terça-feira, 30 de março de 2010

Saiba mais sobre sionismo...

O que é o Sionismo


Stylianos Tsirakis*



Para Ralph Schoenman, activista internacional da luta pela Paz, de origem judaica, “A propaganda sionista, desde o início da formação do Estado de Israel, tem insistido em caracterizar Israel como um Estado democrático no estilo ocidental, cercado por países árabes feudais, atrasados e autoritários. Apresentam então Israel como um bastião dos direitos democráticos no Oriente Médio. Nada poderia estar mais longe da verdade”.





Ralph Schoenman foi diretor-executivo da Fundação pela Paz Bertrand Russel, papel através do qual conduziu negociações com inúmeros chefes de Estado. Com seu trabalho assegurou a libertação de prisioneiros políticos em muitos países e fundou o Tribunal Internacional dos Crimes de Guerra dos Estados Unidos na Indochina, organização da qual foi secretário-geral. Velho militante, fundou o Comitê dos 100, que organizou a desobediência civil massiva contra as armas nucleares e as bases americanas na Grã-Bretanha. Foi também fundador e diretor da Campanha de Solidariedade ao Vietnã e diretor do Comitê “Quem Matou Kennedy?” Tem sido líder do Comitê por Liberdade Artística e Intelectual no Irã e co-diretor do Comitê em Defesa dos Povos Palestino e Libanês e do Movimento de Solidariedade de Trabalhadores e Artistas Americanos. Atualmente é diretor executivo da Campanha Palestina, que clama pelo fim de toda ajuda a Israel e por uma Palestina laica e democrática.



Stylianos Tsirakis (ST) – Em seu livro The Hidden History of Zionism (A História Oculta do Sionismo), você descreve quatro mitos sobre a história do sionismo. Nós gostaríamos que você explicasse um pouco seu livro.

Ralph Schoenman (RS) – O meu trabalho na Fundação Bertrand Russel foi importante por me dar a chance de documentar fatos da formação do Estado sionista de Israel. Em cursos e palestras que proferi em mais de uma centena de universidades americanas e européias, pude constatar que as pessoas não sabiam, não tinham conhecimento da história do movimento sionista, dos seus objetivos e de vários fatos. Nessas ocasiões deparei com concepções equivocadas sobre a natureza do Estado de Israel e foi isso que impulsionou o meu trabalho de escrever o livro, The Hidden History of Zionism, no qual eu abordo o que chamo de os quatro mitos que têm moldado a consciência nos Estados Unidos e na Europa sobre o sionismo e o Estado de Israel.



ST - Quais são esses quatro mitos?

RS – O primeiro mito é o da “terra sem povo para um povo sem terra“. Os primeiros teóricos sionistas, como Theodor Herzl e outros, apresentaram para o mundo a Palestina como uma terra vazia, visitada ocasionalmente por beduínos nômades; simplesmente, uma terra vazia, esperando para ser tomada, ocupada. E os judeus eram um povo sem terra, que se originaram historicamente na Palestina; portanto, os judeus deveriam ocupar essa terra. Desde o começo, os primeiros núcleos de colonos, promovidos pelo movimento sionista, foram caracterizados pela remoção, pela expulsão armada da população palestina nativa do local onde essa população vivia e trabalhava.



ST - Quais os outros três mitos?

RS – O segundo mito que o livro pretende discutir é o mito da democracia israelense. A propaganda sionista, desde o início da formação do Estado de Israel, tem insistido em caracterizar Israel como um Estado democrático no estilo ocidental, cercado por países árabes feudais, atrasados e autoritários. Apresentam então Israel como um bastião dos direitos democráticos no Oriente Médio. Nada poderia estar mais longe da verdade.



Entre a divisão da Palestina e a formação do Estado de Israel, num período de seis meses, brigadas armadas israelenses ocuparam 75% da terra palestina e expulsaram mais de 800 mil palestinos, de um total de 950 mil. Eles os expulsaram através de sucessivos massacres. Várias cidades foram arrasadas, forçando assim a população palestina a refugiar-se nos países vizinhos, em campos de concentração e de refugiados. Naquele tempo, no período da formação do Estado de Israel, havia 475 cidades e vilas palestinas, que caíram sob o controle israelita. Dessas 475 cidades e vilas, 385 foram simplesmente arrasadas, deixadas em escombros, no chão, apagadas do mapa. Nas 90 cidades e vilas remanescentes, os judeus confiscaram toda a terra, sem nenhuma indenização. Hoje, o Estado de Israel e seus organismos governamentais, tais como o da Organização da Terra, controlam cerca de 95% da terra palestina.



Pela legislação existente em Israel, é necessário provar, por critérios religiosos ortodoxos judeus, a ascendência judaica por linhagem materna até a quarta geração, para poder possuir terra, trabalhar na terra ou mesmo sublocar terra. Como eu digo sempre, nas palestras em que apresento meus pontos de vista, em qualquer país do mundo (seja Brasil, EUA, onde for), se fosse necessário preencher requisitos parecidos com esses, ninguém duvidaria do caráter racista de tal Estado; seria notória a existência de um regime fascista.



A Suprema Corte em Israel tem ratificado que Israel é o Estado do povo judeu e que, para participar da vida política israelense, organizar um partido político, por exemplo, ou ter uma organização política, ou mesmo um clube público, é necessário afirmar que se aceita o caráter exclusivamente judeu do Estado de Israel. É um Estado colonial racista, no qual os direitos são limitados à população colonizadora, na base de critérios raciais.



O terceiro mito do qual falo em meu livro é aquele criado para justificativa da política de Israel, que se diz baseada em critérios de segurança nacional. A verdade é que Israel é a quarta potência militar do mundo. Desde 1948, os EUA deram a Israel US$ 92 bilhões em ajuda direta. A magnitude dessa soma pode ser avaliada quando observamos que a população israelense variou entre 2 a 3 milhões nesse período. Se o governo americano dá algum dinheiro para países como Taiwan, Brasil, Argentina, e a aplicação desse dinheiro tiver alguma relação com fins militares, a condição é que as compras desse material têm que ser feitas dos EUA. Mas há uma exceção: as compras de material bélico podem ser feitas também de Israel. Israel é tratado pelos EUA como parte de seu território, em todos os assuntos comerciais.



O que motivaria uma potência imperialista a subsidiar tanto um Estado colonial? A verdade é que Israel não pode mesmo existir sem a ajuda americana, sem os US$ 10 bilhões anuais. Israel é, portanto, a extensão do imperialismo na região do Oriente Médio. Israel é o instrumento através do qual a revolução árabe é mantida sob controle. É, portanto, o instrumento através do qual as ricas reservas do Oriente Médio são mantidas sob o controle do imperialismo americano. É também um meio através do qual os regimes sanguinários dos países árabes são mantidos no governo, graças ao clima de tensão gerado por uma possível invasão israelense.



O quarto mito a que me refiro no livro, que tem influenciado a opinião pública mundial, refere-se à origem do sionismo, à origem do Estado de Israel. O sionismo tem sido apresentado como o legado moral do holocausto, das vítimas do holocausto. O movimento sionista tem como que se “alimentado” da mortandade coletiva dos 6 milhões de vítimas da exterminação nazista na Europa. Esta é uma terrível e selvagem ironia. A verdade é bem o oposto disso. A liderança sionista colaborou com os piores perseguidores dos judeus durante o século XIX e o século XX, incluindo os nazistas.



Quando alguém tenta explicar isso para as pessoas, elas geralmente ficam chocadas, e perguntam: o que poderia motivar tal colaboração? Os judeus foram perseguidos e oprimidos por séculos na Europa e, como todo povo oprimido, foram empurrados, impelidos a desafiar o establishment, o statu quo. Os judeus eram críticos, eram dissidentes. Eles foram impelidos a questionar a ordem que os perseguia. Então, o melhor das mentes da inteligência judia foi impelido para movimentos que lutavam por mudanças sociais, ameaçando os governos estabelecidos. Os sionistas exploraram esse fato a ponto de dizer para vários governos reacionários que o movimento sionista iria ajudá-los a remover esses judeus de seus países. O movimento sionista fez o mesmo apelo ao Kaiser na Alemanha, obtendo dele dinheiro e armas. Eles se reivindicavam como a melhor garantia dos interesses imperialistas no Oriente Médio, inclusive para os fascistas e os nazistas.



ST - Como se deu essa colaboração dos sionistas com os nazistas?

