sábado, 15 de janeiro de 2011

Rosa Luxemburg: judia, polonesa, socialista, revolucionária... também feminista?

Por Por Isabel Loureiro na Revista Forum
Por que homenagear Rosa Luxemburg no Dia Internacional da Mulher, uma vez que é notório seu desprezo pela questão feminina, e não sua amiga Clara Zetkin, a feminista de carteirinha da esquerda alemã? Enquanto esta, na linha dos marxistas clássicos, pensava que o fim da desigualdade entre os gêneros só ocorreria com o advento do socialismo que emanciparia todos os oprimidos, inclusive as mulheres, Rosa Luxemburg, que não se deteve na questão feminina, foi poupada das críticas que as feministas endereçaram à esquerda tradicional. Algumas feministas alemãs chegaram mesmo a inspirar-se na sua teoria da acumulação do capital para desenvolver uma concepção original a respeito da opressão das mulheres. Desse ponto de vista, Rosa Luxemburg teria uma contribuição teórica a dar ao movimento feminista. Mas, para além desse aspecto, existe, a meu ver, uma outra dimensão que também leva Rosa a ter voz no capítulo. Sua luta incansável para se construir como mulher livre no plano pessoal e político, exposta em detalhes na vasta correspondência com os amigos e namorados, é um exemplo que ainda hoje nos sensibiliza e faz pensar.
Rosa tem 27 anos quando chega a Berlim em 1898 para trabalhar no Partido Social-Democrata Alemão, a mais importante organização de trabalhadores daquela época. O que queria a jovem judia polonesa, cuja carta de apresentação era tão-somente uma tese de doutorado defendida em Zurique sobre o desenvolvimento industrial na Polônia? A resposta é simples: nada menos do que fazer política em pé de igualdade com os maiores teóricos do partido. Essa meta ela alcança em pouco tempo. Dotada de uma inteligência fulgurante e de uma energia sem limites, Rosa torna-se rapidamente conhecida na socialdemocracia alemã ao investir contra o velho e respeitado teórico do partido, Eduard Bernstein, que, embora amigo dos fundadores do marxismo, não hesita em fazer uma revisão da teoria marxista que despencava no mais puro reformismo. A jovem estudiosa e seguidora ortodoxa da obra de Marx não teme enfrentar a hierarquia da organização, dando assim o primeiro passo no caminho a que se tinha proposto: construir-se como mulher independente, tanto no plano político, quanto pessoal.
Mas aqui as coisas eram um pouco mais difíceis. Para começo de conversa, Rosa não era bonita: um metro e 50 de altura, cabeça desproporcional, nariz grande e um problema no quadril que a fazia mancar. Numa época em que o andar elegante era um dos principais atributos femininos, ela quase sempre conseguia disfarçar essa deficiência por meio do autocontrole e da roupa feita sob medida. Rosa, que certamente sofria com isso, se protegia na medida do possível com a auto-ironia, dizendo preferir empregadas altas e fortes, com medo de que quem fosse visitá-la acreditasse ter chegado a uma casa de anões. Segundo a biógrafa Elzbieta Ettinger (Rosa Luxemburgo, Zahar, 1986), esse defeito físico foi determinante em sua vida, levando-a a forjar uma excepcional força de vontade e a tornar-se, a título de compensação, primeiro, aluna modelo, depois, oradora, polemista, jornalista e intelectual brilhante.
As razões para que a fundadora e líder da socialdemocracia polonesa e líder da ala esquerda da socialdemocracia alemã ainda exerça tamanho fascínio sobre nós não são apenas suas idéias políticas libertárias, mas também o fato de que, sendo mulher – o que faz toda a diferença –, e mulher mergulhada na vida política, ela se recusa a sacrificar a felicidade individual à carreira. Porém, neste ponto, acabou se frustrando. Na juventude insistia com Leo Jogiches (também fundador da socialdemocracia polonesa e o grande amor de sua vida durante 15 anos) para ter uma vida “normal”: casar, ter filhos etc. E, junto com isso, dedicar-se à política. Mas Leo era o revolucionário típico, “durão”, acostumado à luta política clandestina e à conspiração. Unir prazer e dever era algo que não estava nos seus planos, se acreditarmos nas eternas reclamações de Rosa, que o censurava por só pensar na “causa”. De temperamentos muito diferentes, a relação entre os dois, depois dos primeiros meses, foi uma fonte contínua de tensões e desavenças, e ela sentia-se infeliz. Segundo Charles Rapoport, que conhecia bem os dois, “Rosa era sentimental e apaixonada, romântica e sensível ao extremo. Talvez Jogiches, no fundo do coração, se parecesse com ela, mas, grande conspirador, soube tão bem esconder sua sensibilidade que mal podia encontrá-la para manifestá-la exteriormente”.
