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por Silvio Caccia Bava no DIPLO-BRASIL | ||
As classes médias são algo difícil de entender. Talvez até porque sob
essa classificação convivam tribos muito diferentes. E são elas, no
entanto, que terão um papel decisivo nas próximas eleições, seja nos
Estados Unidos, seja na cidade de São Paulo. A disputa de significados não é sem razão. O conceito de classe média que for adotado vai abrir campos de identidades e de alianças. O conceito que se impõe, pela força que tem a lógica do mercado, é o da capacidade de consumo. A classe média, nesse caso, se define por sua capacidade de consumo. E como o aumento da capacidade de consumo do brasileiro mais pobre tem se elevado, isso abre espaço para uma operação ideológica, que é chamá-lo de classe média e reforçar a ideia de ascensão social, de que ele está melhorando de vida. Essa visão pretende que o povão apoie o governo e busque, nas eleições, a continuidade dessas políticas que o favorecem. No plano do imaginário social, essa operação é um sucesso, e o apoio ao governo da presidente Dilma demonstra isso. Um Brasil que cresce, que melhora a vida dos mais pobres. Esse é um sentimento compartilhado por uma grande maioria. Mas, no plano material, a realidade é outra. As melhorias são bastante limitadas, e o piso do qual partimos é muito baixo. Não estamos falando de uma sociedade de bem-estar. Acima de uma renda de R$ 530 por mês aqui no Brasil, você é classe média. Explico-me: o governo define que a classe média parte de R$ 1.740 e vai até quase R$ 8.000 de renda familiar mensal. O IBGE diz que uma família é composta em média de 3,3 pessoas. Então, façamos a conta: R$ 1.740 dividido por 3,3 pessoas é igual a R$ 527,27. Aí começa a classe média baixa, com uma capacidade de consumo de R$ 17,57 por dia. Esses brasileiros não são classe média, são pobres que melhoraram um pouco de vida. Seus valores, suas referências, são distintos dos da classe média. Mas há um esforço midiático para trazê-los à condição de classe média, para afirmar que mudaram de condição de vida, ascenderam socialmente. A aposta política é que eles vão lutar para manter as melhorias em sua condição de vida. O jogo é com o medo de perderem o que conquistaram. Nessa linha, terão de votar no governo, na continuidade das políticas públicas. Outra leitura parte de situações de crise, como na Grécia, onde as mobilizações de protesto contra os cortes nas políticas sociais ganharam a adesão das classes médias. Nesse caso, são outras forças políticas e sociais – trabalhadores, jovens, desempregados, aposentados – que puxam as mobilizações. E a classe média adere, atraída pela força do movimento. O recorte não se dá pela capacidade de consumo, mas pela luta para garantir direitos, para mudar as políticas de governo. Mas aí vem o paradoxo: ainda que tenham participado das mobilizações, essas classes médias reafirmaram seu apoio, nas eleições, aos setores conservadores. Provavelmente o conceito de classe média como ator político não se sustenta. Não conseguimos explicar com a mesma lógica os distintos comportamentos dos grupos sociais que a integram. Esse conceito tenta pasteurizar diferenças importantes e pode ter sido criado justamente para isso. A grande maioria dos participantes das manifestações que ocuparam as praças da Europa e dos Estados Unidos nos últimos meses é de jovens de classe média. Estariam eles influenciados pela Primavera Árabe, um amplo movimento popular? Há todo um conjunto de referências culturais que dão identidade às classes médias. Não é só a capacidade de consumo que as define. Afinal, se temos um torneiro mecânico e um advogado que ganham R$ 6 mil por mês, os dois são classe média? A classe média tem acesso à educação, vai ao cinema e à academia, frequenta bares e restaurantes, tem carro, vive em um mundo distinto do popular. E como podemos entender o movimento dos estudantes no Chile pela democratização do acesso à educação? É um movimento de juventude? É um movimento de classe média? Ou é os dois? Eles conquistaram a adesão de professores e sindicatos de trabalhadores para sua luta por uma educação pública, gratuita e de qualidade. Provavelmente o que chamamos de classe média também tenha outras identidades – jovem, mulher, gay, estudante etc. –, e talvez sejam essas outras identidades que irão buscar os melhores candidatos para a defesa de seus direitos. A trama eleitoral fica mais complexa.