RS – Em 1941, o partido político de Itzhak Shamir (conhecido hoje como Likud) concluiu um pacto militar com o 3º Reich alemão. O acordo consistia em lutar ao lado dos nazistas e fundar um Estado autoritário colonial, sob a direção do 3º Reich. Outro aspecto da colaboração entre os sionistas e governos e Estados perseguidores dos judeus é o fato de o movimento sionista ter lutado ativamente para mudar as leis de imigração nos EUA, na Inglaterra e em outros países, tornando mais difícil a emigração de judeus perseguidos na Europa para esses países. Os sionistas sabiam que, podendo, os judeus perseguidos na Europa tentariam emigrar para os EUA, para a Grã- Bretanha, para o Canadá. Eles não eram sionistas, não tinham interesse em emigrar para uma terra remota como a Palestina. Em 1944, o movimento sionista refez um novo acordo com Adolf Eichmann. David Ben Gurion, do movimento sionista, mandou um enviado, de nome Rudolph Kastner, para se encontrar com Eichmann na Hungria e concluir um acordo pelo qual os sionistas concordaram em manter silêncio sobre os planos de exterminação de 800 mil judeus húngaros e mesmo evitar resistências, em troca de ter 600 líderes sionistas libertados do controle nazista e enviados para a Palestina. Portanto, o mito de que o sionismo e o Estado de Israel são o legado moral do holocausto tem um particular aspecto irônico, porque o que o movimento sionista fez quando os judeus na Europa tinham a sua existência ameaçada foi fazer acordos, e colaborar com os nazistas.



* Escritor e jornalista brasileiro de origem grega. Ralph Schoenman, escritor, de origem judaica, é autor do livro «A História Oculta do Sionismo»



Esta entrevista foi publicada na Revista Teoria & Debate (Brasil)

domingo, 28 de março de 2010

Vésper, MPB-4, Roberto Silva & Luiz Tatit – 180 Anos de Samba Adoniran & Noel (2001)


