sábado, 17 de janeiro de 2009

Documentário sobre a ocupação israelense na Palestina



Occupation 101: Vozes da Maioria Silenciada

Eduardo Galeano: "Quem deu a Israel o direito de negar todos os direitos?"


Do blog RsUrgente

Eduardo Galeano (*)

Este artigo é dedicado a meus amigos judeus assassinados pelas ditaduras latinoamericanas que Israel assessorou.

Para justificar-se, o terrorismo de estado fabrica terroristas: semeia ódio e colhe pretextos. Tudo indica que esta carnificina de Gaza, que segundo seus autores quer acabar com os terroristas, acabará por multiplicá-los.

Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras, sua água, sua liberdade, seu tudo. Nem sequer têm direito a eleger seus governantes. Quando votam em quem não devem votar são castigados. Gaza está sendo castigada. Converteu-se em uma armadilha sem saída, desde que o Hamas ganhou limpamente as eleições em 2006. Algo parecido havia ocorrido em 1932, quando o Partido Comunista triunfou nas eleições de El Salvador. Banhados em sangue, os salvadorenhos expiaram sua má conduta e, desde então, viveram submetidos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem.

São filhos da impotência os foguetes caseiros que os militantes do Hamas, encurralados em Gaza, disparam com desajeitada pontaria sobre as terras que foram palestinas e que a ocupação israelense usurpou. E o desespero, à margem da loucura suicida, é a mãe das bravatas que negam o direito à existência de Israel, gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz guerra de extermínio está negando, há muitos anos, o direito à existência da Palestina.

Já resta pouca Palestina. Passo a passo, Israel está apagando-a do mapa. Os colonos invadem, e atrás deles os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam a pilhagem, em legítima defesa.

Não há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitler invadiu a Polônia para evitar que a Polônia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma de suas guerras defensivas, Israel devorou outro pedaço da Palestina, e os almoços seguem. O apetite devorador se justifica pelos títulos de propriedade que a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de perseguição que o povo judeu sofreu, e pelo pânico que geram os palestinos à espreita.

Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, que burla as leis internacionais, e é também o único país que legalizou a tortura de prisioneiros.

Quem lhe deu o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade com que Israel está executando a matança de Gaza? O governo espanhol não conseguiu bombardear impunemente ao País Basco para acabar com o ETA, nem o governo britânico pôde arrasar a Irlanda para liquidar o IRA. Por acaso a tragédia do Holocausto implica uma apólice de eterna impunidade? Ou essa luz verde provém da potência manda chuva que tem em Israel o mais incondicional de seus vassalos?

O exército israelense, o mais moderno e sofisticado mundo, sabe a quem mata. Não mata por engano. Mata por horror. As vítimas civis são chamadas de “danos colaterais”, segundo o dicionário de outras guerras imperiais. Em Gaza, de cada dez “danos colaterais”, três são crianças. E somam aos milhares os mutilados, vítimas da tecnologia do esquartejamento humano, que a indústria militar está ensaiando com êxito nesta operação de limpeza étnica.

E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Para cada cem palestinos mortos, um israelense. Gente perigosa, adverte outro bombardeio, a cargo dos meios massivos de manipulação, que nos convidam a crer que uma vida israelense vale tanto quanto cem vidas palestinas. E esses meios também nos convidam a acreditar que são humanitárias as duzentas bombas atômicas de Israel, e que uma potência nuclear chamada Irã foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki.

A chamada “comunidade internacional”, existe? É algo mais que um clube de mercadores, banqueiros e guerreiros? É algo mais que o nome artístico que os Estados Unidos adotam quando fazem teatro?

Diante da tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial se ilumina uma vez mais. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações ocas, as declamações altissonantes, as posturas ambíguas, rendem tributo à sagrada impunidade.

Diante da tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como sempre. E como sempre, os países europeus esfregam as mãos. A velha Europa, tão capaz de beleza e de perversidade, derrama alguma que outra lágrima, enquanto secretamente celebra esta jogada de mestre. Porque a caçada de judeus foi sempre um costume europeu, mas há meio século essa dívida histórica está sendo cobrada dos palestinas, que também são semitas e que nunca foram, nem são, antisemitas. Eles estão pagando, com sangue constante e sonoro, uma conta alheia.