Silvio Caccia Bava é editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quarta-feira, 9 de maio de 2012
Classes médias?
O ataque de O Globo à blogosfera
Por Maurício Caleiro, no blog Cinema & Outras Artes:via BLOG DO MIRO
Em editorial publicado hoje (08/05), O Globo, no afã de defender sua
comparsa de denúncias e factoides, a revista Veja, sobe o tom dos
ataques da mídia corporativa contra a blogosfera (veja reprodução
comentada no blog da Maria Frô).
A peça, que vem com as digitais do “imortal” Merval Pereira, intitula-se “Roberto Civita não é Rupert Murdoch”, e é nosso dever admitir que, ao menos no título, está certa. Com efeito, o megaempresário proprietário do jornal sensacionalista News of the World é acusado tão-somente de grampear meio mundo no Reino Unido, enquanto as acusações que pesam sobre a publicação de Civita são muito mais sérias - pois, como aponta Luis Nassif, "a parceria com Veja tornou Cachoeira o mais poderoso contraventor do Brasil moderno, com influência em todos os setores da vida pública".
Quem te viu, quem te vê: O Globo, um jornal sempre tão sensível às denúncias de corrupção, agora que a casa cai descarta como insignificante o envolvimento de Veja com o maior contraventor de nossos dias...
Folha corrida
A peça, que vem com as digitais do “imortal” Merval Pereira, intitula-se “Roberto Civita não é Rupert Murdoch”, e é nosso dever admitir que, ao menos no título, está certa. Com efeito, o megaempresário proprietário do jornal sensacionalista News of the World é acusado tão-somente de grampear meio mundo no Reino Unido, enquanto as acusações que pesam sobre a publicação de Civita são muito mais sérias - pois, como aponta Luis Nassif, "a parceria com Veja tornou Cachoeira o mais poderoso contraventor do Brasil moderno, com influência em todos os setores da vida pública".
Quem te viu, quem te vê: O Globo, um jornal sempre tão sensível às denúncias de corrupção, agora que a casa cai descarta como insignificante o envolvimento de Veja com o maior contraventor de nossos dias...
Folha corrida
Em post
Em histórico, Nassif, que tem o mérito indiscutível de ter revelado com
grande antecedência o grau de perversidade das práticas de Veja -
sofrendo retaliações judiciais e ataques a sua família -, elenca nada
menos do que nove suspeitas "que necessitam de um inquérito policial
para serem apuradas",advindas das relações da publicação com Daniel
Dantas e com Carlos Cachoeira. Há desde invasão de quarto de hotel até
publicação de matéria falsa, passando por tentativa de manipulação da
Justiça e negligência para informar o público como forma de beneficiar o
esquema do bicheiro nos Correios.
Temos, portanto, uma vez mais, de concordar com o perspicaz editorialista: “Comparar Civita a Murdoch é tosco exercício de má-fé”.
Tática desqualificadora
Temos, portanto, uma vez mais, de concordar com o perspicaz editorialista: “Comparar Civita a Murdoch é tosco exercício de má-fé”.
Tática desqualificadora
O Globo – que ajudou a repercutir quase todas as denúncias deVeja contra
o governo federal – abre o editorial cuspindo fogo: “Blogs e veículos
de imprensa chapa branca que atuam como linha auxiliar de setores
radicais do PT desfecharam uma campanha organizada contra a revista
'Veja'”.
É a mesma lenga-lenga de sempre, tentar desautorizar a opinião divergente desqualificando-a como ideológica e partidariamente engajada (como se as do jornal não o fossem...). Pior: trata-se de uma dupla mentira. Primeiro, porque qualquer analista que se dedicar a examinar, com isenção, os blogs até agora citados neste post – o de Maria Frô, o de Nassif e este aqui -, além de vários outros, há de constatar a presença de diversos textos críticos em relação ao governo federal (sendo que cansei de ler acusações raivosas, por parte de governistas, a mim e a Frô devido a nossas ponderações).