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Créditos: UmQueTenha

De Eisenach a Gotha

Sergio Granja - Portal do PSOL  
Karl 
Marx:
Karl Marx: "O fato é que após o congresso de coalizão, Engels e eu publicaremos uma curta declaração para dizer que nós não participamos de nenhuma maneira desse programa de princípios e não temos nada a fazer com ele."
August Bebel (1840-1913) era torneiro mecânico.  Teve destacada liderança no movimento operário alemão e internacional.  Foi muito próximo de Marx e Engels.  Participou da I Internacional.  Em parceria com Liebknecht1, fundou o Partido Operário Social-democrata da Alemanha, no congresso de Eisenach, em 1869.  Esse partido também ficou conhecido como o dos "eisenachianos".  Foi eleito várias vezes deputado ao Reichstag.  Combateu o "revisionismo" nos anos 1890 e começo do século XX, mas nos últimos anos de sua vida política tendeu para posições mais centristas.
Até o congresso de Gotha, em maio de 1875, que unificou as duas principais correntes do movimento operário e socialista alemão, os eisenachianos disputavam a hegemonia do movimento com os lassallianos2, que constituiam a corrente majoritária3.  Marx e Engels viram com reservas esse processo e criticaram duramente o projeto de programa apresentado para o congresso de unificação.
Dois anos antes do congresso de Gotha, em carta a Bebel, Engels expõe critérios que demonstram suas restrições ao encaminhamento dado à questão.
"Quando alguém se encontra, como vocês, na posição, por assim dizer, de concorrente face a face à Associação Geral dos Trabalhadores alemães, se é induzido muito facilmente a levar em conta essa concorrência e a se acostumar a pensar antes de tudo no seu rival.  Mas, no momento, a Associação Geral dos Trabalhadores alemães e o Partido Operário Social-democrata, juntos, não constituem mais do que uma minoria muito pequena da classe operária alemã.  Para nós - e essa opinião é confirmada por uma longa prática - a boa maneira de fazer propaganda  não consiste em tirar do adversário algumas pessoas ou alguns de seus membros, mas de agir sobre as grandes massas ainda indiferentes.  Uma única força nova que saia do nada vale mais do que dez trânsfugas lassallianos, que trazem sempre para o partido alguma coisa de suas concepções errôneas.  Seria ainda razoável se se pudesse ter as massas sem os seus chefes locais;  mas sempre é preciso aceitar todo um bando desses chefes, que estão marcados por suas declarações públicas passadas, quando não por suas opiniões professadas até aí, e que agora devem provar que não renegaram seus princípios, mas que é sobretudo o Partido Operário Social-democrata que prega o verdadeiro lassallianismo.  Eis que o pior chega a Eisenach e isso não será fácil de evitar nesta época; mas esses elementos certamente já fizeram mal ao partido e eu não sei mais se o partido sem eles seria atualmente tão forte.  Se esses elementos recebessem um reforço, eu certamente temeria o pior."4
Em seguida, Engels defende abertamente que, às vezes, é preferível o isolamento ao êxito ocasional.
"Naturalmente, cada direção do partido quer poder registrar sucessos, o que está bem.  Mas há momentos em que é preciso ter coragem para sacrificar um sucesso momentâneo a coisas mais importantes.  Sobretudo num partido como o nosso, cujo sucesso final é tão absolutamente certo e que se desenvolveu, nos nossos dias e sob os nossos olhos, de uma maneira tão formidável, não é preciso obter sempre um sucesso momentâneo."5
E, sobre a questão da unidade, Engels diz o seguinte:
"Em todo caso, eu creio que os elementos capazes dentre os lassallianos virão por si mesmos para vocês, e que, por conseguinte, não seria sábio colher os frutos antes deles amadurecerem, como querem fazer os partidários da unidade.
"O velho Hegel já dizia: 'Um partido se afirma como um partido vitorioso, dividindo-se e podendo suportar a divisão.'  O movimento do proletariado percorre necessariamente graus de desenvolvimento diferentes: a cada etapa, uma parte das pessoas se detém e não continua mais a rota.  Apenas isso explica porque a 'solidariedade  do proletariado' se realiza em toda a parte, em grupamentos de partidos diferentes que se dão um combate de vida ou morte, como as seitas cristãs no Império romano, durante as piores perseguições."6
Nesta carta, há ainda uma passagem que vale à pena registrar.  É sobre a natureza do fanatismo.
"Você não deve esquecer que, se o Neuer Social-Demokrat tem mais assinantes do que o Volksstaat, é porque qualquer seita é fanática e em razão desse fanatismo, sobretudo quando a seita é nova (como, por exemplo, a Associação Geral dos Trabalhadores alemães no Schleswig-Holstein), ela obtém sucessos imediatos muito maiores do que o partido que representa simplesmente o movimento real, sem caprichos sectários.  Em revanche, o fanatismo é de curta duração."7
Às vésperas do congresso de Gotha, em nova carta a Bebel, Engels reclama porque Marx e ele não foram informados sobre as negociações com os lassallianos e não poupa críticas ao projeto de programa de unficação.  Ele destaca cinco pontos do projeto.  O primeiro deles se refere à frase lassalliana de que todas as outras classes constituiriam uma massa reacionária em face da classe operária.  Engels não concorda com isso.
"Em primeiro lugar, adota-se a frase lassalliana pomposa mas historicamente falsa, como se, em relação à classe operária, todas as outras classes fossem uma massa reacionária. Esta tese não é justa a não ser em casos excepcionais, por exemplo, durante a revolução proletária que foi a Comuna, ou bem num país onde não somente a burguesia formou o Estado e a sociedade à sua imagem, mas que, após ela, a pequena burguesia democrática haja levado essa transformação às suas últimas consequências."8
O segundo ponto destacado diz respeito ao internacionalismo.
"Em segundo lugar, o princípio do internacionalismo do movimento operário é, de fato, completamente rejeitado pelo presente, e rejeitado por aqueles que tão brilhantemente o aplicaram durante cinco anos, nas circunstâncias mais difíceis.  Se os operários alemães estão na cabeça do movimento europeu, eles devem isso sobretudo a seu comportamento verdadeiramente internacionalista durante a guerra; nenhum outro proletariado pode agir tão bem.  E eis que se lhes propõe renegar esse princípio no momento em que, por toda a parte no estrangeiro, os operários começam a sublinhá-lo tanto mais quanto os governos se esforçam por reprimir toda tentativa de realizá-lo no seio de qualquer organização!"9
O terceiro ponto versa sobre a suposta "lei de ferro dos salários".
"Em terceiro lugar, os nossos deixaram os lassallianos impor a 'lei de ferro dos salários', fundada sobre uma ideia econômica absolutamente ultrapassada, segunda a qual o operário receberia em média o minimum de salário, precisamente porque , segundo a teoria malthusiana da população, sempre haverá excesso de operários (era a argumentação de Lassalle).  Ora, Marx deixou bem demonstrado em seu Capital que as leis que regem os salários são muito complexas, que tanto umas como outras prevalecem, segundo as circunstâncias, que elas portanto não são de ferro mas, ao contrário, muito elásticas, e que essa questão, geralmente, não se pode resolver com duas ou três palavras, como imaginava Lassalle."10
O quarto ponto critica a ajuda do Estado como única reivindicação social do programa.
"Em quarto lugar, o programa coloca como única reivindicação social a ajuda do Estado lassalliano sob a sua forma mais crua, sob aquela que Lassalle roubou de Buchez.  Isso, depois que a nulidade de Bracke ficou tão bem revelada, depois que todos os oradores do nosso Partido, ou quase todos, foram obrigados, na luta contra os lassallianos, a intervir contra essa "ajuda do Estado"!  Não se poderia infligir pior humilhação a nosso Partido.  O internacionalismo rebaixado no nivel de Amand Gögg, o socialismo ao do republicano burguês Buchez, que colocara essa exigência contra os socialistas, para combatê-los!"11
O quinto ponto diz respeito a um silêncio: não se fala sobre a organização sindical dos trabalhadores.
"Em quinto lugar, nada é dito sobre a organização da classe operária enquanto classe, graças aos sindicatos.  Ora, é um ponto muito importante, porque é a verdadeira organização de classe do proletariado, no seio da qual ele sustenta sua luta cotidiana contra o capital, que é uma escola para ele e que a mais feroz reação (como a que reina atualmente em Paris) não saberia mais esmagar.  Haja vista a importância que essa organização toma na Alemanha, seria certamente bom, segundo entendemos, de mencioná-la no programa e de lhe reservar um certo papel na organização do Partido."12
Engels acrescenta ainda uma crítica relativa à concepção sobre o Estado no programa.
"O Estado popular livre tornou-se um Estado livre.  De acordo com o sentido gramatical desses termos, um Estado livre é um Estado que está livre em relação a seus cidadãos, quer dizer, um Estado de governo despótico.  Convém abandonar essa bobagem sobre o Estado, sobretudo após a Comuna, que não era mais um Estado no sentido próprio do termo. [...] Também proporíamos de pôr em toda a parte, no lugar da palavra 'Estado', a palavra 'Gemeinwesen' [comunidade], excelente velha palavra alemã, correspondendo muito bem à palavra francesa 'commune'."13
Engels concede que um programa vale menos do que a prática política de um partido, mas faz uma advertência.
"Geralmente, o programa oficial de um partido é menos importante do que o que o partido faz.  Mas um novo programa é sempre uma bandeira desfraldada publicamente, de acordo com a qual o mundo julga o partido.  Jamais deve ser um passo atrás como esse é em relação ao de Eisenach."14
Quando, em maio de 1875, se dá a fusão entre eisenachianos e lassallianos no congresso de Gotha, Marx está doente e sobrecarregado de trabalho com a edição francesa de O Capital.  Em carta a Bracke15, comunica sua desaprovação aos dirigentes eisenachianos.
"O fato é que após o congresso de coalizão, Engels e eu publicaremos uma curta declaração para dizer que não participamos de maneira nenhuma desse programa de princípios e não temos nada a fazer com ele.
"É indispensável, pois se espalha no estrangeiro uma versão absolutamente falsa mas cuidadosamente elaborada pelos inimigos do Partido, segundo a qual nós dirigimos secretamente daqui o movimento do partido dito de Eisenach. Em seu livro aparecido ultimamente em russo [O Estado e o anarquismo], Bakounine me atribui, por exemplo, não apenas todos os programas, etc., do partido em questão, mas também o menor ato de Liebknecht, desde que ele colabora com o Partido Popular.
"À parte disso, meu dever me interdita de reconhecer, ainda que fosse por um silêncio diplomático, um programa que, tenho a convicção, não vale absolutamente nada e desmoraliza o Partido."16
Não obstante, Marx reconhece que um passo adiante do movimento real vale mais do que uma dúzia de programas.
"Cada passo de um movimento verdadeiro é mais importante do que uma dozena de programas.  É por isso que, se era impossível - em razão das circunstâncias - de ir além do programa de Eisenach, dever-se-ia simplesmente concluir um acordo para combater o inimigo comum.  Entanto que, estabelecendo programas de princípios (em vez de remeter a coisa para o momento em que ela teria sido preparada por uma cooperação mais longa), coloca-se sob a vista de todo o mundo os elos segundo os quais julga-se o nível do movimento do Partido.  Os chefes dos lassallianos vieram até nós forçados pelas circunstâncias.  Se lhes houvéssemos declarado desde o início que não consentiríamos nenhum comércio de princípios, eles seriam obrigados a se contentar com um programa de ação ou com um plano de organização para agir em comum.  Em vez disso, se lhes permite apresentar-se munidos de mandatos e se reconhece a validade deles, uma maneira de se colocar à mercê daqueles que precisam de socorro.  O cúmulo é que eles reúnam um congresso ainda antes do congresso de compromisso, enquanto que o partido propriamente dito só reúna o seu congresso post-festum.  Manifestamente, se quis escamotear qualquer crítica e não dar ao partido propriamente dito o tempo para refletir.  É sabido que o simples fato da coalizão já satisfaz os operários; mas se enganam aqueles que pensam que não se pagou muito caro por esse sucesso instantâneo.
"De resto, o programa não vale nada, mesmo omitindo-se que ele santifica os artigos de fé lassallianos."17
Inicialmente, fora dito que o congresso de unificação de Gotha seria de 23 a 25 de maio, que o dos lassallianos o precederia e que o dos eisenachianos seria de 25 a 27 do mesmo mês.  Por isso, Marx desabafara: "O cúmulo é que eles reúnam um congresso ainda antes do congresso de compromisso, enquanto que o partido propriamente dito só reúna seu congresso post-festum."  Mas, na realidade, o congresso de Gotha foi de 22 a 27 de maio de 1875, e o congresso dos eisenachianos e o dos lassallianos ocorreram simultaneamente ao da unificação.
Em sua carta de 5 de maio de 1875 a Bracke, Marx encaminha em anexo as suas Glosas marginais ao programa do Partido operário alemão, a famosa Critica do programa de Gotha, na qual ele analisa o projeto de programa do futuro Partido Operário Socialista da Alemanha, publicado em 7 de março de 1875 nos jornais Volksstaat e Neuer Social-Demokrat.  Trata-se de um clássico do marxismo.
Notas:
1 Wilhelm Liebknecht (1826-1900) foi um importante dirigente do movimento operário alemão e internacional.  Participou da revolução de 1848-1849.  Foi membro da Liga dos Comunistas e dirigente da social democracia alemã.  Era muito próximo de Marx e Engels, mas omitiu deles as tratativas com os lassallianos para o congresso de unificação.
2 Ferdinand Lassalle (1825-1864) era um advogado alemão que fundou em 1863 a Associação Geral dos Trabalhadores alemães, tornando-se uma importante liderança do movimento operário e socialista alemão.  Marx e Engels submeteram a uma crítica severa as ideias teóricas e políticas dos chamados lassallianos.
3 A Associação Geral dos Trabalhadores alemães foi organizada no congresso das sociedades operárias de 23 de maio de 1863, em Leipzig.  Desde sua fundação, sempre esteve sobre forte influência de Lassalle.  A Associação limitava seus objetivos à luta pelo sufrágio universal, à atividade parlamentar e aos movimentos pacíficos e legais.  Em 1875, no congresso de Gotha,  a associação Geral dos Trabalhadores, de Lasalle, se unficou com o Partido Operário Social-democrata, de Bebel e Liebknecht, formando o Partido Operário Socialista da Alemanha.
4 Carta de Engels a A. Bebel, 28 de junho de 1873 (Correspondence, p. 290-291)
5 Carta de Engels a A. Bebel, 28 de junho de 1873 (Correspondence, p. 291)
6 Carta de Engels a A. Bebel, 28 de junho de 1873 (Correspondence, p. 292-293)
6 Carta de Engels a A. Bebel, 28 de junho de 1873 (Correspondence, p. 293)
7 Carta de Engels a A. Bebel, 28 de junho de 1873 (Correspondence, p. 293)
8 Carta de Engels a A. Bebel, 18-28 de março de 1875 (Correspondance, p. 298)
9 Carta de Engels a A. Bebel, 18-28 de março de 1875 (Correspondance, p. 298)
10 Carta de Engels a A. Bebel, 18-28 de março de 1875 (Correspondance, p. 299)
11 Carta de Engels a A. Bebel, 18-28 de março de 1875 (Correspondance, p. 299-300)
12 Carta de Engels a A. Bebel, 18-28 de março de 1875 (Correspondance, p. 300)
13 Carta de Engels a A. Bebel, 18-28 de março de 1875 (Correspondance, p. 300-301)
14 Carta de Engels a A. Bebel, 18-28 de março de 1875 (Correspondance, p. 302)
15 Wilhelm Bracke (1842-1880) foi um dos fundadores e dirigentes do Partido Operário Social-democrata alemão (eisenachiano).  Muito próximo de marx e Engels, combateu os lassallienos e, até certo ponto, os oportunistas no seio do partido eisenachiano
16 Carta de Marx a W.Bracke, 5 de maio de 1875 (Correspondence, p. 303-304)
17 Carta de Marx a W. Bracke, 5 de maio de 1875 (Correspondence, p. 304)
Bibliografia:
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich.  Correspondance (1844-1895), Moscou: Editions du Progrès, 1971.
* Citações traduzidas livremente do francês.
Sergio Granja é pesquisador da Fundação Lauro Campos

sábado, 27 de março de 2010

Otimo filme nacional.....

