Laerte Braga no Diario Liberdade
A
História nem é "carroça abandonada à beira da estrada" (Chico Buarque
de Holanda) e tampouco se faz em um dia. O fim da União Soviética começa
a mostrar outro processo de extinção, o da Europa Ocidental. A maior
parte dos países dessa parte do mundo, a rigor, por conta do alinhamento
quase absoluto com os EUA, perdeu sua autonomia, sua independência e
muitos governos (britânico, sueco, alemão, italiano, por exemplo) são
inteiramente subordinados a Washington.
A
globalização em se falando de Europa foi literalmente
"globalitarização" (Milton Santos), ainda que numa forma diferente da
concebida pelo geógrafo brasileiro. Nações como a Suécia e a Alemanha, o
Reino Unido, são meros pedaços de terra cercados de uma história de
milênios, mas bases militares da OTAN – Organização do Tratado Atlântico
Norte – a força de ocupação norte-americana.
A
guinada à direita do presidente francês Nicolas Sarkozy tem um claro
apelo eleitoral (os votos da extrema-direita em ascensão e suas
políticas contra imigrantes). Com as forças de esquerda desmanteladas e
incapazes de conter o avanço dos EUA sobre o continente, só resta em
termos de sobrevivência abrir as portas dos palácios reais e castelos
para o pão nosso de cada dia. Um euro por visitante, a única concessão a
estrangeiros.
O grande problema
vivido pela Europa Ocidental hoje se materializa na gota d'água do
processo de restrição a direito de imigrantes e nas grandes
manifestações contra o crescimento da população muçulmana. "Muitos
europeus rotulam o crescimento dos contingentes estrangeiros –
especialmente muçulmanos – como incompatíveis com os valores
ocidentais". A afirmação é de Matthew Goodwin, do Instituto de Relações
Internacionais Chatham House, com sede em Londres.
Esse
fenômeno da rejeição a muçulmanos acende outra fogueira e num outro
extremo. A direita traz consigo o antisemitismo. A exigência de brasão,
árvore genealógica, ou fortes depósitos em bancos europeus passa a ser
condição básica para ser absorvido e integrado a Europa. O impasse se
supera com o sionismo, versão fascista do judaísmo e detentora do
controle de grande parte dos "negócios".
O
surgimento de conflitos com setores que aceitam essas políticas pode e
deve incendiar boa parte da Europa, exatamente no momento em que outra
boa parte dos países europeus, começa a vislumbrar a falência econômica.
Para
Washington basta que os europeus continuem acreditando que são donos de
seus museus, castelos, seus reis e rainhas, seus primeiros ministros
exóticos, ou presidentes erráticos como Sarkozy, que o resto eles,
norte-americanos, providenciam.
Em
breve, pelo andar da carruagem, os tradicionais ônibus de dois andares
que circulam por Londres e outras cidades inglesas vão virar bastião da
pátria amada, do império onde o sol não se punha.
Vai ser o que restar diante do avanço dos EUA.
A
extrema direita já participa de governos na Itália, Dinamarca e Holanda
e tem cadeiras nos parlamentos da Áustria, Bulgária, Letônia,
Eslováquia e Suécia.
Na França, surge
a primeira musa dessa horda. Marine Le Pen, 42 anos de idade, deputada
ao Parlamento Europeu pela Frente Nacional de seu país, partido que
entre outras coisas, é racista, fascista e antisemita. Foi eleita para
suceder seu pai Jean-Marie à frente da organização desde 1972. Marine
teria hoje, segundo avaliações de institutos de opinião pública, 17% dos
votos dos franceses numa eventual disputa eleitoral.
Segundo
ela o hábito dos muçulmanos de orar pelas ruas se compara "a ocupação
da França pelos nazistas". Defende o retorno da pena de morte, a volta
do serviço militar obrigatório e acha que os crimes praticados por
policiais contra "suspeitos" (como o do brasileiro Jean Charles
assassinado pela polícia londrina) devem ser considerados "legítima
defesa".
Quer o fim dos benefícios sociais para estrangeiros.
São os tais "valores ocidentais".
A
verdade é que neste momento começam a naufragar e a apodrecer os
pilares da Nova Ordem traçada pelo Consenso de Washington – o
neoliberalismo –.
A própria corte
desse império está mergulhada numa crise que sinaliza seu declínio.
Quando elegeu o primeiro presidente de pele negra, não só os negros, mas
todos, perceberam que se trata de um branco disfarçado e disposto ao
papel de garçom da Casa Branca. Michael Moore, o cineasta, compara-o nas
funções de "comandante em chefe das forças armadas" ao "funcionário do
mês do BurgerKing do meu bairro".
A
ocupação da Europa por bases militares, os conflitos na Ásia, África e
Oriente Médio, as tentativas de golpes contra governos progressistas da
América Latina, são sinais da transformação dos EUA num conglomerado
terrorista formado pelo que Eisenhower (general e ex-presidente) chamou
de "complexo industrial e militar", isso na década de 50 do século
passado.
Não existem mais os Estados
Unidos como nação. Mas o conglomerado EUA-Israel Terrorismo S/A, montado
num arsenal capaz de destruir o mundo cem vezes se necessário for e
pelos tais "valores ocidentais".
Nesse
contexto todo a América Latina passa a ter capital importância diante
do potencial econômico que traz consigo. Matérias primas básicas,
petróleo em grande quantidade, água, toda a perspectiva de um grande
campo para sustentar o conglomerado. Evitar o declínio em curso.
E
é por aí que cresce a importância de governos como o de Chávez, Evo
Morales, Lugo, Pepe Mujica, Ortega, Castro, Corrêa e outros e se faz
necessária a plena definição do Brasil – maior país da região – pelo
processo de integração sem os Estados Unidos, para que não sejamos uma
nova Europa, ou um novo México.
É a barbárie com tecnologia de ponta.
|
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
segunda-feira, 17 de janeiro de 2011
Valores Ocidentais
Mississippi John Hurt - The Best of 1990
01- Here Am I, Oh Lord, Send Me
02- I Shall Not Be Moved
03- Nearer My God to Thee
04- Baby, What's Wrong With You?
