sábado, 29 de junho de 2013

Paco De Lucia - Live At 31st Leverkusener Jazztage 2010

João Pedro Stedile: O significado e as perspectivas das mobilizações de rua


João Pedro Stedile: O significado e as perspectivas das mobilizações de rua

Nesta entrevista concedida ao jornal Brasil de Fato, João Pedro Stedile, um dos líderes do MST, analisa a onda de manifestações pelo país e diz que "estamos em plena batalha ideológica". "Os jovens e as massas estão em disputa. Por isso, as forças populares e os partidos de esquerda precisam colocar todas suas energias para ir para a rua", afirmou.

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1. Como você analisa as recentes manifestações que vem sacudindo o Brasil nas ultimas semanas? Qual é base econômica para elas terem acontecido?
Há muitas avaliações de porque estão ocorrendo estas manifestações. Me somo à analise da professora Erminia Maricato, que é nossa maior especialista em temas urbanos e já atuou no Ministério das cidades na gestão Olivio Dutra. Ela defende a tese de que há uma crise urbana instalada nas cidades brasileiras provocadas por essa etapa do capitalismo financeiro. Houve uma enorme especulação imobiliária que elevou os preços dos alugueis e do terrenos em 150% nos últimos três anos. O capital financiou sem nenhum controle governamental, a venda de automóveis, para enviar dinheiro pro exterior e transformou nosso transito um caos. E nos últimos dez anos não houve investimento em transporte publico. O programa habitacional minha casa, minha vida, empurrou os pobres para as periferias, sem condições de infra-estrutura. Tudo isso gerou uma crise estrutural em que as pessoas estão vivendo num inferno, nas grandes cidades, perdendo, três quatro horas por dia no transito, quando poderiam estar com a família, estudando ou tendo atividades culturais. Somado a isso, a péssima qualidade dos serviços públicos em especial na saúde e mesmo na educação, desde a escola fundamental, ensino médio, em que os estudantes saem sem saber fazer uma redação. E o ensino superior virou lojas de vendas de diplomas a prestações, aonde estão 70% dos estudantes universitários.

2. E do ponto de vista político, por que aconteceu?
Os quinze anos de neoliberalismo e mais os últimos dez anos de um governo de composição de classes transformou a forma de fazer política em refém apenas dos interesses do capital. Os partidos ficaram velhos em suas praticas e se transformaram em meras siglas que aglutinam, em sua maioria, oportunistas para ascender a cargos públicos ou disputar recursos públicos para seus interesses. Toda juventude nascida depois das diretas já, não teve oportunidade de participar em política. Hoje, para disputar qualquer cargo, por exemplo, de vereador o sujeito precisa ter mais de um milhão de reais, deputado custa ao redor de dez milhões. Os capitalistas pagam e depois os políticos obedecem. A juventude está de saco cheio dessa forma de fazer política burguesa, mercantil. Mas o mais grave foi que os partidos da esquerda institucional, todos eles, se moldaram a esses métodos. Envelheceram e se burocratizaram. E por tanto gerou na juventude uma ojeriza a forma dos partidos atuarem. E eles tem razão. A juventude não é apolítica, ao contrario, tanto é que levou a política para as ruas, mesmo sem ter consciência do seu significado. Mas está dizendo que não agüenta mais assistir na televisão essas práticas políticas, que seqüestraram o voto das pessoas, baseadas na mentira e na manipulação. E os partidos de esquerda precisam reapreender que seu papel é organizar a luta social e politizar a classe trabalhadora. Senão cairão na vala comum...da historia.