O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte




Formato: mpg
Áudio: Português
Legendas: S/L
Duração: 1:31
Tamanho: 895 MB
Divididos em 10 Partes
Servidor: Rapidshare



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CREDITOS: Eudes Honorato - F.A.R.R.A


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Sinopse: 
 
Zé do Burro e sua mulher Rosa vivem em uma pequena propriedade a 42 quilômetros de Salvador. Um dia, o burro de estimação de Zé é atingido por um raio e ele acaba indo a um terreiro de candomblé, onde faz uma promessa a Santa Bárbara para salvar o animal. Com o restabelecimento do bicho, Zé põe-se a cumprir a promessa e doa metade de seu sítio, para depois começar uma caminhada rumo a Salvador, carregando nas costas uma imensa cruz de madeira.


Elenco:

Leonardo Villar (Zé do Burro)
Glória Menezes (Rosa)
Dionísio Azevedo (Padre Olavo)
Norma Bengell (Marli)
Geraldo Del Rey (Bonitão)
Roberto Ferreira (Dedé)
Othon Bastos (Repórter)
João Desordi (Detetive)
Américo Coimbra
Gilberto Marques (galego)
Carlos Torres (monsenhor)
Antônio Pitanga (Mestre Coca-capoeira)
Milton Gaúcho (guarda)
Irenio Simões (secretário do jornal)
Enock Torres (delegado de polícia)
Maria Conceição (Minha tia-Mãe de Santo)
Walter da Silveira (bispo)
Napoleão Lopes Filho (bispo)
Velvedo Diniz (sacristão)
Cecília Rabelo (beata)
Jurema Penna (beata)
Alair Liguori (beata)
Canjiquinha e sua Academia de Capoeira
povo de Salvador da Bahia


Premiações:

- Recebeu uma indicação ao Oscar, na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, 1963.

- Palma de Ouro no Festival de Cannes, França (Melhor longa-metragem), 1962;

- Festival Internacional de São Francisco, Estados Unidos (Melhor filme) prêmio Darius Milhaud e melhor música (Golden Gate),1962;

- Prêmio Sapatos Viejos, Festival de Cartagena, Colômbia, 1962;

- Prêmio Cabeza de Palanque, Festival de Acapulco, México, 1962;

- Prêmio Especial de Bucareste, Romênia, 1962;

- Prêmio Crític's Award, Festival Internacional de Edimburgo, Escócia (Diploma de mérito), 1962;

- Menção Honrosa, Festival de Sestri-Levante, Itália, 1962; Menção Especial, Festival de Locarno, Suiça, 1962;

- Menção Honrosa, Festival de Toronto, Canadá, 1962;

- Menção Honrosa, Festival de Karlovy-Vary, Tchecoslováquia, 1962;

- Menção Especial, Festival de Moscou, Russia, 1962;

- Melhor filme, produtor (Oswaldo Massaini), ator (Leonardo Villar) e prêmio especial (Anselmo Duarte e Dias Gomes), prêmio Saci, São Paulo, 1962;

- Melhor filme, produtor (Oswaldo Massaini), diretor, ator (Leonardo Villar) e argumento (Dias Gomes), prêmio Governador do Estado de São Paulo, São Paulo, 1962;

- Melhor filme, diretor, ator (Leonardo Villar), atriz (Norma Bengell), ator secundário (Geraldo del Rey) e revelação (Glória Menezes), V Festival de Cinema de Curitiba, Paraná, 1962;

- Melhor diretor, ator (Leonardo Villar), atriz (Glória Menezes), ator secundário (Roberto Ferreira), menção honrosa (Norma Bengell), argumento (Dias Gomes), fotografia (H.C.Fowle), composição (Gabriel Migliori) e edição (Carlos Coimbra), prêmio Cidade de São Paulo, Júri Municipal de Cinema, São Paulo, 1962;

- Melhor filme, diretor, ator (Leonardo Villar) e atriz (Glória Menezes), troféu Cinelândia, Rio de Janeiro, 1962.


Curiosidades:
- Baseado em peça teatral de Dias Gomes.

- Filmado em Salvador, estado da Bahia.

- Estréia no cinema do ator Othon Bastos

- A idéia do filme começou numa noite quente do verão de 1961, quando Anselmo Duarte foi ao TBC assistir à peça de Dias Gomes, encenada por Flávio Rangel, com Leonardo Vilar e Natália Timberg nos papéis principais.

- O Pagador de Promessas foi o primeiro e até agora o único filme brasileiro a ser premiado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes.

- Para obter os direitos de filmagem, Anselmo Duarte teve de vencer a resistência do teatrólogo Dias Gomes, que relutava em ceder seu texto ao diretor de apenas um filme, "Absolutamente certo". Um êxito popular de bilheteria. Além disso, disputou o texto com um consagrado diretor de teatro: Flávio Rangel.

- Os direitos de adaptação foram comprados por 400 cruzeiros, o preço mais alto até então pago por uma adaptação brasileira. O filme custou apenas 20 milhões.

- Odete Lara foi a primeira atriz convidada por Anselmo Duarte para um dos principais papéis femininos do filme. Por motivos contratuais, não pôde participar e, mais tarde, se arrependeu amargamente.

-"O pagador de promessas" foi exibido na Casa Branca, em 17.12.1962 e entusiasticamente aplaudido pelo presidente Kennedy, diplomatas e jornalistas.

- Quando o filme o Pagador de Promessas ganhou Palma de Ouro, teve que lutar contra muito mais que outros filmes. O Embaixador em Paris e o Itamaraty não acreditavam realmente no cinema brasileiro. O filme venceu oito concorrentes na comissão de seleção de filmes do Itamaraty, foi selecionado. Mas o pessoal do Rio de Janeiro não sabia que em Paris o Embaixador, a ponto de não emprestar a bandeira do Brasil para o festival.

- O problema da bandeira foi resolvido quando Anselmo Duarte, foi a procura de material para costurar uma bandeira com sua irmã. Mas encontraram um uma casa a bandeira hasteada, era a casa do Doutor Armando Fonseca. Porém a bandeira não tinha era da metade do tamnho do padrão, e pela primeira vez só se hasteou a bandeira do vencedor, as outras ficaram cerradas, caso fossem tambem abertas veriam que ela era menor. Para acompanhar o hasteamento foi arranjado um disco, levado por Oswaldo Massaini, produtor do filme.

- Glauber Rocha foi de grande importância para O Pagador de Promessas, pois ele apresentou Anselmo Duarte ao prefeito, que era o Antônio Carlos Magalhães. Foi ele que arrumou o Corpo de Bombeiros para as filmagens, foi assistente de produção.

- Após o recebimento do prêmio em Cannes, o diretor e a equipe do filme que viajou até o Festival foi recebida com um desfile público em carro aberto, ao desembarcar no Brasil.

- Canções:
"Cisne branco" (Antônio M.E.Santo e Benedito X.de Macedo);
"Dorinha meu amor" (José Francisco de Freitas);
"Exaltação à Bahia" (Chianca de Garcia e Vicente Paiva).
 
Screen Shots:











sexta-feira, 26 de março de 2010

Genocidio em Gaza...

Em Gaza, Israel foi longe demais


“A devastação de Gaza pelos israelenses, contra uma população civil cercada – e usando bombas, dinheiro e cobertura diplomática dos EUA – foi tão brutal e horrenda que mudou para sempre o modo como o mundo vê o conflito no Oriente Médio” [Glenn Greenwald, blogueiro de Salon.com, durante a guerra de Gaza].

por Norman Finkelstein, em Counterpunch

A indignação mundial gerada pela invasão de Gaza não nasceu do nada nem foi repentina. De fato, foi a culminação de uma curva que há muito tempo marcava o crescente declínio do apoio a Israel em todo o mundo. Como mostram dados de pesquisas recolhidos nos EUA e Europa, todos os públicos, de judeus e não-judeus, foram-se tornando cada vez mais críticos das políticas israelenses ao longo de toda a última década. As imagens horrendas de morte e destruição mostradas pela televisão em todo o mundo durante a invasão de Gaza aceleraram aquele processo. “A frequência brutal e sempre crescente de guerra naquela região volátil fez mudar a tendência da opinião internacional” – escreveu o britânico Financial Times em editorial, um ano depois da invasão de Gaza –, “fazendo lembrar que Israel não está acima da lei. Israel não pode continuar a ditar os termos dessa discussão.”

Pesquisa feita nos EUA logo depois do ataque israelense a Gaza mostrou que o número de eleitores norte-americanos que se autodefiniam como apoiadores de Israel havia caído de 69% antes do ataque, para 49% em junho de 2009; e o número de eleitores que acreditavam que os EUA deveriam continuar a apoiar Israel, caiu de 69% para 44%.

