terça-feira, 26 de agosto de 2014

Quanto mais caos na Palestina, melhor para EUA e Israel

Indústria de armas, controle e expansionismo: Quanto mais caos na Palestina, melhor para EUA e Israel

Por Ismael Hossein Zadeh*, em CounterPunch
Tradução: Roberto Brilhante, Carta Maior

 
Benjamin Netanyahu e Barack Obama (Foto: MANDEL NGAN/AFP/Getty Images)
Benjamin Netanyahu e Barack Obama (Foto: MANDEL NGAN/AFP/Getty Images)

Por que os EUA e Israel estão tão interessados que o caos na Palestina perdure? Entenda como os interesses do complexo industrial-militar americano e dos sionistas israelenses convergem no que diz respeito ao caos no Oriente Médio

Observadores da geopolítica do Oriente Médio tendem a colocar a culpa do caos na região em um suposto fracasso das políticas “incoerentes”, “ilógicas” ou “contraditórias” dos EUA. No entanto, evidências irrefutáveis apresentadas neste estudo sugerem que, na verdade, o caos representa o sucesso, e não o fracasso, destas políticas — que foram formuladas pelos beneficiários da guerra e das aventuras militares na região e em outros locais. Enquanto as políticas norte-americanas na região são certamente irracionais e conflituosas do ponto de vista da paz internacional e mesmo do ponto de vista dos interesses nacionais como um todo, elas são bastante lógicas do ponto de vista dos beneficiários econômicos e geopolíticos da guerra e de hostilidades internacionais; isto é, do (a) do complexo militar-industrial, e (b) dos militantes sionistas que propõem uma “Grande Israel.”
As sementes do caos foram plantadas há cerca de 25 anos, quando o muro de Berlim caiu. Uma vez que a razão para um aparato militar gigantesco durante a Guerra Fria era a “ameaça do comunismo,” os cidadãos americanos celebraram a queda do Muro como o fim do militarismo e a aurora dos “dividendos da paz” — uma referência aos benefícios que muitos gozariam nos EUA em decorrência da reorientação de parte do orçamento do Pentágono na direção de necessidades sociais.
Mas enquanto os cidadão norte-americanos celebravam, os poderosos interesses que investiam na expansão dos gastos militares se sentiram ameaçados. Sem surpresas, estas forças mudaram seus alvos para salvaguardar seus interesses contra as “ameaças de paz.”
Para sufocar as vozes que demandavam os dividendos da paz, os beneficiários da guerra e do militarismo começaram a redefinir metodicamente as “fontes de ameaça” pós-Guerra Fria dentro do espectro do novo mundo multi-polar, que ia além da tradicional “ameaça Soviética” da era anterior. Ao invés de “ameaça comunista”, os “estados párias,” o islamismo radical e o “terrorismo global” seriam os novos inimigos.
Publicamente, a maior parte da reavaliação do mundo pós-Guerra Fria foi apresentada pelos militares de alta patente. Por exemplo, o General Carl Vuno, chefe do estado-maior do exército dos EUA, declarou ao Comitê da Câmara em maio de 1989: “muito mais complexo [do que qualquer perigo imposto pela União Soviética] é a situação ameaçadora em desenvolvimento no resto do mundo… neste mundo multi-polar, nós enfrentamos ameaças de países que estão se tornando cada vez mais sofisticados militarmente e mais agressivos politicamente”[2].
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O General Colin Powell, presidente da junta de chefes do estado-maior na época, argumentou no Comitê do Senado que apesar da queda da União Soviética, os EUA precisavam continuar com seu acúmulo de forças militares por outras obrigações: “Com todos estes desafios e oportunidades confrontando nossa nação, é impossível acreditar que a desmobilização ou esvaziamento das forças militares americanas são um caminho para o futuro. O verdadeiro ‘dividendo da paz’ é a paz mesmo… A paz surge através da manutenção da força” [3].
Enquanto os militares de alta patente, vestidos de uniformes belos e chamativos, tomavam o papel principal na luta contra a diminuição do complexo militar-industrial; militaristas civis, trabalhando dentro e fora do Pentágono e associados aos think-tanks militaristas, tramavam por trás das cortinas. Entre eles se incluem o então secretário de defesa Dick Cheney; seu subsecretário de defesa Paul D. Wolfowitz; Zalmay Khalizad, então assessor de Wolfowitz; e I. Lewis “Scooter” Libby, então subsecretário adjunto de defesa. Este grupo de homens e seus pensadores e colaboradores (tal qual Richard Perle, Douglas Feith, e outros) trabalharam diligentemente juntos prevenindo cortes pós-Guerra Fria. “O que tínhamos medo era que as pessoas dissessem ‘vamos trazer todas as tropas de volta pra casa, vamos abandonar nossa posição na Europa’,” relembrou Wolfowitz em uma entrevista [4]
Estes planejadores militares eram oficilamente afiliados ao Pentágono e/ou com a administração de Bush pai,mas também eram colaboradores próximos de think-tanks lobistas ultranacionalistas como o American Enterprise Institute, Project for the New American Century e o Jewish Institute fo National Security Affairs que foi montado para servir tanto ao lobby das armas quanto ao lobby de Israel. Mesmo um olhar superficial sob os registros destes think tanks — sob seus membros, seus recursos financeiros, suas estruturas institucionais, etc — mostram que eles foram criados para servir como frontes institucionais de camuflagem de negócios incestuosos e/ou relacionamentos políticos entre o Pentágono, seus principais empreiteiros, os militares de alta patente, o lobby de Israel e outras corporações beligerantes [5].
Em um esforço cuidadoso e calculado para redefinir o mundo pós-Guerra Fria como um mundo “mais perigoso” e desenhar uma nova “estratégia de segurança nacional” para os EUA, este time de planejadores militares e think-tanks produziram um documento geopolítico-militar logo após a queda da União Soviética que foi conhecido como “Guia de Planejamento de Defesa,” ou “Estratégia de Defesa para os anos 1990.” O documento, revelado pela Casa Branca ao Congresso no início dos anos 1990, focava em “pontos imprevisíveis de turbulência no terceiro mundo” como novas fontes de atenção para o poder militar dos EUA na era pós-Guerra Fria: “na nova era, nós prevemos que nosso poder militar continuará a ser um alicerce essencial do equilíbrio global… que as demandas para o uso de nossas forças militares estarão no Terceiro Mundo, onde novas abordagens podem ser necessárias” [6]
Para responder às “turbulências nas regiões mais vitais,” a nova situação requisitava uma estratégia para “identificar ameaças” — uma estratégia militar que “conteria e reprimiria conflitos locais ou regionais no Terceiro Mundo com rapidez e eficiência antes que eles saíssem de controle.” No mundo pós-Guerra Fria de “múltiplas fontes de ameaças,” os EUA também necessitariam estar preparados para lutar guerras de “baixa e média intensidade.” Baixa e média intensidade não se referem ao nível de poder de fogo e violência empregados, mas à escala geográfica se comparada com uma guerra mundial ou regional que paralisaria os mercados globais.
Dick Cheney.
Dick Cheney.
A “Estratégia de Defesa para os anos 1990” também falava de manter e expandir a “profundidade estratégica” norte-americana — um termo cunhado pelo então secretário de defesa Dick Cheney. O termo tinha uma conotação geopolítica, significando que, após a queda do Muro de Berlim, os EUA deveriam estender sua presença global — em termos de bases militares, estações de escuta e inteligência e tecnologia militar — a áreas anteriormente neutras ou sob influência da União Soviética.
As prescrições políticas destas profecias eram inequívocas: tendo projetado (e depois criado) o mundo pós-Guerra Fria como um lugar fracionado em “múltiplas ameaças aos interesse nacionais norte-americanos,” beneficiários poderosos do orçamento do Pentágono tiveram sucesso na manutenção dos gastos nos mesmos níveis da Guerra Fria. Proponentes do militarismo contínuo “se moveram com rapidez notável para assegurar que a queda da União Soviética não afetaria o orçamento do Pentágono ou nossa ‘posição estratégica’ que garantimos em nome do anti-comunismo.”[7]
Para levar a cabo a “Estratégia de Segurança Nacional” do mundo pós-Guerra Fria, os organizadores do plano necessitavam de pretextos, que frequentemente significavam inventar ou fabricar inimigos. Beneficiários dos dividendos de guerra às vezes encontravam “inimigos externos e ameaças apenas decidindo unilateralmente que ações ao redor do mundo eram terrorismo,” ou por classificar arbitrariamente alguns países como “apoiadores do terrorismo”, como Bill Christison, assessor aposentado da CIA, demonstrou [8].
Eles também criaram atritos internacionais através de políticas traiçoeiras que tinham o intuito de provocar ira e violência, o que seria o estopim para futuros atos de terrorismo e um ciclo vicioso de guerra. E é claro, a abominável força por trás desta estratégia servia para manter os lucros do negócio da guerra. Gore Vidal caracterizou satiricamente esta maldita necessidade dos beneficiários da guerra de constantemente aparecerem com novas ameaças e inimigos como “clube do inimigo do mês: cada mês somos confrontados com um horroroso inimigo que devemos atacar antes que nos destrua” [9].
Uma pequena guerra aqui, outra ali, uma guerra de “baixa intensidade” no país x, outra de “média intensidade” no país y — cinicamente chamadas de “guerras sob controle” — são estratégias que manteriam o orçamento militar na direção dos cofres do complexo industrial-militar sem causar um conflito de larga escala que acabaria com os mercados mundiais.
Ainda dentro deste cenário, a abordagem do governo dos EUA aos ataques hediondos de 11 de setembro foi uma oportunidade para que a guerra e agressão não chegassem de surpresa a qualquer um familiar às necessidades viciosas do militarismo. Os ataques monstruosos foram tratados não como crimes, mas como uma “guerra contra a America.” Uma vez que foi estabelecido que os EUA estavam “em guerra,” as agressões imperialistas começaram. Como colocou Chalmers Johnson, a tragédia de 11 de setembro “serviu como um maná do paraíso à uma administração determinada a aumentar o orçamento militar” [10]
Nesta época, já haviam sido rotulados como “hostis” governos como os do Irã, Iraque, Líbia e Coréia do Norte por serem desonestos ou apoiarem o terrorismo, o que requeria uma “mudança de regime.” Antes dos ataques de 11 de setembro, no entanto, tais rótulos demonizantes não eram aparentemente suficientes para convencer o povo americano a apoiar os EUA em sua tendência à guerra. A tragédia de 11 de setembro serviu de pretexto para tais conflitos — que se seguiram a mudança de regime no Iraque e em outros países hostis ao redor do mundo.
Como beneficiários dos dividendos de guerra, o complexo industrial-militar considerava a paz internacional e a estabilidade como inimigos para seus interesses, e assim também acontecia com militantes sionistas proponentes da “Grande Israel”que perceberam que a paz entre Israel e seus vizinhos palestinos/árabes era prejudicial a seus objetivos de tomarem o controle da “Terra Prometida.” A razão para este medo da paz é que, de acordo com algumas resoluções das Nações Unidas, a paz significaria o retorno de Israel a suas fronteiras pré-1967, isto é, fora da Faixa de Gaza e da Cisjordânia. Logo, seu medo da paz faz com que continuem suas tentativas de sabotagem das negociações.
Pela mesma razão, estes proponentes enxergam a guerra e a convulsão (ou, como David Ben-Gurion, um dos fundadores do Estado de Israel colocava, “atmosfera revolucionária”) como oportunidades para a expulsão dos palestinos e para a reconfiguração geográfica de região e expansão do território israelense. “O que é inconcebível em tempos normais,” Ben-Gurion apontava, “é possível em tempos revolucionários; e se neste tempo a oportunidade for perdida — um mundo todo é perdido” [11]
Ecoando um sentimento similar de que a dissolução e fragmentação dos estados árabes em mosaicos de grupos étnicos é possível apenas sob condições de guerra e convulsão sociopolítica, o notório linha-dura Ariel Sharon apontou em março de 1988 que “se as revoltas palestinas continuarem, Israel teria de guerrear contra seus vizinhos árabes. A guerra, ele declarou, proveria ‘as circunstâncias’ para que se removesse a população palestina por inteiro da Cisjordânia e de Gaza e até mesmo de dentro de Israel” [12].
Esta visão de que a guerra “proveria as circunstâncias” para a remoção dos palestinos dos territórios ocupados tem como premissa a expectativa de que os EUA também compartilham desta noção e iriam apoiar o expansionismo de Israel no caso de uma guerra. A expectativa não é de forma alguma estranha ou incomum, pois os beneficiários dos gastos militares nos EUA teriam prazer de ajudar Israel, não tanto pelo bem do país, mas por seus propósitos nefastos — a aliança entre o complexo militar-industrial e o lobby de Israel.
Por causa dos interesses destes dois poderosos grupos convergindo na direção da fomentação da guerra e das convulsões políticas no Oriente Médio, uma aliança potente e ameaçadora foi forjada entre os dois — ameaçadora porque a poderosa máquina de guerra norte-americana é agora suplementada pela incomparável capacidade de relações públicas do lobby pro-Israel nos EUA. A convergência e/ou interdependência dos interesses do complexo militar-industrial e aquele dos militantes sionistas é o coração do ciclo perpétuo de violência na região.
Obama Speaks At AIPAC Policy Conference 2011
Tal aliança não é oficial; ela é sutilmente forjada através de uma elaborada rede de poderosos think tanks como os seguintes: The American Enterprise Institute, Project for the New American Century, America Israel Public Affairs Committee, Middle East Media Research Institute, Washington Institute for Near East Policy, Middle East Forum, National Institute for Public Policy, Jewish Institute for National Security Affairs, and Center for Security Policy.
Imediatamente após a Guerra Fria, estes think tanks e seus operadores dentro e fora do governo publicaram vários documentos que defendiam claramente mudanças de fronteiras, mudanças demográficas e mudanças de regime no Oriente Médio. Por exemplo, em 1996, um influente think tank israelense, o Institute for Advanced Strategic e Political Studies, patrocinou e publicou um documento intitulado “Uma quebra limpa: uma nova estratégia de segurança para região,” que argumentava que o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu “deveria fazer uma ‘quebra limpa’ do processo de paz de Oslo e reassumir a reivindicação da Cisjordânia e de Gaza. O documento apresentou um plano onde Israel deveria ‘formular seu ambiente estratégico,’ começando com a derrubada de Saddam Hussein e a instalação da monarquia hashimita em Bagdá para servir de primeiro passo em direção a eliminação dos governos anti-Israel da Síria, do Líbano, da Arábia Saudita e do Irã”[13].
Em uma “Carta Aberta ao Presidente” (Clinton), de 19 de fevereiro de 1998, vários think tanks e indivíduos representando o complexo militar-industrial e o lobby de Israel, recomendaram “uma estratégia política e militar para tirar Saddam do regime.” Entre os signatários da carta estavam: Elliott Abrams, Richard Armitage, John Bolton, Douglas Feith, Paul Wolfowitz, David Wurmser, Dov Zakheim, Richard Perle, Donald Rumsfeld, William Kristol, Joshua Muravchik, Leon Wieseltier, e Stephen Solarz [14].
Em setembro de 2000, outro think tank militarista chamado Project for the New American Century (PNAC), lançou um relatório entitulado “reconstruindo as defesas da América: estratégia, forças e recursos para um novo século,” que projetava explicitamente o desempenho de um papel imperialista pelos EUA no mundo todo. Ele estabelecia, por exemplo, “que os EUA durante décadas tentaram ter um papel permanente na segurança da região do Golfo Pérsico. Enquanto o conflito sem resolução com o Iraque provê uma justificativa imediata, a necessidade de uma substancial presença americana no Golfo transcende a questão do regime de Saddam Hussein.” Os patrocinadores do relatório incluiam Richard Cheney, Donald Rumsfeld, Paul Wolowitz, Lewis Libby e Willian Kristol, que também foi co-autor do relatório[15].
JINSA-logo
O influente Jewish Institute for the National Security Affairs (JINSA) também emitiu declarações e documentos que defendiam “mudanças de regime” no Oriente Médio. Seu assessor, Michael Ladeen, que também assessorou extra-oficialmente a administração Bush em questões do Oriente Médio, falava abertamente da era da “guerra total” que estava por vir, indicando que os EUA deveriam expandir suas políticas de “mudanças de regime” no Iraque a outros países na região como o Irã e a Síria. “Neste fervente apoio a estas políticas pró-assentamentos e anti-palestina, o JINSA recomendou que a ‘mudança de regime’ no Iraque deveria ser apenas o início para que os dominós caíssem no Oriente Médio”[16].
Em suma, a evidência é arrebatadora (e irrefutável) de que o caos no Oriente Médio, Norte da África e Leste Europeu/Ucrânia não é por causa de políticas “equivocadas” dos EUA e seus aliados, como muitos críticos tendem a sustentar. O caos é causado por políticas premeditadas e muito bem desenhadas que foram cunhadas por uma aliança entre o complexo militar-industrial e o lobby israelense no mundo pós-guerra fria.