(*) Texto publicado originalmente no jornal Brecha. (Tradução: Katarina Peixoto)

Tarancón - Bom Dia (1980)




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Créditos: UmQueTenha

www.revistaforum.com.br

O pós-altermundismo e os desafios das lutas globais

Por Douglas Estevam

Seattle, novembro de 1999, mais de 50 mil manifestantes bloqueiam a cidade estadunidense e suspendem a abertura da chamada Rodada do Milênio de negociações da OMC. A “Batalha de Seattle”, como o episódio seria imortalizado na memória de milhares de homens e mulheres em todo o mundo, foi o ponto culminante de uma reação que há tempos vinha se configurando de forma difusa contra o “pensamento único” que marcava a sociedade capitalista pós-guerra fria. O movimento mundial antiglobalização começava a ganhar contornos mais definidos que resultariam na primeira edição do Fórum Social Mundial, em janeiro de 2001.

O altermundismo tem em Bernard Cassen um de seus maiores intérpretes. Em seu livro Tudo começou em Porto Alegre, publicado na França em 2003, Cassen conta como nasceu a idéia do Fórum e como ela ganhou forma. Na época, ele era presidente da Attac França, associação criada por ele junto com Ignacio Ramonet, então diretor-geral do jornal Le Monde Diplomatique.

Às vésperas de mais uma edição do FSM, Bernard Cassen, professor emérito do Instituto de Estudos Europeus da Universidade de Paris 8 e secretário-geral da associação Mémoire des Luttes, apresenta sua visão do percurso do movimento, suas dificuldades e desafios, e expõe as proposições para um movimento pós-altermundista.

Fórum – Segundo suas análises, o capitalismo vive uma crise sistêmica que provoca fortes contradições em seu interior. Que elementos caracterizam isso?

Bernard Cassen –
A crise que o capitalismo vem atravessando em sua fase neoliberal acumula várias dimensões: a financeira, monetária, alimentar e energética. Ela provoca contradições dentro do sistema e coloca em xeque a hegemonia dos EUA e do Consenso de Washington, principalmente na América Latina, onde figuras progressistas chegaram ao poder. O recurso às nacionalizações feito por governos tão liberais quanto os de Londres e Washington, o definhamento das instituições financeiras internacionais, a emergência de uma nova correlação de forças mundial multipolar, o peso econômico e geopolítico dos países que integram o Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), as guerras no Cáucaso, os fracassos no Iraque e no Afeganistão, as tensões com o Irã e a evolução de regimes políticos nacionais para formas autoritárias na Europa são mudanças que nos levam a perguntar se o conceito que o neoliberalismo representava nos anos 90, englobando uma simbiose entre política (governos, instituições multilaterais e elites), economia (atores de mercado, instituições bancárias e financeiras) e ideologia (imprensa), ainda tem atualmente a mesma pertinência.
A crise multiforme que estamos vivendo atualmente mostra a falência total das políticas neoliberais e a necessidade do retorno do Estado como garantia de sobrevivência da economia e da manutenção de um mínimo de coesão social. Paradoxalmente, esta crise, que já vem se aprofundando há algum tempo e poderia ter reforçado o “movimento dos movimentos”, provocou seu enfraquecimento.

Fórum – Por que houve este enfraquecimento do movimento? Quais são as consequências destas alterações do sistema?

Cassen –
Nós não podemos falar de um “programa” do movimento altermundista. A noção de um programa é estranha ao altermundismo, como nós vimos em relação ao acolhimento hostil reservado ao Manifesto de Porto Alegre¹. O movimento foi de início batizado de “anti”, antes de se tornar um movimento “alter”, quer dizer, propositivo. Apesar desta evolução semântica, sua cultura de base comum é de oposição, de reivindicações apresentadas aos governos e instituições internacionais, de contrapoder. Tudo se passa como se a maior parte dos componentes do movimento tivessem interiorizado um estatuto de eternos opositores, o que os levou a conduzir somente campanhas bem precisas (contra o Banco Mundial, FMI, OMC, dívida, Alca, reivindicações de povos indígenas etc.) sobre as quais vitórias setoriais e parciais podem ser obtidas. Mas, de uma campanha a outra, os parceiros são diferentes, como o são os arcos políticos e geográficos, o que impede qualquer visão global, salvo em termos de grandes princípios suficientemente largos aos quais todo mundo possa aderir.

Fórum – Mas esta diversidade de organizações participantes não é uma das maiores conquistas do altermundismo?