Consumida pelo ódio, cheia de arrogância e confiante de que poderia controlar ou intimidar toda a opinião pública, Israel atacou Gaza com fúria de assassino que confia que jamais será apanhado, mesmo que promova assassinatos em massa à luz do dia. Mas, embora o apoio oficial a Israel não se tenha alterado no ocidente, a carnificina fez crescer uma onda sem precedentes de indignação popular em todo o mundo. Seja porque o ataque contra Gaza veio depois da devastação que Israel provocou no Líbano, ou por causa da incansável perseguição contra o povo de Gaza, ou seja, porque o ataque a Gaza foi ataque covarde, fato é que o ataque a Gaza em dez.-jan. 2009, parece ter marcado um ponto de virada na opinião pública em relação a Israel. O mesmo tipo de mudança aconteceu também depois do massacre de negros em Sharpeville, em 1960, na África do Sul.

Nas organizações oficiais da diáspora judaica, que têm laços antigos com Israel, o apoio continuou como sempre, cego. Ao mesmo tempo, contudo, organizações de judeus progressistas começaram a afastar-se de Israel, umas mais, outra menos. Enquanto, antes, todos os judeus mais conhecidos no mundo sempre apoiaram as guerras de Israel, muitos, dessa vez, mostraram-se ambivalentes durante a invasão, com uma maioria mais idosa e declinante que saiu em defesa de Israel e uma minoria crescente, mais jovem, que declaradamente fez oposição à invasão de Gaza. Entre o crescente incômodo dos mais jovens em face do belicismo israelense e as muitas vacilações ante a tarefa de apoiar Israel, o massacre de Gaza marcou uma primeira grande fissura no, antes, irrestrito apoio dos judeus a todas as guerras de Israel. Muitos constataram que, ao mesmo tempo em que em todo o ocidente as manifestações contra os ataques a Gaza foram sempre multiétnicas (com a presença de muitos judeus), as demonstrações ‘pró’ Israel sempre reuniram quase exclusivamente judeus.

A evidência de que a oposição ativa à política de Israel – por exemplo, nas universidades – já extrapolou os limites do mundo árabe-muçulmano e já alcançou públicos aos quais antes não chegava, ao mesmo tempo em que encolheu o apoio ativo a Israel, já confinado a uma fração do núcleo mais conservador dos judeus étnicos, é importante indicador da direção para a qual as coisas estão andando. A era da “bela” Israel já passou, parece que para sempre; foi substituída por uma Israel desfigurada que, nos últimos tempos ocupa a consciência pública e provoca embaraço cada dia maior. Não se trata apenas de Israel agir ainda mais mal do que antes, mas, sobretudo, de as ações de Israel terem ultrapassado o limite do que as consciências toleram.

Já não é possível negar ou desqualificar o que todos veem. A documentação do conflito árabe-israelense estabelecida por historiadores conhecidos conflita com versões popularizadas por livros como Êxodo de Leon Uris. Há evidências de inúmeras violações por Israel dos direitos humanos básicos dos palestinos, todas documentadas por organizações conhecidas; essas evidências não confirmam os discursos israelenses e o muito alardeado compromisso com “a Pureza das Armas” [heb. Tohar HaNeshek; ing. Morality in Warfare; é o código ético do Exército de Israel: “moralidade/pureza na guerra”]. As deliberações de corpos políticos e jurídicos respeitados manifestam graves dúvidas quanto ao alardeado compromisso de Israel com a resolução pacífica de conflitos. Por muitos anos, os ‘apoiadores’ de Israel conseguiram evitar o impacto da documentação que se foi acumulando; na maioria dos casos, ocultaram-se por trás de duas espadas gêmeas sempre em riste: o Holocausto e um “novo antissemitismo”.

Houve quem dissesse que os judeus não poderiam ser avaliados pelos padrões morais/legais comuns, depois do inexcedível sofrimento pelo qual passaram durante a II Guerra Mundial e que toda e qualquer crítica às políticas de Israel seriam sempre motivadas por um jamais extinto ódio aos judeus. Quanto a isso, além do desgaste que sofrem todos os argumentos excessivamente usados, esse argumento perdeu muito da eficácia que algum dia teve quando as críticas às políticas de Israel chegaram, afinal, às correntes mais amplas da opinião pública. Incapazes de responder àquelas críticas, os apologistas de Israel conjuram hoje as mais bizarras teorias para explicar o ostracismo ao qual se condenaram. Para George Gilder, guru ‘econômico’ do governo Reagan, o sistema de livre mercado teria modo específico para desencadear os potenciais humanos; e que portanto, sob sistemas de livre mercado, os judeus deveriam “estar sempre representados não proporcionalmente nos escalões superiores”, porque seriam seres humanos naturalmente mais bem dotados que outros. Inversamente, se os judeus não estiverem no comando, comprovar-se-ia que o sistema econômico não alcançou a perfeição.

O antissemitismo brotaria do ressentimento provocado pela “superioridade e excelência dos judeus” e pela “manifesta supremacia dos judeus sobre todos os demais grupos étnicos”; e o ódio contra Israel, do fato de Israel ter evoluído (sob a inspirada tutela de Benjamin Netanyahu) num perfeito sistema de livre mercado que “concentra o gênio dos judeus,” fazendo de Israel “uma das potências capitalistas mundiais líderes” e inveja do mundo: “Israel é odiada sobretudo por suas virtudes.”

Se há judeus que criticam Israel, tratar-se-ia de pura inveja: “os judeus destacam-se tanto e tão rapidamente nos campos intelectuais, que deslocam e derrotam todos os rivais antissemitas.” O ocidente deve tratar, isso sim, de proteger Israel e os israelenses contra “as quimeras mundiais de soma-zero e as fantasias de vingança e morte dos jihadistas”, e contra “as massas bárbaras”, porque foram os talentos e dotes dos judeus que levaram a humanidade “a crescer e prosperar”; em conclusão, porque os judeus são “decisivos para a raça humana”.

E prossegue: “se Israel for destruída, toda a Europa capitalista morrerá; e os EUA, epítome do capitalismo criativo e produtivo empurrado pelos judeus, estará sob grave risco”; “Israel é a vanguarda da próxima geração de tecnologia; está na linha de defesa de uma nova guerra racial contra o capitalismo, contra a individualidade e o gênio judeu”; “Assim como o livre mercado é necessário à sobrevivência das populações humanas sobre a face da Terra, a sobrevivência dos judeus é necessária para garantir o triunfo das economias livres. Se Israel for calada ou destruída, todos sucumbiremos ante as forças que hoje combatem o capitalismo e a liberdade em todo o mundo.”

Do outro lado do Atlântico, Robin Shepherd, diretor de assuntos internacionais da Henry Jackson Society, sediada em Londres, garante que Israel foi alvo de críticas fortes pelo ocidente, não porque seja campeã da defesa dos direitos humanos, mas porque é Estado capitalista democrático obrigado a lutar na linha de frente, ao lado dos EUA, contra o islã radical que seria “ameaça civilizacional”: “Israel tornou-se inimiga não por algo que tenha feito”, mas “porque estava do lado errado das barricadas”. A “principal plataforma de energização no ocidente” para essa “maré incontrolável de histeria, mistificação e distorções contra o Estado judeu” são “os marxistas totalitários e a esquerda liberal, viajantes que, desapontados pelo proletariado ocidental e desiludidos das lutas de libertação do Terceiro Mundo, uniram-se em causa comum com “o islã militante” para destruir a ordem mundial liberal-capitalista. Embora esses críticos de Israel não sejam antissemitas no tradicional sentido “subjetivo” de desprezar os judeus por serem judeus, são agentes de um antissemitismo “objetivo”, porque Israel tornou-se fator central da identidade dos judeus no mundo contemporâneo.

Mas a oposição a Israel também emanaria dos ‘sangue-azul’ do antigo regime que sonham com restaurar as hierarquias do velho mundo, devolvendo-as ao ponto em que teriam sido rompidas pelos arrivistas judeus. Essa conspiração neoantissemita reuniria “quase todos” os que acusam Israel de ter cometido crimes de guerra e de outras violações das leis internacionais. Evidentemente, deve-se entender que, por trás da condenação de Israel pela Anistia Internacional e pela Corte Internacional de Justiça, Jimmy Carter e Mairead Corrigan Maguire ganhadores do Prêmio Nobel, o Financial Times e a BBC, age a mão oculta da gangue dos radicais esquerdistas fanáticos aristocratas islâmicos. Para os que queiram saber mais, Shepherd recomenda “fortemente” que leiam The Case for Israel, de Alan M. Dershowitz.

