Com duas novas leis, promulgadas pelo governo boliviano nesta semana,
consolida-se o processo de descolonização, segundo Palacio Quemado. Ao apresentar à nação a norma que permite julgar e sancionar todas as autoridades e a lei contra o racismo, o presidente Evo Morales precisou que foi necessário esperar 184 anos para que o Estado Plurinacional e as organizações sociais impulsionassem e ratificassem essas antigas reivindicações. Morales explicou que com a Lei de Julgamento ao Presidente ou Vice-presidente, autoridades do poder judicial e legislativo, põe-se fim à impunidade no país. A respeito da Lei contra o Racismo e Todo Tipo de Discriminação, de cinco capítulos e 24 artigos, Morales considerou que não atinge somente aos meios de comunicação, alguns dos quais se recusam a aceitá-la por verem nela uma mordaça à liberdade de expressão e a democracia. Liberdade de expressão não é expressão de racismo, comentou o estadista ao assinalar exemplos de comunicadores que estimulam os abusos e as ofensas a setores indígenas e camponeses. Nesse sentido considerou como irreversível e como caminho sem volta as atuais transformações que identificam a Revolução democrática e cultural iniciada em 2006. Nesta semana, escutou-se um novo chamado à unidade na região altiplânica de Oruro que celebrou 200 anos de Independência do domínio colonial espanhol. Durante esses festejos, aos quais assistiu o presidente Morales, o secretário geral de governo do departamiento, Édgar Sánchez, assinalou que agora pode-se falar também da unidade de todas as orurenhas e orurenhos como quando começou a luta pela libertação. Sánchez alentou a ratificar o compromisso com o desenvolvimento, a unidade e a convivência em paz, aludindo à vocação produtiva dos orurenhos. Também nesta semana, Bolívia e Venezuela realizaram na cidade de La Paz a primeira transação financeira de venda a Caracas de cinco mil toneladas de azeite de soja, com o uso do Sistema Único de Compensação Regional (SUCRE), como moeda de mudança. Na cerimônia produziu-se uma teleconferência com a participação de Morales e seu par venezuelano, Hugo Chávez, na qual ambos ratificaram a importância desse mecanismo para libertar do dólar estadunidense e do Fundo Monetário Internacional. De outra parte, representantes de diferentes nações da América Latina também recordaram o 43 aniversário do assassinato de Ernesto Che Guevara com um percurso por lugares históricos de Vallegrande e La Higuera (Santa Cruz). Cubanos, venezuelanos, bolivianos, argentinos, chilenos, equatorianos e brasileiros, entre outros participantes em um foro internacional percorrerão lugares históricos do lugar, entre eles a réplica da escolinha onde os assassinos de Che Guevara o imortalizaram a 9 de outubro de 1967. Na homenagem participarão também os integrantes das missões diplomática, médica, educativa e de trabalhadores sociais de Cuba e Venezuela que colaboram com o processo de mudança que entranha a Revolução democrática e cultural, encabeçada pelo presidente boliviano, Evo Morales. Fonte: PrensaLatina |
|||
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
sábado, 9 de outubro de 2010
Bolívia consolida descolonização com novas leis
Eleição, aborto e a infantilização da religião
|
Jung Mo Sung * Adital
Por que bispos, padres e grupo religiosos que sempre
defenderam a separação radical entre a religião e política, que sempre
criticaram a discussão política no âmbito da Igreja ou até mesmo a relação "fé
e política", estão fazendo, até mesmo nas missas, campanha aberta contra Dilma?
Uma primeira resposta poderia ser: hipocrisia.
Respostas moralistas podem satisfazer o "juiz moralista" que todos nós
carregamos no mais profundo do nosso ser, mas não são boas para nos ajudar a
entender o que está acontecendo.
Esta campanha contra a candidatura da Dilma, e com
isso o apoio explícito ou implícito à candidatura do Serra, está sendo feita de
várias formas, mas com um elemento comum: os católicos e os "crentes" não devem
votar nela porque ela seria a favor do aborto e, por isso, contra a vida.
