quarta-feira, 6 de abril de 2011

Governo do RS apresenta metas para a Educação nos próximos quatro anos

No blog Tomandonacuia


O Secretário da Educação do Estado do Rio Grande do Sul, José Clóvis de Azevedo, apresentou nesta terça-feira (05) em audiência pública da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa diagnóstico da situação atual da rede pública estadual de ensino, as políticas previstas e o plano de trabalho da secretaria para o período 2011-2014. O requerimento de audiência foi apresentado pelos deputados petistas Alexandre Lindenmeyer, Ana Affonso e Marisa Formolo.

O secretário destacou que o plano de trabalho da SEDUC tem como principio norteador a democratização da escola em três dimensões: o acesso, a gestão democrática e a recuperação do papel político dos conselhos escolares. José Clovis também destacou que um dos objetivos da Secretaria é melhorar a qualidade da aprendizagem e ampliação do conhecimento.

O secretário antecipou que será aberto um processo de debate com a sociedade e a comunidade escolar, valorizando espaços como o da Conferência Estadual de Educação. O secretário também abordou a necessidade da modernização tecnológica e da recuperação física da rede escolar, prioridades para os próximos quatro anos. A SEDUC está elaborando um diagnóstico da situação física da rede escolar com o objetivo de recuperar e qualificar bibliotecas, laboratórios e ampliar a informatização administrativa e pedagógica.

A universalização do ensino fundamental, segundo José Clovis, trouxe uma modificação extraordinária na escola pública, que passou a hospedar uma nova composição social ao incluir milhões de jovens originários das classes populares de baixa renda no sistema, alterando um ambiente quase exclusivo da classe média. Por isso, segundo o secretário, esse novo cenário de escola pública traz também um novo desafio pedagógico e uma nova concepção de avaliação, onde se faz necessário o acolhimento a esses estudantes e o estímulo para que não abandonem o aprendizado.

Ensino médio

Os dados apresentados pelo secretário revelam um quadro preocupante no ensino médio, devido ao alto nível de reprovação e abandono da sala de aula por parte dos estudantes. Segundo ele, há uma redução de quase 40% do número de matrículas e o desafio da Secretaria nestes quatro anos é reverter esse cenário. A meta de trabalho é diminuir a evasão e a reprovação. “A não aprendizagem não é um problema só dos alunos. É um problema do sistema educacional e da forma de atuação pedagógica, pois a escola tem o dever de despertar nos alunos o desejo de estudar”, afirmou.

José Clóvis assegurou, ainda, que a educação profissional terá uma dedicação especial, tendo como meta elevar em 50% o número de matrículas ma ensino técnico nos próximos quatro anos.

O estímulo para a formação de novos professores também é uma prioridade para o governo Tarso Genro. Segundo o secretário, a médio e longo prazos faltarão professores, devido ao esvaziamento generalizado dos cursos de licenciatura, principalmente nos campos de conhecimento da matemática, física e química. Com o objetivo de reverter esse quadro, a SEDUC promoverá convênios com universidades para a formação permanente para o educador, investindo na especialização e extensão universitária dos educadores. No que tange à valorização dos trabalhadores em educação, o secretário confirmou como meta a realização de concurso público, pagamento das promoções atrasadas e a recuperação salarial com o avanço gradativo para o piso nacional e integração gradativa do piso no vencimento básico.