Cassen –
O primeiro sucesso do altermundismo é, sem nenhuma dúvida, o de ter permitido tais aproximações e ligações, do nível nacional ao internacional, e de assim ter feito emergir um léxico mundial comum para caracterizar os estragos da globalização liberal. Para alguns, com efeito, é preciso continuar a produzir proposições, mas sem ir mais longe, em particular sem estabelecer uma organização que poderia se assemelhar a algo com um programa político. A questão da relação com o poder e o Estado é um “buraco negro” da reflexão coletiva do “movimento dos movimentos”, pois esta questão o dividiria. Como ele funciona na base do consenso, não se faz essa discussão. Para a maior parte das organizações, ela já foi excluída pelo princípio da autonomia dos movimentos sociais e em razão de sua heterogeneidade.
Há dez anos, quando se formou este movimento, com o nascimento da Attac, os eventos de Seattle, o FSM de Porto Alegre etc., só a Venezuela estava engajada em um profundo processo de transformação social conduzido por Hugo Chávez. Mas, nesta época, a Revolução Bolivariana tinha uma projeção internacional fraca. Ela estava absorvida por seus problemas internos e lutava pela sua sobrevivência face ao golpe de Estado político-militar de abril de 2002 e ao golpe petroleiro de dezembro do mesmo ano.

Fórum – O que a Revolução Bolivariana apresenta de diferença em relação aos processos desenvolvidos pelo altermundismo?

Cassen –
A Revolução Bolivariana coloca um problema inédito para o movimento que, na sua curta história, só tinha tido a sua frente governos hostis: como se comportar frente a um governo que pratica políticas abertamente antiliberais, precisamente aquelas que muitas organizações reclamam nos Fóruns? A eleição de Lula em 2002 não tinha suscitado as mesmas interrogações pois ele não tinha prometido mudanças revolucionárias e tinha continuado no quadro das normas do sistema neoliberal, tanto que foi a Davos. Com Chávez tem-se outra situação porque, com ele, nós estamos na presença de uma vontade de ruptura com o sistema dominante. Vemos chegar ao poder na América Latina um governo que saiu de bases populares praticando, com altos e baixos, políticas concretas de ruptura com o neoliberalismo, que apresentam os fundamentos de “um outro mundo possível”, começando pelo acesso de todos à educação e à saúde. Os processos que se desenvolvem na América Latina oferecem uma singularidade: eles são realizados por movimentos sociais e por forças políticas que, com formas de organização inéditas, se consolidam e se redefinem mutuamente. Estes governos progressistas fixam objetivos e colocam em prática ações que já tinham sido propostas por diferentes participantes do movimento altermundista.

Fórum – Como o movimento altermundista reagiu a esta experiência?

Cassen –
Eu me lembro que no FSM de janeiro de 2001 não tinha praticamente nenhum venezuelano. E é somente a partir de 2003 que Chávez ganha espaço político e surge um movimento internacional de solidariedade com a Venezuela. Abrimos discretamente espaço para que Chávez viesse a Porto Alegre em janeiro de 2003, mas sua intervenção pública se fez fora do Fórum e sem o apoio – é o mínimo que se pode dizer – do comitê organizador brasileiro, com exceção dos representantes da CUT e do MST. Chegando a Porto Alegre, o presidente venezuelano foi acolhido com entusiasmo pela massa de participantes do Fórum, e o embaraço foi geral no seio do comitê e do Conselho Internacional (CI) do FSM. Os responsáveis pelas principais organizações se prendiam à doutrina oficial, consignada na Carta de Princípios do Fórum, de autonomia dos movimentos sociais em relação aos governos, de todos os governos, sejam eles de esquerda ou de direita. Alguns tentaram, além disso, justificar suas reservas com motivos diretamente inspirados nas campanhas midiáticas dominantes, fiéis à propaganda americana: Chávez é um militar, ele deu um golpe de Estado, ele é autoritário, populista etc. Nós encontramos a mesma situação quando Chávez voltou a Porto Alegre em 2005 e foi ovacionado em um Gigantinho prestes a explodir.

Fórum – E, para além do FSM, o que as experiências latino-americanas significam para o altermundismo?