*Ismael Hossein Zadeh é professor emérito de Economia da Drake University.
Referências:
[1] Excertos do meu livro, The Political Economy of U.S. Militarism, especialmente capítulos 4 and 6, foram usados neste ensaio.
[2] Citado em Sheila Ryan, “Power Projection in the Middle East,” inMobilizing Democracy, edited by Greg Bates (Monroe, Maine: Common Courage Press, 1991), p. 47.
[3] Ibid., p. 46.
[4] James Mann, “The True Rationale? It’s a Decade Old,” Washington Post, Sunday (7 March 2004), page B02.
[5] For a detailed exposition of this dubious relationship see Ismael Hossein-zadeh, The Political Economy of U.S. Militarism (Palgrave-Macmillan 2007), chapter 6.
[6] Chalmers Johnson, The Sorrows of Empire (New York, NY: Metropolitan Books, 2004), pp. 20-21.
[7] Ibid., p. 20.
[8] Bill Christison, “The Disastrous Foreign Policies of the United States,”Counterpunch.org (9 May 2002), .
[9] Gore Vidal, Perpetual War for Perpetual Peace: How We Got To Be So Hated (New York: Thunder’s Mouth Press/Nation Books, 2002), pp. 20-1.
[10] Chalmers Johnson, The Sorrows of Empire (New York, NY: Metropolitan Books, 2004), p. 64.
[11] Quoted in Stephen J. Sniegoski, “The War on Iraq: Conceived in Israel,” <http://vho.org/tr/2003/3/Sniegoski285-298.html>.
[12] Ibid.
[13] Ibid.
[14] Ibid.
[15] Ibid.
[16] William D. Hartung, How Much Are You Making on the War, Daddy? (New York: Nation Books, 2003), p.109.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Oito pontos para entender a história do Hamas e do Islã político