A luta vitoriosa de 72 famílias gaúchas de sem terra por um pedaço de chão


Assentados recolhem o arroz cultivado sem agrotóxico - Ramiro Furquim/Sul21

Igor Natusch no Sul21

Para muitos, um pedaço de terra é mais do que uma conquista: é uma luta que nunca se encerra. Depois das longas marchas, das ocupações e da espera pela desapropriação, vem outra etapa para aqueles que, até este momento, chamávamos de sem terra. Com poucos recursos, muitas vezes sem conhecer bem o chão onde construirão os alicerces de seu futuro, resta a centenas de famílias o esforço para tirar do solo o que dele se espera. O assentamento, longe de ser o final de uma saga, é apenas o começo de um novo e longo episódio.
Desde os três anos de idade, Jaqueline Nunes conhece como poucos os caminhos poeirentos da luta por um pedaço de chão. Vinda de uma família de pequenos agricultores, Jaqueline foi criada em meio a barracas, nos acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), espalhados pelo interior do Rio Grande do Sul. Debaixo de uma lona, encarou durante anos o calor do verão eas chuvas geladas do inverno. Aos 18 anos, decidiu sair do assentamento onde morava com a família, em Nova Santa Rita, para construir a própria história. Foram mais 3 anos e 9 meses em meio à escassez, buscando por um lugar onde cultivar uma nova vida.
Desde 2007, Jaqueline faz parte das 72 famílias que vivem no Assentamento Apolônio de Carvalho, em Eldorado do Sul (RS). Dessas, 53 se dedicam atualmente ao cultivo de arroz orgânico, em uma área que se estende por 534 hectares. “O orgânico para mim é mais natural, porque eu sempre estive no meio disso”, conta Jaqueline, que também atua como coordenadora regional do MST. Seu pai, assentado em Nova Santa Rita, foi um dos primeiros agricultores ligados ao movimento a cultivar verduras ecológicas. Atualmente, vende seus produtos em Porto Alegre, em uma feira promovida pelo Incra.
Segundo dados do Incra/RS, a área de cultivo de arroz agroecológico no RS alcançou 3,8 mil hectares em 2011, superando os 2,1 mil do ano passado. O número de famílias envolvidas com o cultivo, feito sem aditivos químicos, também aumentou: de 211 famílias em 2010, agora são 428. Os produtores vivem em 16 assentamentos, espalhados por 11 municípios. A maioria deles ligados à reforma agrária. Realidade na qual o assentamento onde Jaqueline mora se insere, de forma oficial, pela primeira vez.
O Assentamento Apolônio de Carvalho foi escolhido pelo governo gaúcho para a inauguração da oitava colheita de arroz orgânico de 2011. O lançamento aconteceu no dia 17 de março, com a presença do governador Tarso Genro e de secretários estaduais. Depois da festa, da visita dos engravatados e do governador chegando de helicóptero, ficou o trabalho para fazer. E as perspectivas são boas. Em alguns pontos, os assentados estimam mais de 120 sacos de arroz por hectare — uma média maior do que a das fazendas das redondezas, que cultivam o cereal de forma convencional, com uso de aditivos químicos. “Eles ficam falando ‘poxa, nós plantamos arroz convencional e colhemos 80 ou 90 sacos por hectare. Como é que eles conseguem?’”, diz Jaqueline.

Jaqueline Nunes: luta pela terra durou bastante tempo - Ramiro Furquim/Sul21
A maioria das famílias, segundo Jaqueline, tinha a ideia inicial de trabalhar com leite. Mas as condições do terreno inviabilizaram o projeto e forçaram os assentados a uma mudança de rota. “A nossa terra aqui só dá mesmo para arroz”, afirma Josino de Jesus, outro agricultor que encontrou no Apolônio de Carvalho a chance de controlar o próprio destino. “O terreno é muito molhado, não dá para cultivar plantas secas”. Jaqueline explica que algumas famílias, pela falta de experiência, tiveram resistência em plantar o orgânico. “É uma cultura meio arriscada, porque é muito investimento. Se der um erro humano perde a produção e fica endividado para o resto da vida”.
Uma das formas de contornar essa inexperiência é a parceria estabelecida com agricultores de Tapes, já acostumados a lidar com o cultivo de arroz. É uma troca simples: os assentados de Eldorado do Sul entram com a terra, e Tapes empresta os tratores, fundamentais para a colheita. Além disso, a troca de experiências é valiosa para os iniciantes no cultivo de arroz agroecológico. “Nossa ideia é ir aprendendo, adquirindo equipamento e nos tornando cada vez mais autônomos”, explica Jaqueline.

“Por que tu não acampa e pega um pedaço de terra?”

Josino de Jesus nasceu em Caçapava do Sul, filho de agricultores. A decisão de lutar por um pedaço de chão, porém, surgiu em Porto Alegre. “Vim trabalhar com um doutor aqui em Porto Alegre, e tinha um acampamento perto de onde eu trabalhava. E aí esse doutor me disse: por que tu não vai acampar lá com eles e pegar um pedaço de terra?” Jesus, como é conhecido no assentamento, achou que era uma boa ideia, e juntou-se ao acampamento. “Foi ele quem me levou lá, inclusive. Faz uns 7 anos”.
Hoje em dia, Jesus cuida não só da plantação de arroz, mas também de uma das hortas que diversificam a produção do assentamento. “Já entreguei aipim, milho verde, abóbora”, lista ele. As hortas ajudam, também, a aproximar o assentamento de um equilíbrio autossustentável. “Algumas famílias buscam alternativas”, explica Jaqueline Nunes. “Arroz é uma vez por ano. Dá para fazer até 7 mil reais de renda por ano, mas se a gente fizer essa divisão por mês, vai dar uns 400 ou 500 reais, às vezes menos que um salário mínimo. Tem muitas famílias, como a do Jesus, vendo essa questão de horta. A horta já é uma renda mensal que ele vai ter. Tem famílias que estão fazendo queijo. Já são outras rendas, mesmo que a gente saiba que a renda maior é mesmo a do arroz”.
Para ampliar a capacidade produtiva, a solução é contar com fomentos do Incra. O assentamento já conseguiu duas parcelas de recursos junto ao órgão, e atualmente pleiteia uma terceira. Além disso, os trabalhadores rurais contam com fundos de investimento do Pronaf. Os assentados assentados podem investir estes recursos em equipamentos para plantio e colheita, além de melhorias úteis para o seu dia a dia. Existem também planos para empreendimentos coletivos, como a construção de um silo.