Cassen –
Chávez incomoda porque coloca os altermundistas contra o muro. Em 2006, quando recebeu os representantes dos movimentos sociais no Fórum de Caracas, ele lhes disse, em substância: eu entendi suas reivindicações, estou de acordo com elas e coloco em prática suas proposições. E vocês, o que fazem em relação a estas reivindicações? Ninguém podia dar uma resposta enquanto membro do movimento. O altermundismo apresenta uma dificuldade estrutural em pensar sua relação com a esfera política, em sua dimensão relativa aos partidos, instituições e governos. A chegada ao poder de Evo Morales na Bolívia e de Rafael Correa no Equador, os dois decididos a engendrar processos de profundas transformações sociais, torna o problema das relações entre governos e movimentos sociais ainda mais agudo. E é a partir desse momento que começamos a refletir sobre a necessidade, para os componentes mais radicais do movimento altermundista, de superar uma etapa e adotar uma iniciativa que nós qualificamos de pós-altermundismo.

Fórum – Quais as características desse pós-altermundismo?

Cassen –
Uma nova situação exige novas reações. O altermundismo precisa fazer uma redefinição de suas formas de existência e da elaboração de respostas programáticas e políticas face a um novo ciclo histórico de um capitalismo muito mais diversificado que o do período anterior. É este o sentido das iniciativas que estamos chamando de pós-altermundismo, do qual um dos eixos é a procura de novos espaços e formas de articulação entre movimentos sociais, forças políticas e governos conduzindo combates comuns. Nós temos um exemplo concreto disso, o único aliás, com a Alba, que agrupa a Bolívia, Cuba, República Dominica, Honduras, Nicarágua e Venezuela. As suas estruturas comportam não somente governos, mas também um Conselho de Movimentos Sociais, dotado de importantes responsabilidades. Além disso, movimentos de países não membros da Alba podem participar. É, com efeito, um exemplo concreto de afirmação da vontade política face às finanças, claro que longe de ser perfeito, mas tem sua existência como um exemplo. Este caso e os resultados que ele tem proporcionado obrigam o movimento altermundista a se colocar uma questão até hoje tabu: devemos – e se sim, como – ganhar espaços políticos concretos para transformá-los? Devemos nos contentar em influenciá-los ou devemos integrá-los e contribuir para sua renovação? A Alba é a primeira estrutura internacional relevante do pós-altermundismo, mesmo que ela não se defina assim.

Fórum – Como o pós-altermundismo se relacionaria com o altermundismo?
Cassen – Estas configurações emergentes constituem um ponto de apoio para iniciarmos uma nova etapa na construção de uma estratégia de transformação global. Com respeito à autonomia de cada um, precisamos encontrar novas formas e novos espaços de articulação entre movimentos sociais, forças políticas e governos. Esta iniciativa pós-altermundista não concorre com o movimento altermundista cuja força propulsora está longe de ser esgotada e ao qual nós continuamos mais que nunca a dar nosso apoio efetivo. Esses novos espaços permitiriam o desenvolvimento de uma relação dialética entre os movimentos e os atores institucionais, uma reflexão dinâmica e prática em torno de questões chave que estão postas, a cada período da história, a todos os movimentos de emancipação: o poder, sua conquista e sua transformação, a democracia e sua construção política, social e econômica.

¹ Também chamado de Carta de Porto Alegre, trata-se de um sumário de doze propostas que tem como objetivo construir um “outro mundo possível”, lema do Fórum Social Mundial. Ele se divide em três partes: economia, paz e justiça, e democracia. Boaventura doi um dos signatários do documento.

Por Douglas Estevam, de Paris

50 anos depois... O mesmo desafio de fazer a Revolução






Lázaro Barredo Medina

Cuba
"A tirania foi derrubada. A alegria era imensa. Contudo, ainda faltava muita coisa a fazer. Não nos enganemos pensando que agora tudo será mais fácil; talvez, a partir de agora, tudo seja mais difícil".

Essas foram as palavras ditas por Fidel Castro ao povo no dia em que entrou em Havana, em 8 de janeiro de 1959. Muitos não imaginaram o imenso desafio que teriam perante si.

Poucos dias depois, Fidel proclamou o direito à autodeterminação nas relações com os Estados Unidos e isso foi suficiente para iniciarem imediatamente as agressões, os planos de atentados contra ele e para a irritação dos políticos norte-americanos, sendo prova disso os discursos e artigos da época, como por exemplo, o editorial da revista Time, porta-voz dos setores mais conservadores, intitulado "O neutralismo de Fidel Castro é um desafio para os EUA". Nem neutros podiam ser os cubanos diante dos Estados Unidos.