A ruptura veio em 1906. Sobre as razões exatas que levaram a isso só nos resta conjeturar. A versão mais divulgada (inclusive pelo filme de Margarethe von Trotta) é que durante a Revolução Russa de 1905, quando Leo estava em Varsóvia e Rosa, em Berlim, ele teria tido um caso com uma militante. Na versão de Ettinger, que parece a mais plausível quando acompanhamos a evolução do relacionamento pela correspondência, foi Rosa quem rompeu ao apaixonar-se por Costia Zetkin, o filho mais novo de sua amiga Clara Zetkin. Apaixonou-se porque internamente já estava afastada de Leo, o homem unilateralmente consagrado à causa. Entretanto, o contato político entre eles durou até o fim da vida. Durante os quatro anos de guerra, quando Rosa ficou presa, Jogiches teve um papel importante na organização do movimento spartakista e, posteriormente, na Revolução Alemã de novembro de 1918, sempre na sombra. Quando Rosa foi assassinada, com o apoio (pelo menos passivo) da socialdemocracia no poder, em 15 de janeiro de 1919, Jogiches, “fiel e sólido como a rocha”, assumiu como tarefa descobrir os culpados. Isso não durou muito: também ele seria brutalmente assassinado no dia 10 de março.
Rosa, diferentemente de Leo, não tinha nenhuma inclinação especial para a clandestinidade, as seitas revolucionárias, o segredo; grande oradora e jornalista, o seu era um combate público contra todas as formas de opressão, tanto social quanto individual. E é como militante política, como combatente na arena pública, que Rosa enfrenta – e vence intelectualmente – os preconceitos arraigados na socialdemocracia alemã. Nessa medida, ela rompe com o tradicional papel feminino de esposa e mãe, ou mesmo, num outro patamar, de secretária do marido. Não podemos esquecer que ela sofre de vários handicaps para a ultraconservadora Alemanha da época – é mulher, judia, polonesa e revolucionária.
Rosa era de fato uma figura singular na sociedade imperial alemã, dominada pelo autoritarismo e o patriarcalismo que contaminavam a própria socialdemocracia, razão para que fosse extremamente discreta sobre sua vida privada. Tanto que Leo Jogiches nunca apareceu publicamente como seu companheiro; muito menos Costia Zetkin, com quem manteve um relacionamento amoroso cuidadosamente escondido de seus convencionais companheiros de partido; e menos ainda a relação com Paul Levi, que só se tornou conhecida em 1983, muito tempo depois da morte de ambos, quando a família dele tornou pública a correspondência com Rosa Luxemburg. E havia motivos para tanta discrição.
Os ataques contra a mulher começaram cedo no ambiente machista da esquerda da época, que temia sua independência de espírito e sua língua mordaz: o socialista austríaco Victor Adler chamou-a de “idiota venenosa”; quando ela foi nomeada redatora-chefe de um importante jornal socialdemocrata e enfrentou quase uma rebelião dos colegas jornalistas que duvidavam de sua competência pelo fato de ser mulher; seus companheiros de partido ao se referirem a ela falavam em “materialismo histérico”; para Lênin, Rosa era uma águia que ocasionalmente voava mais baixo que uma galinha. Seus assassinos fizeram questão de vilipendiá-la como mulher: depois de espancada, levou um tiro na cabeça, foi enrolada em arame farpado e jogada nas águas do canal Landwehr. Só pôde ser enterrada meses mais tarde, numa cerimônia acompanhada por milhares de pessoas, quando o corpo, quase irreconhecível, foi identificado a duras penas por sua secretária Mathilde Jacob. Recentemente na Alemanha, quando o governo de esquerda de Berlim propôs construir um monumento em sua homenagem, entre críticas de todos os tipos, voltaram à cena os ataques contra a mulher, desta vez mais sutis: Rosa nunca recebeu uma proposta de casamento dos amantes, nem realizou o desejo de ter filhos. Quem questionaria um homem dessa maneira, apelando para sua vida privada?
Para concluir, uma rápida menção às feministas alemãs inspiradas em Rosa.1 Segundo essa leitura, em suas obras de economia política, A acumulação do capital e Introdução à economia política, Rosa não compartilha da crença no progresso, comum na socialdemocracia do seu tempo, mas, ao contrário, enfatiza o lado violento da expansão capitalista que leva à destruição das culturas primitivas, distinguindo-se assim de seus companheiros homens, Marx, bolcheviques, socialdemocratas. Es¬tes encaram como positivo o desenvolvimento capitalista com seus aliados naturais, a grande indústria e o desenvolvimento técnico, vendo tal processo como uma etapa necessária no caminho da humanidade em direção ao socialismo. Para Rosa, em contrapartida, cuja tese sobre o imperialismo tem no centro a idéia de que o capitalismo só pode desenvolver-se anexando – com violência – as formações sociais não-capitalistas, o capitalismo traz apenas destruição. Estas formações sociais não-capitalistas, que antes eram as colônias, abarcam hoje setores como a saúde, a educação, a criatividade intelectual, os recursos ambientais, a cultura, e, segundo as feministas, o trabalho das mulheres no âmbito doméstico.
Com toda certeza, Rosa ficaria feliz por ter deixado uma obra mais brilhante e duradoura que a da grande maioria de seus companheiros homens. Mas, para nós mulheres, o mais estimulante ainda hoje é o fato de ela ser uma intelectual revolucionária que vê a sociedade do ponto de vista feminino; e, além disso, a preservação dos registros pessoais em que ela, no decorrer dos anos, relata sua penosa construção como mulher independente contribui para nosso próprio autoconhecimento, dando-nos força para lutar contra os limites que continuam nos sendo impostos e que acabamos por introjetar. 

