domingo, 17 de abril de 2011

Escassez de mão de obra?


 
 
Marcio Pochmann
 
 
A temática da qualificação da mão de obra não é desprezível no atual momento pois corre o sério risco de se tornar um verdadeiro entrave ao curso do desenvolvimento nacional, quando não um constrangimento adicional ao avanço adequado dos grandes eventos esportivos para 2014 (Copa do Mundo de Futebol) e 2016 (Jogos Olímpicos). Na crise internacional transcorrida no fim de 2008, o ciclo de expansão produtiva com forte emprego assalariado formal iniciado três anos antes foi arrefecido, o que permitiu postergar resoluções necessárias em torno da temática da qualificação da força de trabalho no país.
Desde o segundo trimestre de 2009, contudo, a produção nacional voltou a se recuperar, fruto das positivas políticas anticíclicas adotadas pelo governo federal. Tanto assim que, no ano de 2010, a economia registrou forte expansão do Produto Interno Bruto (PIB), com impactos significativos na geração de mais de 2 milhões de empregos formais. Por força disso, algumas regiões e setores de atividade econômica apresentaram, inclusive, alguns sinais de escassez relativa da mão de obra qualificada. Em geral, é possível assumir que o emprego de profissionais das engenharias pode ajudar a observar - ainda que sinteticamente - o impacto da expansão econômica sobre a determinação do nível de ocupação do trabalho qualificado.
No contexto de expansão das atividades econômicas que demandam crescentemente força do trabalho mais qualificada, devem ser considerados primordialmente os elementos determinantes da oferta laboral, sobretudo aquela derivada das engenharias, frente às suas interligações com outras categorias profissionais. Assim, não há com deixar de relacionar o processo de formação superior nas engenharias, uma vez que o ensino superior no Brasil é constituído por duas centenas de universidades, 127 centros universitários e quase 2 mil faculdades e institutos de educação tecnológica, responsáveis pela absorção de quase 6 milhões de alunos.
Nos dias de hoje, são cerca de 830 mil pessoas que se graduam anualmente, equivalendo a menos de 26% do total de vagas ofertadas a cada ano pelo ensino superior. Das 3,2 milhões de vagas disponíveis pelo conjunto dos cursos de graduação, 322 mil são de responsabilidade da área das engenharias (engenharia, produção e construção), ou seja, 10,2% do total de vagas abertas no país por ano. Para esse contingente de vagas, registram-se mais 770 mil candidatos (12,5% do total de candidatos aos cursos de ensino superior), o que resulta em 2,4 candidatos por vaga em todo o Brasil (para mais detalhes, ver a publicação Radar nº 12, do Ipea, de fevereiro de 2011).
No ano de 2009, houve a graduação de 47,1 mil engenheiros, que equivaleram a apenas um pouco menos de 15% do total de alunos que ingressam nos cursos de engenharia. Isso significa que as engenharias registraram elevados índices de evasão, impondo baixa quantidade de concluintes nos cursos de graduação e certo desperdício de recursos humanos e financeiros para vagas não ocupadas ou ocupadas por período demasiadamente longo. Além disso, assinala-se também o problema associado à qualidade formativa dos engenheiros, uma vez que 42,3% dos concluintes das engenharias que se formaram em 2008 são oriundos de instituições de nível superior que detêm baixo desempenho na proficiência acadêmica, segundo informações do Ministério da Educação (MEC). Ainda para o MEC, somente um em cada grupo de quatro graduados provém de instituições com nível superior de alto desempenho educacional.
Adicionalmente, ressalta-se que a oferta total de engenheiros formados no Brasil não se encontra ainda plenamente absorvida pelas atividades tradicionais das engenharias. Em plena década de 2000, por exemplo, constatou-se que, do total da mão de obra qualificada nas engenharias, estimada em 550 mil profissionais, havia menos de 1/3 exercendo atividades finalísticas da profissão. Esse desvio na alocação dos profissionais das engenharias em relação ao emprego final resulta de duas décadas anteriores de baixa demanda de engenheiros devido ao contido dinamismo econômico e quase ausência de investimentos em infraestrutura nacional.
Da situação atual de disponibilidade nacional de engenheiros, deve-se considerar o ingresso do contingente de graduandos a cada ano e o desvio de profissionais para outras áreas de ocupação, o que pode permitir antever alguns dos possíveis constrangimentos à demanda de pessoal qualificado a serem atenuados. Em 2009, por exemplo, 323 mil engenheiros foram contratados em todo o país, o que significou duas vezes mais a abertura de vagas que o verificado no ano 2000. Se a economia brasileira vier a crescer 6% em média nos próximos quatro anos, por exemplo, a demanda por engenheiros em 2014 pode chegar a quase 650 mil novos profissionais.
É em função disso que a formação de mão de obra qualificada no Brasil requer atenção, seja no processo formativo, seja no ambiente de contratação por parte das empresas. A ampliação das vagas no ensino superior pressupõe enfrentar simultaneamente tanto a qualidade dos cursos ofertados como a enorme evasão dos estudantes. Ao mesmo tempo, cabe mencionar a necessidade da oferta de cursos de readaptação ao ambiente de trabalho nas engenharias para aqueles profissionais que se encontram desviados e podem retornar às atividades finalísticas tradicionais. Considera-se que, do ponto de vista da demanda de mão de obra qualificada, há espaço para avançar nas relações de trabalho, especialmente naqueles setores mais dinâmicos em termos de contratação de trabalhadores.
O processo de formação no próprio local de trabalho pode ser uma oportunidade desenvolvida com apoio das instituições de representação dos trabalhadores e do governo federal, o que inibiria o veto à contratação de profissionais sem prévia experiência profissional. Também a restrição à elevadíssima rotatividade contratual permitiria que os investimentos na qualificação da força de trabalho pelas empresas se convertessem em maior segurança na própria ocupação por maior tempo. Isso implica planejamento democrático e participativo, sobretudo dos diretamente interessados em impedir que a escassez de mão de obra seja mais um obstáculo ao curso do desenvolvimento nacional.
 
Marcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

As raízes ideológicas do Brasil Potência: 1) a política da ''nação proletária''




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Passa Palavra - [João Bernardo] O fascismo nasceu invocando argumentos de emancipação nacional que uma grande parte da esquerda aceitava e, o que é mais grave, continua hoje a aceitar.