05- It Ain't Nobody's Business
06- Salty Dog
07- Coffee Blues
08- Avalon My Home Town
09- Make Me a Pallet on the Floor
10- Since I've Laid My Burden Down
11- Sliding Delta
12- Monday Morning Blues
13- Richland Women Blues
14- Candy Man
15- Stagolee
16- My Creole Belle
17- C.C. Rider
18- Spanish Fandango
19- Talking Casey
20- Chicken
02- I Shall Not Be Moved
03- Nearer My God to Thee
04- Baby, What's Wrong With You?
05- It Ain't Nobody's Business
06- Salty Dog
07- Coffee Blues
08- Avalon My Home Town
09- Make Me a Pallet on the Floor
10- Since I've Laid My Burden Down
11- Sliding Delta
12- Monday Morning Blues
13- Richland Women Blues
14- Candy Man
15- Stagolee
16- My Creole Belle
17- C.C. Rider
18- Spanish Fandango
19- Talking Casey
20- Chicken
21- You Are My Sunshine
CRÉDITOS: Beco do Blues
“O TDAH é um transtorno real e como tal deve ser encarado”
por dra. Katia Beatriz Corrêa e Silva, psiquiatra no Vio Mundo
Caros leitores, ao ler o artigo em pauta fiquei muito preocupada pela veiculação de algumas informações equivocadas, conceitos errôneos e falsos pressupostos.
Devo antes me apresentar: sou médica, psiquiatra da Infância e
Adolescência, com foco de estudo e trabalho em TDAH e Bipolaridade há
aproximadamente 20 anos. Mas como sou formada há 32, antes tive a
oportunidade de me dedicar ao estudo de muitas das desordens que afetam a
Infância e Adolescência.
Ao citar um livro de um outro jornalista, me pareceu que havia uma
insinuação de que os transtornos mentais e emocionais estariam
aumentando em quantidade e diversidade única e exclusivamente para a
alegria e lucro da industria farmacêutica. Antes de qualquer dúvida, não
recebo nada da tal indústria e nem tenho qualquer ligação com isso. Sei
das artimanhas que elas engendram, não sou ingênua, e do seu apetite
pelos lucros.
Mas a Cesar o que é de César.
Essa descoberta não é só do ilustre jornalista. Há muito as
pesquisas sérias já vinham detectando esse fenômeno. Mas vejamos por
outros ângulos. Nesses 50 anos, o conhecimento científico cresceu como
nunca, os meios de detecção de fenômenos, de testagem e confirmação de
hipóteses, de troca de conhecimentos ao redor do mundo, foram ímpares na
história do conhecimento humano. Em consequência a descoberta de novos
transtornos, a melhor compreensão de outros e a melhora na capacidade
diagnóstica cresceram proporcionalmente. Natural, não?
Nesses mesmos 50 anos, a mudança de parâmetros sociais e culturais, a
mudança de referenciais econômicos, culturais, sociais e emocionais ao
redor do mundo foi também ímpar na história da humanidade.
Nunca houve mudanças tão grandes e profundas em uma extensão tão
ampla de países e culturas como nesses últimos 50 anos. E isso provocou e
provoca alterações na forma de ver, sentir, reagir e responder às
situações por parte das pessoas, levando também a desequilíbrios antes
insuspeitos. Natural, não?
Com relação à pesquisa da Dra. Andreasen quanto à diminuição do lobo
frontal por culpa do uso de medicação por longo período, é interessante
saber se o mesmo número de pacientes psicóticos (que já é uma população
heterogênea ), foi acompanhado pelos mesmos cinco anos, sem uso de qualquer medicação,
para então podermos fazer essa afirmação de que foi o uso da medicação
que provocou a diminuição da massa encefálica com prejuízo das funções
cognitivas.
Outra questão que merece toda a nossa atenção é a citação de frases
de pesquisadores fora dos seus trabalhos. Uma frase fora do seu contexto
pode induzir ao que se queira.
Logo em seguida o jornalista faz afirmações no mínimo curiosas: que
os transtornos mentais seriam mais frequentes justamente em quem se
trata. Para que fosse minimamente correta, seria preciso ter o mesmo
número de pacientes com os mesmos transtornos e as mesmas condições
gerais e que não fizessem uso de qualquer medicação para que se pudesse
fazer tal comparação. Não sei se o jornalista tem essa pesquisa e a que
conclusões chegou.
E as crise são mais freqüentes em quem se trata ou quem não se trata
não tem ninguém que cuide dele e logo não saberemos quantas crises teve e
sequer se sobreviveu?
Outra afirmação curiosa é que a depressão seria um desequilíbrio
químico do cérebro, sem qualquer comprovação, seria antes um “lugar
comum”. Sugiro que o prezado jornalista procure se inteirar um pouco
mais das pesquisas, que já não são nem tão recentes.
Seria também interessante saber o que ele chama de evidências
indiretas e que evidencias diretas supõe que tenhamos de transtornos
físicos e mentais.
Outro equivoco grave é supor que o TDAH é uma “nova síndrome”. Em
1902, o Dr. George Still, pediatra inglês, membro do Royal College
apresentou em um encontro científico seus estudos sobre um grupo de
crianças com os mesmos sinais e sintomas que caracterizam o TDAH, tipo
misto. Ele estudou esse grupo por vários anos, antes de apresentar seu
trabalho de pesquisa e antes dele temos descrições na literatura
descrevendo exatamente o quadro que encontramos hoje.
Existe um poema alemão do século 19 descrevendo as aventuras de um
menino inquieto com o mesmo comportamento que vemos atualmente nos
portadores. Acho que a indústria farmacêutica ainda não era tão
presente. Concordo inteiramente que a sociedade e a cultura americanas
tem esse imediatismo, muitas vezes errôneo. Mas confundir as
características de uma sociedade com a existência ou não de um
transtorno mental, me parece, no mínimo, falta de informação correta.
Outra incorreção preocupante é afirmar que o uso da medicação altera a
química do cérebro “para sempre” e “pior, sem saber exatamente o que
está sendo alterado!”.
A química não é alterada para sempre, até porque se assim fosse não
seria preciso continuar o uso da medicação para se continuar a ter os
benefícios que ela traz. O que a medicação propicia é a correção da
falta de neurotransmissores, que não estão na quantidade necessária onde
seria de se esperar. Uma informação que está disponível em qualquer
texto científico sério sobre o assunto. E as consequências sobre o que
acontecerá na vida daquela criança após anos de uso podem ser
acompanhadas através da entrevista aos portadores que se tratam há anos e
que tem suas vidas dramaticamente melhoradas pelo tratamento.