Embora falte credibilidade a essas explicações para o isolamento de Israel, não há dúvidas de que as ações de Israel entraram em queda livre. Embora Israel tenha conquistado muitos simpatizantes ocidentais depois de fulgurante vitória de junho de 1967, a verdade é que, nos anos mais recentes, já está reduzida a Estado pária, sobretudo entre os europeus. Pesquisa de 2003 feita pela União Europeia, classificou Israel como principal ameaça à paz do mundo. Em 2008, pesquisa de opinião pública global classificou Israel como o principal obstáculo à paz no conflito Israel-Palestina. Em pesquisa do BBC World Service, feita imediatamente depois da invasão de Gaza, 19 dos 21 países pesquisados manifestaram opinião negativa sobre Israel.

Simultaneamente, sob o título “Second Thoughts about the Promised Land” [“Pensando melhor sobre a Terra Prometida”][1], a revista The Economist reporta em 2007 que “embora a maioria dos judeus da diáspora ainda apóiem Israel, aumentaram as dúvidas e a ambivalência.” Vozes de judeus discordantes começam a fazer-se ouvir na Grã-Bretanha, na Alemanha e em outros países, desafiando a hegemonia das organizações judias oficiais que repetem como papagaios a propaganda israelense. Nos EUA as tendências ainda não são muito claras, mas nem por isso menos significativas. Avaliando-se pelos dados de pesquisa, pode-se dizer que os norte-americanos sempre tenderam consistentemente mais a favor de Israel que dos palestinos. Mas os norte-americanos cada vez mais claramente também apóiam que os EUA trabalhem para mediar o conflito; mais recentemente, já há pesquisas que mostram “níveis equivalentes de simpatia” pelos dois lados, e minoria já substancial opinou que as políticas dos EUA favorecem (ou favorecem muito) Israel; uma robusta maioria de norte-americanos “opinaram que Israel não está fazendo bem a parte que lhe cabe de esforços para resolver o conflito”; e já há muitos norte-americanos que pregam o uso de sanções para conter Israel.

Significativamente, a maioria dos norte-americanos também apoiaram um acordo de dois Estados sobre as fronteiras demarcadas em junho de 1967, com total retirada dos israelenses dos territórios ocupados na guerra de junho. “Sim, as pesquisas mostram forte apoio a Israel,” observou em 2007 M. J. Rosenberg, diretor de análises políticas do Israel Policy Forum, a respeito das tendências de então; contudo “esse apoio a Israel, como mostram as pesquisas, é amplo mas não é muito profundo.” Esse fenômeno observa-se quase todos os dias nas “Cartas do Leitor”. Cada vez que aparece alguma coluna sobre Israel, sobretudo se critica Israel, aparecem várias cartas de leitor. A maioria apoia a posição israelense. E quase sem exceção as cartas são assinadas por judeus. A vasta maioria [de não judeus norte-americanos] que se supõe que sejam também favoráveis às posições de Israel não escrevem. Conforme pesquisa de 2007 feita pela Liga Antidifamação [ing. Anti-Defamation League (ADL)] a opinião de norte-americanos a favor de Israel é acentuadamente menos favorável do que suas opiniões favoráveis pró Grã-Bretanha e Japão; e é praticamente tão favorável quanto as opiniões pró Índia ou México. Quase a metade dos respondentes entendem que os EUA devem trabalhar aliados a Estados árabes “moderados”, “mesmo que isso contrarie Israel”.

Metade ou mais dos norte-americanos pesquisados culpam igualmente Israel e o Hizbollah pela guerra do Líbano, no verão de 2006, e apoiaram uma posição (mais) neutra dos EUA. Além disso, em anos recentes, vários grupos religiosos, como a Igreja Presbiteriana dos EUA, o Conselho das Igrejas, a Igreja Unida de Cristo e a Igreja Metodista Unida têm apoiado iniciativas, inclusive a favor do desinvestimento em corporações, para forçar o fim da ocupação da Palestina. Em pesquisa de 2005, feita por Steven M. Cohen, judeu, constatou-se que “a ligação dos judeus norte-americanos com Israel enfraqueceu de modo mensurável nos últimos dois anos, (…) seguindo tendência que se observava há muito tempo.” Menos respondentes, em relação a pesquisas anteriores, declararam prontamente seu apoio a Israel, que conversavam sobre Israel ou que participavam de atividades de apoio a Israel.

Significativamente, não houve declínio semelhante em outras mensurações de identificação com os judeus, incluindo práticas religiosas, observação de preceitos religiosos ou afiliação comunitária. A pesquisa mostrou 26% que se declaram “muito” emocionalmente ligados a Israel, menos que os 31% que se viram em pesquisa de 2002. Cerca de 2/3, 65%, declararam que acompanham de perto o noticiário sobre Israel, menos que os 74% da pesquisa de 2002; e 39% disseram que conversam regularmente com amigos judeus; menos que os 53% de 2002.

Israel também caiu nas pesquisas como componente da identidade judaica pessoal dos respondentes. Quando lhes eram mostrados vários fatores, entre os quais religião, justiça social e comunidade, ao lado de “preocupação com o destino de Israel”, e perguntados “quanto, de cada um desses fatores, pesa no seu sentimento de ser judeu?”, 48% responderam que Israel pesa “muito”; em 2002, foram 58%. Apenas 57% afirmaram que “a preocupação com o destino de Israel é parte muito importante do meu sentimento de ser judeu”; em pesquisa idêntica, de 1989, foram 73%. Pesquisa de 2007, feita pelo Comitê Judeu Norte-americano [ing. American Jewish Committee] mostrou que 30% dos judeus sentiam-se “distantes” ou “muito distantes” de Israel. “No longo prazo”, prevê Cohen, haverá uma “polarização nos judeus norte-americanos: um grupo cada vez menor de judeus mais fortemente religiosos cada vez mais ligados a Israel; e um grupo maior, que se afastará do grupo menor.”

Pesquisa de 2006 mostrou que, entre os judeus norte-americanos de menos de 40 anos, 1/3 declarou-se “distante” e “muito distante” de Israel; pesquisa de 2007 mostrou que, entre os judeus de menos de 35 anos, 40% declarou “fraca ligação” com Israel (apenas 20% declararam “forte ligação”). Surpreendentemente, menos da metade dos respondentes responderam “sim; a destruição de Israel seria vivenciada como tragédia pessoal.” O ex-presidente da Agência Judaica [ing. Jewish Agency] fez soar sinal de alarme, ao divulgar que “menos de 24% dos judeus norte-americanos jovens participam de organizações judaicas. Menos de 50% dos judeus norte-americanos com menos de 35 anos sentem-se profundamente ligados ao povo judeu. Menos de 25% dos judeus norte-americanos com menos de 35 anos autodefinem-se como sionistas.”

Nas universidades norte-americanas, observa-se a queda no apoio a Israel não só entre os alunos judeus em geral, mas também, e principalmente, entre os sionistas reunidos nos Hillels [ing. Hillel Foundation for Jewish Campus Life][2]. “Alunos universitários judeus são claramente menos ligados a Israel hoje do que em gerações anteriores”, dizem vários relatórios de organizações de propaganda pró-Israel. “Israel está perdendo a disputa pelos corações e mentes dos judeus.” De fato, dos cerca de meio milhão de alunos judeus que frequentam instituições de ensino superior, “apenas 5% mantêm qualquer conexão com a comunidade de judeus.”

Observa-se a conversão da ambivalência em aberta oposição em relação a Israel também em outros setores influentes da sociedade norte-americana, mesmo entre as vacas-madrinhas da vida intelectual nos EUA e no público de leitores. Pesquisa recente descobriu que uma maioria de líderes de opinião nos EUA apóiam Israel “movidos sobretudo por insatisfação com os rumos dos EUA” em todo o mundo. Em ensaio publicado em 2003 na New York Review of Books, o historiador judeu Tony Judt escreveu que “a Israel de hoje não é boa para os judeus” e pôs em dúvida tanto a viabilidade quanto a desejabilidade de um Estado judeu. John J. Mearsheimer, da Universidade de Chicago e Stephen M. Walt da Harvard Kennedy School são co-autores de um importante ensaio, de 2006, no qual atacam a imagem idealizada da história de Israel e afirmam que Israel está convertida em “risco estratégico” para os EUA. Livro do ex-presidente Jimmy Carter, provocativamente intitulado Palestine: Peace Not Apartheid, lamenta a política de Israel para os Territórios Palestinos Ocupado e culpa integralmente Israel pela deterioração do processo de paz.

Apesar dos contra-ataques vitriólicos que o lobby pró-Israel lançou contra aquelas intervenções – o discurso usual que acusa todos de serem negadores do Holocausto e antissemitas –, dessa vez os contra-ataques não foram eficazes.