O Brasil vive uma profunda mudança de sua inserção na economia e na política globais. Nunca antes na história deste país se produziu, exportou e investiu tanto, em especial fora das fronteiras – desenvolvendo as empresas transnacionais de origem brasileira. Nunca antes a política externa brasileira foi tão independente – com base na exploração dos recursos econômicos da América Latina e na disputa de mercados e de espaços de investimento em África. Nunca antes o Brasil foi tão engajado – ao ponto de grandes capitalistas apoiarem políticas compensatórias “de esquerda”. Na verdade – e é o que queremos investigar com esta série de artigos – nunca antes o Brasil foi tão imperialista.
Muito interessado pelos problemas do desenvolvimento, o economista sueco Gunnar Myrdal lançou o apelo «Nações proletárias do mundo, uni-vos!» [1] e o intelectual brasileiro Mário Pedrosa escreveu «Países subdesenvolvidos do mundo, uni-vos! Não tendes a perder senão vossas cadeias!» [2]. Embora considerasse que o combate ao subdesenvolvimento exigia a luta das massas pauperizadas contra os ricos dos países pobres, o que implicava que as nações subdesenvolvidas eram atravessadas por antagonismos sociais, Mário Pedrosa afirmou igualmente que «os povos subdesenvolvidos começam a dar mostras, por grande parte de seus governos, de quererem se apresentar “organizados” no terreno internacional como um proletariado total constituído da soma de nações pobres», e apelou para que «os proletariados específicos dos grandes países industrializados» se pusessem «à altura das tarefas históricas» e fizessem «aliança com as nações proletárias» [3].
E ninguém se espantou pelo facto de o socialista Gunnar Myrdal, personalidade eminente da esquerda europeia, que fora ministro no governo socialista do seu país nos anos imediatamente seguintes à segunda guerra mundial e passara depois a desempenhar funções de responsabilidade na ONU, pedir emprestada ao Manifesto de Marx e Engels a fórmula da luta de classes para preenchê-la com os países marginalizados no desenvolvimento económico. Do mesmo modo, foi possível que o marxista Mário Pedrosa, uma das mentes mais lúcidas da extrema-esquerda da sua época, possuidor de uma cultura muito vasta e que se notabilizou noutros campos além da política, tivesse levado ainda mais longe a analogia, num livro que por outros motivos eu classifiquei repetidamente como uma das grandes obras de teoria marxista da segunda metade do século passado. Mas por que me limitar a estes dois? Outros autores de esquerda usaram e usam, se não as mesmas palavras, pelo menos o mesmo conceito, sem que isto faça abrir a boca de espanto ou sequer piscar os olhos, e é possível que uma boa parte dos leitores deste artigo pense que se trata de uma noção surgida na esquerda para dar conta do fenómeno do imperialismo.

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Enrico Corradini
Mas o conceito de nação proletária presidiu à própria génese do fascismo e ao seu desenvolvimento tanto político como económico. Foi entre 1908 e 1910 que o político e pensador nacionalista italiano Enrico Corradini começou a apresentar o seu país como uma «nação proletária» [4]. «Há nações que estão numa situação de inferioridade relativamente a outras, tal como há classes que estão numa situação de inferioridade relativamente a outras classes», escreveu Corradini em Outubro de 1910. «A Itália é uma nação proletária; basta a emigração para o demonstrar. A Itália é a proletária do mundo» [5]. Com efeito, entre 1871 e 1901 quase três milhões e meio de pessoas haviam abandonado a Itália rumo ao estrangeiro, e nos quinze anos seguintes o número de emigrantes aumentou para cerca de nove milhões. Nas vésperas da primeira guerra mundial a debandada movia já quase um milhão de pessoas por ano, e Corradini pretendia orientar essas multidões de deserdados para a colonização africana.
Classificar um país como «proletário» requer consideráveis distorções vocabulares. A palavra proletariadodefine uma classe social, pressupondo a cisão entre exploradores e explorados no interior de cada colectividade nacional. Ora, designar como «proletária» uma «nação» equivale a pensá-la enquanto colectividade predominantemente homogénea, negando a sua clivagem em classes antagónicas. A passagem da oposição de classes para a solidariedade entre classes foi o primeiro resultado daquela operação terminológica, mas a junção dos dois vocábulos teve outra faceta. «As nações surgiram porque houve um antagonismo», escreveu Corradini em 1908, «e, de certo modo, elas mais não são do que a consolidação de um estado de guerra permanente de uns contra os outros» [6]. Nestes termos, seria utópico imaginar que, tal como a agregação dos indivíduos levara à formação de nações, também a junção das nações poderia conduzir a um supranacionalismo. Se a vida, como os darwinianos explicavam, era uma luta pela existência, então a existência das nações só podia ser uma luta entre elas. Havia que devorar, para não ser devorado. O imperialismo seria a redenção da nação proletária.
O paradoxo terminológico da «nação proletária» e a reorientação política que nele estava pressuposta cobriram uma operação política arriscada, o apelo aos sindicalistas revolucionários para que dinamizassem o vetusto nacionalismo. «Por favor, não percam de vista os sindicalistas», preveniu Corradini em Abril de 1909. «Eles têm de certo modo um ponto de partida idêntico ao nosso. Trata-se da primeira doutrina sincera e forte produzida pelo inimigo» [7].

