Do Somosandando da Cris
A
primeira pergunta do jornalista André Machado ao presidente da
Associação dos Transportadores de Passageiros de Porto Alegre (ATP),
Enio Roberto dos Reis, no programa Gaúcha Atualidade, na rádio do grupo
RBS, hoje (09) de manhã, foi quanto ficaria a passagem de ônibus se não
houvesse gratuidades. Referia-se à isenção de cobrança a idosos e outros
que têm direito legal ao passe livre, além da meia-passagem para
estudantes e o dia de transporte gratuito que ocorre quase todo mês na
capital, os verdadeiros culpados pelo aumento acima da inflação, segundo
a lógica de André Machado.
André Machado tentava amenizar as fortes críticas que têm recaído
sobre a Prefeitura de Porto Alegre nos últimos dias. Ontem (08) à tarde
foi decidido que a passagem subiria de R$ 2,45 para R$ 2,70, um aumento
de 10,2%. Hoje pela manhã eu tive que buscar mais moedinhas na carteira
porque a nova tarifa já estava em vigor. Incrível como algumas coisas
são tão rápidas!
Foi assim que o representante naquele momento do grupo RBS começou a
entrevista. Terminou com um afago ao entrevistado e aos que ocupam
posição semelhante na escala social: “eu recebo aqui no programa muitas
críticas dos ouvintes com relação aos empresários. Está difícil ser
empresário hoje em dia?”.
É, deve estar. Dá até pena quando os vejo trocando seus carros só uma
vez por ano. Já nós, ingratos reclamões, temos uma frota
superultramegamoderna de ônibus circulando em nossas ruas, com média,
segundo o próprio Reis, de quatro anos e meio. Alguns até tem ar
condicionado. Claro, não dá pra escolher se morro de calor ou de frio,
porque depende do humor do motorista, quando tem. Mas isso é detalhe.
Reis
queixou-se muito do passe livre, dia em que, segundo ele, 700 mil
passageiros são transportados de graça. Foi esse o número que usou para
justificar o prejuízo, comparando com a arrecadação do mesmo montante de
pessoas em dias de cobrança normal. Esqueceu, no entanto, que em dias
normais essas mesmas 700 mil pessoas andam em muito mais ônibus,
gastando muito mais combustível, tendo em vista que em dias de passe
livre é possível esperar quase dez vezes mais pelo coletivo. Ou seja,
menos ônibus transportam esses passageiros.
De acordo com o portal Sul 21, o valor das passagens aumentou 629,73%
desde 1994. Nos mesmos 17 anos, a inflação foi 257,44%. Recomendo a
leitura da matéria completa, que fornece vários dados importantes para a interpretação desses aumentos.
Transporte é necessidade do cidadão e dever do governo
O fato é que o transporte coletivos de passageiros tem duas pontas:
de um lado, os cidadãos comuns, que usufruem do serviço; de outro, as
empresas, sedentas por lucro. Seguindo a lógica capitalista, nenhum dos
dois pode ser condenado. Acontece que o transporte coletivo deve ser um
serviço público. As pessoas precisam dele, assim como precisam de
escola, de posto de saúde, de viaturas de polícia.
Só que, no caso do transporte, o serviço é repassado a empresas, que
não estão ali para se preocupar com o bem estar dos cidadãos, mas para
obter lucro. A diferença dessas empresas para qualquer outra é que nesse
caso o passageiro não tem a opção de não comprar ou trocar de marca
caso ache caro. O preço lhe é imposto e ele é obrigado a engolir.
Ou seja, a relação da população com esse serviço não é nem bem de
cidadão nem bem de consumidor. Como o transporte deve ser um direito,
cabe ao poder público, eleito para prezar pelos bem estar de seus
cidadãos, fazer o meio de campo e garantir a melhor equação – para os
passageiros, fique claro.
Reis
falou na necessidade de subsídios governamentais para reduzir os
custos. Certo, quem tem que arcar com o prejuízo causado às empresas
pela gratuidade são as prefeituras – que é a esfera de governo
responsável pelo serviço -, não os outros passageiros. Afinal, como
sustentar o discurso de que é preciso ter menos carros nas ruas se a
passagem sobe acima da inflação (e dos salários)?
É preciso entender que o resultado é cíclico. Se o transporte
coletivo é mais caro – e não é cada vez melhor, como dizem -, todos que
puderem correrão para adquirir seu automóvel – pobres dos que não
tiverem condições para tal! -, as ruas precisarão de mais manutenção, o
ambiente precisará de mais cuidados. Ou seja, mais investimentos da
Prefeitura. Um ciclo que não compensa, porque muito desse resultado é
irreversível, como os prejuízos ao meio ambiente.
E ele já alertou que, como será implementado um sistema em que a
passagem sairá de graça quando um segundo ônibus for pego menos de meia
hora depois do primeiro, para quem precisa de mais de um coletivo para
chegar ao destino, é possível que no ano que vem o aumento seja ainda
maior.