Quando em 2006 as pressões do lobby levaram ao cancelamento de uma das palestras já agendadas de Tony Judt, o caso tornou-se imediatamente cause célèbre nos círculos intelectuais dos EUA. Críticos de Judt, como Abraham H. Foxman da ADL, foram descritos como “gente que se esconde atrás de acusações sem sentido de antissemitismo” e como “anacrônicos”. Carter, por sua vez, foi acusado de plagiador, de haver sido subornado por xeiques árabes, de ser antissemita, de fazer apologia do terror, de simpatizante dos nazistas, e pouco faltou para ser acusado de negar o Holocausto.

Mesmo assim, o livro de Carter chegou rapidamente à lista dos mais vendidos do New York Times e lá permaneceu durante vários meses, tendo vendido mais de 300 mil cópias encadernadas. Embora duramente criticado pelo presidente da Universidade Brandeis, o ex-presidente Carter foi recebido pelos estudantes com uma retumbante ovação, ao chegar para falar naquela universidade judaica tradicional. (E metade da plateia levantou-se e saiu quando Alan M. Dershowitz, professor de Direito de Harvard, levantou-se para discursar em resposta à palestra de Carter.) Mearsheimer e Walt contrataram a publicação de seu livro com a editora Farrar, Straus and Giroux, e seu livro, The Israel Lobby and U.S. Foreign Policy, também esteve por muito tempo na lista dos mais vendidos do Times.

Demonstração extra de que a sorte de Israel está mudando é que, durante o mandato do primeiro-ministro Ehud Olmert, nem Foxman nem Elie Wiesel, perene apoiador de Israel responderam publicamente à evidência de que Israel não se dedicava suficientemente em busca da paz. A crescente insatisfação pública em relação à política de Israel nos últimos anos chegou a ponto de ebulição e converteu-se em indignação manifesta durante a invasão de Gaza. Apesar da cuidadosamente orquestrada blitz de propaganda israelense; apesar de a cobertura jornalística ter sido, como sempre, marcadamente tendenciosa pró-Israel, sobretudo nos primeiros dias do ataque; e apesar do apoio oficial do ocidente ao ataque contra Gaza – apesar de tudo isso, houve enormes manifestações de rua por toda a Europa Ocidental (na Espanha, Itália, França e Grã-Bretanha), tão grandes que encobriram as pequenas manifestações de apoio a Israel.

Estudantes ocuparam universidades por toda a Grã-Bretanha, inclusive nas universidades de Oxford, Cambridge, Manchester, Birmingham, na London School of Economics, na School of Oriental and Asian Studies, Warwick, King’s, Sussex e Cardiff. Mesmo em tradicionais bastiões de apoio a Israel, como no Canadá, onde é particularmente intenso o viés de apoio a Israel da extrema direita e do establishment político e da mídia, os mais diferentes grupos de opinião pública manifestaram-se contra o ataque a Gaza; e o Sindicato Canadense de Servidores Públicos [ing. Canadian Union of Public Employees] aprovou moção em que pede um boicote acadêmico contra Israel.

Declarando depois do cessar-fogo que “os eventos em Gaza nos chocaram profundamente”, um grupo dos 16 juízes e investigadores mais experientes do mundo – entre os quais Antonio Cassese (Primeiro Presidente e Juiz do Tribunal Criminal Internacional para a ex-Iugoslávia e Chefe da Comissão de Investigação da ONU para o Darfur) e Richard Goldstone (Promotor-chefe do Tribunal Criminal Internacional da Comissão de Investigação da ONU para o Kosovo) – pediram que se instalasse “investigação internacional que examine as graves violações da legislação internacional de guerra cometidas pelos dois lados no conflito de Gaza.”

Como sempre, invariavelmente, os apologistas de Israel atribuíram ao crescimento do antissemitismo a crescente indignação contra a ação israelense em Gaza. Deve-se registrar que, como regra geral, quanto mais profundamente violenta é a conduta criminosa de Israel, mais aumentam, em decibéis, as ‘denúncias’ de antissemitismo. Os judeus estariam enfrentando “uma epidemia, uma pandemia de antissemitismo”, declarou Abraham H. Foxman. “É a pior, a mais intensa, a mais global onda de antissemitismo que nossa memória registra.” Não que esse tipo de diagnóstico seja novidade para Foxman que, em 2003, não se cansava de repetir que “a ameaça à segurança do povo judeu é tão grande hoje quanto foi nos anos 30s.”

Como no passado, sempre aparecem dados de pesquisa que confirmam esses exageros, chamados “indicadores” das “mais perniciosas noções de antissemitismo”; por exemplo, uma pesquisa que descobriu que “grandes porções da opinião pública europeia continua a achar que os judeus falam demais sobre o que lhes aconteceu no Holocausto.” Segundo um “filósofo” midiático francês, Bernard-Henri Lévy, qualquer um que ponha em dúvida que o holocausto nazista “foi um ponto de virada irreversível da história da humanidade” deve ser considerado antissemita. Na Europa, poucas das manifestações ditas antissemitas foram além de manifestações covardes ou apenas desagradáveis, como emails ou graffiti, porque o antissemitismo europeu, por mais que se deixe ver vez ou outra, empalidece completamente se comparado à islamofobia no continente. (Observou-se de fato, recentemente, oposição crescente a judeus e muçulmanos – as duas curvas parecem estar correlacionadas –, resultado provável do ressurgimento do etnocentrismo entre os europeus mais velhos, menos letrados e de orientação política mais conservadora.)

Apesar de tudo, parece ser verdade que a execução, por um autoproclamado Estado judeu, de vários ataques assassinos no Líbano e em Gaza, e o apoio que esses ataques receberam de organizações oficiais de judeus em todo o mundo, determinaram um muito lamentável – embora absolutamente previsível – efeito de “respingamento” sobre todos os judeus, que parecem estar começando a ser, todos, considerados culpados. Se, como o Fórum Israelense de Coordenação da Luta contra o Antissemitismo [ing. Israeli Coordination Forum for Countering Anti-Semitism] afirmou “houve claro aumento no número e na intensidade de incidentes antissemitas” durante o massacre de Gaza; e se “com o cessar-fogo, houve marcado declínio no número e na intensidade dos incidentes antissemitas”; e “outro ataque semelhante à operação em Gaza determinará novo surto de atividade antissemita contra comunidades em todo o mundo”, então, método eficaz de combater o antissemitismo parece ser conseguir que Israel suspenda a prática de massacres.

Também é verdade que o crescente fosso entre apoio oficial aos belicistas israelenses e a rejeição popular aos mesmos belicistas parece estar servindo de combustível a mais teorias antissemitas conspiratórias. Na Alemanha, por exemplo, o establishment político e a mídia dominante não dão espaço a qualquer crítica contra Israel por causa do “relacionamento especial”, ideia que cresce na Alemanha, a partir do que se entende que seja “a responsabilidade histórica” da Alemanha. A chanceler Angela Merkel antecipou-se a outros líderes europeus na defesa de Israel durante a invasão de Gaza. Mesmo assim, pesquisas recentes mostraram que 60% dos alemães rejeitam a ideia de que os alemães tenham qualquer especial obrigação com Israel (entre os jovens, a porcentagem chega a 70%); 50% veem Israel como país agressivo; e para 60% Israel persegue seus interesses mediante métodos cruéis.

O fim do papado se aproxima?

Peter Wensierski - Der Spiegel

Continuam a surgir alegações de que o papa Bento 16 pode ter tido conhecimento detalhado de episódios de abuso sexual na Igreja Católica. Em 1996, a Congregação para a Doutrina da Fé, que ele liderava na época, decidiu não punir o padre pedófilo Lawrence Murphy. Com sua autoridade desgastada, por que ele permanece no cargo?

Quando é hora de um papa renunciar? Margaret Kässmann, ex-líder da Igreja Protestante na Alemanha, renunciou em fevereiro, depois de decidir que não possuía mais a autoridade moral necessária para seu cargo depois de ter sido pega dirigindo embriagada. Mas quanta autoridade o papa Bento 16 ainda tem?

Ultimamente, o que restou dela tem desaparecido quase que diariamente. Cada novo detalhe sobre o papel que ele teve na forma como sua igreja lidou com os episódios de abuso sexual a desgasta ainda mais. Mas um papa não renuncia, simplesmente. Ele não é presidente de uma empresa, ou o líder de um partido político – ele é o descendente espiritual direto do apóstolo Pedro.

Teoricamente é possível, segundo a lei canônica. O Cânone 332, parágrafo 2, prevê uma renúncia papal, permitindo ao papa que renuncie quando desejar, sem pedir permissão de ninguém. Mas na longa história da Igreja Católica, é extremamente raro. O papa Celestino 5º foi o último líder da igreja a renunciar – 700 anos atrás.

E ainda que várias vítimas de abuso venham pedindo há tempos pela renúncia de Bento, simplesmente não é papal abrir mão do papado. Em vez disso, o Vaticano prefere rejeitar qualquer acusação que tenha sido feita, determinando-as como infundadas.