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Georges Sorel
Convém aqui prevenir que os sindicalistas revolucionários mencionados por Corradini se distinguiam consideravelmente dos sindicalistas revolucionários franceses, preponderantes na Confédération Générale du Travail (Confederação Geral do Trabalho) depois do congresso de Amiens, em 1906. Discípulos do francês Georges Sorel, cujas ideias tiveram muitíssimo mais êxito a sul dos Alpes do que no seu próprio país, os sindicalistas revolucionários italianos formavam no final de 1902 uma facção no interior do Partido Socialista, e a conjuntura parecia ser-lhes favorável, porque em 1903 a tendência radical obteve o controlo do jornal diário do partido e conseguiu a maioria no congresso de 1904. Mas noutro congresso efectuado quatro anos depois os reformistas triunfaram e passaram a orientar o diário nacional. Verificando a impossibilidade de conquistar os postos de comando, os sindicalistas revolucionários abandonaram o Partido Socialista, e como ao mesmo tempo foram afastados dos lugares de direcção nacional na central sindical socialista, a Confederazione Generale del Lavoro (CGL, Confederação Geral do Trabalho), dedicaram-se à actividade regional e desempenharam um papel de relevo na preparação e na condução de inúmeras lutas. Para evitar a acção da burocracia reformista, os sindicalistas revolucionários organizavam os grevistas através das Câmaras do Trabalho, que no seu entender deveriam constituir a célula fundamental da sociedade futura, e foi assim que nas grandes greves rurais de 1907 e 1908 eles adquiriram uma base efectiva, não se limitando a ser uma corrente de opinião e transformando-se numa força social no seio da classe trabalhadora italiana.
Foi a estes sindicalistas e neste preciso momento que o nacionalista Corradini teve a audácia de propor uma conjugação de forças. Na sua opinião, e consoante o modelo sociológico exposto por Vilfredo Pareto, os sindicalistas constituíam uma nova elite em formação, capaz de derrubar a antiga elite decadente e de revitalizar a nação. O dirigente nacionalista apercebera-se da fraqueza dos grupos sociais conservadores, com os quais seria impossível inaugurar um nacionalismo agressivo, e o seu génio consistiu em, a partir da direita, ter entendido a necessidade de renová-la politicamente, usando para isto o proletariado. Residiu aqui a substância mesma do fascismo.
No congresso de Florença, em Dezembro de 1910, constituiu-se sob a égide de Corradini a Associação Nacionalista Italiana. Ao mesmo tempo, com a publicação de La Lupa, a partir do final de 1910, os sindicalistas revolucionários encetaram o diálogo que os aproximou dos nacionalistas de Corradini, e no ano seguinte surgiu a oportunidade de estreitar esta convergência. Em Setembro de 1911 o governo de Roma enviou ao sultão otomano um ultimato reclamando o reconhecimento dos direitos italianos sobre a Tripolitânia e a Cirenaica. Como se previa, o governo turco rejeitou as exigências e a Itália iniciou as campanhas militares na Líbia. Muitos sindicalistas revolucionários, incluindo algumas das personalidades mais significativas do movimento, como Arturo Labriola e Angelo Oliviero Olivetti, apoiaram activamente a agressão, vendo na expansão para o Norte de África uma forma de absorver a emigração, tal como proclamavam Corradini e os seus nacionalistas. Nesta ocasião, porém, a ala belicista do movimento teve de enfrentar a oposição de correligionários mais numerosos e não menos relevantes, em especial aqueles que, através das Câmaras do Trabalho, mantinham contacto directo com o proletariado. Afirmando que a conquista da Líbia não reflectia os interesses da nação, mas apenas a ganância de um grupo de capitalistas, os sindicalistas revolucionários hostis às aventuras coloniais participaram ao lado do Partido Socialista na greve geral de Setembro de 1911, convocada em protesto contra a expedição africana. Todavia, não se deve exagerar a importância do desacordo, porque em Novembro de 1912 as duas tendências realizaram um congresso unificado, onde decidiram abandonar a CGL, e com a colaboração de outras correntes próximas, incluindo anarquistas, criaram uma central sindical, a Unione Sindacale Italiana (USI, União Sindical Italiana). A audiência de que beneficiavam continuava a ser considerável, pois a nova organização podia apresentar mais de cem mil membros, perante os trezentos mil dos sindicatos socialistas[8]. Mas as fricções no interior deste movimento não deviam ser pequenas, já que a USI mantinha uma posição claramente antimilitarista, e as contradições tornaram-se insanáveis em 1914, quando os partidários da intervenção na guerra mundial acenaram com a possibilidade de satisfazer os sonhos do irredentismo a expensas do Império Austro-Húngaro. Enquanto a maioria da USI, sob orientação anarquista, defendeu que o país permanecesse neutral no conflito, os dirigentes sindicalistas revolucionários adoptaram unanimemente a posição contrária, figurando todos eles na primeira fila dos entusiastas da entrada da Itália na guerra. A cisão era inevitável.
Unione Sindacale Italiana
Unione Sindacale Italiana
Os sindicalistas revolucionários abandonaram a USI para fundar em Outubro de 1914 o Fascio Rivoluzionario d’Azione Internazionalista (FascioRevolucionário de Acção Internacionalista), o primeiro de uma série de fasci que em poucos anos levariam a Itália a um destino bem conhecido. A grande matança foi apresentada como uma guerra revolucionária. «Nós, revolucionários que permanecemos fiéis aos ensinamentos dos nossos mestres», lê-se no manifesto inaugural do Fascio, «acreditamos que não é possível ultrapassar os limites das revoluções nacionais sem passar primeiro pela fase da própria revolução nacional. […] Se cada povo não viver no interior do quadro das suas fronteiras nacionais, formadas pela língua e pela raça, se a questão nacional não estiver resolvida, não poderá existir o clima histórico necessário ao desenvolvimento normal de um movimento de classe» [9]. Com igual inspiração Mussolini proclamou dois meses mais tarde: «Os revolucionários afirmam que a Internacional só poderá existir quando os povos tiverem atingido as suas fronteiras. É por isso que somos partidários de uma guerra de carácter nacional» [10]. E assim, com tal argumentação, um dos mais notáveis chefes da extrema-esquerda do Partido Socialista Italiano converteu-se em fundador do fascismo. Neste contexto devemos meditar nas implicações das palavras de Engels, quando escreveu, numa carta endereçada a Kautsky em 7 de Fevereiro de 1882, que o movimento socialista só se desenvolve depois de a nação se ter unificado e adquirido a independência [11]. A filiação directa de um aspecto crucial da génese do fascismo numa tese sustentada pelo ilustre co-fundador do comunismo moderno confirma que a conversão da luta de classes em luta de nações abriu a brecha teórica e prática onde o fascismo se instalou. Numa série de artigos publicada neste site sob o título Marxismo e Nacionalismo analisei esta questão, causando grande escândalo entre alguns provincianos, veneradores de santos e de lugares-comuns. Espero que agora a indignação não seja menor. O fascismo nasceu invocando argumentos de emancipação nacional que uma grande parte da esquerda aceitava e — o que é mais grave — continua hoje a aceitar.
Mussolini numa ficha policial de 1903
Mussolini numa ficha policial de 1903