O triunfo da Revolução, em janeiro de 1959, significou para Cuba a possibilidade real, pela primeira vez na sua história, de exercer o direito à livre determinação. Desde esse momento, nem o presidente, nem o Congresso, nem os embaixadores dos EUA puderam decidir o que se podia ou não fazer em Cuba. Acabou a amarga dependência, pela qual, os governantes norte-americanos e seus embaixadores dispunham de um poder muitas vezes maior para decidir em Cuba, que o poder real que tinham para tomar decisões dentro do governo federal dos EUA, em relação a quaisquer dos 50 estados que formam a União.

Foi precisamente em exercício deste direito que, depois de conquistada a independência nacional, começou logo a aplicação do programa anunciado por Fidel no julgamento do Moncada, em 1953, e inserido na sua histórica alegação A História me Absolverá.

Cuba estabeleceu o sistema econômico e social que considerou mais justo e a um Estado socialista com democracia participativa, igualdade e justiça social.

Nessa época, a economia do país caracterizava-se por um escasso desenvolvimento industrial, dependendo fundamentalmente da produção açucareira e de uma economia agrícola concentrada nos latifúndios, onde os latifundiários controlavam 75% do total das áreas agrícolas.

A maior parte da atividade econômica do país e seus recursos minerais eram controlados por capitais norte-americanos, que dispunham de 1,2 milhão de hectares de terra (uma quarta parte do território produtivo), além de controlar a parte fundamental da indústria açucareira, a produção de níquel, as refinarias de petróleo, os serviços de eletricidade e de telefone, a maior parte do crédito bancário, e outros.

O mercado estadunidense abrangia, aproximadamente, 70% das exportações e importações cubanas, sendo os volumes do intercâmbio comercial muito dependentes: Em 1958, Cuba exportava produtos avaliados em 733 milhões de pesos e importava a 777 milhões.

A situação social existente caracterizava-se pelo elevado desemprego e analfabetismo, o sistema de saúde, a assistência social e o estado das moradias da maior parte da população eram precários, e existiam abismais diferenças nas condições de vida entre a cidade e o campo. Existia uma elevada polarização e distribuição desigual das receitas: em 1958, 50% da população dispunha apenas de 11% das receitas e 5% concentrava 26% das rendas. Além disso, a discriminação racial e da mulher, a mendicidade, a prostituição e a corrupção social e administrativa se tinham propalado.

A inadiável solução dos problemas sociais e econômicos mais urgentes da sociedade cubana apenas podiam encarar-se com a livre disposição das riquezas e recursos naturais, e, assim, sob o amparo da Constituição, aprovada em 1940, e conforme as normas do Direito Internacional, Cuba exerceu o direito de dispor desses recursos e assumiu as obrigações derivadas disso, indenizando todos os recursos nacionais de terceiros países (Canadá, Espanha, Inglaterra, etc) excetuando os nacionais dos Estados Unidos, cujo governo rejeitou as disposições cubanas e converteu esta decisão do Estado cubano num pretexto para desencadear uma guerra sem precedentes na história das relações bilaterais entre duas nações.

A Revolução não só entregou a propriedade da terra aos camponeses, que até esse momento eram submetidos a condições semi-feudais de produção e obrigados a viverem na extrema pobreza, mas também, os recursos que o país tinha, foram destinados ao desenvolvimento econômico da nação e à melhora das condições materiais e de vida da população. Para termos uma idéia, na década de 80, foram destinados aproximadamente 60 bilhões de pesos à construção de unidades produtivas e de obras sociais.

O processo de industrialização implementado permitiu o início da diversificação econômica e produtiva. Até o início da crise econômica, resultante do colapso da União Soviética e do bloco socialista europeu, entre 1989 e 1991, chamada de período especial em Cuba, aumentou em 14 vezes a capacidade de produção de aços; em seis vezes, a produção de cimento; em quatro vezes, a produção de níquel; em dez vezes, a de fertilizantes; em quatro vezes, a de refinação de petróleo (sem contar a nova refinaria de Cienfuegos); em sete vezes, a produção de têxteis; em três vezes, o turismo, para apenas mencionar alguns setores. Também foram criados novos setores e novas indústrias, como a indústria da construção de maquinarias, a mecânica, a eletrônica, a produção de equipamentos médicos, a indústria farmacêutica, a indústria de materiais da construção, a indústria do vidro, da cerâmica, e outras. A isso se somam os investimentos com que aumentaram e modernizaram as indústrias açucareira, alimentícia e dos têxteis. A esse esforço une-se o desenvolvimento da biotecnologia e da engenharia genética, e outros ramos científicos.