3. E porque as manifestações eclodiram somente agora?
Provavelmente tenha sido a soma de diversos fatores de caráter da psicologia de massas, do que de alguma decisão política planejada. Somou-se todo o clima que comentei, mais as denuncias de superfaturamento das obras dos estádios, que é um acinte ao povo. Vejam alguns episódios. A rede globo recebeu do governo do estado do Rio e da prefeitura, 20 milhões de reais de dinheiro publico, para organizar o showzinho de apenas duas horas, do sorteio dos jogos da copa das confederações. O estádio de Brasília custou 1,4 bilhões e não tem ônibus na cidade! A ditadura explícita e as maracutais que a FIFA/CBF impuseram e os governos se submeteram. A reinauguração do Maracanã foi um tapa no povo brasileiro. As fotos eram claras, no maior templo do futebol mundial não havia nenhum negro ou mestiço! E aí o aumento das tarifas de ônibus, foi apenas a faísca para ascender o sentimento generalizado de revolta, de indignação. A gasolina para a faísca, veio do governo Alkmin, que protegido pela mídia que ele financia, e acostumado a bater no povo impunemente, como fez no Pinheirinho, e em outros despejos rurais e urbanos, jogou sua polícia para a barbárie. Ai todo mundo reagiu. 
Ainda bem que a juventude acordou. E nisso houve o mérito do Movimento passe Livre, que soube capitalizar essa insatisfação popular e organizou os protestos na hora certa.

4. Por que a classe trabalhadora ainda não foi à rua?
É verdade a classe trabalhadora ainda não foi para a rua. Quem está na rua são os filhos da classe média, da classe media baixa, e também alguns jovens do que o Andre Singer chamaria de sub-proletariado, que estudam e trabalham no setor de serviços, que melhoraram as condições de consumo, mas querem ser ouvidos. Esses últimos apareceram mais em outras capitais e nas periferias.
A redução da tarifa interessava muito a todo povo e esse foi o acerto do Movimento passe livre, soube convocar mobilizações em nome dos interesses do povo. E o povo apoiou as manifestações e isso está expresso nos índices de popularidade dos jovens, sobretudo quando foram reprimidos. 
A classe trabalhadora demora a se mover, mas quando se move, afeta diretamente ao capital. Coisa que ainda não começou acontecer. Acho que as organizações que fazem a mediação com a classe trabalhadora ainda não compreenderam o momento e estão um pouco tímidas. Mas a classe, como classe acho que esta disposta a também lutar. Veja, que o numero de greves por melhorias salariais, já recuperou os padrões da década de 80. Acho que é apenas uma questão de tempo, e se as mediações acertarem nas bandeiras que possam motivar a classe a se mexer. Nos últimos dias, já se percebe que em algumas cidades menores e nas periferias das grandes cidades já começam a ter manifestações com bandeiras de reivindicações bem localizadas. E isso é muito importante.

5. E vocês do MST e dos camponeses também não se mexeram ainda...
É verdade. Nas capitais onde temos assentamentos e agricultores familiares mais próximos já estamos participando. E inclusive sou testemunho que fomos muito bem recebidos com nossa bandeira vermelha e com nossa reivindicação de Reforma agrária e alimentos saudáveis e baratos para todo povo. Acho que nas próximas semanas poderá haver uma adesão maior, inclusive realizando manifestações dos camponeses nas rodovias e municípios do interior. Na nossa militância está todo mundo doido para entrar na briga e se mobilizar. Espero que também se mexam logo.... 

6. Qual é na sua opinião a origem da violência que tem acontecido em algumas manifestações?
Primeiro vamos relativizar. A burguesia através de suas televisões tem usado a tática de assustar o povo colocando apenas a propaganda dos baderneiros e quebra-quebra. São minoritários e insignificantes diante das milhares de pessoas que se mobilizaram. Para a direita interessa colocar no imaginário da população que isso é apenas bagunça, e no final se tiver caos, colocar a culpa no governo e exigir a presença das forças armadas. Espero que o governo não cometa essa besteira de chamar a guarda nacional e as forças armadas para reprimir as manifestações. É tudo o que a direita sonha!
Quem está provocando as cenas de violência é a forma de intervenção da Policia Militar. A PM foi preparada desde a ditadura militar para tratar o povo sempre como inimigo. E nos estados governados pelos tucanos(SP, RJ e MG), ainda tem a promessa de impunidade. 
Há grupos direitistas organizados com orientação de fazer provocações e saques. Em são Paulo atuaram grupos fascistas. E leões de chácaras contratados. No Rio de Janeiro atuaram as milícias organizadas que protegem seus políticos conservadores. E claro, há também um substrato de lumpesinato que aparece em qualquer mobilização popular, seja nos estádios, carnaval, até em festa de igreja, tentando tirar seus proveitos.