Oito pontos para entender a história do Hamas e do Islã político

O que é o Islã político, mal chamado de fundamentalismo islâmico? Quando surgiu? Por quê? É igual em todos os países? Qual é o projeto do Hamas? Há algumas perguntas as quais é necessário responder para que se entenda o conflito palestino-israelense e a atual situação no Oriente Médio
Por Santiago Mayor,
1. Quando surge o Islã político?
Em 1928 é fundada a Irmandade Muçulmana no Egito, que, com o passar dos anos, foi se expandindo para vários países do mundo árabe. Esta foi a primeira organização moderna a adotar o Islã como base de seu projeto político.
Apesar de sua criação precoce e desenvolvimento teórico ao longo do século XX, durante décadas foi ignorada pelos governos nacionalistas ou pró-ocidentais que dominavam a região. Por conta das perseguições, seu trabalho foi eminentemente social.
A irrupção massiva e expansão do islamismo se deu, então, a partir de 1979, com a chegada da Revolução Iraniana ao governo do país.
2. Quais são seus fundamentos? 
O Islã político parte da premissa de que os postulados do Islã são aplicáveis a um programa político e integral para a sociedade. Daí resulta a Charia, ou Direito Islâmico.
É necessário esclarecer que não existe uma única forma de interpretar o Corão (livro sagrado dos muçulmanos) e os preceitos do Islã. Isso se reflete, por sua vez, nas distintas organizações que promovem o islamismo.
A Charia não é a mesma no Sudão (onde se pratica a mutilação genital feminina), na Nigéria (onde é permitido apedrejar até a morte uma mulher adúltera) ou no Irã, onde as mulheres podem dirigir e ir para a universidade.
O cientista político francês François Burgat, especialista em Oriente Médio, toca em um ponto básico, mas que carece de explicação: “São as personalidades islâmicas que fazem o islamismo, e não o contrário”. Além disso, afirma que “segundo a natureza do terreno social que atravessa, das forças políticas que dela se apropriam, e das reações dos regimes, a corrente islâmica se expressa com multiplicidade de registros e através de modos muito distintos. Nenhum deles pode ser uma chave de leitura única e atemporal.”
Por isso, é incorreto dizer que o Hamás, na Palestina, é o mesmo que o Boko Haram, na Nigéria, ou então a Irmandade Muçulmana, no Egito.
3. Que setores sociais representa o Islã político? 
Com a revolução iraniana de 1979 e o primeiro governo islâmico da história, irrompem na política setores sociais que haviam sido relegados àquele rincão do mundo.
O estudioso francês Gilles Keppel aborda essa questão ao defender que “o movimento islâmico é dúbio. Nele, encontramos a juventude urbana pobre, oriunda da explosão demográfica do terceiro mundo, do êxodo rural massivo e que, pela primeira vez na história, tem acesso à alfabetização.” Keppel explica que também o integram “a burguesia e as classes médias piedosas que foram marginalizadas no momento da descolonização, levada a cabo pelos miliares e por dinastias fundadas por meio do poder.”
Isso quer dizer que o islamismo tem um apoio popular significativo, especialmente em sua versão mais radical, e também nacional. Mas não significa necessariamente que incorpore um projeto político ligado às reivindicações populares progressistas ou de esquerda.
4. Por que o islamismo se dividiu em duas correntes majoritárias?
Toda revolução gera uma reação, e o caso do Irã não foi a exceção. A chegada ao poder do Aiatolá Jomeini em 1979 determinou o auge do Islã político e também a sua radicalização, em contraposição aos esforços reformistas da histórica Irmandade Muçulmana.
É assim que aparecem e ganham força, na década de 1980, grupos armados islâmicos, como o Hezbollah, no Líbano, e o Hamas, na Palestina.
Em resposta, a dinastia da Arábia Saudita emerge como foco de contenção à radicalidade desses novos movimentos. O islamismo conservador passou, assim, a ser financiado por um dos países mais ricos do mundo e seus aliados estratégicos.
Para sufocar a tentativa de estender a revolução iraniana ao resto do Oriente Médio, a Arábia Saudita impulsionou sua própria “cruzada”: a guerra do Afeganistão. Milhares de mujahidines foram enviados como combatentes internacionalistas a deter o avanço do comunismo soviético por meio da dinastia de Riad. Dessa situação nasceu a ligação do saudita Osama Bin Laden ao Taliban, que então governava o Afesganistão.
5. Como e por que surge o Hamas?
Neste contexto convulsionado do Oriente Médio, com o Islã político no auge durante a década de 80, surge o Hamas (“Despertar”, em árabe). Embora suas origens estejam ligadas à Irmandade Muçulmana egípcia, devido ao trabalho social que realizava principalmente na Faixa de Gaza, a nova organização expressou e expressa uma das versões do islamismo radical, como consequência da influência da Revolução Iraniana.
A primeira Intifada (“levantar a cabeça”), que começou em 1987 e durou até os Acordos de Oslo de 1993, foi o contexto no qual emergiu este novo movimento político-militar. Durante estes anos, as populações palestinas de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental se rebelaram contra a ocupação israelense.
6. O Hamas foi impulsionado por Israel?
Poucas mentiras sobre o conflito palestino-israelense foram tão difundidas e aceitas, inclusive em ambientes ocidentais progressistas.
Como citado anteriormente, o Hamas surgiu de organização do trabalho social realizado nas mesquitas palestinas, muito similar ao promovido pela Irmandade Muçulmana no Egito. Durante décadas, Israel permitiu a proliferação do trabalho reigioso islâmico por considerá-lo inofensivo e por representar um freio à posição laica, democrática e de libertação nacional da Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Aqui nasce o erro e a distorção histórica.
Foi esta construção subterrânea que permitiu ao Hamas desenvolver uma hegemonia muito forte entre a população (fundamentalmente de Gaza). A Revolução Iraniana e a politização massiva do Islã no Oriente Médio catapultaram o trabalho social ao plano político.
7. Quais as diferenças entre o Hamas e a OLP?
Primeiramente, o Hamas é uma organização cujo objetivo é construir um Estado islâmico na região histórica da Palestina, enquanto a Organização para a Libertação da Palestina é laica, e portanto luta por um Estado palestino democrático e similar ao estilo ocidental.
Outro ponto de divergência na década de 90 foi o reconhecimento do Estado de Israel como tal. Após anos de luta, a OLP optou por negociar, e dessa forma se alcançou os Acordos de Oslo, que deram origem à Autoridade Nacional Palestina (ANP), governo do proto-Estado que nunca se constituiu devido às violações por parte de Israel.
O Hamas, por sua vez, nasceu e postula, em sua carta orgânica, a destruição do Estado de Israel. Por isso, rejeitou, no começo, os Acordos de Oslo e a ANP. Esta postura inicial, entretanto, se converteu com o tempo em posições mais realistas.
8. Qual é a política atual do Hamas?
No início, o Hamas adotou um linha de ação radical, que incluía a realização de atentados suicidas entre 1994 e 2004 (desde então não voltou a realizá-los, embora a propaganda israelense os cite sistematicamente). A radicalização, somada à posição mais diplomática da OLP, permitiu ao grupo crescer e se consolidar como uma alternativa diferente ao povo palestino.
No entanto, sua política tem variado. Em 2001, Ahmed Yassin, dirigente máximo da organização, assassinado em 2004 por Israel, afirmou: “Não lutamos contra povos de outras religiões ou judeus pelo fato de serem judeus. Lutamos contra os que ocuparam nossas terras, tomaram nossas propriedades, transformaram em refugiados nossas famílias e massacraram nossos filhos e mulheres.”
Em 2006, o Hamas concorreu pela primeira vez às eleições legislativas para a ANP. Em um dos pleitos mais democráticos da região, saiu vencedor. Mas Israel e Estados Unidos tentaram dividir e deslegitimar o triunfo do grupo islâmico. Com certo consentimento do Fatah (a organização preponderante a OLP), o governo palestino se fragmentou em dois: Hamas em Gaza e OLP na Cisjordânia.
Esta divisão favoreceu e favorece a política israelense de negar a criação de um Estado palestino autônomo e soberano. Porém, no início deste ano, Hamas e OLP haviam firmado acordo para reunificar o governo palestino mediante uma administração de transição, até que se realizassem novas eleições. A decisão palestina provocou a ira do governo de Israel, que poucos meses depois, principiou a ofensiva que perdura até agora.
* Tradução de Anna Beatriz Anjos e retirado do portal Revista Fórum.