Jornalismo partidário
É a mesma lenga-lenga de sempre, tentar desautorizar a opinião divergente desqualificando-a como ideológica e partidariamente engajada (como se as do jornal não o fossem...). Pior: trata-se de uma dupla mentira. Primeiro, porque qualquer analista que se dedicar a examinar, com isenção, os blogs até agora citados neste post – o de Maria Frô, o de Nassif e este aqui -, além de vários outros, há de constatar a presença de diversos textos críticos em relação ao governo federal (sendo que cansei de ler acusações raivosas, por parte de governistas, a mim e a Frô devido a nossas ponderações).
Jornalismo partidário
A outra mentira é a afirmação de que se trata de uma “campanha
organizada”. O que move a maioria absoluta da blogosfera não é uma
inexistente palavra de ordem partidária, mas a genuína indignação pelo
estado a que chegou o jornalismo brasileiro após uma década de ação
irracional, não profissional, esta sim partidarizada (como a própria
Judith Brito, executiva do Grupo Folha e sindicalista patronal, admitiu,
com a insolência característica).
Uma ação, por um lado, descaradamente engajada na defesa do grande capital, do demotucanato e do mercado financeiro (como a reação ante o corte de juros promovido pelo governo federal ilustra de forma inconteste); por outro lado, hidrófoba no trato com tudo o que diga respeito a avanços sociais, democracia racial e o cumprimento, ainda que tímido, do programa das forças de centro-esquerda que venceram, de forma legítima, as eleições.
Inverdades a granel
Uma ação, por um lado, descaradamente engajada na defesa do grande capital, do demotucanato e do mercado financeiro (como a reação ante o corte de juros promovido pelo governo federal ilustra de forma inconteste); por outro lado, hidrófoba no trato com tudo o que diga respeito a avanços sociais, democracia racial e o cumprimento, ainda que tímido, do programa das forças de centro-esquerda que venceram, de forma legítima, as eleições.
Inverdades a granel
Esperar que o editorialista de O Globo admitisse tais fatos seria o
cúmulo da ingenuidade. Ao invés disso, ele prefere gastar parágrafos
numa digressão sobre ética jornalística em que, citando até os
“Prinípios Editoriais das Organizações Globo” - pausa para a gargalhada –
faz uma tremenda ginástica verbal para fingir não apenas que os
procedimentos de Veja não pertencem à esfera criminal, mas que são
eticamente legítimos. Mais cara de pau impossível.
Por fim, o editorial recorre a mais uma inverdade, ao afirmar que “não houve desmentidos das reportagens de 'Veja' que irritaram alas do PT”, emendando com uma das poucas afirmações verdadeiras da peça: “Ao contrário, a maior parte delas resultou em atitudes firmes da presidente Dilma Roussef, que demitiu ministros e funcionários, no que ficou conhecido no início do governo como uma faxina ética.”
Dilma e a mídia
Por fim, o editorial recorre a mais uma inverdade, ao afirmar que “não houve desmentidos das reportagens de 'Veja' que irritaram alas do PT”, emendando com uma das poucas afirmações verdadeiras da peça: “Ao contrário, a maior parte delas resultou em atitudes firmes da presidente Dilma Roussef, que demitiu ministros e funcionários, no que ficou conhecido no início do governo como uma faxina ética.”
Dilma e a mídia
Neste ponto só nos resta lamentar, por um lado, que o editorialista de O
Globo trate seus leitores como idiotas, ao negligenciar-lhes o fato
óbvio de que houve um cálculo político – em que pesou o receio de que o
bombardeio denuncista midiático pudesse afetar a governabilidade e o
grau de aprovação da administração– a motivar a decisão de Dilma em
relação à maioria das demissões.
Por outro lado – e provando inverídica, uma vez mais, a acusação de chapa-branquismo – é preciso reafirmar nossa posição contrária à maneira como Dilma Rousseff administrou suas relações com a mídia no primeiro ano de seu governo, cortejando-a e cedendo com tibieza às pressões advindas das denúncias e factoides, ao invés de reagir de forma condizente e fazer valer o poder do Executivo no sentido de pressionar por um jornalismo ético.
Crise de confiança
Por outro lado – e provando inverídica, uma vez mais, a acusação de chapa-branquismo – é preciso reafirmar nossa posição contrária à maneira como Dilma Rousseff administrou suas relações com a mídia no primeiro ano de seu governo, cortejando-a e cedendo com tibieza às pressões advindas das denúncias e factoides, ao invés de reagir de forma condizente e fazer valer o poder do Executivo no sentido de pressionar por um jornalismo ético.