7.Há então uma luta de classes nas ruas ou é apenas a juventude manifestando sua indignação?
É claro que há uma luta de classes na rua. Embora ainda concentrada na disputa ideológica. E o que é mais grave, a própria juventude mobilizada, por sua origem de classe, não tem consciência de que está participando da de uma luta ideológica. Vejam, eles estão fazendo política da melhor forma possível, nas ruas. E ai escrevem nos cartazes: somos contra os partidos e a política? E por isso tem sido tão difusa as mensagens nos cartazes. Está ocorrendo em cada cidade, em cada manifestação, uma disputa ideológica permanente da luta dos interesses de classes. Os jovens estão sendo disputados pelas idéias da direita e pela esquerda. Pelos capitalistas e pela classe trabalhadora.
Por outro lado, são evidentes os sinais da direita muito bem articulada,e de seus serviços de inteligência, que usam a internet, se escondem atrás das mascaras e procuram criar ondas de boatos e opiniões pela internet. De repente uma mensagem estranha alcança milhares de mensagens. E ai se passa a difundir o resultado como se ela fosse a expressão da maioria. Esses mecanismos de manipulação foram usados pela CIA e o departamento de estado Estadunidense, na primavera árabe, na tentativa de desestabilização da Venezuela, na guerra da Síria. E é claro que eles estão operando aqui também para alcançar os seus objetivos.

8. E quais são os objetivos da direita e suas propostas?
A classe dominante, os capitalistas, os interesses do império Estadunidense e seus porta-vozes ideológicos que aparecem na televisão todos os dias, tem um grande objetivo: Desgastar ao máximo o governo Dilma, enfraquecer as formas organizativas da classe trabalhadora, derrotar qualquer propostas de mudanças estruturais na sociedade brasileira e ganhar as eleições de 2014, para recompor uma hegemonia total no comando do estado brasileiro, que agora está em disputa.
Para alcançar esses objetivos eles estão ainda tateando, alternando suas táticas. Às vezes provocam a violência, para desfocar os objetivos dos jovens. Às vezes colocam nos cartazes dos jovens a sua mensagem. Por exemplo, a manifestação do sábado, embora pequena, em são Paulo, foi totalmente manipulada por setores direitistas que pautaram apenas a luta contra a PEC 37, com cartazes estranhamente iguais e palavras de ordem iguais. Certamente a maioria dos jovens nem sabem do que se trata. E é um tema secundário para o povo, mas a direita está tentando levantar as bandeiras da moralidade, como fez a UDN em tempos passados. Isso que já estão fazendo no congresso, logo logo, vão levar às ruas.
Tenho visto nas redes sociais controladas pela direita, que suas bandeiras, alem da PEC 37, são: Saída do Renan do senado; CPI e transparência dos gastos da COPA; Declarar a corrupção crime hediondo e fim do foro especial para os políticos. Já os grupos mais fascistas ensaiam FORA DILMA e abaixo-assinados pelo impechment. Felizmente essas bandeiras não tem nada ver com as condições de vida das massas, ainda que elas possam ser manipuladas pela mídia. E objetivamente podem ser um tiro no pé. Afinal, é a burguesia brasileira, seus empresários e políticos que são os maiores corruptos e corruptores. Quem se apropriou dos gastos exagerados da copa? A rede globo e as empreiteiras!