E assim a audaciosa operação política proposta por Enrico Corradini teve êxito. O nacionalismo foi renovado e revigorado graças à energia proletária dos sindicalistas revolucionários, que, juntamente com os futuristas — uma corrente estética e política que, por sua vez, operara uma convergência entre o nacionalismo e um certo anarquismo — e com os arditi — os ousados, tropas de elite, uma espécie de comandos — constituíram os três elementos formadores do movimento de Mussolini. Mas se Mussolini levou para o fascismo as massas de militantes, foi Corradini a provê-lo da formulação teórica básica e da principal orientação estratégica, até que por fim os nacionalistas se integraram no Partido Nacional Fascista (PNF), em Março de 1923. A partir do momento em que não bastavam já a ferocidade e os maus modos dos squadristi e era propriamente necessário governar, acabaram por ser os antigos nacionalistas, apesar de minoritários, quem, com a sua competência e o seu rigor doutrinário, dominou por dentro a direcção do PNF. «Mussolini não foi o inventor do aspecto imperialista do fascismo; herdou-o de Corradini», notou Jacques Ploncard d’Assac, um fascista francês que durante muitos anos foi português de adopção. «Mussolini não inovou nada; realizou» [12]. Nesta perspectiva, pode dizer-se que Mussolini teve a capacidade táctica de concluir na prática a estratégia política paradoxal concebida e inaugurada por Corradini em torno do conceito de «nação proletária».
Nacionalismo e expansionismo formam um continuum. Nos finais de 1935, a meio da guerra de conquista da Abissínia, Mussolini teve a desfaçatez de proclamar «à Itália proletária e fascista»: «A guerra que começámos em terras de África é uma guerra de civilização e de libertação. […] É a guerra dos pobres, dos deserdados, dos proletários» [13]. Como se não fosse a Abissínia ainda mais «proletária» do que a Itália! E no seu discurso de 10 de Junho de 1940, quando anunciou a entrada da Itália na nova guerra mundial, o Duce retomou os termos da «nação proletária». «Esta luta gigantesca não é mais do que uma fase do desenvolvimento lógico da nossa revolução: é a luta dos povos pobres e com mão-de-obra abundante contra os açambarcadores que detêm ferozmente o monopólio de todas as riquezas e de todo o ouro da terra; é a luta dos povos fecundos e jovens contra os povos estéreis e votados ao desaparecimento; é a luta entre dois séculos e duas ideias» [14]. Do princípio ao fim, a dialéctica paradoxal da «nação proletária» forneceu o fio condutor do fascismo.
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Kita Ikki
O mesmo sucedeu do outro lado do mundo. A extrema-direita japonesa nunca hesitou em conjugar o expansionismo com os apelos libertadores. Estreitamente ligadas às forças armadas, as associações patrióticas sabiam que o seu país só se poderia afirmar como potência mundial contra os interesses das principais nações europeias e dos Estados Unidos, e apresentavam esta rivalidade como um renascimento da Ásia e uma defesa dos valores orientais contra a cultura ocidental. Já num livro publicado em 1906 Kita Ikki, o fundador do fascismo japonês, estabelecera uma analogia entre o confronto de classes no interior das fronteiras nacionais e a disputa entre Estados na arena mundial, e anunciara a necessidade de promover o imperialismo nipónico através de uma estratégia que estimulasse os movimentos opostos ao colonialismo ocidental na Ásia. Mas foi numa obra editada em 1923 que ele expôs de maneira detalhada o programa que a partir de então serviu de referência inevitável à extrema-direita radical. Além de defender uma série de reformas económicas e sociais, Kita propôs um plano de armamento intensivo, que desse ao exército a possibilidade de encetar uma política externa agressiva. Este país movido pela ambição imperialista era apresentado por Kita como o campeão dos restantes povos asiáticos contra o colonialismo ocidental. «Tal como no interior de uma nação se trava a luta de classes pelo reajuste das desigualdades, também a guerra entre nações por uma causa nobre há-de resolver as actuais desigualdades injustas», escreveu Kita naquele livro. «Os socialistas ocidentais entram em contradição ao admitirem que o proletariado tem o direito de recorrer à luta de classes dentro do país e ao condenarem simultaneamente como militarismo e agressão a guerra travada pelas nações proletárias» [15]. O paradoxo da «nação proletária» desvendava-se uma vez mais na sua verdadeira função, justificando os novos expansionismos, e era anunciado além-fronteiras sob a forma não menos paradoxal de um imperialismo anti-imperialista.
Talvez isto não soe estranho a alguns leitores. Era o mesmo tema daquelas forças políticas de esquerda que há bem pouco tempo bramavam contra a ALCA, onde dominaria o imperialismo norte-americano, e teciam loas ao Mercosul, onde domina o nascente imperialismo brasileiro. Pois não serviria o poderio económico do Brasil para emancipar os países latino-americanos da prepotência yankee? É possível definir com rigor o caminho que levou os paradoxos da «nação proletária» a criarem raízes fundas na esquerda e na extrema-esquerda brasileiras, como mostrarei no artigo seguinte.
Notas
[1] Citado em Mário PEDROSA, A Opção Imperialista, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, pág. 308.
[2]Id., op.cit., pág. 309.
[3]Id., op. cit., págs. 528-529 n. 1 (sub. orig.).
[4] Segundo Adrian LYTTELTON, La Conquista del Potere. Il Fascismo dal 1919 al 1929, Roma e Bari: Laterza, 1982, págs 27-28 e 31, foi na obra do poeta Giovanni Pascoli que Corradini encontrou a imagem da Itália como «nação proletária». Mas o que me interessa aqui é o conceito político, não a expressão literária.
[5] Citado em Zeev STERNHELL, Mario SZNAJDER e Maia ASHERI, The Birth of Fascist Ideology. From Cultural Rebellion to Political Revolution, Princeton, Nova Jersey: Princeton University Press, 1994, pág. 164.
[6] Citado em Jacques PLONCARD D’ASSAC, Doctrinas del Nacionalismo, Barcelona: Acervo, 1971, pág. 98.
[7] Citado em Pierre MILZA, Mussolini, [Paris]: Fayard, 1999, pág. 107. Note-se que segundo Gioacchino VOLPE, História do Movimento Fascista, Roma: Novissima (ano XIX), 1941, pág. 13 estas apreciações de Corradini datariam de 1910.
[8] Estes são os números fornecidos por Z. STERNHELL et al., op. cit., pág. 139. Porém, P. MILZA, op. cit., pág. 92 atribuiu apenas cem mil membros à USI e pretendeu que a CGL mobilizava meio milhão de trabalhadores.
[9] Citado em Z. STERNHELL et al., op. cit., pág. 205.
[10] O manifesto de Mussolini de Dezembro de 1914, Contro la Neutralità, encontra-se citado em G. S. SPINETTI (org.), Mussolini. Spirito della Rivoluzione Fascista, Milão: Ulrico Hoepli, 1938, pág. 49.
[11] Paul W. BLACKSTOCK e Bert F. HOSELITZ (orgs.), The Russian Menace to Europe, by Karl Marx and Friedrich Engels, Glencoe: Free Press, 1952, págs. 116-117.
[12] J. PLONCARD D’ASSAC, op. cit., págs. 92, 93 (sub. orig.).
[13] Discurso de 18 de Dezembro de 1935 antologiado em G. S. SPINETTI (org.), op. cit., pág. 203. Uma versão um pouco diferente encontra-se em BENOIST-MÉCHIN, Histoire de l’Armée Allemande, vols. I a VI, Paris: Albin Michel, 1964-1966, vol. IV, pág. 166. Ver também G. VOLPE, op. cit., pág. 211.
[14] Antologiado em Charles F. DELZELL (org.), Mediterranean Fascism, 1919-1945, Nova Iorque: Walker, 1971, pág. 214 e citado em P. MILZA, op. cit., pág. 777 e Enzo SANTARELLI, Storia del Fascismo, 2 vols., Roma: Editori Riuniti, 1981, vol. II, pág. 402.
[15] Citado em Richard STORRY, The Double Patriots. A Study of Japanese Nationalism, Londres: Chatto and Windus, 1957, pág. 38.