Seria interessante, quando não imprescindível, ouvir os principais interessados nessa questão: os portadores e seus familiares!
Outro equívoco primário é associar o uso da medicação apenas e tão
somente à atividade escolar. Ou à calma e obediência doméstica. Os que
defendem essas justificativas não sabem qual a ação da medicação e não
sabem do que se trata o TDAH. Não basta se dizer “especialista”, é
preciso conhecer realmente o que é o transtorno, que áreas do
comportamento afeta e quais suas reais consequências na vida do
portador. E de suas famílias.
Se o jornalista autor do livro em pauta afirma que os psiquiatras
não sabem dizer o futuro dos pacientes tratados, talvez não tenha ouvido
um número de profissionais suficiente ou tenha escolhido justamente os
que não sabiam. Preconceito é uma atitude absolutamente democrática.
Acomete a qualquer um.
A taquicardia que ele descreve e, sutilmente, sugere ocorrer em todas
as crianças, é um efeito colateral possível sim, mas não tão comum como
ele quer fazer crer. E todos os profissionais de saúde sérios sabem que
toda e qualquer medicação tem efeitos colaterais. Se não tem efeito
colateral, não tem efeito terapêutico. A frase com que encerra o
parágrafo é maldosa e mentirosa. Mas deve causar um grande efeito nas
pessoas leigas e ajudar a vender bem o produto.
A confusão a que o jornalista induz sobre a proximidade etiológica
entre TDAH e Bipolaridade é, no mínimo, suspeita. A intenção clara é
fazer o leitor acreditar que o uso da medicação para o tratamento do
TDAH irá “promover” o surgimento de outro transtorno, mais grave.
Consequentemente, os médicos que prescrevem a medicação para tratar o
TDAH são criminosos, por provocar o surgimento de outro transtorno
mental em quem, afinal, não tinha nada.
O Dr. Joseph Biederman e o grupo do Massachussetts Hospital fazem
parte de um dos grupos de pesquisa mais ativos no estudo do TDAH e o Dr.
Russell Barkley é um dos mais renomados estudiosos do assunto.
Curiosamente o jornalista cita pesquisas muito antigas ( 1973, 1978,
1996, 1997, 2001, 2002, etc.). Pesquisa com mais de cinco anos pode ser
considerada antiga, dada a velocidade com que as descobertas em qualquer
campo das ciências ( exatas, biológicas, e outras ) se dão. As
pesquisas antigas trazem dados que, muito frequentemente, já foram
revistos e muitas vezes modificados.
Outra questão grave é a citação de frases fora de seus contextos.
Elas se prestam às mais variadas interpretações. Principalmente quando
já se tem um caminho que queremos que o leitor siga.
Quanto ao desempenho acadêmico, a capacidade de aprendizagem, os
efeitos positivos nas funções cognitivas (funções executivas ) e a
melhora no relacionamento social, pessoal e emocional, seria mais
honesto perguntar aos portadores e suas famílias, do que citar obscuros
profissionais em pesquisas das quais pouco se sabe.
Entretanto concordo inteiramente com a jornalista quando diz que os
professores não tem a condição de fazer diagnósticos, nem de apontar
tratamentos para os problemas que ocorrem na escola e em sala de aula.
Para isso existem os médicos, neurologistas e psiquiatras da Infância e
Adolescência, que se dedicam a estudar e pesquisar o transtorno.
É claro que inúmeros problemas podem causar agitação, desatenção e
atitude impulsivas em uma criança ou adolescente. É óbvio que não se
pode negar o efeito de problemas familiares, emocionais, pessoais,
econômicos, na vida e no comportamento das crianças. Assim como métodos
educacionais por vezes equivocados ou professores mal preparados também
causam reações semelhantes. Mas a escola pode desempenhar uma parceria
preciosa.
E é justamente porque as “tias Belas” e “tias Rosas” tinham e tem
suas salas cheias com 30 ou mais alunos, e tem tantos anos de prática no
trato com crianças, que podem e geralmente sabem quando um
comportamento não é “só coisa de criança”. A escola pode perceber quando
a alguma coisa diferente acontecendo com a criança e pode sim alertar
os pais ou responsáveis e sugerir a procura a uma ajuda, uma orientação
até uma avaliação. Mas realmente “os professores, por melhores que
sejam, não estão capacitados para sugerir a necessidade de algum
tratamento psiquiátrico.”
Mas isso não quer dizer que o TDAH não exista. Ou que seja uma
invenção de industrias farmacêuticas gananciosas, professores
preguiçosos ou pais estressados.
O TDAH é um transtorno mental real, com consequências sérias e como tal deve ser encarado.
Seria interessante ouvir as associações de pais e portadores, nos
Estados Unidos o CHADD e os ADD, no Brasil a ABDA; na maioria dos países
do mundo existem associações semelhantes.
PS do Viomundo: O jornalista a que se refere a dra. Katia aparentemente é Robert Whitaker, autor de Anatomy of an Epidemic, citado por Heloisa Villela aqui. Ele também é autor de Mad in America.
O fato de que nos propomos a debater questões espinhosas como as
doenças psiquiátricas não significa que os pacientes ou pais de
pacientes devam abandonar as recomendações médicas.
Pressão contra limites
Por Lúcio Vaz
Do Correio Braziliense via MST
A batalha final sobre a regulamentação da compra de terras por
estrangeiros no Brasil ficou para o governo Dilma Rousseff. Acontecerá
no Congresso, com a aprovação de uma nova lei para o setor. Empresas
nacionais com controle de capital externo vão tentar derrubar a sua
equiparação às empresas estrangeiras, que sofrem restrições nas suas
aquisições. Elas contestam o parecer da Advocacia-Geral da União (AGU)
publicado em agosto. Paralelamente, fazem pressão econômica. Fundos de
investimentos internacionais fizeram chegar ao governo a informação de
que cerca de US$ 6 bilhões foram congelados no país em consequência da
“insegurança jurídica” trazida pelo parecer. A Associação Brasileira de
Produtores de Florestas Plantadas (Abraf) afirma que os investimentos
paralisados ou até cancelados somam R$ 7,2 bilhões.