9.Quais os desafios que estão colocados para a classe trabalhadora e as organizações populares e partidos de esquerda?
Os desafios são muitos. Primeiro devemos ter consciência da natureza dessas manifestações, e irmos todos para a rua, disputar corações e mentes para politizar essa juventude que não tem experiência da luta de classes. Segundo, a classe trabalhadora precisa se mover. Ir para a rua, manifestar-se nas fábricas, campos e construções, como diria Geraldo Vandré. Levantar suas demandas para resolver os problemas concretos da classe, do ponto de vista econômico e político. Terceiro, precisamos explicar para o povo quem são os principais inimigos do povo. E agora são os bancos, as empresas transnacionais que tomaram conta de nossa economia, os latifundiários do agronegócio, e os especuladores.
Precisamos tomar a iniciativa de pautar o debate na sociedade e exigir a aprovação do projeto de redução da jornada de trabalho para 40 horas; exigir que a prioridade de investimentos públicos seja em saúde, educação, reforma agrária. Mas para isso o governo precisa cortar juros e deslocar os recursos do superávit primário, aqueles 200 bilhões que todo ano vão para apenas 20 mil ricos, rentistas, credores de uma divida interna que nunca fizemos, deslocar para investimentos produtivos e sociais. E é isso que a luta de classes coloca para o governo Dilma: os recursos públicos irão para a burguesia rentista ou para resolver os problemas do povo?
Aprovar em regime de urgência para que vigore nas próximas eleições uma reforma política de fôlego, que no mínimo institua o financiamento publico exclusivo da campanha. Direito a revogação de mandatos e plebiscitos populares auto-convocados. 
Precisamos de uma reforma tributaria que volte a cobrar ICms das exportações primárias e penalize a riqueza dos ricos, e amenize os impostos dos pobres, que são os que mais pagam.
Precisamos que o governo suspenda os leilões do petróleo e todas as concessões privatizantes de minérios e outras áreas publicas. De nada adianta aplicar todo royalties do petróleo em educação, se os royalties representarão apenas 8% da renda petroleira, e os 92% irão para as empresas transnacionais que vão ficar com o petróleo nos leilões!
Uma reforma urbana estrutural, que volte a priorizar o transporte publico, de qualidade e com tarifa zero. Já está provado que não é caro, e nem difícil instituir transporte gratuito para as massas das capitais. E controlar a especulação imobiliária. 
E finalmente, precisamos aproveitar e aprovar o projeto da conferencia nacional de comunicação, amplamente representativa, de democratização dos meios de comunicação. Para acabar com o monopólio da Globo, e para que o povo e suas organizações populares tenham ampla acesso a se comunicar, criar seus próprios meios de comunicação, com recursos públicos. Ouvi de diversos movimentos da juventude que estão articulando as marchas, que talvez essa seja a única bandeira que unifica a todos: Abaixo o monopólio da Globo! 
Mas para que essas bandeiras tenham ressonância na sociedade e pressionem o governo e os políticos, somente acontecerá se a classe trabalhadora se mover.

1O. O que o governo deveria fazer agora?
Espero que o governo tenha a sensibilidade e a inteligência de aproveitar esse apoio, esse clamor que vem das ruas, que é apenas uma síntese de uma consciência difusa na sociedade, que é hora de mudar. E mudar a favor do povo. E para isso o governo precisa enfrentar a classe dominante, em todos os aspectos. Enfrentar a burguesia rentista, deslocando os pagamentos de juros para investimentos em áreas que resolvam os problemas do povo. Promover logo as reformas políticas, tributárias. Encaminhar a aprovação do projeto de democratização dos meios de comunicação. Criar mecanismos para investimento pesados em transporte público, que encaminhem para a tarifa zero. Acelerar a reforma agrária e um plano de produção de alimentos saídos para o mercado interno.
Garantir logo a aplicação de 10% do PIB em recursos públicos para a educação em todos os níveis, desde as cirandas infantis nas grandes cidades, ensino fundamental de qualidade até a universalização do acesso dos jovens a universidade publica.
Sem isso, haverá uma decepção, e o governo entregará para a direita a iniciativa das bandeiras , que levarão a novas manifestações, visando desgastar o governo ate as eleições de 2014. É hora do governo aliar-se ao povo, ou pagar a fatura no futuro. 

11. E que perspectivas essas mobilizações podem levar para o país nos próximos meses?
Tudo ainda é uma incógnita. Porque os jovens e as massas estão em disputa. Por isso que as forças populares e os partidos de esquerda precisam colocar todas suas energias para ir para a rua. Manifestar-se, colocar as bandeiras de luta de reformas que interessam ao povo. Porque a direita vai fazer a mesma coisa e colocar as suas bandeiras, conservadoras, atrasadas, de criminalização e estigmatização das idéias de mudanças sociais. Estamos em plena batalha ideológica, que ninguém sabe ainda qual será o resultado. Em cada cidade, cada manifestação, precisamos disputar corações e mentes. E quem ficar de fora, ficara de fora da historia.

