Jornada de lutas está pautando a sociedade
Representantes dos movimentos sociais avaliam que, apesar da repressão da polícia em alguns Estados, manifestações estão conseguindo denunciar para a sociedade a ação das transnacionais
Tatiana Merlino
da redação
“Conseguimos colocar em destaque o debate sobre a disputa de modelo para a sociedade. Queremos discutir um modelo de soberania energética e alimentar para o país”. Essa é a avaliação de André Sartori, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), sobre a jornada de lutas organizada pelos movimentos sociais para denunciar a ação das transnacionais no país.
Manifestantes realizaram protestos em 13 estados (veja infográfico), promovendo ocupações de terra e de hidrelétricas, bloqueios de estradas e de ferrovias. Representantes da Via Campesina e da Assembléia Popular – duas articulações de organizações camponesas e urbanas – avaliaram positivamente o saldo das ações realizadas no primeiro dia da jornada, terça-feira (10). Para Sartori, os protestos ajudaram a desmistificar a ilusão de que "grandes projetos como a construção de hidrelétricas trazem desenvolvimento para o país. Denunciamos que esse modelo concentra riqueza e que essas empresas concentram riqueza”, avalia.
O aspecto negativo ficou por conta da polícia, que reprimiu com violência as ações no Rio Grande do Sul e em São Paulo. Na terça (10), durante a ocupação da transnacional de alimentos Bunge, localizada na cidade de Passo Fundo, seis pessoas ficaram feridas e foram hospitalizadas. Um caminhão com 8 mil kg de alimentos da agricultura familiar que seriam distribuídos a famílias carentes de Passo Fundo foi apreendido pela polícia. Os manifestantes tentaram evitar a apreensão e foram alvejados por bombas de gás e balas de borracha.
Já na quarta-feira (11), em Porto Alegre, uma manifestação contra a governadora Yeda Crusius (PSDB) deixou 25 feridos. A Brigada Militar impediu os manifestantes de chegarem à sede do governo gaúcho. Em outra ação no mesmo dia, a polícia agiu com violência contra manifestantes que ocupavam a rua do supermercado Wall Mart, em Porto Alegre. Outras seis pessoas acabaram hospitalizadas. "O que estamos vivendo aqui ultrapassa a criminalização”, afirma Milton Viário, presidente da Federação dos Metalúrgicos do RS.
As ações no Rio Grande do Sul são contra o aumento do preço dos alimentos, a produção de celulose e o preço da energia. "A orientação da Segurança Pública do Estado é simplesmente de retirar os manifestantes. Nossas ações foram abortadas”, indigna-se Viário.
Pauta concreta
Em Minas Gerais, o saldo do início da jornada é avaliado positivamente. De acordo com Frederico Santana Rick, da Cáritas Brasileira, "ao final da mobilização feita com a ajuda de 10 comunidades, saímos da mobilização com uma pauta concreta”. Há 25 anos, organizações populares reivindicam a transposição da linha férrea da Ferrovia Centro Atlântica (FCA), pertencente à transnacional Vale do Rio Doce.
Na terça-feira (10), cerca de 500 pessoas bloquearam a linha férrea controlada pela empresa entre as 7 e as 12 horas para denunciar os impactos negativos da operação da Vale. Comunidades ficam ilhadas em até duas horas por conta da operação das locomotivas que transportam minérios. Desde 2007, quatro pessoas morreram dentro de ambulâncias por causa do trancamento.
Os representantes da FCA e da Vale garantiram o início das obras no prazo de 40 dias. Até essa data, será desenvolvido um projeto de transposição que inclui uso social para a área hoje ocupada pela linha.
Danos ambientais
No Ceará, os organizadores da mobilização que paralisou as áreas de carga e descarga do Porto de Pecém, em São Gonçalo do Amarante, região metropolitana do Estado, avaliam que a atividade foi muito positiva. "Cumprimos com o papel de alertar a sociedade em relação à ameaça que a construção de grandes projetos representa”, avalia Monise Ravena, do setor de comunicação do MST.
Os cerca de mil manifestantes da Via Campesina cercaram o porto e impediram que navios atracassem. O protesto foi contra o projeto de transposição do rio São Francisco, o aumento do preço dos alimentos, o projeto de instalação de cinco termoelétricas, uma refinaria de petróleo e uma siderúrgica. "Caso esses projetos sejam implementados, os danos ambientais serão enormes”, afirma.
Apesar da forte intimidação a que os manifestantes foram submetidos - 90 homens do batalhão de choque cercaram a área por 4 horas e chegaram a atirar para cima -, ninguém foi ferido. Ao final da mobilização no Pecém, os manifestantes foram diretamente para a Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA), em Fortaleza "com uma pauta mais imediata”: crédito para assentamentos, educação no campo e projetos de irrigação para assentamentos rurais. Embora os manifestantes tenham conseguido marcar uma reunião com o secretário de Desenvolvimento Agrário, não devem sair do local até que consigam uma audiência com o governador do Estado, Cid Gomes.