O diretor-executivo da Abraf, César Reis, teve audiências nos
Ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, na Casa Civil,
na AGU e no Incra entre o final de agosto e dezembro. Ele representa
empresas que produzem celulose e papel, lâminas de madeira e carvão para
siderurgia. Das 24 associadas, 12 têm controle de capital estrangeiro.
Levou na pasta os seus números: faturamento não realizado nos próximos
sete ano, R$ 6,5 bilhões; tributos não recolhidos no mesmo período, R$
1,2 bilhão; empregos que deixaram de ser gerados: 10 mil. Em carta
enviada à então ministra-chefe da Casa Civil Dilma Rousseff, antes da
aprovação do parecer da AGU, a Associação Brasileira de Celulose e Papel
(Bracelpa) havia apresentado números ainda mais alarmantes. O setor
teria investimentos de US$ 9 bilhões até 2012, mas isso exigiria a
compra de novas áreas.
Mais discretos, também têm interesse na nova regulamentação as
empresas de produção e processamento de grãos e as do setor
sucroalcooleiro. Principalmente a produção de etanol atrai grupos de
investimentos internacionais. Todos esses setores trataram de azeitar as
relações com os congressistas na última eleição, fazendo doações de R$
40 milhões para centenas parlamentares e governadores. Entre os doadores
estão gigantes multinacionais com representação no Brasil. Há setores
nacionais do agronegócio que estão se associando a grupos estrangeiros,
principalmente na produção de etanol, mas outra parte resiste à chegada
das multinacionais, como na área de produção de soja e milho. Todos os
lados fizeram contribuições eleitorais.
Limites
O novo parecer da AGU foi uma tentativa do governo de impor controle e
limites à ocupação de terras brasileiras pelo capital estrangeiro.
Série de reportagens do Correio mostrou que os gringos têm cerca de 3,5
milhões de hectares registrados em seu nome. Mas isso representa apenas
um terço do quadro real estimado pelo Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (Incra). O parecer preserva as aquisições já feitas,
mas impõe, a partir de agora, limites de extensão que chegam, no máximo,
a 5 mil hectares por empresa. A nova lei também vai regulamentar a
compra de propriedades urbanas e na orla brasileira, hoje ocupada de
forma agressiva e sem controle por grupos internacionais para a
implantação de resorts. O anteprojeto está sendo elaborado por um grupo
interministerial, com a coordenação da Casa Civil.
A reportagem teve acesso à carta enviada pela presidente da Bracelpa,
Elizabeth Carvalhaes, à Dilma durante o debate que antecedeu a
aprovação do parecer assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Carvalhaes afirma que a revisão do parecer muda o entendimento até
então trazido pela Constituição federal e pelas leis, sem que houvesse
qualquer alteração na legislação vigente: “Tal alteração trará prejuízos
ao consagrado princípio da segurança jurídica”. Em seguida, ela lembra
que o setor possui uma área imobiliária de 5 milhões de hectares, sendo
1,7 milhões de hectares de área plantada para fins industriais. E
informa que os investimentos projetados “contam com a aquisição de novas
áreas para plantio florestal, principalmente na Região Sul e Sudeste”.
Coordenador do grupo de trabalho que elaborou o parecer da AGU, o
consultor-geral da União, Ronaldo Vieira, afirma que não houve usurpação
da competência do Congresso. “Ao contrário, ao aprovar a Lei 8.629/93,
que disciplina o capítulo da Reforma Agrária, o Congresso diz que, no
arrendamento de terras por estrangeiros, aplicam-se as restrições da Lei
5.709/71. Na verdade, o parecer da AGU, um ano depois (em 1994), é que
foi contrário à posição do Congresso, que havia se pronunciado pela
recepção ampla da Lei 5.709. Isso reforça que não há deficit de
legitimidade ou usurpação de competência. Além disso, no artigo 172 da
Constituição, está previsto que, nos setores estratégicos ao país,
poderá haver restrição ao capital estrangeiro.”
Quem doou mais
Empresa Valor
(em R$ milhões)
(em R$ milhões)
Suzano Papel e Celulose 5,2
Cosan 5,1
Fibria Celulose 4,7
Usina Coruripe 3,1
Klabin 3
Coopersucar 2,9
Bunge 2,8
Usina Caeté 1,3
Usina Naviraí 1,1
CMPC Celulose 0,8
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
Cosan 5,1
Fibria Celulose 4,7
Usina Coruripe 3,1
Klabin 3
Coopersucar 2,9
Bunge 2,8
Usina Caeté 1,3
Usina Naviraí 1,1
CMPC Celulose 0,8
Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
Quem recebeu mais
Candidato cargo valor (em R$ mil)
André Puccinelli (PMDB-MS) governador 2.269
Teotônio Vilela (PSDB-AL) governador 2.050
Paulo Skaf (PSB-SP) governador 1.696
Sinval Cunha (PMDB-MT) governador 1.432
Jaques Wagner (PT-BA) governador 798
Delcídio Amaral (PT-MS) senador 660
Paulo Souto (DEM-BA) governador 643
Roberto Balestra (PP-GO) deputado 597
Eduardo Cunha (PMDB-RJ) deputado 500
Heuler Cruvinel (DEM-GO) deputado 457
Abelardo Lupion (DEM-PR) deputado 445
José Freitas Maia (PSDB-MG) deputado 440
Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) deputado 385
Antônio Anastaria (PSDB-MG) governador 378
Aloísio Mercadante (PT-SP) governador 350
Blairo Maggi (PMDB-MT) senador 300
Teotônio Vilela (PSDB-AL) governador 2.050
Paulo Skaf (PSB-SP) governador 1.696
Sinval Cunha (PMDB-MT) governador 1.432
Jaques Wagner (PT-BA) governador 798
Delcídio Amaral (PT-MS) senador 660
Paulo Souto (DEM-BA) governador 643
Roberto Balestra (PP-GO) deputado 597
Eduardo Cunha (PMDB-RJ) deputado 500
Heuler Cruvinel (DEM-GO) deputado 457
Abelardo Lupion (DEM-PR) deputado 445
José Freitas Maia (PSDB-MG) deputado 440
Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) deputado 385
Antônio Anastaria (PSDB-MG) governador 378
Aloísio Mercadante (PT-SP) governador 350
Blairo Maggi (PMDB-MT) senador 300
O Brasil africano
A ocupação de terras de países africanos por grupos internacionais é
vista como um exemplo preocupante pelo consultor-geral da União, Ronaldo
Vieira. “Um estudo do banco Mundial faz análise do que está acontecendo
na África, porque as terras disponíveis para plantar no mundo estão na
América do Sul, África e Ásia. O Brasil tem 15% das áreas agricultáveis
não utilizadas no mundo. O que diz o documento? Os países em que há uma
baixa governança fundiária, uma legislação frouxa, um Estado sem
capacidade de fiscalização, são os preferidos pelos investidores porque
eles tem o melhor controle possível. E o que isso tem gerado de
desenvolvimento à comunidade local? Você tem investimento de bilhões em
aquisição de terras que não revertem em absolutamente nada. Daí foi
cunhada a expressão neocolonialismo africano”, relata o consultor.
