está acostumada a trabalhar junto, estão muito próximas aos governos, trabalhamos com organizações independentes, mais críticas, com bloggers”, narra, quem particularmente se revelou desapontado com o jornal New York Times (EUA), tido como um periódico de esquerda nos EUA.
As resoluções finais do I Encontro Mundial de Blogueiros se posicionaram contrárias a perseguições no espaço digital. “Os participantes condenam o processo de judicialização da censura e se solidarizam com os atingidos. Na atualidade, o WikiLeaks é um caso exemplar da perseguição imposta pelo governo dos EUA e pelas corporações financeiras e empresariais”, diz o documento final do encontro.

Desenvolvimento tecnológico e mudanças sociais

Numa conjuntura mundial pós-11 de setembro de 2001, marcada pelas invasões dos EUA e o bloco de países aliados contra o Afeganistão, Iraque e, recentemente, Líbia, o monopólio daqueles governos não foi apenas o de decidir sobre a guerra, mas também dominaram tudo o que se registrou sobre os conflitos. “Até poucos anos atrás, a CNN dominava a informação e hoje em dia está em crise e pode ser que desapareça. Perderam o monopólio da informação”, defende o jornalista Ignacio Ramonet, fundador do jornal Le Monde Diplomatique, em sua conferência durante o Primeiro Encontro Mundial de Blogueiros.
Hoje, com novos atores presentes nos blogs, redes sociais e páginas web, esse monopólio se acabou, o que provoca um stress nos meios tradicionais, de acordo com Ramonet. O jornalista espanhol faz a distinção entre o que seriam os “novos meios” frente à crise dos “meios tradicionais”. Nesse contexto, os Estados autoritários apresentam maiores dificuldades para controlar a informação.
Ramonet defende que os próprios profissionais jornalistas, frente a esses novos atores, enfrentam uma crise de função. “Os novos meios já não funcionam com a lógica dos meios tradicionais, do jornalista que busca só a informação. Estamos avançando para uma democratização da comunicação, não cabe dúvida de que temos avançado. A inteligência coletiva é superior à proeza individual, que é a lógica dos meios tradicionais”, polemiza.
Esse cenário gera um impacto sobre todo o ramo e a produção de informações, uma vez que observa-se hoje a “Produção de notícias com milhões de voluntários. O preço da informação abaixou enormemente, substituiu-se os jornalistas pelos blogueiros gratuitos (…) há um proletariado – e um mercenariado – do saber e da notícia, graças aos meios super abundantes”, afirma Ramonet, reconhecendo que esse quadro não é necessariamente sinônimo de liberdade de expressão. “São empresas (caso do Facebook) cotizadas na bolsa, se nutrem da nossa energia comunicadora, assim como as empresas telefônicas. Quanto mais nos comunicamos, mais enriquecemos os grandes conglomerados”, analisa Ramonet.
Na medida histórica, Ramonet defende que a atual revolução nos meios de comunicação em décadas recentes é algo só comparado ao que significou a invenção da imprensa por Gutemberg (1453). “Os câmbios estruturais na comunicação sempre repercutem nos câmbios na sociedade”, diz.