Crise de confiança
A blogosfera política é muito mais ampla e diversificada do que O Globo
quer fazer crer – e ele poderia facilmente constatar tal fato se se
propusesse a praticar jornalismo de verdade ao invés de se enlamear em
tramas fantasiosas, denuncismo tendencioso e associações suspeitas.
O crescimento e o peso crescente da blogosfera e das redes sociais como fatores de contrainformação não pode ser explicado pela fórmula simplista do engajamento partidário. Tal sucesso advém, em larga medida, justamente da descrença no consórcio Abril-Rede Globo-Grupo Folha, descrença esta que tende a se difundir exponencialmente à medida que as reportagens da TV Record sobre a Veja atingirem um público exponencialmente maior.
Um editorial como o de O Globo de hoje só açula o descrédito e a desconfiança em relação ao jornalismo que o jornal pratica e que endossa.
O crescimento e o peso crescente da blogosfera e das redes sociais como fatores de contrainformação não pode ser explicado pela fórmula simplista do engajamento partidário. Tal sucesso advém, em larga medida, justamente da descrença no consórcio Abril-Rede Globo-Grupo Folha, descrença esta que tende a se difundir exponencialmente à medida que as reportagens da TV Record sobre a Veja atingirem um público exponencialmente maior.
Um editorial como o de O Globo de hoje só açula o descrédito e a desconfiança em relação ao jornalismo que o jornal pratica e que endossa.
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Procurador-Geral de Justiça do estado
Inês do Amaral Büschel no CORREIO DA CIDADANIA |
Esse é o nome do cargo do chefe do Ministério Público
Estadual. Entretanto, é muito comum as pessoas, em geral, confundirem
essa denominação com a do chefe da Procuradoria-Geral do Estado, que é o
nome do cargo da chefia do quadro dos Procuradores do Estado. Ambos são
cargos de âmbito estadual, todavia, esses profissionais exercem funções
públicas bem distintas. O Procurador-Geral de Justiça é membro do
Ministério Público, portanto não exerce a advocacia pública, que lhe é
vedada. O Procurador-Geral do estado, por sua vez, é um advogado
público, integrante da carreira de Procuradores do Estado. Ambos
ingressam em suas carreiras por intermédio de concursos públicos, porém
diferentes.
Para melhor entendimento dessas funções públicas, é
sempre bom lembrar que o Ministério Público é uma instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da Constituição Federal).
Saliente-se aqui que o MP tem o monopólio da ação penal pública, podendo
processar criminalmente a todos nós e às autoridades constituídas,
inclusive. Seus membros têm a garantia da vitaliciedade, inamovibilidade
e irredutibilidade de subsídios, além de terem assegurada,
constitucionalmente, a independência funcional.
Quanto à Procuradoria do Estado (advogados públicos),
diz a Constituição Federal em seu artigo 132 que esses profissionais
exercem a representação judicial e a consultoria jurídica das
respectivas unidades federadas. Têm assegurada a estabilidade.
Quero aqui abordar a regra constitucional que determina a
forma pela qual um membro do Ministério Público Estadual conquista o
cargo de Procurador-Geral de Justiça. Trata-se do artigo 128, II, § 3º
(CF): "Os Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal e
Territórios formarão lista tríplice dentre integrantes da carreira, na
forma da lei respectiva, para escolha de seu Procurador-Geral, que será
nomeado pelo chefe do Poder Executivo para mandato de dois anos,
permitida uma recondução".
Essa mesma redação acima citada veremos repetida na Lei
Orgânica Nacional do Ministério Público, nº 8.625/93, artigo 9º, que no
seu § 1º diz: "A eleição da lista tríplice far-se-á mediante voto plurinominal de todos os integrantes da carreira". Faz-se importante mencionar também que o § 2º desse mesmo artigo diz: "A
destituição do Procurador-Geral de Justiça, por iniciativa do Colégio
de Procuradores, deverá ser precedida de autorização de um terço dos
membros da Assembléia Legislativa".