O país também melhorou a infra-estrutura. A geração de eletricidade aumentou em mais de oito vezes, a capacidade de água armazenada aumentou em 310 vezes, de 19 milhões de metros cúbicos em 1958, atualmente é de acima dos 9 bilhões. Também houve diversificação de estradas e rodovias, modernização dos portos e outros. As necessidades sociais foram satisfazendo-se, exceto a habitação, que é o grande problema cubano.

O progressivo crescimento e diversificação do potencial produtivo e a aplicação de um programa social permitiram enfrentar o desemprego. Em 1958, de 6 milhões de habitantes, por volta de um terço da população economicamente ativa estava desempregada, dela, 45% nas zonas rurais, enquanto de 200 mil mulheres empregadas, 70% trabalhava de doméstica. Atualmente, com 11 milhões de habitantes, o número de pessoas empregadas é de mais de 4,5 milhões. Mais de 40% dos trabalhadores são mulheres, representando mais de 60% da força técnica e profissional do país.

Em 1958, a cifra de analfabetos e semi-analfabetos atingia 2 milhões. A média de escolaridade entre as pessoas maiores de 15 anos não ultrapassava a terceira série, mais de 600 mil crianças não freqüentavam a escola e 58% dos professores não tinham emprego. Apenas 45,9% das crianças em idade escolar tinha matriculado e metade delas não freqüentava a escola, conseguindo terminar o ensino primário 6% das crianças matriculadas. As universidades mal tinham capacidade para 20 mil estudantes.

O setor da educação recebeu imediatamente a atenção do Estado revolucionário. O primeiro programa foi a campanha de alfabetização com a participação da população. Construiu-se uma ampla rede de escolas em todo o país e mais de 300 mil professores trabalham no setor. A média de nível escolar entre os maiores de 15 anos é de nona série. Os 100% das crianças em idade escolar matriculam nas escolas e os 98% terminam o ensino primário e 91%, o secundário. Um em cada 11 habitantes é universitário e um em cada oito têm algum nível de preparação técnico-profissional. Há 650 mil estudantes nas universidades e o ensino é gratuito. Além disso, 100% das crianças com deficiências físicas e mentais têm a possibilidade de se prepararem para a vida em escolas especiais.

Em 1958, a precária situação da saúde pública se caracterizava por uma mortalidade infantil que ultrapassava 60 em cada mil nascidos vivos e a mortalidade materna 118 mil em cada 10 mil. A taxa de mortalidade por gastrenterite era de 41,2 em cada cem mil e a de tuberculose 15,9 em cada cem mil. Nas zonas rurais, 36% da população padecia de parasitas intestinais, 31% malária, 14% tuberculose e 13% febre tifóide. A esperança de vida ao nascer era de 58,8 anos.

A capital do país tinha 61% dos leitos dos hospitais e 65% dos 6.500 médicos. No resto das províncias existia um médico em cada 2.378 habitantes e em todas as zonas rurais da nação existia apenas um hospital.

Atualmente, o atendimento médico é gratuito e Cuba dispõe de mais de 70 mil médicos, havendo um médico em cada 194 habitantes e quase 30 mil deles prestam serviços em mais de 60 países. Foi criada uma rede nacional de mais de 700 hospitais e policlínicas.

Em face da massificação da vacinação (neste momento, são aplicadas 13 vacinas em cada criança), foram virtualmente eliminadas doenças como a poliomielite, a difteria, o sarampo, a coqueluche, o tétano, a rubéola, a parotidite e a hepatite B. A mortalidade infantil é de 5,3 em cada mil nascidos vivos e a esperança de vida é de mais de 77 anos.

Também se prestam gratuitamente serviços médicos de alta tecnologia, que no âmbito internacional não são usualmente considerados básicos, como é o atendimento nas salas de cuidados intensivos nos hospitais pediátricos e de adultos, serviços de cirurgia cardiovascular, serviços de transplante, cuidados especiais de perinatologia, tratamento da insuficiência renal crônica, serviços especiais para a reabilitação física e mental, e outros.