As origens do sionismo, por Thierry Meyssan

As origens do sionismo

Todos têm a sua própria opinião para explicar os massacres cometidos pelo Estado de Israel em Gaza. Enquanto nos anos 70 e 80, se via nisso uma manifestação do imperialismo anglo-saxónico, hoje muitos interpretam-no como um conflito entre judeus e árabes. Debruçando-se sobre este longo período —quatro séculos de História —, Thierry Meyssan, consultor junto a vários governos, analisa a origem do sionismo, as suas reais ambições, e determina quem é o inimigo.
Rede Voltaire | Damasco (Síria) 
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A guerra, que prossegue sem interrupção desde há 66 anos na Palestina, conheceu uma nova agudização com as operações israelitas «Guardiões dos nossos irmãos», seguida de «Rochedo de Firmeza» (traduzido estranhamente na imprensa ocidental por «Fronteira protetora»).
À vista, Telavive —que escolheu instrumentalizar o desaparecimento de três jovens Israelitas para lançar estas operações e «arrancar o Hamas pela raiz» afim de explorar o gaz de Gaza, conforme o plano enunciado em 2007 pelo actual ministro da Defesa [1]— foi surpreendido pela reacção da Resistência. A Jihade islâmica respondeu como o envio de roquetes de médio alcance, muito difíceis de interceptar, que se somaram aos lançados pelo Hamas.
A violência dos acontecimentos, que custaram já a vida a mais de 1.500 Palestinianos e 62 Israelitas(embora os números israelitas sejam submetidos à censura militar e estejam provavelmente diminuídos), levantou uma vaga de protestos no mundo inteiro. Além dos seus 15 membros, o Conselho de segurança, reunido a 22 de julho, deu a palavra a 40 outros Estados que entenderam exprimir a sua indignação diante do comportamento de Telavive e da sua «cultura de impunidade». A sessão, em lugar de durar as 2 horas habituais, durou assim 9 [2].
Simbolicamente, a Bolívia declarou Israel «Estado terrorista» e revogou o acordo de livre-circulação que o abrangia. Mas, de um modo geral, as declarações de protesto não foram seguidas de uma ajuda militar, à excepção das do Irão (Irã-Br) e simbolicamente da Síria. Ambos apoiam a população palestina via Jihade islâmica, ramo militar do Hamas (mas não o seu ramo político, que é membro dos Irmãos muçulmanos), e a FPLP-CG.
Contráriamente aos antecedentes (operações «Chumbo endurecido» em 2008 e «Coluna de nuvem negra» em 2012), os dois Estados que protegem Israel no Conselho (os Estados-Unidos e o Reino-Unido), fizeram vista grossa à elaboração de uma declaração do presidente do Conselho de segurança sublinhando as obrigações humanitárias de Israel [3]. De facto, para lá da questão fundamental de um conflito que dura desde 1948, assiste-se a um consenso para condenar no mínimo o recurso de Israel a um emprego desproporcionado da força.
No entanto, este aparente consenso mascara análises muito diferentes: certos autores interpretam o conflito como uma guerra de religião entre judeus e muçulmanos; outros vêem nela, pelo contrário, uma guerra política segundo um esquema colonial clássico. Que se deve pois pensar a propósito?
O que é que é o sionismo?
A meio do século XVII, os calvinistas britânicos agruparam-se em torno de Oliver Cromwell e puseram em causa a fé e a hierarquia do regime. Depois de terem derrubado a monarquia anglicana, o «Lorde protector» pretendeu permitir ao povo inglês conseguir a pureza moral necessária para atravessar uma tribulação de 7 anos, acolher o retorno de Cristo, e viver pacificamente com ele durante 1.000 anos (o «Milénio»). Para conseguir realizar isto, segundo a sua interpretação da Bíblia, os israelitas deviam ser dispersos pelos confins da terra, depois reagrupados na Palestina e aí reconstruir o templo de Salomão. Nesta base, ele instaurou um regime puritano, levantou em 1656 a interdição posta aos israelitas de se instalarem em Inglaterra, e anunciou que o seu país se comprometia a criar, na Palestina, o Estado de Israel [4].
Tendo a seita de Cromwell sido, por seu turno, derrubada no final da «Primeira Guerra civil inglesa», os seus partidários mortos ou exilados, e a monarquia anglicana restabelecida, o sionismo (quer dizer o projeto de criação de um Estado para os israelitas) foi abandonado. Ele ressurgiu no século XVIII com a «Segunda Guerra civil inglesa», (segundo a nomenclatura dos manuais de História do secundário no Reino-Unido), que o resto do mundo conhece como a «guerra de independência dos Estados-Unidos» (1775-83). Contráriamente a uma ideia feita, esta não foi uma acção empreendida em nome do ideal das Luzes, que animou alguns anos mais tarde a Revolução francesa, mas sim financiada pelo rei de França e encetada por motivos religiosos ao grito de «o Nosso Rei, é Jesus!».
George Washington, Thomas Jefferson e Benjamin Franklin, para citar apenas estes, apresentaram-se como os sucessores dos partidários exilados de Oliver Cromwell. Os Estados-Unidos retomaram, pois, logicamente o seu projeto sionista.
Em 1868, em Inglaterra, a rainha Victoria designou como Primeiro-ministro, o judeu Benjamin Disraeli. Este propôs-lhe conceder alguns direitos aos descendentes dos partidários de Cromwell, de maneira a poder apoiar-se sobre todo o povo para estender o poder da Coroa no mundo. Sobretudo, propôs aliar-se à diáspora judia para conduzir uma política imperialista da qual ela seria a guarda-avançada. Em 1878, ele fez inscrever «a restauração de Israel» na ordem do dia do Congresso de Berlim sobre a nova partilha do mundo.
É sobre esta base sionista que o Reino-Unido restabelece as boas relações com as suas antigas colónias tornadas Estados-Unidos, no seguimento da «Terceira Guerra civil inglesa» —conhecida nos Estados-Unidos como a «guerra civil americana», e na Europa continental como a «guerra de Secessão» (1861-65)— que viu a vitória dos sucessores dos partidários de Cromwell, os WASP (White Anglo-Saxon Puritans- inglês para: «Brancos Anglo-Saxónicos Puritanos»-ndT) [5]. Uma vez mais, ainda, é erradamente que se fala deste conflito como uma luta contra a escravatura quando 5 Estados do Norte a mantinham, na altura, também.
Até quase ao final do século XIX o sionismo é, pois, apenas um projeto puritano anglo-saxónico, ao qual só uma elite judia adere. Ele é fortemente condenado pelos rabinos, que interpretam a Torá como uma alegoria e não como um plano político.
Entre as consequências actuais desses factos (fatos-Br) históricos, temos de admitir que se o sionismo visava a criação de um Estado para os israelitas, ele é também o fundamento da existência dos Estados Unidos. Portanto, a questão de se saber se as decisões políticas, de conjunto, são tomadas em Washington ou em Telavive tem apenas um interesse relativo. É a mesma ideologia que está no poder em ambos os países. Além disso, tendo o sionismo permitido a reconciliação entre Londres e Washington, colocá-lo em causa é o mesmo que atacar esta aliança, a mais poderosa do mundo.
A adesão do povo judaico ao sionismo anglo-saxão
Na historiografia oficial de hoje, costuma-se ignorar o período dos XVIIo-XIXo séculos e apresentar Theodor Herzl como o fundador do sionismo. Ora, de acordo com publicações internas da Organização Sionista Mundial, este ponto é igualmente falso.
O verdadeiro fundador do sionismo moderno não era judeu, mas cristão dispensionalista. O reverendo William E. Blackstone foi um pregador americano, para quem os verdadeiros cristãos não teriam de passar pelas provações no final dos tempos. Ele pregou que estes seriam levados para o céu durante a batalha final (a «ascensão da Igreja», em Inglês «the rapture»). Na sua opinião, os judeus travariam esta batalha e sairiam dela, ao mesmo tempo, convertidos a Cristo e vitoriosos.
Foi a teologia do reverendo Blackstone, que serviu de base ao apoio incondicional de Washington para a criação de Israel. E, isso, muito antes do AIPAC (o lóbi pró-Israel) ter sido criado e ter tomado o controlo do Congresso. Na realidade, o poder do lóbi não resulta tanto do seu dinheiro e da sua capacidade de financiar campanhas eleitorais, mas mais desta ideologia sempre presente nos EUA [6].
A Teologia do arrebatamento por muito estúpida que possa parecer é, hoje em dia, muito poderosa nos Estados Unidos. Ela representa um fenómeno (fenômeno-Br) na literatura e no cinema (veja-se o filme Left Behind, com Nicolas Cage, que será exibido a partir de outubro).
Theodor Herzl era um admirador do magnata dos diamantes Cecil Rhodes, o teórico do imperialismo britânico e fundador da África do Sul, da Rodésia (à qual deu o seu nome) e da Zâmbia (ex-Rodésia do Norte). Herzl não era judeu (no sentido em que não praticava a fé do judaísmo -ndT), e não havia circuncidado o seu filho. Ateu, como muitos burgueses europeus do seu tempo, ele preconizou primeiro a assimilação dos judeus por conversão ao cristianismo. No entanto, retomando a teoria de Benjamin Disraeli, ele chegou à conclusão que a melhor solução era envolvê-los no colonialismo britânico, criando um Estado judaico no actual Uganda ou na Argentina. Ele seguiu o exemplo de Rhodes quanto à compra de terras e na criação da Agência Judaica.
Blackstone conseguiu convencer Herzl a juntar as preocupações dos dispensionalistas às dos colonialistas. Bastava, para isso, encarar a criação de Israel na Palestina e multiplicar as referências bíblicas a propósito. Graças a esta ideia bastante simples, eles conseguiram fazer aderir a maioria dos judeus europeus ao seu projecto. Hoje, Herzl está enterrado em Israel (no Monte Herzl), e o Estado colocou no seu caixão A Bíblia anotada que Blackstone lhe havia dado.
O sionismo nunca teve, pois, como objetivo «salvar o povo judeu, dando- lhe um lar», mas sim fazer triunfar o imperialismo anglo-saxónico envolvendo nisso os israelitas. Além disso, não só o sionismo não é um produto da cultura judaica(no sentido de fé, tradições, costumes etc..-ndT), como a maioria dos sionistas nunca foi judaica, enquanto a maioria dos israelitas sionistas não são judeus. As referências bíblicas omnipresentes no discurso oficialista israelita (israelense-Br), não refletem o pensamento da parte crente do país e são destinadas, acima de tudo, a convencer a população dos EUA.