Josino de Jesus: "Não dá para cultivar plantas secas" - Ramiro Furquim/Sul21
“Podemos formar grupos de cinco ou seis famílias para adquirir um trator, para grades, esses implementos maiores”, comenta Jaqueline. “A família pode optar. Se ela diz que vai ficar no arroz, tem como investir em trator, comprar os implementos todos. Outros optam por trabalhar com leite, mas para nós aqui é bem mais complicado, por causa das características do terreno. Provavelmente 90% das famílias vão ficar no arroz mesmo”.

Terreno pertencia a traficante internacional de drogas

A terra que hoje fornece alimento para a merenda escolar de milhares de estudantes em todo o Brasil já foi utilizada para propósitos bem menos nobres. Mais precisamente aos negócios escusos do traficante internacional Juan Carlos Ramirez Abadía. O terreno era parte das quase infidáveis posses do colombiano Abadía no Brasil, mas não era usado para o cultivo ou produção de drogas. Era, isso sim, um gigantesco haras, no qual o traficante criava cerca de 15 cavalos de raça. “Os cavalos eram criados à base de chocolate. Chocolate mesmo, alfafa e chocolate!”, admira-se Jaqueline.

Traficante colombiano criava 15 cavalos nas terras que agora produzem arroz orgânico - Ramiro Furquim/Sul21
Muito bem alimentados de cacau, os cavalos descansavam em grandes baias, enquanto o proprietário do terreno pensava em investimentos ainda mais altos. A ideia de Abadia, segundo os atuais moradores do assentamento, era construir no local uma das maiores arenas de rodeio da América Latina. No entanto, a Justiça alcançou Abadía antes que as obras tivessem início, e frustrou os planos empreendedores do traficante internacional.
As origens pouco nobres da terra acabaram sendo positivas para o MST na luta pelo apoio da comunidade. O que não quer dizer que o assentamento tenha acontecido sem sobressaltos. “Foi uma ocupação que durou bastante tempo”, explica Jaqueline. Durante 58 dias, os trabalhadores rurais ficaram no terreno, esperando uma definição, sem aceitar os argumentos usados para convencê-los a sair. “Eles (governo) não tinham argumentos para as famílias”, diz Jaqueline. “Nosso argumento era de que queríamos produzir, e eles não tinham elementos para nos contestar, porque era terra de traficante, de lavagem de dinheiro. Mas acabou sendo bom, porque a sociedade ficou do nosso lado. Conseguimos fazer esse diálogo”.

Mãe de Jaqueline foi presa no confronto da Praça da Matriz

A mãe de Jaqueline Nunes, Elenir, foi uma das pessoas presas após o tristemente notório incidente na Praça da Matriz, em 1990, quando uma violenta tentativa de dispersar agricultores resultou na morte de Valdeci de Abreu Lopes, cabo da Brigada Militar. O fato marcou o MST, que a partir dali passou a ser visto por muitos como uma organização criminosa — imagem que, para vários setores, segue intocada. “Foi uma coisa que marcou muito”, admite Jaqueline, em um dos poucos momentos em que seu olhar desvia do interlocutor e volta-se para o vazio.
Sete pessoas foram presas pela morte de Valdeci. Durante anos, a versão oficial foi de que, agredido por uma foice, o cabo teria atirado a esmo uma ou duas vezes antes de tombar morto. Mais tarde, os autos do processo relevaram outra versão: a de que o golpe fatal teria sido provavelmente uma atitude de defesa, após os disparos, já que uma pessoa golpeada na artéria carótida perde os sentidos quase que imediatamente.
Dos sete presos, a mãe de Jaqueline foi a única mulher. Aparentemente, nenhum dos que assumiram a responsabilidade estava de fato envolvido no crime. Ao levarem a culpa pela morte do policial militar, eles seguiram o princípio do MST de não personalizar ações. Elenir Nunes foi uma das pessoas baleadas por Valdeci — vítima dos tiros, acabou transformada pelo inquérito em culpada de assassinato.
O confronto na Praça da Matriz acabou marcando decisivamente a relação entre Jaqueline Nunes e a mãe. A filha evita detalhes, não se aprofunda na história, mas admite que pouco viu Elenir nos anos de prisão e que passou a ser filha de “duas famílias”. Hoje, ela tem uma terceira família: a própria. Seu marido trabalha longe, voltando apenas nos finais de semana; seu filho passa a maior parte do tempo na escola ou sob os cuidados da madrinha. Enquanto isso, Jaqueline trabalha em nome do MST, ajudando outras famílias a colocar um fim na caminhada em busca de terra.

“Diziam que eu ia chegar aqui para plantar sapo”

“Chega de caminhar”, disse Doroti Carpes, após anos de marchas e acampamentos. Ela e o marido participaram da marcha até São Gabriel, que cruzou o Rio Grande do Sul em 2003, e permaneceram durante três anos e meio em um pré-assentamento em São Borja. “Era marcha e marcha, luta e luta. A gente parava de caminhar já de noite; os pés ficavam inchados”, conta ela. Depois de tanto andar, Doroti resolveu abraçar a chance e vir até Eldorado do Sul. “Diziam para mim: mas tu vai para lá para plantar sapo!  E eu disse que não tinha problema: vou plantar sapo se precisar”, lembra, rindo.