Barricadas LGBT


Extraido do sitio Barricadas

A sexualidade sempre foi parte importante da vida em sociedade. Entretanto, o modo como ela é encarada muda de acordo com a época, o sistema econômico e as condições materiais. Embora nunca tenha sido a forma predominante de sexualidade, as relações entre pessoas do mesmo sexo nem sempre foram criminalizadas, havendo inúmeros registros históricos de sociedades nas quais o intercurso sexual entre homens ou entre mulheres era parte natural da vida afetiva. Hoje, no entanto, o que se vê é a mais completa naturalização do preconceito contra gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transsexuais, trasgêneros (LGBTs) e todos aqueles que escapam da norma estabelecida pelo sistema capitalista: a família patriarcal, monogâmica e heterossexual.
Este modelo de organização social baseado na família tem como objetivo garantir a manutenção da sociedade de classes por meio da transferência de herança, uma vez que somente as relações heterossexuais geram herdeiros. Nesse contexto, a homossexualidade passa a ser encarada como um risco para o sistema baseado na propriedade. Com o surgimento do capitalismo, a homofobia se torna um mecanismo de opressão aos homossexuais, da mesma forma como o machismo e o racismo para oprimir mulheres e os negros, pois é a partir da imposição das diferenças que se dá a exploração do homem pelo homem, uma das bases de sustentação do sistema.
Completamos, no último dia 28 de junho, 41 anos da Rebelião de Stonewall, considerada um marco na luta das lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais e trasgêneros contra séculos de opressão silenciosa. Desde então, homossexuais de todo o mundo vem se mobilizando na luta por uma sociedade sem homofobia, pela liberdade sexual e pela igualdade de direitos, promovendo importantes mudanças no que diz respeito a concepção de sociedade imposta pelo capital. Aqui no Brasil, os primeiros grupos formados por homossexuais surgem no final dos anos 70, lutando contra a repressão dos órgãos de segurança do regime militar. Entetanto, o caráter fragmentado do movimento homossexual brasileiro impossibilitou maiores avanços políticos. Para se ter uma ideia, desde a promulgação da constituição de 1988 nenhuma lei em benefício da população LGBT foi aprovada pelo congresso nacional.
Atualmente, a legislação brasileira nega mais de 30 direitos civis aos LGBTs. Não por acaso, a maioria destes direitos são trabalhistas e previdenciários, o que coloca a luta contra o preconceito em pé de igualdade com as lutas da classe trabalhadora. A pessoa homossexual é fortemente discriminada no mundo do trabalho, sofrendo todo o tipo de assédio moral e sendo muitas vezes obrigada a esconder sua orientação sexual para não perder o emprego. As travestis, em sua maioria, são relegadas à prostituição, enquanto os transsexuais precisam recorrer à justiça para ter o seu nome social reconhecido.
Segundo dados da ONG Grupo Gay da Bahia (GBB), o Brasil é o país campeão em assassinatos contra homossexuais: em 2010 foram mais de 250 assassinatos, uma média de um a cada dois dias. Os números revelam ainda que 11% desses homicídios foram cometidos por policiais. As vítimas geralmente são gays, negros, pobres e o cenários das execuções na maioria das vezes é a periferia das grandes cidades. Os números, no entanto, não correspondem à realidade, pois não existem estatísticas oficiais a respeito de crimes homofóbicos. Isso sem contar com as agressões físicas, que estão longe de ocorrer somente na Avenida Paulista. Estão presentes nos quatro cantos do país, no cotidiano de milhares de lésbicas, gays, bissexuais e transsexuais.
A universidade brasileira, por sua vez, não cumpre com o papel de ser um espaço crítico de emancipação e reproduz os valores machistas, sexistas e homofóbicos de nossa sociedade. Como exemplo, temos o caso da Universidade Mackenzie, que divulgou recentemente um texto oficial assinado pelo reverendo Dr. Augustus Nicodemus Gomes Lopes, Chanceler da Universidade, declarando que a instituição de ensino era “contra a aprovação da chamada lei da homofobia, por entender que ensinar e pregar contra a prática do homossexualismo não é homofobia, por entender que uma lei dessa natureza maximiza direitos a um determinado grupo de cidadãos”.