Na quinta-feira, era possível observar o reflexo novamente. No caso do padre pedófilo dos Estados Unidos, Lawrence Murphy, o porta-voz do Vaticano Federico Lombardi insistiu que, antes de se tornar papa, Bento, na época conhecido como Joseph Ratzinger, de forma alguma esteve envolvido em um acobertamento. Considerando que o “Padre Murphy era idoso e tinha saúde debilitada”, a Congregação para a Doutrina da Fé, então liderada por Ratzinger, decidiu em 1996 não puni-lo. Murphy, que abusou de cerca de 100 crianças, pôde continuar como padre até sua morte.

“Os culpados em primeiro lugar”

Parece improvável que essa explicação vá reduzir a pressão sobre o papa. O lema da Igreja sempre pareceu ser “os culpados em primeiro lugar”. Eles foram bem cuidados – as vítimas, entretanto, foram deixadas à própria sorte.

Desde 1982 Ratzinger foi responsável por aquela parte do Vaticano que lida com casos de abuso sexual. Quem, se não ele, foi responsável pelo caminho da Igreja?

Você pode trocar o nome de Ratzinger por “Bento”, escreveu o “Der Spiegel” diante da euforia que houve aqui pela eleição de um papa alemão em 2004, mas você não pode tirar o Ratzinger do papa. Desde então, como um papa, ele causou mais danos do que benefícios à sua igreja. Ele tensionou as relações com os judeus diversas vezes, brincou com fogo nas relações entre cristãos e muçulmanos com seu discurso de Ratisbona, enfureceu o povo indígena durante sua viagem à América Latina, irritou os protestantes e se mostrou conciliatório com os negacionistas do Holocausto.

Até católicos fiéis se surpreenderam com as atitudes que ele tem tomado. E agora, alem disso tudo, descobre-se que a área onde ele tem sido consistente nas últimas décadas é na sua negligência em lidar com pedófilos dentro de sua própria instituição.

Na Irlanda ou nos Estados Unidos, os bispos têm encontrado dificuldades para renunciar, mesmo em casos em que seu acobertamento tenha sido desmascarado. E na Alemanha, nenhum bispo caiu pelos graves erros cometidos pela Igreja Católica ali.

Gestão de crises de pequena empresa

A reação até o momento não foi maior do que uma gestão de crises que poderia se ver em uma empresa de médio porte: emitir um pedido de desculpas, criação de uma mesa-redonda para lidar com o problema, estabelecer uma linha direta… não muito mais do que isso. Então como os culpados por trás dos culpados devem ser encontrados? Como devemos erradicar o sistema de encobrimento, silêncio e transferência de pedófilos para outra diocese na Igreja? E quem obrigará a Igreja a abrir seus arquivos para o público?

A experiência das vítimas nos Estados Unidos e na Irlanda nos últimos anos foi ruim. Será que essa experiência se repetirá na Alemanha? O que aconteceu por trás da fachada da Igreja ainda está longe de ser um livro aberto. Só o fato de que vários bispos aqui na Alemanha ajudaram a garantir a continuidade do cartel do silêncio já é razão suficiente para que eles renunciem. A alternativa seria eles virem a público sobre o que sabem e o que fizeram, por mais doloroso e difícil que isso possa ser.

O mal foi perpetrado dentro de uma das mais altas autoridades morais, cujos homens pregaram a partir de seus púlpitos, nos mínimos detalhes, sobre o que é certo e o que é errado.

Mas fica a questão: para que autoridade moral padres e bispos na Alemanha podem se voltar, para continuar a executar suas funções e fornecer às pessoas respostas para as difíceis questões da vida?

Tradução: Lana Lim

A França rejeita Sarkozy...

França: A explosão do antisarkosismo


  Editado por Cristieni Castilhos


PARIS, França – Um enigma paira sobre o primeiro turno das eleições regionais de domingo [14 de março]. Se as previsões das pesquisas de opinião se confirmarem, a França amanhecerá na segunda-feira coberta pelo véu rosa dos socialistas, e pelo verde, dos ecologistas, e o que será dessa vasta e mal-humorada corrente que é o Antisarkosismo? A parcela da população que reprova a ação e o estilo do presidente francês e sua equipe é grande, mas carece de líderes que agrupem os descontentes.
O chefe de Estado cristaliza em torno de si um poderoso sentimento de insatisfação que se manifesta nos baixos níveis de popularidade com que ele governa. Nicolas Sarkozy tem apenas 37 por cento de opiniões favoráveis e as pesquisas prevêem para este domingo [12 de março] uma derrota significativa do partido que ele mesmo promoveu, a UMP [União por um Movimento Popular, sigla em francês]. Operários, Universitários, professores, estudantes, advogados, médicos, executivos, trabalhadores, funcionários e desempregados formam o corpo desse movimento sem liderança, mas que se expressa com solidez nas redes sociais e cujos argumentos podem ser ouvidos nas filas de supermercado ou nos balcões de bares.
Por paradoxal que pareça, o antisarkosismo não tem realmente quem o represente de forma coesa. Seus exércitos estão espalhados por todo o espectro político francês e em diversos movimentos que vão desde os grupos que defendem os imigrantes, passando pelos psicólogos e os médicos, os ecologistas, os militantes antiglobalização, os contrários a organismos geneticamente modificados, os desgostos com as multas de trânsito, os ativistas que denunciam a “geração precária”, os membros da “Quinta-feira Negra”- que clama por uma política alternativa para a habitação, até mesmo a última versão do Antisarkosismo, inspirada no caso italiano, o “No Sarkozy Day” [Dia do Não ao Sarkozy]. Esses movimentos de contestação política surgem em grade parte pela Internet. Os meios de comunicação franceses, sobretudo a imprensa, mantêm uma distância ainda mais abismal do que os políticos com relação aos problemas da sociedade.
Por outro lado, não existe hoje uma linha editorial de oposição. Há certas temáticas em que há oposição na imprensa, mas essas carecem de continuidade e, por conseguinte, de consistência. O jornal semanal Marianne, leva a cabo uma campanha sistemática contra Sarkozy, mas não representa toda a complexidade do antisarkosismo. O que faz o resto da imprensa parece uma brincadeira inconseqüente que deve fazer rir o presidente francês. Diante dessa ausência de base e de análise, o antisarkosismo se estendeu por um espectro hiperfragmentado, mas não por isso menos real.
O rancor social é profundo. Nicolas Sarkozy herdou também as desavenças das administrações passadas e coloca-se com certa responsabilidade global, como se essa sociedade desencontrada e que vem perdendo suas conquistas e benefícios tivesse inventado tal responsabilidade sozinha.
Há quem deseje fervorosamente que a seleção francesa de futebol faça um papel vergonhoso no Mundial africano, porque associam a política de Nicolas Sarkozy ao treinador da seleção, o impopular Raymond Domenech. Os bares são palco para um teatro de protestos múltiplos e revelam a polifonia do desencanto, assim como a solidão eleitoral da sociedade. Em meio a piadas e críticas, o povo admite que nenhuma figura de oposição política reflete um projeto alternativo ou inspira suficiente seriedade para voltarem suas expectativas para ele.
O antisarkosismo aparece hoje como o modelo de uma sociedade policiada e controlada, desumanizada e centralizada em diversos arquivos, em que o dinheiro é rei, quem tem amigos influentes é privilegiado, a indiferença e a vontade de controlar a tudo são princípios orientadores e que a cobertura política pelos meios de comunicação já é um recurso desgastado. Até agora, o grande desejo de se fazer uma convergência entre as diversas demandas setoriais não se fez realidade. As eleições deste mês talvez marquem uma mudança na maneira com a qual a oposição assume seu papel, na forma como governa o Executivo e no perfil que adquire o antisarkosismo.  A dimensão do movimento é mais uma sensação do que o reflexo de idéias políticas organizadas, especialmente porque os antisarkozy desconfiam dos partidos políticos como o diabo foge da cruz.
Os antisarkosistas sonham em sair das redes da Internet e levar às ruas os descontentos com o presidente. Uma viagem do virtual ao real. Seguindo o exemplo italiano, os criadores do “No Sarkozy Day” convocaram uma manifestação para o próximo 27 de março para dizer não à política do presidente. A iniciativa teve origem pelo Facebook sob o lema de “Um milhão de pessoas contra Nicolas Sarkozy” e agregou muitas vozes transversais que não se sentem representadas pelo sistema de partidos políticos e os meios de comunicação, mas simpatizam com o antisarkosismo.
Segundo Sebastian Ball, um dos fundadores do grupo, o movimento “Um milhão de pessoas contra Nicolas Sarkozy” conta hoje com 380 mil membros. Ball afirma que o “No Sarkozy Day” de 27 de março é apenas uma etapa, que não se trata apenas “de um encontro único entre todos os descontentes e irritados com Sarkozy”. O que buscam é unir-se e consolidar-se para mudar o estado das coisas.

Traduzido por: Cristieni Castilhos

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