O pacto anglo-saxão para a criação de Israel na Palestina
A decisão de criar um Estado judaico na Palestina foi tomada em conjunto pelos governos britânico e norte-americano. Ela foi negociada pelo primeiro juiz judaico no Supremo Tribunal dos Estados Unidos, Louis Brandeis, sob os auspícios do reverendo Blackstone e foi aprovada tanto pelo presidente Woodrow Wilson, como pelo primeiro-ministro David Lloyd George, na esteira dos acordos franco-britânicos Sykes-Picot de partilha do «Próximo-Oriente». Este acordo foi sendo progressivamente revelado ao público.
O futuro Secretário de Estado para as Colónias, Leo Amery, foi encarregado de enquadrar os antigos membros do «Zion Mule Corps» (Corpo sionista de transporte com mulas -ndT) para criar, com dois agentes britânicos Ze’ev Jabotinsky e Chaim Weizmann, a «Legião Judaica» no seio do exército britânico.
O ministro das Relações Exteriores(Negócios Estrangeiros -Pt), Lord Balfour, enviou uma carta aberta a Lord Walter Rothschild comprometendo-se a criar um «lar nacional judaico» na Palestina (2 de novembro de 1917). O presidente Wilson incluiu entre os seus objetivos de guerra oficiais, (o n ° 12 dos 14 pontos apresentados ao Congresso a 8 de janeiro de 1918), a criação de Israel [7].
Portanto, a decisão de criar Israel não tem nenhuma relação com a destruição dos judeus da Europa, sobrevinda duas décadas mais tarde, durante a Segunda Guerra Mundial.
Durante a Conferência de paz de Paris, o Emir Faiçal (filho do xerife de Meca, e mais tarde rei do Iraque britânico) assinou, a 3 de janeiro de 1919, um acordo com a Organização Sionista, comprometendo-se a apoiar a decisão anglo-saxónica.
A criação do Estado de Israel, que foi feita contra a população da Palestina, foi, pois, também feita com o acordo dos monarcas árabes. Além disso, à época, o xerife de Meca, Hussein bin Ali, não interpretava o Alcorão à maneira do Hamas. Ele não pensava que «uma terra muçulmana não pudesse ser governada pelos não-muçulmanos».
A criação jurídica do Estado de Israel
Em maio de 1942, as organizações sionistas realizaram o seu congresso no Hotel Biltmore, em Nova Iorque. Os participantes decidiram transformar o «lar nacional judaico» da Palestina em «Commonwealth Judaica» (referindo-se à Commonwealth com a qual Cromwell havia substituído brevemente a monarquia britânica), e autorizar a imigração em massa de judeus para a Palestina. Num documento secreto, foram especificados três objectivos: «(1) o Estado judeu englobaria a totalidade da Palestina e, provavelmente, a Transjordânia; (2) o deslocamento das populações árabes para o Iraque e (3) a tomada em mãos pelos judeus dos sectores do desenvolvimento e do controlo da economia em todo o Médio-Oriente».
A quase totalidade dos participantes ignorava, então, que a «solução final da questão judaica» (die Endlösung der Judenfrage) tinha justamente começado, secretamente, na Europa.
Em última análise, ao passo que os britânicos não sabiam como haviam de satisfazer quer os judeus, quer os árabes, as Nações Unidas (que então tinham apenas 46 Estados-membros) propuseram um plano de partilha da Palestina, a partir das indicações de que os Britânicos lhe haviam fornecido. Deveria ser criado um Estado bi-nacional compreendendo um Estado judeu, um Estado árabe, e uma área «sob regime internacional especial» para administrar os lugares santos (Jerusalém e Belém). Este projeto foi aprovado pela Resolução 181 da Assembleia Geral [8] .
Sem esperar pelo resultado das negociações, o presidente da Agência Judaica, David Ben Gurion, proclamou, unilateralmente, o Estado de Israel, imediatamente reconhecido pelos Estados Unidos. Os árabes do território israelita foram colocados sob lei marcial, os seus movimentos foram restringidos e os seus passaportes confiscados. Os países árabes recém-independentes intervieram. Mas, sem exércitos devidamente constituídos, foram rápidamente derrotados. No decurso desta guerra, Israel procedeu a uma limpeza étnica e forçou, pelo menos, 700.000 árabes a fugir.
A ONU enviou como mediador, o conde Folke Bernadotte, um diplomata sueco que salvou milhares de judeus durante a guerra (2a guerra mundial-ndT). Ele descobriu que os dados demográficos, fornecidos pelas autoridades britânicas, estavam falseados e exigiu a plena implementação do Plano de Partilha da Palestina. Ora, a Resolução 181 implicava o retorno dos 700. 000 árabes expulsos, a criação de um Estado árabe e a internacionalização de Jerusalém. O enviado especial da Onu foi assassinado, a 17 de setembro 1948, por ordem do futuro primeiro-ministro, Yitzhak Shamir.
Furiosa, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Resolução 194, que reafirma os princípios da Resolução 181 e, além disso, proclama o direito inalienável dos palestinianos a voltar para suas casas e a ser indemnizados (indenizados-Br) pelos prejuízos que acabavam de sofrer [9].
Entretanto, Israel, tendo prendido os assassinos de Bernadotte, tendo-os julgado e condenado, foi aceite no seio da Onu com a promessa de honrar as resoluções. Mas, tudo isso não passava de mentiras. Logo após os assassinos foram amnistiados (anistiados-Br), e o atirador tornou-se o guarda-costas pessoal do primeiro-ministro David Ben Gurion.
Desde a sua adesão à Onu Israel não parou de violar as resoluções, que se acumularam na Assembleia Geral e no Conselho de Segurança. Os seus laços orgânicos com dois membros do Conselho, dispondo do direito de veto, colocam-no à margem do direito internacional. Tornou-se um Estado offshore, permitindo aos Estados Unidos e ao Reino Unido fingir respeitar ambos o direito internacional, enquanto o violam a partir deste pseudo-Estado.
É absolutamente errado pensar que o problema colocado por Israel só envolve o Médio-Oriente. Hoje em dia, Israel actua militarmente em qualquer lugar do mundo, sob a capa do imperialismo anglo-saxónico. Na América Latina, foram agentes israelitas que organizaram a repressão durante o golpe contra Hugo Chavez (2002) ou o derrube (derrubada-Br) de Manuel Zelaya (2009). Em África, eles estavam presentes, por todo o lado, durante a guerra dos Grandes Lagos, e organizaram a prisão de Muammar el-Qaddafi. Na Ásia, eles dirigiram o assalto e o massacre dos Tigres Tamil (2009), etc. Em todos os casos, Londres e Washington juram não ter nada a ver com tais assuntos. Além disso, Israel controla muitos meios de comunicação e instituições financeiras (tal como a Reserva Federal dos Estados Unidos).
A luta contra o imperialismo
Até à dissolução da URSS era óbvio para todos, que a questão israelita destacava-se na luta contra o imperialismo. Os palestinianos eram apoiados por todos os anti- imperialistas do mundo – até os membros do Exército Vermelho japonês — que vinham bater-se ao seu lado.
Actualmente, a globalização da sociedade de consumo, e a perda de valores que se lhe seguiu, fez perder a consciência do caráter colonial do Estado hebreu. Somente os árabes e muçulmanos se sentem postos em causa. Eles mostram empatia com o sofrimento dos palestinos, mas ignoram os crimes de Israel no resto do mundo, e não reagem aos outros crimes imperialistas.
No entanto, em 1979, o aiatola Ruhollah Khomeini explicava aos seus fieis iranianos, que Israel não era senão como uma boneca nas mãos dos imperialistas e o único verdadeiro inimigo era a aliança dos Estados Unidos e do Reino Unido. Por ter enunciado esta simples verdade, Khomeini foi caricaturado no Ocidente e os xiitas foram apresentados como heréticos no Oriente. Hoje em dia, o Irão (Irã-Br) é o único Estado no mundo a enviar maciçamente armas e conselheiros para ajudar a Resistência palestina, enquanto os regimes sionistas árabes debatem amavelmente, por vídeo-conferência, com o presidente israelita durante as reuniões do Conselho de Segurança do Golfo [10].
Tradução
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[1] «A extensão da guerra do gás no Levante», por Thierry Meyssan, Al- Watan/Rede Voltaire , 21 de julho de 2014.
[2] « Réunion du Conseil de sécurité sur le Proche-Orient et l’offensive israélienne à Gaza » (Fr-«Reunião do Conselho de Segurança sobre o Próximo-Oriente e a ofensiva israelita na Faixa de Gaza»-ndT), Réseau Voltaire, 22 juillet 2014.
[3] « Déclaration du Président du Conseil de sécurité sur la situation à Gaza » (Fr-«Declaração do Presidente do Conselho de Segurança sobre a situação na Faixa de Gaza»-ndT), Réseau Voltaire, 28 juillet 2014.
[4] Sur l’histoire du sionisme, on se reportera au chapitre correspondant (« Israël et les Anglo-Saxons ») de mon livre L’Effroyable imposture 2, Manipulations et désinformations, Edition Alphée, 2007. Les lecteurs y trouveront de nombreuses références bibliographiques.
[5The Cousins’ Wars : Religion, Politics, Civil Warfare and the Triumph of Anglo- America, Kevin Phillips, Basic Books (1999) (Ing-«As Guerras dos Primos: Religião, Política, Guerra Civil e o Triunfo da Anglo-América, por Kevin Philips»- ndT).
[6] Veja especialmente American Theocracy (2006) (Teocracia Americana), de Kevin Phillips, um notável historiador que foi conselheiro de Richard Nixon»
[7] A formulação do ponto 12 é particularmente crítica. Assim, na época da Conferência de Paz de Paris, em 1919, o Emir Faiçal reclamou o direito dos povos antigos sob o jugo Otomano. Ele disse haver uma escolha entre uma Síria sob um ou vários mandatos. A delegação sionista argumentou que Wilson tinha prometido apoiar a comunidade judaica, para surpresa da delegação dos Estados Unidos. Em última análise, Wilson confirmou a escrita do ponto 12 como um compromisso de Washington para a criação de Israel e a restauração da Armênia.
[8] « Résolution 181 de l’Assemblée générale de l’Onu » (Fr-«Resolução 181 da Assembleia Geral da Onu»-ndT), Réseau Voltaire, 29 novembre 1947.
[9] « Résolution 194 de l’Assemblée générale de l’Onu » (Fr-«Resolução 194 da Assembleia Geral da Onu»-ndT), Réseau Voltaire, 11 décembre 1948.
[10] “O presidente de Israel falou perante o Conselho de Segurança do Golfo em fins de novembro”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 8 de Dezembro de 2013.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