Vieira afirma que o parecer da AGU mudou porque mudaram as
circunstâncias. “A terra passou a ser um ativo estratégico para o Estado
brasileiro. Eles argumentam que é um setor produtivo, não é
especulativo. Mas trata-se da apropriação de parte significativa do
território, terra essa que hoje tem um peso nas relações internacionais
muito maior do que há 10, 15 anos”.
A visão do consultor é compartilhada pelo diretor da Associação
Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas (Abraf), Cesar Reis. “A
entidade entende a preocupação do governo quanto ao capital
especulativo, com os fundos soberanos de nações ao redor do mundo, que
têm a preocupação de garantir a própria segurança alimentar e estão
adquirindo terras em grandes extensões, por enquanto na África.”
Mas o executivo faz uma ressalva: “O parecer, pelo fato de ter sido
muito abrangente e pelo fato de criar restrições a empresas nacionais de
capital estrangeiro, vai atingir as empresas associadas à Abraf. Então,
procuramos agir, levando ao governo a nossa preocupação e os nossos
números. O governo tem-nos recebido muito bem. Eles entendem que somos
um capital produtivo, gerador de emprego, com responsabilidade social. E
nessa revisão do parecer, essa restrição deixaria de existir para nós.
Tem empresas com mais de 100 anos no Brasil”. (LV)
Educação: da quantidade à qualidade
Frei Betto no Sul21
A presidente Dilma promete priorizar a educação. No Brasil, apenas
10% da população concluíram o ensino superior; 23% o médio, e 36% não
terminaram o fundamental. O ministro Fernando Haddad se compromete a
adotar tempo integral no ensino médio, combinando atividades
curriculares com aprendizado profissionalizante.
São promessas às quais se soma a de aplicar 7% do PIB na educação (hoje, apenas 5,2%, cerca de R$ 70 bilhões).
O governo Lula avançou muito na área: criou 14 novas universidades
públicas e mais de 130 expansões universitárias; a Universidade Aberta
do Brasil (ensino à distância), cuja qualidade é discutível; construiu
mais de 100 campi universitários pelo interior do país; criou e/ou
ampliou Escolas Técnicas e Institutos Federais e, através do ProUni,
possibilitou a mais de 700 mil jovens o acesso ao ensino superior.
Outro avanço é a universalização do ensino fundamental, no qual se
encontram matriculados 98% dos brasileiros de 7 a 14 anos. Porém,
quantidade não significa qualidade. Ainda há muito a fazer. Estão fora
da escola 15% dos jovens entre 15 e 17 anos. Ao desinteresse, principal
motivo, alinham-se a premência de trabalhar e a dificuldade de acesso à
escola.
Tomara que a proposta de tempo integral do ministro Haddad se torne
realidade. Nos países desenvolvidos os alunos permanecem na escola, em
média, 8 horas por dia. No Brasil, 4,30 horas. Pesquisas indicam que, em
casa, passam o mesmo tempo diante da TV e/ou do computador. Nada
contra, exceto o risco de obesidade precoce. Mas como seria bom se TV
emitisse mais cultura e menos entretenimento e se na internet fossem
acessados conteúdos mais educativos!
Os estudantes brasileiros leem 7,2 livros por ano, dos quais 5,5 são
didáticos ou indicados pela escola. Apenas 1,7 livro por escolha
própria. E 46% dos estudantes não frequentam bibliotecas.
No Pisa 2009 (Programa Internacional de Avaliação de Alunos),
aplicado em 65 países, o Brasil ficou em 53º lugar. Na escala de 1 a 800
pontos, nosso país alcançou 401. No quesito leitura, 49% de nossos
alunos mereceram nível 1 (1 equivale a conhecimento rudimentar e 6 ao
mais complexo). Nível 1 também para 69% de nossos alunos em matemática e
para 54% em ciências.
O Pisa é aplicado em alunos(as) de 15 anos. Nas provas de matemática e
leitura, apenas 20 alunos (0,1%), dos 20 mil testados, alcançaram o
nível 6 em leitura e matemática. Em ciências, nenhum. No conjunto, é em
matemática que nossos alunos estão mais atrasados: 386 pontos (o máximo
são 800). O MEC apostava atingirem 395. Na leitura, nossos alunos
fizeram 412 pontos, e em ciências, 405.
Estamos tão atrasados que o Plano Nacional de Educação prevê o Brasil
alcançar, no Pisa, 477 pontos em 2021. Em 2009, a Lituânia alcançou
479; a Itália, 486; os EUA, 496; a Polônia, 501; o Japão 529; e a China,
campeã, 577.
Nos países mais desenvolvidos, 50% do tempo de instrução obrigatório
aos alunos de 9 a 11 anos e 40% do tempo para os alunos de 12 a 14 anos é
ocupado com ciências, matemática, literatura e redação. E, no ensino
fundamental, não se admitem mais de 20 alunos por classe.
Onde está o nosso tendão de Aquiles? Na falta de investimentos – em
qualificação de professores, plano de carreira, equipamentos nas escolas
(informática, laboratório, biblioteca, infradesportiva etc).
Análise de 39 países, feita pela OCDE em 2010, revela que o
investimento do Brasil em educação corresponde a apenas 1/5 do que os
países desenvolvidos desembolsam para o setor. EUA, Reino Unido, Japão,
Áustria, Itália e Dinamarca investem cerca de US$ 94.589 (cerca de R$
160 mil) por aluno no decorrer de todo o ciclo fundamental. O Brasil
investe apenas US$ 19.516 (cerca de R$ 33 mil).