Doroti Carpes: "Vou plantar sapo, se precisar" - Ramiro Furquim/Sul21
Chegando ao assentamento, a água acabou se mostrando, de fato, um problema. Devido ao solo úmido do banhado, demorou muito tempo até que se encontrasse o lugar mais adequado para levantar as casas. “A gente levantava um barraquinho, dava uma chuva e já alagava tudo”, lembra Doroti. Jaqueline explica que, no início, a divisão por lotes não levava em conta as áreas secas, e as casas se espalhavam de forma desigual pelo assentamento. Depois de um tempo, os assentados e o Incra chegaram a uma conclusão: era impossível levantar casas em determinados pontos do terreno. Atualmente, as casas são erguidas em trechos específicos, próximas umas das outras. “São áreas que não alagam” explica ela. “A limpeza dos valos e a criação de canais acabaram drenando bastante, por isso é seco… Antes, qualquer chuva e era água pelo joelho, em qualquer lugar”.
Vinda da região norte do estado, Marli Malinoski chegou ao assentamento mais de um ano depois da primeira divisão dos lotes. Esteve no Rio de Janeiro, fazendo parte de um projeto chamado “solidariedade e formação nas áreas de reforma agrária”. Embora estivesse concorrendo a outras áreas mais próximas de onde moram seus familiares, Marli acabou sendo chamada para o Apolônio de Carvalho, e resolveu não deixar a chance passar. No momento, ela é uma das poucas pessoas a morar sozinha no assentamento.
No momento, existem cinco lotes ainda não ocupados no Apolônio de Carvalho. Geralmente, o MST tem seus próprios critérios para definir quem vai ganhar a terra — participação nas marchas e ocupações, tempo de acampamento, situação familiar. Porém, o Incra resolveu criar regras para disciplinar essa escolha. Regras que não parecem agradar muito os moradores do assentamento. “Hoje, aplicam um questionário”, conta Marli Malinoski. “Querem saber se tem experiência em plantio de arroz, carteira assinada de trabalho em várzea. Quem é sem terra não tem carteira assinada, é gente que trabalhou em granja e não tem como comprovar”, reclama.

Relação com prefeitura de Eldorado do Sul é complicada

Um dos muitos desafios do dia a dia do assentamento está em conquistar, mais do que a atenção, o respeito do poder público. Pelo que se percebe nas conversas com os assentados, o diálogo com a prefeitura de Eldorado do Sul não costuma ser dos mais fáceis. Como exemplo, Jaqueline Nunes cita uma das reuniões que teve com o prefeito do município, Ernani de Freitas Gonçalves (PDT). Durante o encontro, Jaqueline teria tido que ouvir o prefeito dizer que o plantio de arroz orgânico não trazia muitas vantagens para Eldorado do Sul. “Ele disse que progresso mesmo quem trazia eram as grandes empresas, como a Dell”, revolta-se.
Para contestar essa visão, o assentamento tenta usar uma linguagem que os governos, de modo geral, entendem muito bem. “Fomos para uma reunião com o secretário de agricultura do município (Sérgio Munhoz), com a pauta de obter tubos para canalização”, conta Jaqueline. “No início, ele (secretário) ficou meio assim, não estava muito disposto a ajudar. Quando dissemos para ele que eles tinham que investir no Apolônio, que só de ICMS dá R$ 1 milhão por ano para o município, a coisa mudou. Ele arregalou os olhos e disse ‘um milhão? Vamos fazer os cálculos então’. Quando eles viram que dava retorno financeiro, mandaram 200 tubos para nós”, conta ela, sorrindo. “Antes de ver que dá retorno, eles ficam jogando a gente para lá e para cá”, continua Marli Malinoski. “Tem que falar com o prefeito, tem que falar com o secretário de Obras. É um jogo bem estranho”, completa, escolhendo as palavras.

Marli Malinoski: uma das poucas pessoas que vivem sozinhas no assentamento - Ramiro Furquim/Sul21
As dificuldades com a prefeitura vão além dos investimentos materiais, estendendo-se também a aspectos menos óbvios, mas nem por isso menos perceptíveis. “O transporte de Eldorado do Sul, que leva os estudantes, não aceita transportar assentados e não faz integrado”, denuncia Marli. Tratamento bem diferente do que recebem de Charqueadas, o outro município que abriga terras do assentamento. Na cidade, administrada por Davi Gilmar de Abreu Souza (PDT), os assentados são melhor tratados, dentro da lógica econômica que move o município. “A questão de apoio a cooperativas é bem mais marcada em Charqueadas”, diz Jaqueline Nunes, que também integra a coordenação regional do MST. “Eles veem a cooperativa com outros olhos. Nosso esforço é fazer Eldorado do Sul ver a gente com esse mesmo olhar”.
Marli exemplifica. “Às vezes, a gente chega em Eldorado passando mal, precisando mesmo de atendimento (médico). Já fui duas vezes até lá, uma delas porque eu estava com um problema de coluna, e já chegavam perguntando de onde eu era. Eu respondia que era do Apolônio e diziam ‘tá, mas é do lado de Eldorado ou de Charqueadas? Porque se for de Charqueadas a gente não atende, tem que ir até lá, nós não damos cobertura para vocês’”. Do outro lado da ponte, segundo ela, o tratamento é distinto. “Tu chega lá e tem atendimento, remédios, marca exames. Ninguém te pergunta nada”, diz Marli Malinoski, lembrando também do ônibus que aparece de vez em quando, com dentista e clínico geral, para atender as famílias dentro do assentamento.