94 brasileiros serão mortos hoje


Revólveres, pistolas e fuzis: as verdadeiras armas de destruição em massa 
 
João Paulo Charleaux

Hoje, 94 brasileiros morrerão depois de receber um disparo de arma de fogo. É como se a tragédia ocorrida há uma semana na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, no Rio de Janeiro, se repetisse oito vezes por dia. Todos os dias.

Por não compor um enredo comovente, esta hecatombe a granel passa para os registros sorrateiramente – não há cartas de psicopatas suicidas, nem há vídeos no Youtube mostrando parentes gritando na rua e estudantes fugindo. Não é notícia. E, por isso, os 60 milhões de brasileiros que foram contra a proibição do comércio de armas no Brasil, no referendo de 2005, não se sentem responsáveis por nada disso.

Agora, uma nova iniciativa parlamentar pretende convocar mais um referendo sobre o tema, provavelmente, para o dia 2 de outubro. A proposta, apresentada pelo senador José Sarney depois da tragédia de Realengo, já está na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado e deve ir a plenário na sequência. Com sorte, os brasileiros terão uma segunda chance de decidir sobre um assunto vital e negligenciado.

Em todo o mundo, a produção, o comércio e o tráfico de pequenas armas de fogo e munição constituem um dos aspectos mais obscuros, menos regulados e mais cinicamente ignorados pela opinião pública.

O Brasil é um grande produtor de armas. Três empresas privadas continuam produzindo a cluster bomb, um tipo de munição altamente letal e imprecisa, proibida pela Convenção sobre Munições em Cacho, da qual o Estado brasileiro não é signatário.

O país é também um grande produtor de revólveres e pistolas. Por dia, são produzidas aqui 2.800 armas de cano curto, das quais 320 ficam no País e o restante é exportado. De cada dez armas apreendidas pela polícia no Brasil, oito são de fabricação nacional. E 70% das mortes por armas de fogo registradas aqui em 2010 foram provocadas pelo uso de armas que entraram legalmente no mercado, ou seja, entraram nas ruas pelas mãos de “pessoas de bem”.

Os assassinos, aliás, também são, na maioria dos casos, “pessoas de bem”. Pesquisadores norte-americanos e australianos realizaram uma pesquisa sobre o perfil dos crimes com armas de fogo em seus países e chegaram à conclusão de que em apenas 15% dos casos as vítimas não conheciam os assassinos. Na maioria das cidades brasileiras, os homicídios também ocorrem entre pessoas que se conheciam, em finais de semana, em brigas de bar ou de família e por motivos fúteis.

Um dos entraves para frear esse massacre é o lobby das empresas produtoras de armas. No referendo brasileiro de 2005, a Taurus doou 2,8 milhões de reais para a campanha do “não” e a CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos) doou outros 2,7 milhões de reais. A soma corresponde quase à totalidade do custo da vitoriosa campanha do “não”.

No plano internacional, não é diferente. Grandes empresas e governos poderosos lucram com o comércio de armas – principalmente de fuzis baratos e outras armas menores. O documento que deveria regular o setor, o ATT (Arms Trade Treaty) usa termos como “deveria, quando apropriado e levar em consideração” para referir-se às obrigações dos Estados de não vender armas para beligerantes de contextos onde sabidamente cometem-se crimes de guerra. As exigência de respeitar a lei são cênicas, frouxas e escassas. O comércio e o tráfico proliferam nas brechas.

Frequentemente, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprova resoluções impondo embargo de armas a ditadores e autorizando o uso da força para proteger a população civil, mas não pode fazer nada por essas vítimas cotidianas de baixo perfil. Os EUA movem sua máquina militar contra o Iraque, alegando combater a ameaça de “armas de destruição em massa”, mas nenhum arsenal tem provocado mais mortes do que estas pequenas armas espalhadas pelo mundo. Neste caso, nem o Exército mais poderoso de todos tem o poder que um voto pode ter num novo referendo.

João Paulo Charleaux é correspondente do Opera Mundi no Chile.

É a esquerda mundial governista que não quer ajudar ou é Cuba que não tem condições de receber ajuda?


Por Sturt Silva* 

Alguns meses atrás o sociólogo argentino Atílio Boron postou em seu blog (1) um pequeno artigo sobre as “reformas” que estão ocorrendo em Cuba, que tem seu auge na realização do VI congresso do Partido Comunista Cubano (2) durante o período de 16 á 19 de abril. Inclusive o artigo foi traduzido e publicado no Blog Solidários (3) (blog da ACJM-SC, que colaboro) e em diversos blogs e sites da esquerda latino-americana.

Com um título nada atraente, para um leitor de esquerda de primeira viagem, “um plano Marshall para Cuba”, Atílio lançou um manifesto em defesa de Cuba tendo a América latina e os governos “amigos” da ilha como protagonistas.

Segundo Atílio diversos países da América Latina e do Caribe tem dívidas com Cuba, mas também são credores. E devido a toda ajuda e solidariedade que o governo e a sociedade cubana deram durantes anos, e atualmente ainda dá - principalmente na área social, estes países deveriam retribuir e ajudar Cuba neste momento tão difícil para a pátria de José Marti.

Ao contrário dos EUA e dos países colonialistas e imperialistas que além de saquearam, enviaram forças repressivas para massacrar (em suas maiorias terroristas e militares) o povo, Cuba com sua política internacionalista solidária envio médicos, cientistas e educadores. Então deve ser feita além de dedicatórias de solidariedade em relação às mudanças em Cuba, ajudas econômicas efetivas.

Ele também coloca que há uma obrigação moral desses países, hoje em sua maioria governados por partidos de esquerda e movimentos sociais, de ajudar na recuperação econômica da ilha.

Por que se não fosse à heróica e pertinente luta dos cubanos, primeiro contra o colonialismo e imperialismo e depois para manter de pé seu processo revolucionário, nossa América, como outros países do “terceiro mundo”, não teriam resistido e, talvez, não estivesse nesta situação “avançada” que se encontra atualmente. Só para citar dois exemplos de influência da revolução cubana nestes países: o PT, que hoje governa o Brasil, até pouco tempo se orientava estrategicamente através do processo político cubano. E mais recentemente a Revolução Bolivariana, em curso na Venezuela, teve inspiração na luta do povo cubano para conseguir o inicio de sua emancipação.