Embora a OMC tenha insinuado retirar a educação da condição de dever
do Estado e direito do cidadão e transformá-la em simples negócio – ao
que o governo Lula se contrapôs decididamente -, os 5,2% do PIB que
nosso país aplica na educação são insuficientes. O que favorece a
multiplicação de escolas e universidades particulares de duvidosa
qualidade. Entre os países mais ricos, derivam do poder público 90% do
investimento em ensinos fundamental e médio.
Ainda convivemos com cerca de 14 milhões de analfabetos com 15 anos
ou mais. Sem contar os analfabetos funcionais. Dos 135 milhões de
eleitores em 2010, 27 milhões não sabiam ler nem escrever. Faltou ao
governo Lula um plano eficiente de alfabetização de jovens e adultos.
Tomara que Dilma cumpra a promessa de criar 6 mil novas creches e o
MEC se convença de que alfabetização de jovens e adultos não se faz
apenas com dedicados voluntários. É preciso magistério capacitado,
qualificado e bem remunerado.
Todos gostariam que seus filhos tivessem ótimos professores. Mas quem
sonha em ver o filho professor? Na Coreia do Sul, onde são tão bem
remunerados quanto médicos e advogados, e socialmente prestigiados,
todos conhecem o provérbio: “Jamais pise na sombra de um professor.”
* Escritor, autor de “Alfabetto – Autobiografia Escolar” (Ática), entre outros livros
Educação e inclusão: ano-velho ou ano-novo?
Escrito por Lucio Carvalho no Correio da Cidadania | |
A universalização do atendimento escolar, preconizada como a segunda
grande diretriz do Plano Nacional de Educação (PNE) 2011-2020, enviado
ao Congresso Nacional em fins de dezembro (15/12) pelo ministro Fernando
Haddad, do MEC, enfrenta desde já um importante desafio pelo menos no
que se refere à educação especial. Caberá aos deputados federais
eleitos, que assumem suas funções em 1º de fevereiro de 2011, conhecer,
analisar e decidir pelo PNE e também sobre proposta de Decreto
Legislativo que visa anular a aplicação de regulamentação proposta pelo
Conselho Nacional de Educação (CNE) no que diz respeito à matrícula de
estudantes com deficiência nas classes comuns do ensino regular.
É o que pretende o PDC-2846/2010 (http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=485598),
de autoria do Deputado Eduardo Barbosa (PSDB-MG), também é presidente
da FENAPAES - Federação Nacional das APAES (Associações de Pais e Amigos
dos Excepcionais). Barbosa alega a inconstitucionalidade da Resolução
4/10 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação
(CBE/CNE) e propõe anular o artigo da resolução que trata do caráter
complementar e/ou suplementar do atendimento educacional especializado,
justificando que alunos com deficiência possam receber exclusivamente a
educação oferecida pelas escolas especiais, deixando de freqüentar o
espaço comum das escolas regulares, tendo em vista que o projeto de
decreto visa tão somente a suspensão do efeito da norma expedida pelo
CNE e publicada pelo ministro Fernando Haddad em julho de 2010 e a
obrigatoriedade dos sistemas de ensino em matricular alunos com
deficiência.
A principal barreira legal que o projeto do Deputado Barbosa vai
encontrar pelo caminho é a legislação federal atual, que incorporou com
força de emenda constitucional a Convenção sobre os Direitos da Pessoa
com Deficiência e que assegura, em seu Art. 24, um sistema educacional
inclusivo em todos os níveis e prevê que todos os apoios necessários
sejam dirigidos à inclusão plena dos indivíduos na sociedade. A proposta
ainda impacta o desejo da Conferência Nacional de Educação (CONAE) que
confirmou em abril de 2010 o sentido de universalização a partir da
instituição de uma escola unificada.
Avanço nas matrículas e na qualificação
O último ano foi o segundo em que o número de alunos com deficiência
matriculados em classes comuns do ensino regular superou as matrículas
em escolas especiais. De acordo com o Censo Escolar 2010, o número de
alunos com deficiência matriculados em todos os sistemas de ensino
aumentou cerca de 10% e, segundo o INEP, isso resulta de uma maior
presença social através do desenvolvimento da educação inclusiva.
Por todo o país, dezenas de cursos envolvendo professores e gestores na
área de educação aconteceram no sentido de qualificar a escola comum
como um espaço efetivamente democrático e capaz de atender às diferenças
inerentes a população de alunos, seja através dos poderes públicos
municipais e estaduais como no meio universitário, atingindo novos
profissionais da educação.
Muitas escolas especiais, inclusive algumas APAES, redimensionaram sua
forma de atendimento e passaram a atuar em regime de colaboração com a
escola regular. Elas oferecem, no contraturno, o atendimento educacional
especializado (AEE), que é um serviço disponibilizado aos alunos com
deficiência também pelas próprias escolas e constitui a base da Política
Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva,
sustentada pelo MEC e recentemente regulamentada pelo CNE.
Resistências não são novidade
Não são exatamente novidade as resistências em torno da atual política
de inclusão. Além das escolas especiais, que vêem seus recursos
ameaçados e seus serviços com uma clientela cada vez menor, também
muitas escolas particulares ainda rejeitam essa nova perspectiva de
atendimento. Mesmo sendo integrantes do sistema geral de ensino e
obrigadas a cumprir a legislação educacional em vigor, ainda são muito
freqüentes situações de constrangimento às famílias de crianças com
deficiência que encontram dificuldade inclusive para matricular seus
filhos e imposições contratuais desiguais, como obrigações de pagamentos
adicionais e outras necessidades específicas negociadas em particular.
Sob o pretexto de aumentar custos em decorrência de necessidades não
habituais, cria-se um espírito de animosidade que vai encontrar solução
muitas vezes judicialmente. O judiciário, por sua vez, ainda vem
assimilando os valores expressos na nova ordem constitucional sobre o
tema e o resultado disso são prejuízos desnecessário à população, que
apenas quer ver cumpridos os seus direitos. As decisões judiciais,
entretanto, cada vez mais têm favorecido aos cidadãos e também o
Ministério Público tem agido como indutor de políticas públicas,
orientando e fiscalizando tanto escolas públicas quanto privadas, em
todas as modalidades de ensino.