Arrendamento para “catarinas” quase põe tudo a perder

Apesar dos progressos, uma crise interna acabou dividindo os assentados e por pouco não cria sérios problemas para o Apolônio de Carvalho. Tudo começou com a proposta de agricultores de fora, chamados de “catarinas” pelos moradores do assentamento. “As famílias estavam passando necessidade, sem equipamentos para plantar, sobrevivendo com cesta básica”, explica Marli. “Daí apareceram eles, com uma mala de dinheiro, dizendo que queriam plantar arroz nas nossas terras, que nos dariam tanto por ano. Como que não vai aceitar?”
Os catarinas tornaram-se, a partir daí, arrendatários do terreno. “Para eles, era um modo de ganhar dinheiro”, afirma Jaqueline. “Não nos levavam para a plantação, não nos deram chance de aprender nada. Eles vivem de empréstimo em cima de empréstimo, não pagam imposto nenhum, plantam e colhem aqui para vender tudo lá”.
Assim que soube do arrendamento, o Incra tomou medidas duras — contra os assentados. “Todas as famílias foram notificadas, ameaçaram tirar todo mundo dos lotes”, conta Jaqueline, indignada. Os interrogatórios eram constantes, tentando determinar quais assentados teriam sido os primeiros a aceitar a proposta dos catarinas. “Começaram a jogar as famílias umas contra as outras. Diziam que um tinha falado do outro, que algumas pessoas eram ‘inadequadas para convívio social’”, acrescenta Marli, sem disfarçar a ironia na voz. “Os companheiros começaram a pensar que não era o Incra o inimigo, e sim as outras famílias. Chegou em um ponto que os vizinhos não se encontravam mais nem para tomar chimarrão”.
De acordo com Jaqueline, foi um período de estagnação para o Apolônio de Carvalho. “Não conseguíamos mais reunir as famílias para discutir melhorias. Precisávamos ir atrás de energia elétrica, de água, transporte escolar, e ninguém conseguia se organizar, porque todo mundo desconfiava de todo mundo”. Além disso, a determinação do Incra no sentido de que ninguém podia deixar os lotes enquanto durasse o inquérito aumentou ainda mais a carga de tensão. “Quem saísse, seria notificado”, lembra Marli. “Acabou ficando uma situação do tipo: se o filho tiver como ir para a escola, tudo bem, se não tiver, não vai, porque ninguém tinha disposição de ir atrás”.
O esforço, mais do que de recuperar a convivência entre as famílias, acabou sendo de reorganizar todo o assentamento. “Fomos organizando os grupos de produção, dividindo alguns lotes para produção de sementes, outros para os grãos”, conta Jaqueline. Hoje, a integrante da coordenação regional do MST comemora uma situação bem mais positiva dentro do assentamento. “Se a gente tem uma reunião para discutir alguma demanda, 90% das famílias aparecem. Naquela época, a gente não conseguia reunir cinco famílias que fossem para ir atrás de alguma coisa”, revela.

“A família que não tem um bichinho vai querer comprar uma vaca”

A situação, no momento, é inegavelmente melhor. Com esforço coletivo, o Assentamento Apolônio de Carvalho conseguiu retomar o rumo e agora investe com força crescente em uma cultura que já dá sinais de sucesso. Mas os trabalhadores sabem que ainda há bastante coisa para conquistar. “Como estamos investindo bastante, não vamos ter muito lucro agora”, admite Jaqueline Nunes. “A gente espera que nos anos seguintes, com essa estrutura que estamos montando, os custos caiam e a gente consiga investir mais nas famílias mesmo, nas casas”.