Também é comum presenciarmos episódios de agressão ou insulto aos homossexuais em nossas universidades, não havendo grandes mobilizações estudantis em torno desta pauta. Mesmo tendo a compreensão de a superação completa de toda a forma de opressão, seja ela de gênero, sexualidade, raça ou etnia, só será possível a partir da implementação de um outro modelo de sociedade, nós, estudantes do campo Barricadas Abrem Caminhos defendemos a luta contra a homofobia dentro e fora das universidades!
Algumas bandeiras que defendemos:
Universidade
A universidade, como espaço de questionamento da sociedade, deve abordar temas relacionados a livre orientação sexual e identidade de gênero, afim de formar jovens conscientes e livres de preconceito. Também é preciso garantir o respeito, o acompanhamento e a sobrevivência do jovem travesti e transsexual nas universidades brasileiras, por meio de políticas específicas de assistência estudantil. O movimento estudantil, por sua vez, tem o dever de pautar a questão da homofobia, lutando contra a lógica conservadora e moralista imposta pelas instituições de ensino superior, que muitas vezes impede o exercício público da sexualidade em suas dependências. É preciso ainda combater o machismo que impera entre os próprios estudantes, a exemplo das atléticas, que reproduzem todo o tipo de preconceito contra as mulheres e os homossexuais.
Violência
Hoje no Brasil, não existe uma lei específica para penalizar atos homofóbicos, sejam eles verbais ou físicos. O Projeto de Lei 122/2006, que propõe pena de dois a cinco anos de reclusão para os crimes resultantes de discriminação à orientação sexual ou identidade de gênero, acaba de ser arquivado pelo senado federal, uma vez que a legislação prevê o arquivamento de todo e qualquer projeto que tramite na casa há mais de duas legislaturas. O Governo Lula, por sua vez, jamais pressionou sua base aliada para a aprovação deste projeto e pior ainda, se aliou a diversos políticos que declaradamente fazem oposição a sua aprovação. Com o Governo Dilma Rousseff, as perspectivas são ainda piores. Embora tenha assumido o compromisso de sancionar a PLC 122, caso esta seja aprovada pelo senado, Dilma chegou ao poder graças a uma série de alianças com os setores religiosos mais conservadores da sociedade, o que coloca em cheque seu suposto compromisso com o movimento LGBT.
A recente campanha presidencial de 2010 explicitou o caráter reacionário do debate político feito pelos partidos da ordem em nosso país. O resultado disso foi uma onda de ataques homofóbicos amplamente divulgados pela imprensa nacional. Sabemos que estes fatos representam apenas uma parte da violência enfrentada diariamente pelos LGBTs brasileiros, mas esta conjuntura reforça a necessidade da aprovação de instrumentos jurídicos que garantam a nossa integridade enquanto pessoa humana. Entendemos que o reconhecimento constitucional obtido a partir da criação de dispositivos legais como a PLC 122 se constituem como conquistas importantes para a população LGBT, porém, a formulação de leis como esta não garantem o fim de ações homofóbicas, sendo para isto fundamental privilegiar ações de conscientização da sociedade. E a universidade, neste sentido, se mostra um espaço privilegiado para avançar na consciência e organizar as lutas sociais.
Estado Laico
O Estado deve assegurar os direitos de todos os cidadãos, independente de cor, raça, credo, naturalidade, orientação sexual ou identidade de gênero. Por isso, defendemos a laicidade do estado, ou seja, o Estado leigo, separado da igreja e livre de opção religiosa, como previsto na constituição de 1988. Porém, o que se vê atualmente na esfera legislativa legislativa é um amplo boicote por parte das chamadas “bancadas religiosas” aos projetos de lei direcionados a população LGBT (como o casamento civil, a adoção de crianças por casais do mesmo sexo e a lei que criminaliza a homofobia). O executivo também foi de encontro ao Estado Laico quando o Presidente Luís Inácio Lula da Silva assinou em 2009 o acordo Brasil/Vaticano e a Lei Geral das Religiões, ameaçando os direitos das mulheres, dos homossexuais e principalmente dos trabalhadores.  Compreendemos que a violação do Estado Laico se configura como um grande retrocesso para a luta dos setores oprimidos da sociedade.
Por isso, nós homossexuais do campo Barricadas Abrem Caminhos propomos espaços de organização dos estudantes LGBT no Movimento Estudantil, para formulação e, mais que isso, ações concretas contra a opressão a qual somos submetidos!