Alguns agregam também a acusação de que, se ela for eleita, as TVs católicas e
evangélicas seriam proibidas de veicular os programas religiosos ou obrigadas a
diminuir o seu tempo de duração. É a velha acusação de que "comunistas" são
contra a religião.
Essas duas acusações são expressas e justificadas
através de lógicas religiosas, e não a partir da "racionalidade leiga" que deve
caracterizar a discussão sobre a política hoje. Esses grupos não admitem a
distinção entre a religião e a política, ou melhor, não admitem a "autonomia
relativa" do campo político e de outros campos -como o econômico- que se
emanciparam da esfera religiosa no mundo moderno. Por isso, eram e são contra
"fé e política" ou o debate sobre a política no campo religioso, pois esses
debates são feitos normalmente a partir do princípio da autonomia relativa da
política. Isto é, a discussão sobre questões políticas são feitas com argumentos
de racionalidade sócio-política e não submetidos ao discurso meramente
religioso.
Para esses grupos (é preciso reconhecer que ocorre
também em outros grupos político-religiosos), os valores religiosos (do seu
grupo) devem ser aplicados diretamente a todos os campos da vida pessoal e
social. E, em casos graves como aborto, ser impostos sobre toda a sociedade através
das leis do Estado. Nesses casos, não seria misturar a religião com a política,
mas seria a "defesa" dos mandamentos e valores religiosos; ou colocar a
política a serviço dos valores religiosos (nessa discussão apresentados como "a
serviço da vida"). Pois, nada estaria acima dos "mandamentos de Deus". Desta
forma não se reconhece a autonomia relativa do campo político, a dificuldade de
se passar do princípio ético abstrato (do tipo "defenda a vida") para as
políticas sociais concretas, e muito menos se aceita a pluralidade de religiões
com valores diversos e propostas de ação divergentes e conflitantes.
Esta é a razão pela qual esses grupos não entendem e
nem aceitam a resposta dada por Dilma de que ela, pessoalmente, é contra o
aborto, mas que ela vai tratar esse tema como um problema de saúde pública.
Para ouvidos daqueles que crêem que não há ou não deve haver separação entre a
saúde pública (o campo da política social) e a opção religiosa pessoal do
governante, a resposta da Dilma soa como eu não sou contra o aborto, que logo é
traduzido na sua mente como "eu sou a favor do aborto".
E se ela é a favor do aborto, ela é contra a vida e,
portanto, ela é do "mal". Enquanto que, por oposição, o outro candidato seria
do "bem".
Reduzir toda a complexidade da "defesa da vida" -a que
um/a presidente deve estar comprometido/a- à manutenção da criminalização do aborto
(que é o que está discutido de fato neste debate sobre ser a favor ou contra o
aborto) é uma simplificação mais do que exagerada. Simplificação que deixa fora
do debate, por ex., toda a discussão sobre políticas econômicas e sociais que
afetam a vida e a morte de milhões de pessoas. Mas é compreensível quando os
cristãos têm muita dificuldade em perceber quais são os caminhos concretos e
possíveis para viver a sua fé na sociedade, perceber em que a sua fé pode fazer
diferença na vida social. Diante de tanta complexidade, a tentação mais fácil é
simplificar o máximo para separar "os do bem" de "os do mal".
Essa simplificação me lembra a pergunta que os meus
filhos, quando muito pequenos, me faziam ao assistir um filme: "pai, ele é do
bem?" Se sim, eles torciam por aquele que "é do bem" contra o "do mal". Essa
necessidade de separar os do bem e os do mal faz parte da condição mais
primária do ser humano. O problema é que reduzir toda a complexidade da luta em
favor da vida ao tema de ser favor ou contra a manutenção da criminalização do
aborto é infantilizar a discussão política e, o que é pior, é infantilizar a
própria religião que professa.
[Autor, em co-autoria com Hugo Assmann, de "Deus em
nós: o reinado que acontece na luta em favor dos pobres"].
* Coord. Pós-Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo
Assinar:
Postagens (Atom)