redecastorphoto: ISIL consolida-se

ISIL consolida-se


1/8/2014, [*] Patrick Cockburn, LRB, vol. 36, n. 16, p.
3-5
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Fosse qual fosse o objetivo de os EUA terem invadido o Iraque em 2003 e
de tantos esforços para derrubar Assad na Síria desde 2011, com certeza não o
fizeram para ver surgir um estado jihadista que só faz crescer no norte do
Iraque e Síria, comandado por movimento cem vezes maior e muito mais bem
organizado que a al-Qaeda de Osama bin Laden. A guerra ao terror, pela qual se
feriram de morte as liberdades civis e na qual se consumiram centenas de
bilhões de dólares, falhou miseravelmente.


Presença do ISIS/ISIL na Síria e no Iraque
Com a atenção do mundo focada em Ucrânia e Gaza, o Estado
Islâmico no Iraque e Síria (ing. ISIL) capturou um terço da Síria além
do um quarto do Iraque que já capturara em junho. As fronteiras do novo
califato [1] declarado dia 29/6/2014
pelo ISIL estão crescendo dia a dia e já cobrem superfície maior que a
Grã-Bretanha e habitada por pelo menos 6 milhões de pessoas, população maior
que da Dinamarca, Finlândia ou Irlanda.




Em poucas semanas de combates na Síria o ISIL já se
estabeleceu como força dominante da oposição síria, deslocando a afiliada
oficial da al-Qaeda, Frente al-Nusra, na província de Deir Ezzor, rica em
petróleo, depois de executar seu comandante local, quando tentava fugir. No
norte da Síria, cerca de 5 mil combatentes do ISIL estão usando tanques
e artilharia que capturaram do exército iraquiano em Mosul, para sitiar meio
milhão de curdos no enclave onde vivem em Kobani, na fronteira turca. 




Na Síria central, perto de Palmyra, ISIL combateu
contra o exército sírio para assumir o controle do campo de gás de al-Shaer, um
dos maiores do país, num ataque surpresa que deixou cerca de 300 soldados e
civis mortos. O exército precisou de vários contra-ataques, até que finalmente
retomou o controle do campo de gás, mas o ISIL está controlando grande
parte da produção de gás e petróleo da Síria. O Califato é pobre e isolado, mas
seus poços de petróleo e as estradas que controlam garantem-lhe renda
considerável, além do que a guerra permite saquear.




O nascimento do novo estado é a mudança mais radical na
geografia política do Oriente Médio desde que o Acordo Sykes-Picot foi
implementado no fim da Iª Guerra Mundial. 




Acordo Sykes-Picot - 1916 (Oriente Médio)
Contudo, essa transformação explosiva criou
surpreendentemente pouco alarme internacional, nem mesmo entre os que, no
Iraque e Síria, ainda não estão sendo governados pelo ISIL. Políticos e
diplomatas tendem a tratar o ISIL como se fosse uma espécie de partido
beduíno que surge repentinamente em pleno deserto, vence vitórias espetaculares
e em seguida recolhe-se para suas fortalezas, deixando o status quo
praticamente inalterado. É cenário possível, mas cada dia menos provável, à
medida que o ISIL consolida o próprio poder numa área que rapidamente se
vai estendendo do Irã ao Mediterrâneo.




A própria velocidade e o inesperado do surgimento e da
ascensão têm induzido líderes regionais e ocidentais a desejar que a queda do ISIL
e a implosão do Califato sejam igualmente rápidas e dramáticas. Mas tudo sugere
que não passe de pensamento desejante, e a tendência parece ser que tudo ande
na direção exatamente oposta, com os opositores do ISIL mais fracos dia
a dia e cada vez menos capazes de resistir: no Iraque o exército não dá sinais
de ter-se recuperado das derrotas iniciais e ainda não conseguiu um único
contra-ataque bem-sucedido; na Síria, outros grupos de oposição, inclusive os
experientes combatentes da Frente al-Nusra e de Ahrar al-Sham, estão
desmoralizados e em desintegração, acossados de um lado pelo ISIL e, do
outro, pelo governo Assad. 




Karen Koning Abuzayd
Karen Koning Abuzayd, membro da Comissão de Inquérito da
ONU sobre a Síria, diz que cada vez mais rebeldes sírios desertam para unir-se
ao ISIL:




Eles veem que é melhor; são mais fortes, vencem batalhas, tomam
territórios. Eles dizem “eles têm dinheiro, podem nos dar treinamento”.




É má notícia para o governo, que em 2012 e 2013 resistiu
com sacrifício a assalto que recebeu de rebeldes muito menos bem treinados,
organizados e armados que o ISIL; e que enfrentará dificuldades reais
para impedir que as força do Califato avancem para oeste.




Em Bagdá houve choque e horror dia 10/6/2014, ante a queda
de Mosul; e as pessoas perceberam que caminhões carregados de bandidos armados
do ISIL estavam a uma hora de distância, de carro. Mas em vez de
assaltar Bagdá, o ISIL tomou quase toda a província de Anbar, a grande
província sunita que se estende pelo oeste do Iraque, na duas margens do rio
Eufrates. Em Bagdá, com população de sete milhões, majoritariamente xiitas, as
pessoas sabem o que esperar, se os assassinos antixiitas do ISIL
capturarem a cidade; mas agarram-se à esperança de que a calamidade ainda não
aconteceu.




Tivemos medo do desastre militar inicial, mas quem vive em Bagdá já se
acostumou com crises ao longo dos últimos 35 anos
– disse uma mulher.




Mesmo com o ISIL às portas dali, os políticos iraquianos
continuaram com seus joguinhos, ocupados só com substituir o desacreditado primeiro-ministro
Nouri al-Maliki.




É verdadeiramente surreal, se se ouve qualquer líder político em Bagdá,
ele fala como se já não tivessem perdido metade do país
− disse um ex-ministro iraquiano.




Ali al-Sistani
Voluntários partiram para o front depois de uma fatwa emitida pelo Grande Aiatolá  Ali al-Sistani, o mais influente clérigo
xiita do Iraque. Mas esses combatentes já estão voltando para casa, reclamando
que passaram fome e foram obrigados a usar as próprias armas e a pagar pela
própria munição. O único grande contra-ataque lançado pelo exército regular e a
recém organizada milícia local xiita foi ação desastrada em Tikrit, dia
15/7/2014, quando foram emboscados e derrotados com pesadas baixas. Não há
nenhum sinal de que a natureza disfuncional do exército iraquiano tenha mudado.




Usaram só um helicóptero para dar apoio às tropas em Tikrit. Queria só
saber: o que, afinal, aconteceu aos 140 helicópteros que o estado iraquiano
comprou em anos recentes?
– disse o ex-ministro.




O mais provável é que o dinheiro para pagar os 139
helicópteros que faltam tenha sido roubado. Há muitos estados completamente
corruptos no mundo, mas poucos põem a mãos em US$ 100 bilhões, da venda de petróleo,
por ano, para roubar. O principal objetivo de muitos oficiais sempre foi ter a
maior mochila possível; e pouco se incomodam se os grupos jihadistas fizerem o
mesmo. Conheci um empresário turco em Bagdá que contou que tivera um grande
contrato de construção em Mosul ao longo dos últimos alguns anos. O emir local
ou líder do ISIL, ainda conhecido então como al-Qaeda no Iraque, pedia US$
500 mil dólares por mês, como “dinheiro de proteção”.