Presidente tunisino abandona o país

Que a fagulha tunisina abrase todo o mundo árabe!

por Mohamed Belaali
Um povo em luta merece respeito. Mais de quatro semanas de revoltas populares, o exército atira com balas reais sobre a multidão, mortos às dezenas, cessar-fogo, desaparecimento e execução de sindicalistas, prisão de bloguistas, etc, etc. Estes acontecimentos não se desenrolam nem em Cuba, nem na Venezuela, nem na Bolívia, nem na China e nem no Irão mas na... Tunísia! Os países europeus, a França de Sarkozy à cabeça, sempre prontos a se imiscuírem nos assuntos do Irão ou da Costa do Marfim, por exemplo, desta vez contentaram-se com alguns comunicados após semanas de silêncio cúmplice: "a Tunísia confronta-se com problemas económicos e sociais. Só o diálogo permitirá aos tunisinos ultrapassá-los" dizia servilmente um comunicado do Ministério francês dos Negócios Estrangeiros.

Que contraste entre a violência da propaganda contra o Irão na Primavera de 2009 aquando das eleições presidenciais e o servilismo das declarações oficiais a propósito da revolta do povo tunisino. Bastaria na época ler os títulos dos jornais e olhar as imagens difundidas em cadeia pelas televisões americanas e europeias para perceber o ódio do imperialismo à República Islâmica do Irão. Mas a revolta do povo tunisino não merece senão o desprezo e o silêncio. Pois "A Tunísia é um país amigo, estamos extremamente vigilantes com o que se passa lá em baixo e muito preocupado (...) Ao mesmo tempo, a França não tem de se ingerir nos assuntos da Tunisia", declarava Luc Chatel na Radio Classique e i-Télé .