No legislativo, o tema tem sido objeto de disputa e debates há pelo
menos dez anos, desde que o MEC assumiu posição em prol da educação
inclusiva e despertou a reação das escolas especiais, principalmente
através da FENAPAES. Desde então, o debate ganhou importância na
comunidade escolar, no meio acadêmico e também na cobertura
jornalística, escapando do discurso especializado e ganhando relevância
na sociedade de um modo geral.
Em dezembro, o Senado Federal promoveu o 6º Fórum Senado Debate Brasil,
com o objetivo de capacitar os agentes legislativos a observar e
efetivar os princípios propostos na Convenção sobre os Direitos da
Pessoa com Deficiência. Resta saber se o legislativo que irá tomar posse
em fevereiro próximo irá acompanhar a vontade pública expressa na CONAE
e no PNE e respeitar a hierarquia legal em vigor no Brasil ou se irá
prevalecer o desejo de quem quer voltar atrás na implementação da
educação inclusiva, abrindo brechas para que crianças com deficiência e
suas famílias voltem a submeter-se à exclusão precoce do convívio social
escolar e alijando-as do direito indisponível à educação e participação
plena na sociedade.
Lucio Carvalho é coordenador da revista digital Inclusive: inclusão e cidadania (http://null/www.inclusive.org.br
Contato:
lucioscjr@uol.com.br
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2010 - pior ano para a Reforma Agrária nos oito anos de Governo Lula
Comissão Pastoral da Terra
Os
constantes elogios dos media alcunhados de referência a Lula e ao
Brasil “emergente”, “à potência emergente”, não reflectem a realidade
mas apenas o juízo que o capital faz dela:
“No Brasil, não poderá haver desenvolvimento alternativo, democrático e
sustentável sem uma reforma agrária intensa e extensa. Atualmente, todo o
Mundo se volta para as questões do meio ambiente e à necessidade de
salvar o planeta. A reforma agrária e a agricultura familiar e camponesa
são partes essenciais desse esforço inadiável para se alcançar a
sustentabilidade desejada na agricultura, na produção de alimentos e nos
modelos produtivos. Igualmente nessa parte, o Governo Lula beneficiou o
latifúndio no debate, na formatação e na tramitação do projeto do novo
Código Florestal.”
Ao
fim de mais um ano, que representa o encerramento de dois mandatos do
Presidente Lula, os desafios e impasses históricos da Reforma Agrária no
Brasil não foram superados. Em 2010, vimos a redução de 44% do número
de famílias assentadas, com relação ao ano passado, além da redução de
72% no número de hectares destinados à Reforma Agrária. O Incra
tornou-se ainda mais ineficaz com o seu orçamento reduzido em quase a
metade em relação a 2009.
Os números deste último ano da Era Lula explicitam: a Reforma
Agrária não foi uma prioridade para o Governo Federal. A Reforma Agrária
que deveria ser assimilada enquanto um Projeto de nação e de
desenvolvimento sustentável, transformou-se em um precário programa de
assentamentos, em nível bastante aquém das reais demandas dos homens e
mulheres do campo.
Balanço da Reforma Agrária 2010
2010, que encerra a chamada Era Lula, foi o pior ano para a Reforma
Agrária brasileira nos últimos 08 anos. A realidade é que a promessa do
Presidente Lula de fazer a Reforma Agrária com uma canetada não foi
cumprida.
A situação dos camponeses e trabalhadores rurais é bastante grave! O
campo exige mudanças a favor da cidadania, do desenvolvimento
sustentável, contra a concentração de terra e contra o fortalecimento do
já poderoso agronegócio brasileiro!
Em 2010, houve uma redução das famílias assentadas em 44% com
relação ao ano passado, o qual já foi bastante insuficiente diante das
promessas e dos deveres de um governo de fazer a Reforma Agrária e,
sobretudo, diante das necessidades das famílias camponesas.
Também ocorreu neste ano uma drástica redução de 72% no número de
hectares destinados à Reforma Agrária, conforme os números divulgados
pelo próprio Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra). Não é exagero afirmar que em 2010 houve uma intensa estagnação
no processo de Reforma Agrária em todo o País.
De fato, o orçamento do Incra foi reduzido em quase a metade em
relação ao ano passado. Esse profundo corte dos recursos confirma que a
Reforma Agrária não foi uma prioridade para o Governo Federal. O quadro
se agravou ainda mais porque, além do corte, o orçamento destinado para a
Reforma Agrária neste ano se encerrou no mês de junho e o Governo nada
fez para evitar que o Congresso Nacional vetasse a suplementação
orçamentária. O dinheiro que já era pouco, faltou por quase um semestre.
A Reforma Agrária, como um conjunto de medidas estratégicas para
enfrentar a concentração da propriedade da terra e para promover um
desenvolvimento sustentável e igualitário no campo, transformou-se em
um precário programa de assentamentos, em nível bastante aquém das
próprias promessas do II Plano Nacional de Reforma Agrária.
É lamentável que o Governo Lula, nestes oito anos, tenha relegado
esta pauta à periferia das políticas públicas e tenha consumado uma
surpreendente opção preferencial pelo agronegócio e pelo latifúndio.
A histórica disputa no Brasil entre dois projetos para o campo
brasileiro está sendo desequilibrada em favor dos poderosos de sempre.
De um lado, se favorece com recursos públicos abundantes o agronegócio
agroexportador e destruidor do planeta. De outro lado, praticamente se
relega a um plano inferior a agricultura familiar e camponesa que é
responsável pela produção dos alimentos, do abastecimento do mercado
interno e pelo emprego de mais de 85% da mão-de-obra do campo, segundo o
último Censo agropecuário de 2006.
Com a expansão do setor sulcroalcooleiro e maior investimento
governamental para a produção de etanol, os números de trabalhadores
encontrados em situação de escravidão subiram significativamente. Na era
FHC, cerca de cinco mil trabalhadores e trabalhadoras foram libertados
do trabalho escravo no campo. Na Era Lula esse número sobe drasticamente
para 32 mil. Atribuímos este aumento a uma maior atuação do Grupo Móvel
de combate ao Trabalho Escravo, pressionados por uma maior mobilização
social em torno do tema, criações de Campanhas, denúncias nacionais e
internacionais (OIT), visibilidade na imprensa, a criação da lista suja,
além de outros mecanismos jurídicos como a alteração da definição penal
do crime de Trabalho Escravo (TE), no art. 149.