Cansei de denunciar a extorsão ao governo em Bagdá. Nunca fizeram nem
jamais fariam coisa alguma, exceto dizer que eu podia acrescentar ao contrato o
dinheiro que pagava à al-Qaeda
– disse-me o empresário.




O emir acabou morto logo depois, e seu sucessor exigiu que
o dinheiro de proteção aumentasse para US$ 1 milhão por mês. O empresário
recusou-se a pagar; um de seus empregados iraquianos foi assassinado; e o homem
mudou-se, com sua equipe turca e suas máquinas, para a Turquia.




Tempos depois, recebi mensagem da al-Qaeda dizendo que o preço voltara aos
US$ 500 mil dólares e eu podia retornar
– contou-me ele.




Aconteceu pouco antes de o ISIL capturar a cidade.




ISIS/ISIL desfila na conquista de Mosul
Ante esses fracassos, a maioria xiita do Iraque tem-se
consolado com duas crenças que, se confirmadas, indicarão que a atual situação
não é tão perigosa quanto parece. Dizem que os sunitas do Iraque revoltaram-se,
e os combatentes do ISIL não passam de tropa de choque, ou uma espécie
de combatentes de vanguarda de um levante provocado pelas políticas e ações
antissunitas de Maliki. Tão logo Maliki seja substituído, como quase com
certeza será, Bagdá oferecerá aos sunitas um novo acordo de partilha de poder
com autonomia regional semelhante à de que os curdos gozam. Então, as tribos
sunitas, ex-oficiais militares e Baathistas que permitiram que o ISIL
assumisse a liderança da revolta sunita voltar-se-ão contra aqueles seus
ferozes aliados. Apesar dos muitos sinais do contrário, xiitas de todos os
níveis têm investido muita fé nesse mito, de que o ISIL é fraco e pode
ser facilmente descartado por sunitas moderados, tão logo tenham alcançado o que
querem. Um xiita disse-me:




É possível até que o ISIL nem exista, de fato. 




Desgraçadamente, não apenas o ISIL existe, como,
ainda pior, é organização eficiente e cruel, que não tem intenção alguma de
esperar pela traição dos seus aliados sunitas. Em Mosul já exigiu que todos os
combatentes da oposição jurassem fidelidade ao Califato ou depusessem armas. No
final de junho, início de julho, prenderam algo entre 15 e 20 comandantes do
tempo de Saddam Hussein, inclusive dois generais. Grupos que exibiam fotos de
Saddam receberam ordens para recolhê-las, ou enfrentar a punição. 




Não me parece provável que o resto da oposição militar sunita consiga
levantar-se com sucesso contra o
ISIL. Se quiserem fazê-lo,
melhor agirem rápido, antes que o
ISIL torne-se forte demais − disse 
Aymenn al-Tamimi, especialista em grupos jihadistas.




Disse também que a ala supostamente mais moderada da
oposição sunita nada fizera, quando os remanescentes da comunidade cristã em
Mosul foram forçados a fugir, depois que o ISIL decretou que ou se
convertessem ao Islã, ou pagassem um imposto especial, ou seriam executados.
Membros de outras seitas e grupos étnicos denunciados como xiitas ou
politeístas têm sido perseguidos, aprisionados e assassinados. Já vai longe o
momento em que a oposição não-ISIL poderia ter tentado qualquer tipo de
confrontação.




Campos de petróleo & gás no Iraque
Os xiitas iraquianos têm mais uma explicação de por que o
exército desintegrou-se: porque teria sido apunhalado pelas costas pelos
curdos. No esforço para afastar de si a culpa, Maliki tem dito que Erbil, a
capital curda, “é quartel-general do ISIL, de Baathistas, da al-Qaeda e
de terroristas”. Muitos xiitas acreditam nisso: fá-los sentir que as suas
forças de segurança (em termos nominais 350 mil soldados e 650 mil policiais)
falharam porque foram traídas, não porque se recusaram a lutar. Um iraquiano me
disse que esteve num jantar de Iftar durante o Ramadã, com uma centena de
profissionais xiitas, a maioria médicos e engenheiros, e todos aceitavam como
correta a teoria de “os curdos nos apunhalaram pelas costas” para explicar tudo
que saiu errado. 




Massoud Barzan
A confrontação com os curdos é importante, porque torna
possível criar uma frente unitária contra o ISIL. O líder curdo, Massoud
Barzani, aproveitou-se da saída do exército iraquiano para tomar todos os
territórios, inclusive a cidade de Kirkuk, objeto de disputa entre curdos e
árabes desde 2003. Tem agora uma fronteira comum de 600 milhas com o
Califato e é um aliado óbvio para Bagdá, onde os curdos participam do governo.
Ao fazer dos curdos e seu bode expiatório, Maliki garante que os xiitas não
tenham aliados na luta deles contra o ISIL se o ISIL retomar seu
ataque na direção de Bagdá. A fragilidade militar do governo de Bagdá foi
surpresa para o ISIL e seus aliados sunitas. É pouco provável que se
satisfaçam com autonomia regional para províncias sunitas e parte maior na
partilha de empregos e da renda do petróleo. O levante deles está convertido em
ampla contrarrevolução que visa a retomar o poder em todo o Iraque.




No momento, Bagdá vive sob pouco convicta atmosfera de
guerra, como Londres ou Paris no final de 1939 ou início de 1940, e por razões
similares. As pessoas temeram batalha terrível pela capital depois da queda de
Mosul, mas não aconteceu até agora, e os otimistas esperam que não aconteça
nunca. A vida é menos confortável que antes, em alguns dias só há quatro horas
de eletricidade, mas pelo menos a guerra ainda não chegou ao coração da cidade.
Seja como for, algum tipo de ataque militar, direto ou indireto, provavelmente
acontecerá, tão logo o ISIL tenha consolidado seu controle sobre o
território que acaba de conquistar: o grupo vê suas vitórias como inspiradas
por Deus. Creem no processo de matar ou expulsar xiitas, mais do que de
negociar com eles, como já demonstraram em Mosul. Alguns líderes xiitas podem
estar supondo e considerando que os EUA ou o Irã sempre intervirão para salvar
Bagdá, mas essas potências, hoje, relutam em pôr os pés no pântano iraquiano e
apoiar um governo disfuncional.




Os líderes xiitas do Iraque ainda não se renderam ao fato
de que seu tempo de dominação sobre o estado iraquiano até que os EUA
derrubaram Saddam Hussein acabou-se, ou dele só resta bem pouca coisa. Acabou
por causa da própria incompetência e corrupção dos xiitas e porque o levante
sunita na Síria em 2011 desestabilizou o equilíbrio sectário do poder no
Iraque. Três anos depois, a vitória sunita no Iraque liderada pelo ISIL ameaça
romper o impasse militar na Síria.




Situação Geral no Iraque (6/8/2014)

(clique no "link" para aumentar)
Assad tem conseguido avançar lenta mas firmemente contra
uma oposição cada vez mais fraca: em Damasco e arredores, nas montanhas
Qalamoun e na fronteira do Líbano e em Homs, forças do governo têm avançado
devagar, mas já estão bem perto de cercar o encave rebelde em Aleppo. Mas as
tropas de combate de Assad são visivelmente pouco densas em solo, têm de evitar
grande número de baixas e só podem combater num front de cada vez. A tática do governo é devastar um distrito onde
estejam os rebeldes com fogo de artilharia e bombardeio de helicópteros, forçar
a maior parte da população a deixar a área, vedar o que já é um mar de ruínas
e, afinal, forçar os rebeldes à rendição. Mas a chegada de grandes números de
combatentes bem armados do ISIL, ainda movidos pelo entusiasmo de
sucessos recentes, será novo e perigoso desafio que Assad terá de enfrentar.
Eles já arrasaram duas importantes guarnições do exército sírio no leste, no
final de julho (uma teoria conspiracional, para a qual muito contribuíram o
restante da oposição síria e diplomatas ocidentais, segundo a qual o ISIL
e Assad estariam mancomunados, já se comprovou absolutamente falsa).




É possível que ISIL decida avançar sobre Aleppo, em
vez de avançar para Bagdá: é alvo mais vulnerável e com menos probabilidade de
desencadear intervenção internacional. Assim se criará um dilema para o
ocidente e seus aliados regionais – Arábia Saudita e Turquia: sua política
oficial visa a derrubar Assad, mas o ISIL vai-se convertendo na segunda
mais poderosa força militar na Síria. Se Assad cair, o Califato estará em boa
posição para ocupar o lugar dele. 




Situação Geral na Síria de 17 - 25/7/2014
(clique no "link" para aumentar)
Como os líderes xiitas em Bagdá, os EUA e aliados
responderam com mergulho num universo de fantasia, ao crescimento do ISIL.
Tentam convencer-se (e fazer-crer) que estariam alimentando uma ‘'terceira
força'’ de rebeldes sírios moderados para combater contra simultaneamente Assad
e ISIL, embora, em conversas privadas, diplomatas ocidentais admitam que
tal grupo realmente não existe fora de um poucos bolsões sob ataque. Aymenn
al-Tamimi confirmou que essa oposição apoiada pelo ocidente “está mais e mais
fraca, a cada dia”; acredita que fornecer-lhe mais armas não fará qualquer
grande diferença. A Jordânia, pressionada por EUA e Arábia Saudita, deve
garantir plataforma de lançamento para essa aventura arriscada, mas já está
procurando meio para “tirar o corpo”.