Marli, Jaqueline e Doroti: exemplos para os pequenos agricultores - Ramiro Furquim/Sul21
“Mesmo essas parcelas (de financiamentos do Incra) não garantem que a gente vá poder adquirir as máquinas e equipamentos que a gente precisa”, diz Marli Malinoski. “Porque a família que ainda não tem um bichinho vai querer comprar uma vaca, por exemplo. A vaca é uma garantia de leite, de sustento, é uma contribuição de proteína na alimentação. As famílias têm prioridades que são para a subsistência delas, para consumo imediato. Não tem como abrir mão disso para investir em outras coisas”.
Seja como for, o futuro dessas famílias surge mais como uma esperança do que como um ponto de interrogação. Os últimos quatro anos do Assentamento Apolônio de Carvalho são, para elas, mais um passo em uma longa jornada rumo ao próprio chão. Para muitos, distante de casa; para outros, longe do que a terra os tinha ensinado em semeaduras e colheitas anteriores. Para todos, um desafio e chance para novos começos. A colheita do arroz orgânico deve estar encerrada em duas semanas, fechando um ciclo e iniciando outro — na terra, da terra e para a terra.

FALTOU ALGUÉM NO VELÓRIO DO ZÉ


José Ribamar Bessa Freire
 Diário do Amazonas


Os dois morreram com a mesma idade: 79 anos. Os dois foram abatidos pela mesma doença maligna contra a qual lutaram bravamente por um longo período. José Alencar (1931-2011), vice-presidente do Brasil, câncer no intestino. François Mitterand (1916-1996) presidente da França, câncer na próstata. Ambos tiveram funerais solenes com pompa de chefe de Estado. No velório do francês, porém, foi registrada uma presença, que esteve ausente no enterro do brasileiro.
Quase 15 mil pessoas desfilaram diante do corpo de Alencar, velado no Palácio do Planalto, em Brasília e, no dia seguinte, no Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, com direito a desfile em cortejo fúnebre, limusine preta, celebração presidida pelo núncio apostólico, honras militares, 21 tiros de canhão, bandeira a meio mastro, luto oficial. Alguém, no entanto, sentiu a perda, mas não foi aos dois palácios. Quem?  
Estavam lá a presidente Dilma Rousseff, quatro ex-presidentes, entre os quais Lula, ministros, senadores, deputados, juízes, governadores, autoridades civis, militares e eclesiásticas, políticos de todos os partidos, gente do povo. Enfim, todos os poderes constituídos. O comandante do Exército, general Enzo Peri, lembrou que o morto, quando jovem, havia feito ‘tiro de guerra’: “Nós sentimos profundamente. Era um grande patriota, amigo das Forças Armadas”.
O médico do ex-vice-presidente, Raul Cutait, declarou que Alencar era “um exemplo de paciente”. Ele teve “um papel quase que didático em relação ao câncer”, confirmou Josias de Souza, colunista da Folha de SP. Efetivamente, o Brasil inteiro acompanhou, solidário, a luta daquele mineiro de Muriaé, corajoso, esbanjando a disposição de um touro, sempre com um sorriso descontraído depois de cada uma das inúmeras cirurgias a que foi submetido. Era duro de queda, o Zé. Dava a impressão de ser imortal.
“Ele levou esperança a milhares de pacientes, abriu discussão sobre os avanços no combate ao câncer, ensinou ao Brasil a fé, a coragem no enfrentamento à doença e a importância fundamental da família e dos amigos para o sucesso do tratamento” - disse Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia. Na sua fala, nada foi dito sobre uma pessoa, ali ausente, que não havia recebido essa injeção de esperança.
Ritual do Poder
De qualquer forma, quem teve alguém próximo com câncer – e quase todo mundo teve alguém próximo com câncer – se sentiu unido a José Alencar. O Globo registrou muitas mensagens de mulheres e homens comuns como Sidney Tito – “Adeus Zé, Deus te receberá com honras destinadas aos humildes, aos bons e aos justos” – ou Fátima Cremona – “O Brasil perde um grande guerreiro”.
Até mesmo adversários não hesitaram em entrar na fila de cumprimentos no velório, entre eles o ex-presidente Itamar Franco, classificado como “péssimo caráter” por Alencar em depoimento a Eliane Cantanhêde, autora de “José Alencar, Amor à Vida”. Itamar não chegou a chorar, como Lula, mas provou que mineiro é solidário no câncer, como queria Otto Lara. Outro ex-presidente, José Sarney (vixe, vixe!), com ar compungido, moveu o bigode de ratazana e se pronunciou:
- “No meu tempo, não vi um político ser objeto de opinião tão unânime e receber uma solidariedade tão sem contrastes de todos os segmentos da sociedade quanto José Alencar”.
Será? O senador Aécio Neves concordou e, crente que o purgatório de Alencar foi aqui na terra, despachou-o direto pro céu:“O Criador deve ter dito: uai Zé, achei que você não vinha nunca”.Ninguém questionaria o sotaque mineiro de Deus se não houvesse um lugar vazio no velório. Mas havia, embora despercebido por pessoas tão familiares como o ex-ministro José Dirceu e a presidente Dilma.
Dilma contou que Alencar a “adotou” quando ela chegou a Brasília, em 2003: “Foi meu segundo pai”. Na mesma linha, Dirceu afirmou, ao sair do velório: “Lula disse que perdeu um irmão. Eu perdi quase um pai”.