Então, é devido a esses e outros elementos que a América Latina e os “amigos” da ilha deverão perdoar as dívidas (para aqueles que são credores) e organizar junto um fundo especial de solidariedade á Cuba. Esse fundo ele chamou de Marshall - fazendo analogia ao que os EUA fizeram para os países da Europa - que recuperou parte daquelas economias, daquele continente, após a segunda guerra mundial.

E pelas informações que Atílio levantou há dinheiro, só falta vontade política desses governantes para por em pratica esse ato de estrita justiça.

Como o leitor atento pode observar neste breve resumo do texto do sociólogo argentino, o “Plano Marshall” parece necessário, porém utópico, se considerarmos o caráter de alguns destes governos “amigos” de Cuba. Tirando os países da ALBA, a maioria desses países é governada por um esquerda que há muito tempo esqueceu o que é socialismo e atua no cenário mundial com políticas de acordo com seus interesses nacionais e capitalistas. Será que suas burocracias (burguesias estatais) vão ariscar investir dinheiro num país bloqueado e com poucos recursos naturais e minerais? Será que esses governantes ainda são nutridos por questões humanitárias como fazem nos pensar quando discursam em nome dos direitos humanos?

Eu pessoalmente acho muito difícil um plano desses ser colocado em pratica. Não que Cuba não precisa e não mereça como li pseudo-esquerdistas (4) dizendo por ai. Mas, pela ideologia dessa nova esquerda “amiga” de Cuba, que não custa repetir, não é socialista, embora já tentassem construir o socialismo em seus países, prefiro acreditar mais nas forças internas cubanas do que nesta ajuda externa.

E é justamente em relação às forças internas cubanas que li recentemente um artigo (5) replicando a tese do Atílio, dizendo que o problema é o processo interno cubano. Ou seja, esse militante de esquerda acha que o problema não o que apontei acima.

Para esse militante, português - possivelmente do bloco de Esquerda, já que sua reflexão está no site de uma revista de cunho marxista ligado a esse partido, Cuba só não repetiu os erros do “socialismo real” como não inovou em relação “à construção de política de debates dos movimentos sociais”. Enquanto a sociedade civil teve significativo papel na ação popular e na transformação política latino-americana em Cuba “esta praticamente não contribui em nada para o desenvolvimento do processo”.

Está certo que os movimentos sociais destes países latinos que o próprio Atílio se refere, pelo menos em muitos deles, teve uma grande jornada de debates plurais, desde década de 80 até os dias hoje. E em Cuba em nome de certa unidade e da autodefesa não pode ser tão plural assim como deveria. Porém houve sim  debates e inovações para a construção de um modelo alternativo em relação ao modelo socialista já existente. E mesmo se houve falta de reflexão aberta para uma proposta nacional isso é justificável devido a questões que quem estudou a história cubana sabem quais são. Ignorar essa complexidade é desconhecer a realidade cubana. E fazer analise superficial deste tipo, como fez o escritor do Bloco e fazem outras correntes “esquerdistas” (6), é seguir a cartilha dos reacionários, disfarçado de “liberais”, que vivem na mídia “pregando” o fim da revolução cubana.

Ao fazer a revolução Fidel, líder dessa, queria justiça social e “democracia direta”, porém foi obrigada a seguir um novo modelo para continuar seu processo de emancipação. Lembre que o “fechamento do regime” foi devido aos EUA não deixaram alternativas.

Os “doutores” (7) marxistas acham que as conquistas sociais vieram de uma burocracia ou de um esforço coletivo do povo cubano? Será que as organizações sociais cubanas criadas na década de 60 são apenas superficiais? Os 90% que aprovam a política do partido comunista, vanguarda organizada da nação, e os 92,5% que são membros dos Comitês em Defesa da Revolução (CDR) são pessoas que não servem para nada, numa nação sem analfabetos? São pessoas que deixaram “o gato comer suas línguas”? Ou será que um milhão que lotam as ruas no “Primeiro de Maio” não passam de massas “manipuladas” pelo único partido da ilha que tem um milhão de militantes numa nação com aproximadamente 7 milhões de pessoas ativas? (8)

Não meus caros leitores, quem diz que o povo cubano é ignorante, não passam de ignorantes em relação à realidade cubana e por isso escreve incredulidades como essas.

Quando olho para os movimentos sociais latinos vejo cada um com seus erros e dificuldades. “Cooptado” como é caso do Brasil e criminalizado e marginalizado como é caso do Peru. Situação pior encontro quando analiso as situações dos mexicanos e colombianos (muitos precisam pegar em armas para militar). Não consigo ver esta diferença brutal que se diz que têm em termos de organização democrática entre as sociedades latinas, de “democracias liberais”, e Cuba de “ditadura” socialista.

Cuba tem que avançar em seus debates e corrigir os erros históricos, porém duas coisas me parecem, que não podem se descuidadas: a manutenção da unidade e a atualidade da luta anti-imperialista.

Vejo que os erros internos só podem ser resolvidos pelos cubanos enquanto os fatores externos, como por exemplo, romper com o isolamento, que é uma tarefa fundamental para crescer economicamente e sair de uma crise de quase 30 anos, não é tarefa apenas de suas forças internas.

Por isso reafirmo que o problema maior de Cuba é sua relação com o mundo capitalista é não seus problemas internos. Cuba precisa relacionar com o mundo capitalista e neoliberal, sem ferir seu socialismo e ao mesmo tempo tentar aperfeiçoá-lo. Tarefa muito mais difícil do qual quer país do mundo com uma grave crise econômica, inclusive aqueles governados por esquerdas.

Notas:

(2) http://www.granma.cubaweb.cu/secciones/6to-congreso-pcc/index.html

(3) http://convencao2009.blogspot.com/2010/12/um-plano-marshall-para-cuba.html 

(4) Essa reação partiu principalmente de setores de “esquerda”, inclusive de alguns que com a “derrocada do socialismo real” em 1990 passaram a defender um “socialismo” que não tem nada haver com o “socialismo cientifico” de Marx e Engels.

(5) http://www.acomuna.net/index.php/contra-corrente/2945-cuba-a-suprema-ignorancia-do-povo

(6) Os esquerdistas que me refiro são as correntes trotskistas. A mais forte delas é LIT e sua seção no Brasil é o PSTU.

(7) Chamo de "doutores em marxismo", analistas puros e moralistas do materialismo histórico.