A partir da regra constitucional e da regra legal
federal acima citadas, cada estado da República Federativa brasileira
tem sua própria Constituição Estadual e fará editar sua lei estadual,
regulamentando tal eleição. Tomarei aqui como exemplo o estado de São
Paulo. A Constituição Estadual paulista determina em seu artigo 20,
XXIII, que compete, exclusivamente, à Assembléia Legislativa "destituir o Procurador-Geral de Justiça, por deliberação da maioria absoluta de seus membros"; e, no artigo 94 manda que "Lei Complementar, cuja iniciativa é facultada ao Procurador-Geral de Justiça, disporá sobre [...] II - elaboração
de lista tríplice, entre integrantes da carreira, para escolha do
Procurador-Geral de Justiça pelo Governador do Estado, para mandato de
dois anos, permitida uma recondução".
Pois bem, dando seqüência, a Lei Complementar Estadual
de São Paulo acima mencionada é a de nº 734/93. O artigo 10 dessa lei
diz: "O Procurador-Geral de Justiça será nomeado pelo chefe do Poder
Executivo, dentre os Procuradores de Justiça integrantes de lista
tríplice elaborada na forma desta lei complementar, para mandato de dois
anos, permitida uma recondução, observado o mesmo procedimento". Logo em seguida, no § 1º desse artigo 10, lemos: "Os
integrantes da lista tríplice a que se refere este artigo serão os
Procuradores de Justiça mais votados em eleição realizada para essa
finalidade, mediante voto obrigatório, secreto e plurinominal de todos
os membros do Ministério Público do quadro ativo da carreira".
O § 2º desse mesmo art. 10, por sua vez, determina que: "Caso
o chefe do Poder Executivo não efetive a nomeação do Procurador-Geral
de Justiça nos quinze dias que se seguirem ao recebimento da
lista-tríplice, será investido automaticamente no cargo o membro do
Ministério Público mais votado, para exercício do mandato".
Vê-se que não há regra jurídica que obrigue o governador
do estado a nomear o candidato mais votado na lista tríplice composta
pelos membros do MP. Ao chefe do Poder Executivo é assegurada a livre
escolha de qualquer um dos componentes da referida lista, mesmo que este
venha a ser o terceiro colocado.
Daí surge a pergunta: por que, então, realizar-se a
eleição interna com voto obrigatório? Parece-nos à primeira vista uma
exigência ilógica. Bem, mas teremos que raciocinar com o seguinte dado
de realidade: a) o MP não é, formalmente, um poder constituído de nossa
República Democrática, que adotou a tripartição do poder em Legislativo,
Executivo e Judiciário; b) os membros do MP - tais quais os juízes de
direito - não são eleitos, mas sim concursados, e são vitalícios.
Portanto, considerando-se que todo o poder emana do povo soberano, quem
detém a legitimidade do poder popular é o governador eleito. Estaria aí a
razão para somente o chefe do Executivo ter o poder de escolha do PGJ, e
de sua nomeação.
Mas não nos parece estranho que o governador possa
escolher, sozinho, dentre os componentes da lista tríplice formada por
eleição, o seu possível acusador de crimes que, por desventura, venha a
cometer? Isso não fere a autonomia funcional do MP? Afinal, nem os
governadores são santos e nem os membros do MP são anjos. É fato que,
sendo pessoas de carne e osso, bem instruídas formalmente, costumam
pautar-se pelo bem comum. Todavia, não estão a salvo de praticar crimes.
Os meios de comunicação nos informam, vez ou outra, da má conduta de
alguns agentes públicos. Portanto, todo cuidado é pouco. O povo precisa
acautelar-se com os desmandos praticados tanto por burocratas, como por
juízes de direito, legisladores e governantes.
O atual perfil constitucional do Ministério Público
surgiu na época da reconquista do regime democrático pelo povo
brasileiro, após duas décadas de vigência de uma ditadura civil-militar
que governou com pleno arbítrio. No transcorrer da elaboração de nova
Carta Magna, na Assembléia Nacional Constituinte (1986-1988), debateu-se
como deveria compor-se a instituição que, no futuro, viesse a defender
toda a sociedade de qualquer ameaça de arbítrio. Era preciso que seus
membros tivessem garantias institucionais para poder enfrentar
interesses escusos de poderosos. Mas, por outro lado, a cidadania exigia
que houvesse uma forma de contrapeso e/ou accountability dessa
instituição. Nos embates políticos entre os parlamentares conservadores
e progressistas da época, restou entendido que melhor seria o
governador do Estado escolher o PGJ em lista tríplice, que lhe seria
oferecida após eleição interna.