Com tal paternidade declarada, não precisa de um estudo profundo sobre estrutura de parentesco para ver que a cerimônia do adeus ao patriarca reuniu toda a quase-família: a esposa dona Mariza, os três filhos Josué, Graça e Patrícia. Além do quase-filho Dirceu, lado a lado de sua quase-irmã Dilma e do seu tio Lula. Só faltou mesmo alguém que esteve nos funerais de Mitterand.
Quando o presidente da França morreu no cargo, foram se despedir dele, na Catedral de Notre Dame, em Paris, cerca de 1.500 personalidades: reis, rainhas, príncipes, presidentes e chefes de governo de quase todos os países do mundo. Mas não foi nenhum deles que fez falta no enterro de Alencar. Quem fez falta foi alguém ainda mais importante, que concentrou todo o foco da imprensa mundial: Mazarine
Mazarine
Mazarine foi registrada com esse nome em homenagem à biblioteca mais antiga da França. É que seus pais adoravam livros. Sua mãe Anne Pingeot era bibliotecária do Museu d´Orsay. Seu pai François Mitterand discutia com intimidade, entre outras, as obras de escritores latino-americanos como Júlio Cortázar e Garcia Marquez, que foram convidados para sua posse.
Acontece que Mazarine Marie, nascida em 1974, era filha de uma relação adúltera. Foi discretamente reconhecida, em cartório, pelo pai, que conseguiu manter o segredo durante anos, até 1994, quando foi revelado publicamente pela revista Paris-Match. Hoje, ela é Mazarine Marie Pingeot-Miterrand, escritora, autora de um romance – Cemitério de bonecas – em que uma mulher mata seu bebê e o coloca num congelador.
Mazarine e sua mãe não foram mortas nem ficaram no congelador. As duas foram convidadas para os funerais pela própria Danielle Miterrand, esposa do presidente, que bateu de frente com o poder e subverteu as normas do cerimonial. Uma foto estampada na primeira página dos jornais do mundo todo mostra Danielle ladeada por seus dois filhos Jean-Christophe e Gilbert, tendo Mazarine e Anne à sua esquerda.    
No velório de Alencar, quem ficou de fora foi a Mazarine brasileira, conhecida em Caratinga (MG) como Alencarzinha, uma quase-irmã do Dirceu e da Dilma. Trata-se de uma professora aposentada de 55 anos, que em 2001 entrou com uma ação de reconhecimento de paternidade, reivindicando ser filha de um romance entre José Alencar e a enfermeira Francisca Nicolina de Morais.
Com a mesma teimosia com que lutou contra o câncer, seu quase pai, Zé Alencar, se recusou a fazer exames de DNA e morreu sem reconhecer aquela que diz ser sua filha. Diante da recusa, o juiz da comarca de Caratinga (MG), José Antônio de Oliveira Cordeiro, fez o que manda a lei. Declarou oficialmente José Alencar Gomes da Silva como o pai da professora, que agora passou a assinar, legalmente, Rosemary de Morais Gomes da Silva.
Entrevistado no programa de Jô Soares, em 2010, diante das câmeras e dos microfones, José Alencar não negou que havia tido uma relação com Nicolina, mas disparou um tiro de guerra. Revelou que “como todo jovem na época” era freqüentador das zonas de meretrício das cidades onde morou, insinuando que a mãe de sua eventual filha era uma prostituta e que qualquer um podia ser o pai.
Alencarzinha
Confesso que nutria enorme admiração pela luta de Alencar contra o câncer, mas ela se esfumou quando ouvi sua declaração, digna de um Bolsonaro, ultrajante e ofensiva a todas as mulheres brasileiras, virtuosas ou pecadoras, que não mereciam um comportamento público tão machista, mesquinho e vulgar.
Fiquei envergonhado, afinal ele me representava. Não era um quase-pai, mas era um quase-presidente. Nem o insensato coração de André Lázaro Ramos foi capaz de discurso tão abominável e covarde, indigno de um homem tão bom, que pelo seu cargo deveria ter um comportamento mais republicano. O pior é que, pelo lugar de onde fala, ele tem um “papel didático” também nessas questões de gênero. Ele está ensinando aos telespectadores, incluindo aí nossos filhos, como um homem deve se comportar com uma mulher.
Alencarzinha assistiu pela televisão à cobertura do velório de um homem poderoso, rico, com grandes qualidades, mas asquerosamente machista. “Não fui a Belo Horizonte porque não ia ser bem aceita lá”, ela disse. Judicialmente, podia ter tentado impedir a cremação para realizar o exame de DNA, pelo qual tanto lutou. Mas não o fez. “Queria ter conversado com ele em vida, para mostrar quem eu sou, a filha que ele tem, todo pai gosta de conhecer a pessoa que ele colocou no mundo. Agora, não adianta mais”.
Danielle Mitterand recebeu criticas impiedosas pela presença de Mazarine e Anne Pingeot nos funerais do presidente francês. Num belo texto que tornou público, ela condenou a hipocrisia e o conformismo, dizendo que um homem ou uma mulher sensível podia se enamorar e se encantar com outras pessoas: “É preciso admitir docemente que um ser humano é capaz de amar apaixonadamente alguém e depois, com o passar dos anos, amar de forma diferente”. Ela fez um apelo:
- Aceitei a filha de meu marido e hoje recebo mensagens do mundo inteiro de filhos angustiados que me dizem: - 'Obrigado por ter aberto um caminho. Meu pai vai morrer, mas eu não poderei ir ao enterro porque a mulher dele não aceita' (...). Espero que as pessoas sejam generosas e amplas para compreender e amar seus parceiros em suas dúvidas, fragilidades, divisões e pequenas paixões. Isso é amar por inteiro e ter confiança em si mesmo".
Foi essa generosidade que faltou no enterro de Alencar.