(8) AYERBE, L. A revolução Cubana. São Paulo: Editora da UNESP, 2004.

*Sturt Silva é estudante de história, blogueiro e militante do PCB.

O Brasil na encruzilhada dos direitos LGBT

As organizações de direitos humanos condenaram o Brasil globalmente pelo assassinato de Priscila Brandão, mas seu caso é apenas mais um entre muitos crimes de ódio homofóbicos e transfóbicos que têm se acumulado nos últimos anos no Brasil. De acordo com o Grupo Gay da Bahia, entre 1980 e 2009, mais de 3.100 homossexuais foram assassinados a sangue frio em crimes de ódio no país.

Por Erica Hellerstein na Revista Forum

No dia 19 de março, o presidente Barack Obama iniciou, pelo Brasil, uma viagem a três países da América Latina. Sua visita de cinco dias a El Salvador, Brasil e Chile — países de uma região que é comumente chamada de “quintal dos Estados Unidos” — representava uma oportunidade para redefinir a política externa historicamente espinhosa dos EUA para a América Latina.

A viagem de Obama à América do Sul é amplamente considerada como um gesto na direção da potência crescente da América Latina. O Brasil, em particular, agora a oitava economia do mundo, é frequentemente elogiado por seu dramático progresso econômico. “Mais da metade desta nação é agora considerada de classe média”, notou Obama, dirigindo-se ao povo brasileiro no Teatro Municipal do Rio, no dia 20 de março. “Milhões de pessoas saíram da pobreza”. Num discurso feito em Brasília no dia anterior, Obama exaltou o Brasil por sua notável taxa de crescimento econômico e sua transição da ditadura para uma democracia aberta. Thomas Shannon, embaixador dos EUA no Brasil, ecoou esse ponto de vista, afirmando que “o Brasil não é mais um país emergente. Ele já emergiu”.

Entretanto, como observou a recém eleita presidenta brasileira Dilma Rousseff nas boas-vindas a Obama, “nós ainda encaramos enormes desafios”. Um desses desafios é o aumento alarmante e pouco discutido nos ataques e assassinatos a LGBTs no Brasil. De acordo com a Associação para os Direitos das Mulheres em Desenvolvimento, o Brasil tem a taxa de violência transfóbica mais alta do mundo, e é citado como o “lugar mais letal para ser um indivíduo transgênero”. No ano passado, pelo menos 250 LGBTs foram assassinados.

No dia 2 de março de 2011, uma câmera de vigilância em Belo Horizonte captou o brutal assassinato de Priscila Brandão, travesti de 22 anos de idade, baleada quando caminhava pela rua. Citando o crescimento da violência contra transgêneros no Brasil, as autoridades acreditaram que se tratava de um crime de ódio, e não de um ato aleatório de violência.

As organizações de direitos humanos condenaram o Brasil globalmente pelo assassinato de Priscila Brandão, mas seu caso é apenas mais um entre muitos crimes de ódio homofóbicos e transfóbicos que têm se acumulado nos últimos anos no Brasil. De acordo com o Grupo Gay da Bahia, entre 1980 e 2009, mais de 3.100 homossexuais foram assassinados a sangue frio em crimes de ódio no país.

Um relatório recém publicado pela Anistia Internacional sobre violência homofóbica afirma que “o Centro Latino-Americano de Sexualidade e Direitos Humanos identificou que os estados do Paraná e da Bahia têm os números mais altos de crimes contra homossexuais no país, e pelo menos 15 pessoas foram mortas em cada estado brasileiro em 2009, apenas por serem membros da comunidade LGBT”.

Em junho do ano passado, realizou-se em São Paulo a maior parada gay do mundo, com mais de 3 milhões de participantes. Mas, apesar dessa reunião pública gigantesca, o Brasil ainda está bem atrás de seu vizinho ao sudoeste, a Argentina, no reconhecimento dos direitos gay.

A Organização Pan-Americana de Saúde apontou, em seu relatório de 2008 “Campanha contra a Homofobia”, que “dentro da América Latina, a Argentina desfruta da reputação de maior tolerância à diversidade sexual” e em 15 de julho de 2010 se tornou o primeiro país latino-americano a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Enquanto os defensores da medida na Argentina enfrentavam abertamente os membros da Igreja Católica Romana que se opunham a ela de forma estridente, o Senado votava a favor da lei. Michael Shifter, presidente do Diálogo Inter-Americano, afirmou que a aprovação do casamento entre indivíduos do mesmo sexo “reflete a cultura socialmente liberal da Argentina de hoje”. Néstor Kirchner, ex-presidente da Argentina e então marido da atual presidenta Cristina Fernández de Kirchner, foi explícito em seu apoio à lei, apontando que “a Argentina deve deixar as medidas discriminatórias e a Idade das Trevas para trás” (A natureza progressista da Argentina não deve ser exagerada, no entanto — os direitos reprodutivos, tanto no Brasil como na Argentina, permanecem extremamente restritos).

Os formuladores de políticas públicas no Brasil não permaneceram completamente silenciosos no que se refere aos direitos gay. Em 4 de junho de 2010, o então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um decreto estipulando que o Dia Nacional contra a Homofobia seria comemorado a cada ano no dia 17 de maio, em homenagem à data na qual, em 1990, a Organização Mundial de Saúde retirou oficialmente a homossexualidade da classificação internacional de doenças.

Em julho de 2010, as Nações Unidas, por iniciativa do governo Obama, reconheceram “status consultivo” à Comissão de Direitos Humanos de Gays e Lésbicas. O Brasil foi um dos membros da ONU a votar a favor da decisão. “Celebramos esta decisão”, disse Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). “É fundamental que as ONGs LGBT tenham a oportunidade de participar no debate de direitos humanos da ONU”.

Na reunião altamente esperada do dia 19 de março, o presidente Obama e a presidenta Dilma Rousseff integraram as inciativas LGBT às suas agendas e concordaram em estabelecer um relator especial para direitos humanos LGBT na Organização dos Estados Americanos (OEA). Uma declaração feita pela Casa Branca afirmava: “foi feito um acordo para a cooperação no avanço da democracia, dos direitos humanos e da liberdade para todos os povos bilateralmente e através das Nações Unidas … promovendo o respeito pelos direitos humanos de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros através do estabelecimento de um relator especial na OEA”.

A convocação feita por Obama e Dilma pode ser uma força positiva de mudança em meio à barragem sinistra de crimes de ódio no Brasil. No entanto, como deixa claro o volume de crimes, os atos terão que falar mais alto que as palavras. Teremos que esperar para ver se, como promete a OEA, as medidas anti-violência falarão mais alto que os crimes e a retórica homofóbica contra LGBTs no Brasil.