A Jordânia tem medo do ISIL disse, em Amã, um funcionário da Jordânia. – A maioria dos jordanianos deseja que Assad
vença essa guerra
. Disse também que a
Jordânia tem de enfrentar a pressão de acomodar grande número de refugiados
sírios
, o equivalente a toda a
população do México mudar-se, em um ano, para os EUA.




********************




Os pais adotivos do ISIL e de outros movimentos de
sunitas jihadistas no Iraque e na Síria são a Arábia Saudita, as monarquias do
Golfo e a Turquia. Não significa que os jihadistas não tenham fortes raízes
locais, mais o crescimento dos movimentos foi crucialmente apoiado por
potências sunitas externas. A ajuda de sauditas e qataris é basicamente
financeira, em geral mediante doações privadas, que Richard Dearlove,
ex-diretor do MI6, diz que foram essenciais para que o ISIL tomasse as províncias sunitas no norte do Iraque: Essas coisas não acontecem espontaneamente.
Em conferência em Londres, em julho, ele disse que




(...)
a política saudita para os jihadistas tem dois motivos contraditórios: medo de
ter jihadistas operando dentro da Arábia Saudita; e um desejo de usá-los contra
potências xiitas fora da Arábia Saudita
. Disse que: (...) os sauditas são profundamente atraídos a
favor de qualquer militância com chances de efetivamente desafiar o xiismo
. 




É bem pouco provável que a comunidade sunita como um todo,
no Iraque, se tivesse aliado ao ISIL sem o apoio que a Arábia Saudita
deu direta ou indiretamente a muitos movimentos sunitas. O mesmo vale para a
Síria, onde o príncipe Bandar bin Sultan, ex-embaixador dos sauditas em
Washington e chefe da inteligência saudita de 2012 até fevereiro de 2014,
estava fazendo todo o possível para garantir apoio à oposição jihadista, até
ser demitido. Agora, assustados ante o que ajudaram a criar, os sauditas tentam
mover-se agora noutra direção, prendendo voluntários jihadistas, mais do que
fingindo que não veem quando partem para Síria e Iraque. Mas pode ser tarde
demais.




Os jihadistas sauditas não têm grande amor pela Casa de
Saud. Dia 23/7/2014, o ISIL lançou um ataque contra um dos últimos
quartéis do exército sírio na província de Raqqa, no norte. Começou com um
ataque de suicida em carro-bomba. O veículo era dirigido por um saudita, Khatab
al-Najdi, que colou, nas janelas do carro, fotos de três mulheres presas em
prisões sauditas; uma delas, Hila al-Kasir, sua sobrinha. 




Fronteira Líbano-Síria - Religiões
O papel da Turquia tem sido diferente, mas não menos
significativo que o da Arábia Saudita, ajudando o ISIL e outros grupos
jihadistas. A mais importante ação da Turquia tem sido manter aberta sua
fronteira de mais de 800
quilômetros, com a Síria. Com isso, ISIL,
al-Nusra e outros grupos da oposição têm sempre uma saída/entrada pela
retaguarda, por onde receber homens e armas. Os pontos de passagem na fronteira
têm sido locais da disputas mais encarniçadas durante a “guerra civil dos
rebeldes, dentro da guerra civil”. Muitos jihadistas estrangeiros cruzaram a
Turquia na viagem rumo à Síria e ao Iraque. É difícil obter números precisos,
mas o Ministério do Interior do Marrocos disse recentemente que 1.122
jihadistas marroquinos haviam entrado na Síria, incluídos os 900 que viajaram
em 2013, 200 dos quais foram mortos. A segurança iraquiana suspeita de que a
inteligência militar turca tenha-se envolvido profundamente na ajuda ao ISIL,
quando se reconstituía, em 2011. Relatos que chegam da fronteira turca informam
que o ISIL já não é bem-vindo; mas com as armas capturadas do exército
iraquiano e a tomada de campos de petróleo e gás sírios, o ISIL já não
carece tanto de ajuda externa.




Para EUA, Grã-Bretanha e demais potências ocidentais, o
crescimento do ISIL e do Califato é desastre total, absoluto.
 




Fosse qual fosse o objetivo de terem invadido o Iraque em
2003 e de tantos esforços para derrubar Assad na Síria desde 2011, com certeza
não o fizeram para ver surgir um estado jihadista que só faz crescer no norte
do Iraque e Síria, comandado por movimento cem vezes maior e muito mais bem
organizado que a al-Qaeda de Osama bin Laden. A guerra ao terror, pela qual se
feriram de morte as liberdades civis e na qual se consumiram centenas de
bilhões de dólares, falhou miseravelmente. 




A crença de que o ISIL estaria interessado só em
lutas de “muçulmanos contra muçulmanos” é mais um exemplo de pensamento
delirante desejante: o ISIL já mostrou que combaterá contra qualquer um
que não se renda à sua variante puritana, pervertida e violenta de islamismo. A
grande diferença ente o ISIL e a al-Qaeda é que é movimento militar bem
organizado, que se dedica a selecionar cuidadosamente os próprios alvos e o
momento ótimo para atacá-los.




Em Bagdá, muitos contam com que os excessos do ISIL
– explodir mesquitas e violar santuários, como em Younis (Jonah) em Mosul –
acabará por levar os sunitas a se afastarem do movimento. É possível que
aconteça, no longo prazo; mas opor-se ao ISIL é extremamente perigoso e,
por sua brutalidade, está podendo oferecer vitórias a uma comunidade sunita
sempre perseguida e derrotada. Até os sunitas em Mosul, que não gostam deles,
temem um retorno de algum governo iraquiano vingativo dominado por xiitas. Até
aqui, a resposta de Bagdá ante a própria derrota foi bombardear Mosul e Tikrit
indiscriminadamente, o que indica claramente à população local que o governo de
Maliki não está preocupado nem com a sobrevivência de civis. O medo não mudará,
nem se Maliki for substituído por um primeiro-ministro mais conciliador. 




Em Mosul, um sunita, pouco depois de um míssil disparado
por forças do governo explodir na cidade, escreveu-me:




Forças de Maliki já demoliram a Universidade de Tikrit. São só escombros e
confusão por toda a cidade. Se Maliki nos pegar em Mosul, matará todo mundo ou
criará uma multidão de refugiados. Rezem por nós.




Esse tipo de avaliação é frequente e indica que é cada vez
menos provável que os sunitas se levantem em oposição ao ISIL e seu
Califato.




Nasceu um estado: novo e aterrorizante.
___________________
[*] Patrick Cockburn (nasceu 05 de março de 1950) é um jornalista
irlandês que tem sido correspondente no Oriente Médio desde 1979 para o Financial
Times
e, atualmente, The Independent.
Está entre os comentaristas mais experientes no
Iraque; escreveu quatro livros sobre a história recente do país. Recebeu o
vários prêmios por seu trabalho incluindo o Prêmio Gellhorn Martha em 2005, o
Prêmio James Cameron em 2006 e o Prêmio Orwell de Jornalismo em 2009. Cockburn
escreveu três livros sobre o Iraque: One, Out of the Ashes: The Resurrection
of Saddam Hussein
, escrito em parceria com seu irmão Andrew Cockburn, antes
da guerra no Iraque. O mesmo livro foi mais tarde re-publicado na Grã-Bretanha
com o título:  Saddam Hussein: An
American Obsession
. Mais dois foram escritos por Patrick sozinho após a
invasão dos EUA e após a sua reportagem premiada do Iraque.
Escreve também para CounterPunch e London Review of Books.
__________________
Observação da
redecastorphoto


[1] Califato (neologismo)
termo tal como é escrito nas traduções do pessoal da Vila Vudu não
foi encontrado registro em nenhum dicionário na língua portuguesa que tenhamos tido
acesso Todos reproduzem, com mais ou menos detalhes, as definições de califado do Dicionário Houaiss a
seguir:


.


califado (Dicionário
Houaiss)


s.m. (1651)
1  jur no direito muçulmano, conjunto de princípios seguidos por
chefes políticos e religiosos após a morte de Maomé (c570-632) 2 dignidade
ou jurisdição ('poder') de califa 3 
p.met. área ou território governado por um califa 3.1  p.ext. governo de um califa 3.2  p.ext. tempo de duração do governo de
um califa
¤ etim califa + -ado.


Definições
semelhantes podem ser encontradas nos Dicionários Caldas Aulete e Laudelino
Freire
(Ed. A Noite) por nós consultados.




Existe um registro de “Califato” no Dicionário Nossa Língua
Portuguesa
que diz:




No momento não dispomos do significado
de califato
. Ou a grafia da palavra califato está incorreta ou essa palavra ainda não
foi adicionada ao nosso banco de dados.




Provavelmente
é um anglicismo derivado de califate:




Translation
and Meaning of califato in Almaany English-Portuguese Dictionary


califate:


califato, domínio de um califa


























Synonyms and
Antonymous of the Word califato in
Almaany dictionary