Sempre invocando cinicamente o direito de não ingerência nos assuntos dos outros países, os governo francês, através da sua ministra dos Negócios Estrangeiros Michèle Alliot-Marie, chega mesmo a propor aos regimes tunisino e argelino sua colaboração em matéria de seguranças e manutenção da ordem: "Propomos que o know how das nossas forças de segurança, reconhecido no mundo inteiro, resolva situações securitárias deste tipo. Esta é a razão pela qual propomos aos dois países [Argélia e Tunísia], no quadro das nossas cooperações, agir neste sentido para que o direito de manifestar possa ser feito ao mesmo tempo que a garantia da segurança" [1] . É que a França é um dos primeiros investidores estrangeiros na Tunísia. Ela ocupa mesmo o primeiro lugar quanto ao número de empresas instaladas neste país (1200 empresas). Pode-se citar dentre muitas Lacoste, Valeo, Sagem, Danone, Sanofi-Aventis, Fram, Accor, Club med, BNP-Paribas, Société générale, Groupe Caisse d'épargne etc. etc. [2]

As burguesias ocidentais que apregoam incessantemente desejarem difundir a democracia por todo o mundo, na realidade não fazem senão sustentar, directa ou indirectamente, as ditaduras e impedem deste modo todo progresso no caminho da democracia e do progresso social. Toda a história do imperialismo não é senão o apoio aos regimes mais ferozes, quando não são instalados directamente por ele. Seria difícil e fastidioso pretender estabelecer uma lista exaustiva destas ditaduras pois são demasiado numerosas. Citemos ainda assim as mais conhecidas e as mais terríveis: Augusto Pinochet no Chile, Videla na Argentine, Somoza na Nicarágua, Suharto na Indonésia, Marcos nas Filipinas, Musharraf no Paquistão, o xá Reza Pahleve no Irão, Hosni Mubarak no Egipto, Omar e Ai Bongo no Gabão, etc, etc. O apoio indefectível das burguesias ocidentais aos regimes mais sangrentos é uma constante na história do capitalismo.

Hoje, o levantamento do povo tunisino, sua coragem e sua determinação a enfrentar um dos regimes mais repressivos, mostra o caminho a seguir a todos os oprimidos não só do Magreb como de todo o mundo árabe!

As massas populares árabes sofreram demasiado desta cumplicidade objectiva das suas próprias burguesias corrompidas até a medula e da burguesia ocidental que os mantêm na dependência e na miséria. O mundo árabe hoje é uma verdadeira bomba que pode explodir a qualquer momento.

Exploradas, marginalizadas e humilhadas por longo tempo, as massas populares árabes lentamente levantam a cabeça e tentam sair desta longa noite na qual foram mergulhadas.

Trabalhadores, progressistas e democratas europeus: é nosso dever apoiar o povo tunisino na sua luta contra um regime de outra era. A sua vitória nesta região do mundo árabe será igualmente a nossa aqui na Europa.

(1) www.rue89.com/...
(2) www.ambassadefrance-tn.org/...


O original encontra-se em www.legrandsoir.info/...


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Miguel Hernández: cem anos de um poeta comunista


Com a entrada de 2011 culmina a comemoração do centenário (30 de outubro de 2010)do poeta comunista espanhol Miguel Hernández, que envolveu uma infinidade de atos de todo tipo (concertos, conferências, recitais poéticos, pelas de teatro e dança, congressos, etc.) que foram celebrados e tiveram uma dimensão universal, pois em pelo menos outros 22 países ocorreram atividades em memória do autor de El rayo que no cesa, da Argentina à Hungria, ou das Filipinas à Rússia.