Tradução de Idelber Avelar. Foto por Antonio Cruz/ABr. Publicado originalmente em http://www.thenation.com/article/159703/brazil-crossroads-lgbt-rights.

Graças a Gilmar Mendes, foge do país médico condenado a 278 anos por violentar 37 mulheres

Do blog do Mello

O médico Roger Abdelmassih, de 67 anos, já está no Líbano, segundo a Folha. E por lá deve ficar porque tem origem libanesa e o Brasil não tem tratado de extradição com o Líbano. E isso poderia ter sido evitado, caso o ministro Gilmar Mendes não concedesse o habeas corpus que o tirou da cadeia.

O médico estava preso, aguardando recurso de sua defesa diante da sentença que o condenou a 278 anos de cadeia por violentar 37 mulheres (suas pacientes, o que agrava os crimes) entre 1995 e 2008. E aguardava preso porque a Polícia Federal informou que ele tentava renovar seu passaporte. A juíza Kenarik Boujikian Felippe determinou que ele fosse preso para evitar sua fuga do país.

Seu advogado recorreu. Disse que Roger Abdelmassih não pretendia fugir do país, só estaria renovando o passaporte...

Sem ao menos perguntar ao advogado por que um homem de 67 anos condenado a 278 anos de cadeia renovaria o passaporte (seria um novo Matusalém?), Gilmar Mendes mandou soltar o passarinho, que agora vai passear sua impunidade no exterior, até que a morte o separe da boa vida.

Por essas e outras, crimes contra as mulheres acontecem diariamente no país. Há o caso notório do jornalista Pimenta Neves, que matou fria e covardemente sua ex-namorada, a jornalista Sandra Gomide, e passeia sua impunidade, após ter destruído as vidas de Sandra e de sua família.

O que dirá Gilmar Mendes, o Simão Bacamarte do Judiciário, sobre seu habeas corpus que possibilitou a fuga do criminoso?

Cresce ofensiva para derrubar pensões vitalícias


Ilustração

Cresce a ofensiva contra um privilégio da classe política no país – as pensões vitalícias. O Ministério Público de Minas Gerais ajuizou ação civil pública, com pedido de liminar, para suspender as pensões vitalícias pagas a ex-governadores do estado, argumentando que a “inusitada situação” configura violação dos princípios constitucionais da administração pública.
Em Minas, atualmente recebem pensões os ex-chefes do Executivo Rondon Pacheco (Arena, 1971-1975), Francelino Pereira (PDS, 1979-1983), Hélio Garcia (PP, 1984-1987 e PMDB, 1991-1995) e Eduardo Azeredo (PSDB, 1995-1999). O benefício também é pago a Coracy Pinheiro, viúva de Israel Pinheiro (PSD), que governou o estado entre 1966 e 1971.
Não é só o contribuinte mineiro que paga essa conta. Em fevereiro, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu a suspensão do pagamento de pensões a ex-governadores em todo o país. Ao votar a favor de uma ação na qual a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contesta a concessão do benefício a ex-chefes do Executivo do Pará, a ministra concluiu que o pagamento é inconstitucional. Após o voto de Cármen Lúcia, o ministro José Antonio Dias Toffoli pediu vista, adiando a conclusão do julgamento. Apesar de o tribunal analisar apenas um pedido de liminar, que é uma decisão provisória, ministros sinalizaram que vão adiantar o mérito e que, possivelmente, vão declarar inconstitucional o benefício. No caso do Pará, a pensão equivale ao salário de desembargador, que é de cerca de 24 milreais.
Tramitam no tribunal outras oito ações contra a pensão de ex-governadores. Mais processos podem ser protocolados porque, de acordo com estimativas da OAB, legislações de quinze estados preveem aposentadoria para ex-chefes do Executivo. Em 2007, o STF já determinou a suspensão do pagamento de pensões a ex-governadores do Mato Grosso do Sul e a expectativa é de que confirme que se trata de um privilégio incompatível com a Constituição Federal.
Em MInas, os ex-governadores têm direito ao salário integral pago ao atual ocupante do cargo, de 10,5 mil reais. Já a viúva de Israel Pinheiro recebe metade do benefício. As pensões, concluiu o Ministério Público no inquérito civil, são concedidas com base numa lei estadual de 1957 – com alterações posteriores – e na revogada Constituição Estadual de 1967.
“A inusitada situação, portanto, da concessão de benesses vitalícias a ex-chefes do Poder Executivo Estadual e seus familiares, não pode permanecer, sem que se mantenha caracterizada a manifesta violação de tais princípios (constitucionais), dentre os quais relevam o princípio da igualdade, o princípio da impessoalidade, o princípio da moralidade administrativa, bem como aqueles atinentes à responsabilidade dos gastos públicos”, destaca o Ministério Púbico na ação.
Para a Promotoria de Defesa do Patrimônio Público, o estado deve ser condenado a suspender os pagamentos e “em hipótese alguma poderá ensejar invocação de direito adquirido por parte de quaisquer dos beneficiários”, pois a Constituição Federal de 1988 “não recepcionou a norma instituidora dos ‘benefícios’ em questão (Lei nº 1.654/67)”.
Diante da repercussão negativa dos pagamentos e após a instauração do inquérito pelo Ministério Público, o governador Antonio Anastasia (PSDB) encaminhou no início de fevereiro à Assembleia Legislativa projeto de lei que extingue as pensões vitalícias para ex-governadores e seus descendentes. O texto prevê o fim do benefício a partir de sua aprovação e não altera as aposentadorias já pagas, que custam mais de 560 mil reais por ano aos cofres públicos. A proposta não avança no Assembleia, pois o bloco de oposição alega que protocolou dias antes um projeto semelhante e reclama a paternidade da iniciativa.
A ação civil – assinada pelos promotores João Medeiros, Eduardo Nepomuceno, Maria Elmira, Leonardo Barbabela, Thaís Leite, Elisabeth Villela e Patrícia Medina – foi ajuizada no último dia 8 na 2.ª Vara da Fazenda Pública Estadual, onde tramita. Procurado, o governo estadual não comentou a ação e destacou que a posição do Executivo está contida na proposta encaminhada ao Legislativo.
PEC – O deputado federal Lelo Coimbra, do PMDB capixaba, ainda não desistiu de apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição para acabar com as pensões vitalícias pagas a ex-governadores e ex-prefeitos. Ele precisa de 171 assinaturas, mas no começo do ano só havia obtido trinta. 30a. A maioria dos parlamentares tem se recusado a assinar justificando que tem parentes e amigos recebendo o benefício.

FONTE: Agência Estado