Não só as medidas econômicas e sociais foram a prioridade do Estado revolucionário, mas também os esforços encaminhados a estabelecer a base jurídica interna que possibilitaria o exercício do direito à livre determinação, mediante uma participação direta da população na discussão, análise e aprovação das principais leis do país, entre as quais, a Constituição de 1976, aprovada por 97% dos cubanos maiores de 16 anos, mediante referendo ou outras leis importantes, como o Código Penal, o Código Civil, o Código da Família, o Código da Infância e da Juventude, o Código do Trabalho e da Previdência Social, etc.

Da mesma maneira, a livre determinação do povo cubano também se expressa no direito de defender a nação face à agressão exterior.

Atualmente, mais de quatro milhões de cubanos — trabalhadores, camponeses e estudantes universitários — estão organizados nas milícias em suas áreas de residência ou em suas fábricas e zonas rurais.

Desde 1959, Cuba teve que enfrentar a hostilidade de dez administrações norte-americanas, que pretenderam limitar o direito de livre determinação, mediante agressões e a imposição unilateral de um criminoso bloqueio econômico, comercial e financeiro.

É um princípio universalmente aceito da lei internacional, a proibição da coerção de um Estado contra outro, com o propósito de lhe negar o exercício de seus direitos soberanos. No artigo 24 da Carta das Nações Unidas, assinala-se que as nações deveriam se abster em suas relações internacionais da ameaça ou do uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado.

Durante os últimos 45 anos, os Estados Unidos proibiram o comércio com Cuba, inclusive, alimentos e medicamentos; cancelaram a cota cubana de exportação açucareira; seus cidadãos são proibidos, com fortes sanções, de viajarem à Ilha; proíbem a reexportação de produtos de origem estadunidense que tenham componentes ou tecnologia norte-americana de terceiros países a Cuba; proíbem os bancos em terceiros países de terem contas em dólares com Cuba ou de utilizarem essa divisa em suas transações com a nação cubana; intervêm sistematicamente para impedir ou obstaculizar o comércio e a outorga de financiamento ou ajuda a Cuba por governos, instituições e cidadãos de outros países e organismos internacionais.

Essas medidas obrigaram o nosso país, na década de 1960, a reorganizar suas relações econômicas de uma maneira estrutural, pois se viu obrigado a isso, diante das circunstâncias e por ter criado todos seus mercados fundamentais nos países da antiga Europa oriental, designadamente na ex-União Soviética, impelindo-o a uma reconversão quase total de toda a tecnologia industrial, meios de transporte e outros.

Depois que Cuba perdeu seus mercados naturais no Leste europeu, o governo norte-americano acirrou o bloqueio mediante a Lei Torricelli, em 1992, sob o pretexto da "democracia e dos direitos humanos" para proibir as subsidiárias estadunidenses, estabelecidas em terceiros países e sujeitas a leis dessas nações, de realizarem operações comerciais ou financeiras com Cuba (sobretudo em alimentos e medicamentos), punir com a proibição da entrada nos portos norte-americanos, por 180 dias, de todos os navios que transportem mercadorias para ou de Cuba, medidas que, por serem extraterritoriais, não só prejudicam Cuba, mas também a soberania de outras nações, bem como a liberdade internacional de transporte.

Em 12 de março de 1996, o governo dos Estados Unidos pôs em vigor a Lei Helms-Burton, que agravou as relações entre os dois países e pretendeu atribuir-se o direito de sancionar os cidadãos de terceiros países em cortes norte-americanas, ao passo que determinou sua expulsão ou a negação do visto de entrada nos Estados Unidos, com o objetivo de obstaculizar o esforço que realiza a nação cubana para recuperar sua economia e para conseguir uma maior inserção na economia internacional. O governo dos EUA pretendeu pressionar a população cubana para fazê-la abrir mão de seu empenho de conseguir a livre determinação.