Nesse período da Assembléia Nacional, ainda no âmbito da
Comissão de Organização dos Poderes e Comissão de Sistematização, entre
os meses de junho-julho de 1987, havia a sugestão de que caberia ao
próprio MP a eleição de seu Procurador-Geral e ponto final. Porém, logo
no mês de agosto seguinte, já aparece a menção à feitura de uma lista
tríplice. Por fim, com a formação do famigerado "Centrão" (núcleo de
parlamentares conservadores) é que surge a idéia de eleição de uma lista
tríplice pelos membros da carreira do MP, para ofertá-la ao chefe do
Poder Executivo que teria livre escolha. Esta sugestão foi a que
prevaleceu e consta do texto da atual Constituição Federal de 1988.
Passados mais de vinte anos da vigência de nossa
Constituição, percebemos a incoerência dessa regra. O chefe do Poder
Executivo não pode concentrar tal poder político sobre o seu eventual
acusador criminal. Já basta que é o governador quem tem a "chave do
cofre público". Essa situação incoerente fomenta, a cada eleição de PGJ,
a realização de nefastos lobbies, tanto de grupos internos como externos, visando obter o beneplácito do governador.
É um tanto ridículo tudo isso. O povo trabalhador - que
detém todo o poder - está afastado dessas ingerências e, em geral, nada
sabe sobre esses fatos. Nem mesmo a sociedade civil organizada – por
exemplo, os movimentos sociais – sabe ao certo o que faz o
Procurador-Geral de Justiça. Mas é preciso que todo o povo saiba disso.
Não só a escola, mas também os meios eletrônicos de comunicação de massa
deveriam ter a iniciativa de instruir a população sobre isso, fazendo
uma eficiente divulgação.
Aos integrantes do MP que, a cada época de eleição do
PGJ se revoltam com a não nomeação do candidato mais votado, seria
importante que se mobilizassem politicamente pela mudança da regra
constitucional. Nesse sentido já existe uma Proposta de Emenda
Constitucional tramitando no Senado Federal: a PEC 31/2009.
Enquanto essa luta se trava no Congresso Nacional, será
preciso que os membros do MP prestem muita atenção ao eleger seu
governador. E, por outro lado, também é necessário que se aproximem mais
do povo trabalhador que, via de regra, é desrespeitado pelo Poder
Público. Eu só tenho a lamentar que uma expressiva maioria de Promotores
e Procuradores de Justiça esteja, a cada dia, distanciando-se dos
cidadãos pobres deste país. Já não se ocupam tão bem do atendimento ao
público, ao menos com o rigor que se exigiria de um ombudsman.
Nem mesmo o Ouvidor do MP é eleito pela sociedade civil organizada, mas
sim é designado pelo PGJ - após eleição interna ou não - entre
integrantes da própria carreira. Um absurdo.
Penso que cada membro do Ministério Público deveria
indignar-se com a obscena desigualdade social brasileira e, diante
disso, adotar como meta a exigência de primorosa eficiência nos serviços
públicos de relevância, tais como: acesso à justiça, segurança pública,
transporte, saúde, educação e moradia. Isso já proporcionaria bem-estar
para a população pobre e de classe média. Os cidadãos abastados também
merecem proteção, todavia, já têm dinheiro e meios suficientes para
suprir suas necessidades básicas.
Por último, com relação à forma de escolha do PGJ,
gostaria de sugerir o seguinte: a) vimos que, legalmente, cabe à
Assembléia Legislativa a eventual destituição do PGJ; b) por outro lado,
sabemos que o MP detém muito poder político-jurídico, e isso impõe a
necessidade de contrapeso/accountability; c) seria, então,
muito melhor que tirássemos do Poder Executivo a faculdade de escolha do
PGJ e o transferíssemos à Assembléia Legislativa, que é a verdadeira
Casa do Povo. Teria então a Assembléia a possibilidade de aprovar por
maioria absoluta o candidato mais votado na lista tríplice. A luta
política se daria no campo parlamentar e seria mais legítima, difusa e
representativa.
Inês do Amaral Büschel é Promotora de Justiça de São Paulo, aposentada; associada do Movimento do Ministério Público Democrático.
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