Por Mario Amorós no Portal Vermelho

Um dos mais notáveis e plenos de significado ocorreu na luminosa manhã de 18 de setembro, no parque Dolores Ibárruri de San Fernando de Henares (Madri, Espanha) durante a festa anual do Partido Comunista da Espanha. Ali, diante de milhares de pessoas, o secretário geral do PCE, José Luis Centella, entregou a Lucía Izquierdo a caderneta comunista de 2010.
“É uma imensa honra receber esta caderneta e vamos cuidar dela como de um tesouro. Estamos muito orgulhosos de que Miguel Hernández pertencesse ao PCE”, disse a nora do poeta nascido em Orihuela (Alicante, Espanha) em 30 de outubro de 1910.
Com aquelas palavras Lúcia Izquierdo destacava um fato central na biografia de Miguel Hernández, mas muitas vezes marginalizado ou silenciado: seu compromisso com a defesa da II República se deu dentro das fileiras do PCE, ao qual se filiou no verão de 1936, e a partir de seu lendário Quinto Regimento das Milícias Populares, como mostra a caderneta reproduzida na exposição Miguel Hernández 1910-2010.
Da mesma forma que dezenas de milhares de jovens e trabalhadores, ele se uniu ao Partido Comunista para defender a legalidade democrática da II República e o programa da Frente Popular, votado majoritariamente pelo povo nas eleições de 16 de fevereiro de 1936, contra o golpe de estado fascista.

O Partido Comunista da Espanha também dedicou a Miguel Hernández um valioso número monográfico de sua revista teórica, Nuestra Bandera (na qual o poeta também colaborou em 1937 com vários artigos escritos desde a frente de batalha), com trabalhos, entre outros, de Marcos Ana, Armando López Salinas, Enrique Cerdán Tato, José Carlos Rovira e Marta Sanz e uma bela capa especialmente desenhada por Juan Genovés a partir dos versos de Hernández: “Alba que dás a mis noches un resplandor rojo y blanco”.

A Fundação de Pesquisas Marxistas e a editora El Páramo publicaram o livro Miguel Hernández. La voz de la herida, uma biografia que analisa em profundidade sua evolução política. Seus autores, David Becerra y Antonio J. Antón, apresentam o poeta como militante comunista e recordam que no presídio de Ocaña um grupo de falangistas (a direita fascista espanhola; entre eles Ernesto Jiménez Caballero) o visitou e lhe oferecem a liberdade em troca de sua conversão ideológica.

O destino de Miguel Hernández esteve ligado à sorte trágica da II República. Na frente de batalha escreveu e declamou poesias, cavou trincheiras, animou as soldados do Exército Popular, redigiu artigos para a imprensa republicana...

Sua poesia refletiu inicialmente a esperança e a luta (como, por exemplo, Viento del pueblo). Entretanto, pouco a pouco foi acolhendo o pressentimento da derrota (El hombre acecha). Em março de 1939, com a crise política em Madri originada pela traição do coronel Casado, Besteiro e seus partidários, que decretaram a perseguição aos comunistas e aceleraram a derrota da II República, recusou a proposta de seu amigo Pablo Neruda de asilar-se na embaixada do Chile e decidiu mudar-se para Portugal [entre 4 e 12 de março de 1939 o Coronel Segismundo Casado dirigiu um golpe de estado anticomunista contra o governo da II República e tentou uma negociação com os fascistas dirigidos por Francisco Franco; sem resultado, exilou-se na França, precipitando o fim da república e a vitória fascista – nota da redação].

Em Portugal, em maio, Hernández foi preso pela polícia de Antonio Salazar e entregue às forças franquistas. Passou por várias prisões e obteve a liberdade em setembro mas, voltando a Orihuela, foi detido outra vez e novamente percorreu a geografia penitenciária: Conde de Toreno (Madrid), Ocaña, Palencia y Alicante. Em janeiro de 1940 foi condenado à morte por incorrer no sarcasmo franquista do “delito de adesão à rebelião”, embora a pena capital tenha sido comutada depois para trinta anos de prisão.
Em Ocaña se negou a aceitar a proposta daquele grupo de falangistas. Em 27 de novembro de 1940 brindou de maneira simbólica com seus camaradas naquela prisão, levantando o punho clandestinamente, “pela felicidade deste povo, por aquilo que mais se aproxima da felicidade coletiva”, na modesta homenagem que lhe prestaram.
Doente de tuberculose, Miguel Hernández faleceu em28 de março de 1942 no Reformatório de Adultos de Alicante, sem ter completado 32 anos de idade. Clandestinos durante quatro décadas, seus versos conseguiram derrotar a censura franquista e acompanharam a luta pela liberdade, pela democracia e pela anistia aos presos políticos. Hoje, sua poesia é universal e, se as Nanas de cebolla que escreveu na prisão são os versos mais comoventes que um pai possa dedicar a seu filho, boa parte de sua produção poética, incluídas algumas de suas obras mais emblemáticas, como Viento del Pueblo, não pode ser desligada de seu firme compromisso político, de seus ideais comunistas.