Mais recentemente, os EUA adotaram o Plano Bush, que pretende tornar Cuba uma colônia, mediante um programa anexionista de intervenção, sob o pretexto de uma "transição", onde o Departamento de Estado responsabilizou um de seus dirigentes pela "direção" da nação, quando o Estado revolucionário desaparecer. Este Plano, pelo qual George W. Bush decidiu "precipitar o dia em que Cuba seja livre", acirra o bloqueio e a pressão sobre os cubanos, inclusive, reprime as relações familiares dos cubanos residentes nos Estados Unidos, entrega recursos milionários aos grupos terroristas de Miami, bem como a seus mercenários subordinados à Repartição dos Estados Unidos em Havana e promove fórmulas para desestabilizar o país e incrementar a pressão internacional sobre a Ilha.

Esta hostilidade norte-americana teve outras manifestações de agressão que inclui desde a agressão militar pela Baía dos Porcos, em 1961, a guerra suja dos bandos contra-revolucionários, apoiados e munidos militarmente pela Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos, a guerra bacteriológica contra as plantações (cana-de-açúcar, fumo e cítricos), animais (febre suína) e pessoas (dengue hemorrágica), até os planos de sabotagem, bombardeios, mediante o uso de aviões espias e atentados contra os principais dirigentes da Revolução.

É bem conhecido o trabalho que as organizações terroristas realizam na execução de ações militares contra Cuba, a partir do território norte-americano, promovidas e financiadas pelos meios de comunicação em Miami, que recrutam constantemente aventureiros dispostos a virem a Cuba como espiões para perpetrarem ações de sabotagem, que declaram abertamente que não têm receio de serem processados nem condenados pelas autoridades estadunidenses.

Essa é a causa pela qual jovens patriotas colocam os interesses da nação sobre os pessoais, sacrificando, inclusive, seus parentes, e se infiltram nos grupelhos terroristas. Dessa maneira, conseguem saber de suas atividades, evitando o derramamento de sangue do povo cubano e norte-americano. Eles estão dispostos a pagarem o preço da irracionalidade política do governo dos Estados Unidos, como acontece hoje com os Cinco heróis presos injustamente nos cárceres norte-americanos por lutarem contra o terrorismo.

A isso soma-se o aparelho militar criado pelos Estados Unidos contra Cuba e as constantes atividades contra nosso país, bem como a ocupação ilegal da base naval de Guantánamo em território cubano (que hoje é uma prisão terrorífica), pedaço de território ocupado em Cuba pelos Estados Unidos no início do século passado e que o governo norte-americano se nega a devolver ao povo cubano.

No início de 1990, depois do colapso da União Soviética, isolada e vilipendiada pela reação internacional, Cuba suportou o golpe da perda de seus mercados e demonstrou que podia brilhar com luz própria, porque pôde suportar essa conjuntura pela extraordinária prova de resistência da maioria da população cubana.

A população cubana decidiu apoiar consciente e conseqüentemente a direção política do país, não só porque identifica o sistema com seu próprio interesse, mas também pela maneira responsável com que o Estado assume a crise, reorganizando as forças e projetando estratégias para buscar soluções, apesar do bloqueio norte-americano e dos condicionamentos de seus aliados europeus.

Os sacrifícios provocados por essa situação são duros, mas são suportados não só pelos avanços sociais conseguidos, mas também pela confiança nos dirigentes do país e pela apreciação das pessoas de que seu governo não é um governo decadente nem com crise em sua gestão ou carente de estratégias, mas sim um governo que demonstrou que, ainda nas mais difíceis circunstâncias, jamais deixou de atender a população.

Decorreram 50 anos e o processo libertador chegou até aqui na mesma direção daquela noite, quando Fidel, diante do povo que o aclamava, no quartel-general da tirania naquele momento, disse que talvez, a partir de agora, tudo fosse mais difícil, porque teríamos que lutar para fazer a Revolução.

Com certeza, é o desafio dessa luta a que está vigente nas atuais circunstâncias para eliminar os vícios e enaltecer as virtudes, com Fidel como soldado das idéias, como guia na luta pela liberdade e pela independência.

Os inimigos de Cuba apostam no contrário. Neste mundo, onde a política é uma charge, não podem entender que esta Revolução é um processo de continuidade no seu pensamento e na sua ação e que Fidel continuará sendo o líder da Revolução de hoje e de amanhã, que além de cargos e de títulos, continuará sendo o conselheiro de idéias, ao qual sempre deveremos acudir, porque Fidel conseguiu ultrapassar a vida política para se inserir como algo íntimo na vida familiar da imensa maioria dos cubanos

Fonte: http://rluizaraujo.blogspot.com/