Fernando Marroni: Aprovar a proposta do novo Código Florestal é irresponsabilidade

Motivos para não aprovar a proposta do novo Código Florestal

por Fernando Marroni, deputado federal (PT-RS) no Viomundo

As imagens e os efeitos devastadores dos deslizamentos na região serrana do Rio de Janeiro no início deste ano permanecem vivos na memória dos brasileiros dois meses depois da catástrofe. E tão importante quanto jamais esquecer a perda de 900 vidas é lembrar que grande parte dessa tragédia poderia ter sido evitada com uma simples atitude: obediência às regras do Código Florestal Brasileiro.
Estudo liberado essa semana pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) comparou imagens de satélite antes e depois da enchente e constatou a ocupação irregular das encostas e margens de rios. E o resultado dessa pesquisa é taxativo: os efeitos da chuva teriam sido significativamente menores se a Área de Preservação Permanente (APP) de 30 metros ao longo dos cursos d’água tivesse sido respeitada.
A morte de centenas de cidadãos brasileiros serve como trágico lembrete de que o Congresso Nacional não pode votar às pressas a proposta do novo Código Florestal Brasileiro.
Como primeira justificativa para isso basta lembrar que a atual proposta reduz de 30 metros para 15 metros a faixa que pode ser ocupada por habitações ou lavouras nas APPs, ou seja, permite de norte ao sul do Brasil ocupações de alto risco capazes de reproduzir resultados trágicos como os observados no interior do Rio, em janeiro último. Diante de recentes calamidades como essa, a inexistência de um regramento específico para as zonas urbanas por si só já inviabiliza qualquer tentativa de aprovação da atual proposta. Mas os danos cometidos pela atual proposta conseguem ir além de colocar milhões de brasileiros sob risco iminente.
A anistia proposta àqueles que desmataram áreas protegidas até 22/07/2008, por exemplo, reforça a nódoa de “país da impunidade” que o Brasil carrega e, criminosamente, sugere passar uma borracha em 43 anos de crimes ambientais. A injustiça nesse caso tem dois gumes: um fere quem sempre respeitou a lei e outro atinge quem luta para recuperar o meio ambiente degradado.
Ao ignorar qualquer referência sócio-econômica dos beneficiados pela isenção da reserva legal o relatório elaborado pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB/SP) se transforma na crônica de uma morte anunciada de aproximadamente 30 milhões de hectares de florestas (dos quais 20 milhões de hectares estão localizados na Amazônia). Tal proposta configura não apenas um crime ambiental sem proporções, mas um crime contra a humanidade em tempos de luta para controlar a emissão de gases e o aumento dos danos causados pelo efeito estufa.
Em 1962, o então ministro da Agricultura Armando Monteiro Filho propôs a criação do Código Florestal em vigor ao observar que o avanço do desmatamento se configurava em grave ameaça à produção agrícola nacional. Hoje, os grandes produtores agrícolas defendem a aprovação urgente da nova lei sem qualquer alteração, mas não percebem que a flexibilização das regras de contenção ao desmatamento fará deles próprios vítimas, quando a água destinada à agricultura começar a rarear.
A elaboração do atual Código consumiu três anos durante os quais centenas de cientistas foram ouvidos até a publicação da Lei 4.771/65. Hoje, 46 anos depois, se pretende votar uma proposta calcada em interesses econômicos imediatos e que contraria grande parte da comunidade científica brasileira, que sequer foi ouvida para a elaboração da proposta a ser votada.
Tomar tal atitude é ser irresponsável com o futuro do Brasil e de seus habitantes. É legar às futuras gerações florestas e rios mortos, cidades reféns das intempéries e solos estéreis. Como representantes do povo temos a responsabilidade de preservar o futuro deste país e protegê-lo. E votar o novo Código Florestal sem submetê-lo a sérias alterações é um passo na direção contrária.

Fernando Marroni é vice-líder da bancada do PT na Câmara dos Deputados e membro do grupo de trabalho petista que estuda o novo Código Florestal Brasileiro.

Leia aqui para saber por que a Via Campesina rechaça a proposta do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) para o Código Florestal.

Ouça aqui a opinião de João Pedro Stedile, líder do MST, sobre a revisão do Código Florestal.