Nestes tempos de ofensiva implacável contra a democracia, sua poesia, sua luta, seu sacrifício, sua memória, nos chamam a sair à rua outra vez, para proclamar que não somos “un pueblo de bueyes”, que somos “un pueblo que embargan yacimientos de leones, desfiladeros de águilas y cordilleras de toros con el orgullo en el asta”.

Porque como Miguel Hernández escreveu na dedicatória a Vicente Alexandre de uma de suas obras mais importantes: “Os poetas somos vento do povo: nascemos para passar soprados através de seus poros e conduzir seus olhos e seus sentimentos até os cimos mais formosos”.

(*) Mario Amorós é historiador e jornalista
Fonte: Rebelión. Tradução de José Carlos Ruy


Poemas de Miguel Hernández


O sol, a rosa e o menino

O sol, a rosa e o menino
flores de um dia nasceram.
Os de cada dia são
Sois, flores, meninos novos.

Amanhã não serei eu:
outro será o verdadeiro.
E não serei mais além
de quem queira sua lembrança.

Flor de um dia é a maior
ao pé do mais pequeno.
Flor da luz relâmpago,
e flor do instante o tempo.

Entre as flores te fostes.

Entre as flores fico.


A minha Josefina

Tuas cartas são um vinho
que me transtorna e são
o único alimento
para meu coração.

Desde que estou ausente
não sei senão sonhar,
igual que o mar teu corpo,
amargo igual que o mar.

Tuas cartas apaziguo
metido em um canto
e por redil e pasto
Dou-lhe meu coração.

Ainda que baixo a terra
meu amante corpo esteja,
escreve-me, pomba
que eu te escreverei.

(Tradução de Maria Teresa Almeida Pina)

Ventos do Povo(1937)

Ventos do povo me levam,
ventos do povo me arrastam,
esparzem-me o coração
e a garganta me arejam.

Os bois dobram a frente,
impotentemente mansa,
perante os castigos:
os leões erguem-na
e ao mesmo tempo castigam
com sua esplêndida pata.

Não sou de um povo de bois
mas de um povo impedido
por jazidas de leões,
desfiladeiros de águias
e cordilheiras de touros
com o orgulho nas hastes.

Nunca medraram os bois
nestes páramos de Espanha.

Quem falou em pôr um jugo
no pescoço desta raça?
Quem já pôs ao furacão
algum dia jugo ou laço,
ou quem o raio deteve
prisioneiro numa jaula?

Asturianos de bravura,
bascos de pedra blindada,
valencianos de alegria
e castelhanos de alma,
lavrados como a terra
e airosos como asas;
andaluzes de relâmpagos,
nascidos entre guitarras
e forjados na bigorna
torrencial das lágrimas;
estremenhos de centeio,
galegos de chuva e calma,
catalães de firmeza,
aragoneses de casta,
murcianos dinamite
espalhada como fruta,
leoneses, navarros, donos
da fome, do suor e da acha,
reis do minério,
senhores da lavoura,
homens que entre raízes,
como raízes galhardas,
ides da vida à morte,
ides do nada ao nada:
um jugo vos quer pôr
gente da erva ruim,
jugo que haveis de deixar
desfeito nas suas costas.

Crepúsculo dos bois
vem despertando a aurora.

Os bois morrem vestidos
de humildade e cheiro da corte:
as águias, os leões
e os touros de arrogância,
o céu por trás deles
nem se turva nem se acaba.
A agonia dos bois
apresenta cara pequena,
a do animal macho
engrandece a criação.

Se hei-de morrer, que morra
de cabeça bem erguida.
Morto mil vezes morto,
a boca colada ao chão,
hei-de ter os dentes cerrados
e a barba bem cortada.

Cantando espero a morte
pois há rouxinóis que cantam
acima das espingardas
e no fragor da batalha.

(Tradução de Albino M.)

R$ 24 milhões para proteger as encostas do Rio foram parar nas mãos da Fundação Roberto Marinho

do Blog do Garotinho, sugestão dos leitores Marco Aurélio e Luci via Viomundo