Equador renuncia a privilégios dos EUA e lhe oferece ajuda para formação em Direitos Humanos




AFP

Tradução:ADITAL

Em resposta às ameaças dos Estados Unidos de bloquear a renovação de preferências tarifárias ao Equador caso outorgue asilo político a Edward Snowden, o governo equatoriano anunciou que renuncia de forma "unilateral e irrevogável” a esses privilégios.
O Secretário de Comunicação do Equador, Fernando Alvarado, explicou em uma conferência de imprensa que a decisão do governo foi tomada "ante a ameaça, insolência e prepotência de certos setores políticos, grupos midiáticos e poderes fáticos estadunidenses que têm pressionado para retirar as preferências tarifárias –ATPDEA, sigla em inglês- a nosso país”.
"O Equador não aceita pressões nem ameaças de ninguém e não negocia com os princípios, nem os submete a interesses mercantilistas por mais importantes que sejam”, declarou Alvarado.
O Equador oferece ajuda econômica aos Estados Unidos
O Secretário de Comunicação não se limitou a essas declarações e anunciou que o "Equador oferece aos Estados Unidos uma ajuda econômica de 23 milhões de dólares anuais, montante similar ao que recebíamos pelas preferências tarifárias, com a finalidade de oferecerem capacitação em matéria de direitos humanos que contribua para evitar atentados à intimidade das pessoas, torturas, execuções extrajudiciais e demais atos que denigrem a humanidade”.
"Expressamos o carinho, o apreço e o respeito ao povo estadunidense com o qual sempre mantemos excelentes relações e nos solidarizamos com ele devido à espionagem massiva da qual também tem sido objeto”, concluiu Alvarado.
Desse modo, o secretário equatoriano de Comunicação responde às ameaças de certos legisladores estadunidenses sobre a possível retirada dessas preferências tarifárias e sobre outras represálias de caráter econômico e comercial caso Quito ofereça asilo a Snowden.
O senador democrata estadunidense Robert Menéndez advertiu na quarta-feira passada (26/06) que a concessão de asilo ao ex-empregado da CIA poderia colocar "gravemente em jogo” a renovação da Lei de Promoção Comercial Andina e Erradicação da Droga (ATPDEA) e também do Sistema Generalizado de Preferências (GSP), que caducam no dia 31 de julho.
Assegurou também que o governo dos Estados Unidos "não vai recompensar países por seu mal comportamento” e chamou o presidente equatoriano Rafael Correa a que "faça o correto para os EUA e para Equador e rejeite a solicitação de asilo de Snowden”.
Anteriormente, outro legislador estadunidense, o congressista democrata Sander Levin, também ameaçou o Equador com a revogação da renovação da ATPDEA.

O cavalo selado e as esquerdas


Por Ricardo Gebrim, no jornal Brasil de Fato: via Blog do miro

O revolucionário salvadorenho Jorge Schafik Handal (1930-2006), entre tantas contribuições teóricas deixou um texto que é uma verdadeira aula para os que pensam a política como arte da transformação social. Ao analisar um episódio ocorrido às vésperas do golpe militar de 1973, ele mostra como as maiores forças de esquerda perderam uma oportunidade histórica que poderia ter alterado o desfecho que já se anunciava.


Em 29 de junho de 1973, enquanto o Alto Comando das Forças Armadas Chilenas já conspirava com a CIA a preparação do golpe militar, um pequeno grupo de oficiais fascistas, “fora do controle”, se precipita e lança uma sublevação antes da hora. Este episódio ganhou o nome de Tancazo, por utilizarem tanques. Foram rapidamente derrotados pelas tropas leais comandadas pelo General Prats e pela população, criando um clima de autoestima popular que se converteu no auge da luta popular daquele processo histórico.

Sufocada aquela sublevação, o General Prats alerta para o verdadeiro golpe em andamento e exige o afastamento do Alto Comando conspirador. O texto de Schafik mostra como nenhuma das forças de esquerda conseguiu interpretar a importância do episódio, embora as forças da reação tenham rápido entendido com precisão aquele momento.

Ele explica:

“Como atuaram as forças revolucionárias frente a esse fenômeno? Ninguém definitivamente defendeu o Prats e a parte do exército que ele encabeçava. Uns o sacrificaram em interesse de manobras políticas acreditando honradamente que estas trariam a saída da crise; e, os outros, consideraram que a presença de Prats no governo era “a presença da burguesia”, que o pacto com Prats era “a traição à revolução” e decidiram constituir-se na “oposição operária camponesa”. Quando a corrente de Prats era forte e predominante, quando derrotou o “Tancazo” (junho/1973), as massas intuíram a importância daquele momento para resolver revolucionariamente o problema do poder; se lançaram à rua, como todos sabemos, exigindo golpear profundamente a reação, fechar o parlamento, depurar o exército, mas a direção daquele processo não tomou resolutamente em suas mãos estas bandeiras. Não estou defendendo a idéia de que tudo se resolveria no Chile organizando a luta em torno de Prat; creio sim, que o aparecimento da corrente encabeçada por ele e a onda de massas que seguiu à sua vitória sobre Tancazo foi o mais próximo que houve durante o governo da Unidade Popular para a solução do problema do poder para a revolução. Essa possibilidade apareceu objetivamente e se constituiu assim numa prova para medir a clareza das forças revolucionárias para a tese do marxismo-leninismo de que “o problema do poder é o problema fundamental de toda revolução”.

Guardadas as imensas proporções, uma vez que não estamos vivenciando nenhum processo de natureza revolucionária, é inevitável recordar este texto quando olhamos para os fatos que aceleradamente ocorrem nestes dias.

Qual é o principal desafio político para esquerda na tática da luta eleitoral atualmente?

As conquistas eleitorais que asseguraram a vitória do PT nas eleições presidenciais de 2002, 2006 e 2010 e possibilitaram a conquista de governos estaduais, senadores, deputados e prefeituras também para o PCdoB, PSOL e setores de esquerda em outras agremiações, esbarram, para além da correlação de forças em limites concretos do Estado brasileiro.

Os três principais limites estruturais, que aparecem nas análises de várias organizações de esquerda podem ser resumidos nos seguintes:

1) Um Sistema Político que favorece o poder econômico. Das muitas leituras que podem ser feitas sobre o chamado “mensalão”, uma é evidente. O tratamento escandalosamente diferenciado dado ao “mensalão mineiro do PSDB” e ao caso do PT contém um recado claro, se a esquerda utilizar o expediente do “caixa 2” será duramente criminalizada. O Sistema Político favorece, mesmo nas legendas de esquerda, aqueles que através de um comportamento dócil conseguem obter os recursos financeiros para custear as campanhas cada vez mais milionárias. Um processo que converte qualquer governo progressista no refém de interesses fisiológicos que asseguram a governabilidade.

2) A Concentração dos Meios de Comunicação. Generalizou-se a correta compreensão de que os grandes meios de comunicação atuam como o “partido político” dos grupos dominantes.

3) O Poder Judiciário. Completamente impermeável à participação popular, exerce a linha de frente na contenção das lutas populares, criminalizando, construindo uma jurisprudência restritiva ao direito de greve, contendo lutas e conquistas populares.

Pois bem, quando as massas ganharam as ruas, num processo que foi deflagrado a partir de uma bandeira clara, precisa e progressista – a redução das tarifas de transporte –, assistimos uma intensa disputa política e ideológica, patrocinada pela grande mídia e todas as forças conservadoras pelos rumos do movimento.

Neste momento, tenso, com mobilizações crescentes, com a direita apostando todas as suas fichas em desgastar o governo federal, a resposta da presidenta Dilma é extremamente audaciosa. Anuncia um plebiscito para tratar da Reforma Política e sinaliza a convocação de uma Assembleia Constituinte Específica sobre o sistema político!

Para além das análises diferenciadas que as forças de esquerda possam fazer da natureza e papel deste governo, é forçoso reconhecer a audácia desta proposta.

Embora os setores médios que estiveram massificando os protestos sejam especialmente sujeitos à propaganda conservadora da grande mídia, era evidente seu rechaço ao atual sistema político. Qualquer observador identifica que as mobilizações expressaram um forte sentimento de rejeição ao atual sistema político. Generaliza-se a percepção de que há uma "blindagem" da política aos verdadeiros interesses do povo brasileiro. Os partidos políticos e os próprios políticos são vistos como parte de uma mesma engrenagem subordinada aos interesses das elites e a democracia representativa se apresenta aos olhos da juventude, como um mecanismo que impede a democracia efetiva. Mesmo as bandeiras de partidos de esquerda passam a ser vistas como símbolos da burocracia, independentemente de seu histórico de lutas, elemento que possibilitou a pequenos grupos de extrema direita atacá-las com a complacência da maioria dos manifestantes.

É neste contexto, neste estado de ânimo popular, que a presidenta, audaciosamente, lança uma proposta política a um movimento de reivindicações econômicas!

A direita não vacilou um só segundo. Imediatamente compreendeu o que estava em jogo e abriu todas as suas baterias.

O furibundo ministro Gilmar Mendes deu a linha. “O Brasil dormiu como se fosse Alemanha, Itália, Espanha, Portugal em termos de estabilidade institucional e amanheceu parecido com a Bolívia ou a Venezuela”, proclamou rapidamente.

Imediatamente os articulistas da Rede Globo, Revista Veja etc, proclamaram: “Isso é Chavismo”. O vice-presidente imediatamente reuniu-se com Dilma para sinalizar os riscos de romper a aliança com o PMDB. Toda a oposição de direita passou o dia esbravejando no Congresso. Inúmeros juristas constitucionalistas, tal qual múmias levantando das tumbas, foram imediatamente entrevistados para mostrar a “impossibilidade técnica” desta proposta.

Dois ministros petistas, cujo partido havia aprovado essa proposta meses antes em seu Diretório Nacional, saíram operando o recuo da presidenta. O conservadorismo não titubeou. Compreendeu os riscos, entendeu o que está em jogo.

E as forças de Esquerda?

Atônitas ainda com o impacto e expressão das manifestações, a letargia parece ser a marca predominante na maioria das forças de esquerda.

Uma parte parece contentar-se com o “fato consumado”. Não dá mesmo, a própria presidenta já recuou...

Outros, preocupados com a governabilidade, defendem o recuo e já aceitam até mesmo a trocar o plebiscito por um mero referendo.

Já os setores que se autoproclamam “oposição de esquerda” enxergam no episódio uma manobra governista para esvaziar as mobilizações pela pauta econômica. É significativo o posicionamento do PSTU:

“A Reforma Política que o governo Dilma propõe é uma tentativa clara de desviar as verdadeiras reivindicações colocada pelas mobilizações que sacodem o país. Nas ruas, a pauta é contra as injustiças sociais, por menos dinheiro para Copa e mais para saúde, educação e transporte, investimento público no serviço público, contra as privatizações e combate à corrupção. Essa tentativa de reforma é uma resposta conservadora que pode tornar a política brasileira ainda mais antidemocrática, como o voto distrital e a cláusula de barreira que afeta diretamente os partidos ideológicos, preservando as grandes legendas de aluguel, como o PMDB de Sarney e Renan Calheiros. O Plebiscito é uma cortina de fumaça. A verdadeira mudança será nas ruas.”

Evidente que “a verdadeira mudança será nas ruas”. Mas, o que proporemos aos que lutam nas ruas? Ficaremos apenas nas lutas econômicas, que são legítimas e devem ser assumidas, quando uma proposta de luta política se coloca?

Este é o debate que está em curso.

Vamos ignorar a possibilidade histórica de abrir uma possibilidade de luta contra o atual sistema político?

Deixaremos que as forças de direita ganhem esse embate e determinem o recuo do governo, enquanto seguiremos apenas nas lutas econômicas?

Não há como não se lembrar do texto de Schafik Handal....

Ainda estamos em tempo. O cavalo selado ainda está passando. Ainda é possível interferir nesta luta!

A bandeira de uma Constituinte Exclusiva do Sistema Político, a ser submetida a um Plebiscito Nacional, foi lançada. Podemos ignorá-la, rejeitá-la, ou assumi-la. O reascenso da luta de massas apenas está começando, muita àgua ainda vai rolar, mas a luta política tem ritmos e momentos de alta velocidade. Saber agir neste momento é essencial.

Não nos esqueçamos, um só instante, que a questão central em toda a transformação é a questão do poder.