No caso dos territórios quilombolas a situação é a mesma. Com
efeito, não houve vontade política em demarcar os territórios
quilombolas, além de o Incra não dispor de pessoal capacitado e de
estrutura para promover o procedimento de titulação e de elaboração de
relatórios técnicos, mantendo-se inerte diante dessa dívida histórica
com o povo dos quilombos, remanescente ainda sofrido da odiosa
escravidão.
Como resultado disso, são insignificantes os dados divulgados pelo
Instituto, que revelam que o Governo Lula chega ao seu último ano
emitindo apenas 11 títulos às comunidades quilombolas. Número bastante
irrisório diante da demanda de mais de 3.000 comunidades em 24 estados
brasileiros.
Também nessa questão, o agronegócio tem exercido pressões contrárias
à titulação das terras e, infelizmente, o Governo tem sido mais
sensível a essas pressões e interesses do que ao seu dever maior de
fazer justiça às comunidades quilombolas. Setores políticos ligados ao
agronegócio articularam uma instrução normativa que não mais respeita o
direito de autoidentificação, conforme preconiza a Convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Decreto 4887/03.
A postura do Governo Federal foi ainda mais lamentável quando a Casa
Civil passou a reter todos os processos de regularização territorial
dessas comunidades, embora o Supremo Tribunal Federal tenha negado o
pedido liminar do DEM na ADIN que pretende julgar inconstitucional o
decreto que regulamenta a matéria.
Na Reforma Agrária, como nos remanescentes dos quilombos,
lamentavelmente, o governo Lula manteve o passivo de conflitos de terra
recebido do Governo anterior. A atual política econômica é uma aliada
das empresas transnacionais, mineradoras e do agronegócio e, assim,
penaliza cada vez mais a agricultura familiar e camponesa.
Embora as ocupações de terra tenham diminuído em alguns Estados nos
últimos anos, em especial em 2010, o número de famílias envolvidas na
luta pela terra na Era Lula, não é tão distante do da Era FHC (570 mil
famílias, 3.880 ocupações). Os dados do governo Lula, relativos aos dois
mandatos, ainda não foram fechados, mas estimativas indicam a
participação de cerca de 480 mil famílias em 3.621 ocupações de Terra ao
longo desse período (dados do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Projetos de
Reforma Agrária - NERA).
No Sertão Nordestino também são visíveis os efeitos perversos desse
abandono de prioridade das políticas públicas. Tem se intensificado o
crescimento do agronegócio e da mineração, com o decisivo apoio dos
Governos Federal e Estaduais, através de ações e de recursos públicos. É
o que vem ocorrendo na região do Vale do Açu e na Chapada do Apodi, no
Rio Grande do Norte, no alto sertão paraibano e no sertão pernambucano.
Todos são projetos de mineração, de fruticultura irrigada, com uso
intensivo de agrotóxicos, com a degradação do meio ambiente e,
sobretudo, com a irrigação custeada por recursos públicos para atender
prioritariamente às grandes empresas e não aos pequenos produtores.
Em todos esses grandes Projetos, os resultados imediatos na geração
de empregos e de investimentos mascaram um futuro nada sustentável, com a
geração de danos à saúde das pessoas e ao meio ambiente, bem como com a
intensificação da concentração de renda e de terras, com graves
impactos nas populações tradicionais.
Com esses moldes e parâmetros, o projeto de transposição das águas
do Rio São Francisco, que o governo tanto divulga e festeja, é mais um
Projeto que só vai beneficiar o agro-hidronegócio e que trará impactos
negativos para as comunidades tradicionais, como os indígenas,
quilombolas e ribeirinhos. Na região de Curumataú e Seridó paraibano, a
exploração das atividades de mineração só fez aumentar a grilagem de
terras e a expulsão das famílias que há décadas moram e plantam na área.
Na Zona da Mata pernambucana, o Governo Federal não questionou o
domínio territorial do decadente agronegócio canavieiro. Nem a tragédia
ambiental, com a inundação de dezenas de cidades em Alagoas e
Pernambuco, em decorrência da devastação provocada pela cana de açúcar,
sensibilizou os Governos Federal e Estadual.
Embora o IBAMA tenha ajuizado ações civis públicas para obrigar as
Usinas de Açúcar e Álcool de Pernambuco a repor os seus passivos
ambientais, a forte pressão do setor e o apoio do Ministério Público
Federal, fez com que houvesse uma trégua da Justiça para com essas
Empresas seculares, enquanto a população mais pobre perdia tudo que
tinha na devastadora enchente de 2010.
Diante desses fatos, a reconstrução das cidades está se dando em
áreas desapropriadas das Usinas, sem que qualquer medida preventiva ou
estrutural de recomposição da Mata Atlântica destruída tenha sido
tomada.
No que se refere à aquisição de terras por estrangeiros, o Governo
Federal perdeu o controle que existiu de 1971 até 1994 e deu
continuidade à política de FHC, com a permissão de compras de extensas
áreas de terras por empresas estrangeiras ou brasileiras controladas por
estrangeiros.
Apenas em 2010, a Advocacia Geral da União reviu seu parecer e
passou a entender que a venda de terras brasileiras a estrangeiros ou
empresas brasileiras controladas por estrangeiros, estaria limitada ao
máximo em cinco mil hectares, cuja soma das áreas rurais controladas por
esses grupos não poderia ultrapassar 25% da superfície do município.
A decisão veio tardia e foi ineficaz, além de consolidar todas as
aquisições anteriormente realizadas, configurando-se uma medida de
extrema gravidade e atentatória à soberania nacional, ao manter sob
domínio estrangeiro áreas próximas às fronteiras e na região amazônica.
Assim, no governo Lula, pouco há a comemorar em favor da agricultura
camponesa. Mas temos o dever de registrar essas exceções para estimular
a sua multiplicação. Por exemplo, o Programa Nacional da Agricultura
Familiar (PRONAF) e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
(Pronera) foram transformados em políticas públicas permanentes, através
de decretos assinados por Lula.
Um outro fato positivo foi a reestruturação da Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab), que praticamente não existia e que virou um
instrumento importante para a comercialização da agricultura familiar e
camponesa.
Também é merecedor de reconhecimento que o Governo Federal tenha
deixado de ser um agente ativo na criminalização de trabalhadores
sem-terras, de suas lideranças e de seus movimentos. O que dificultou os
esforços do agronegócio junto à Justiça, um poder que pouco tem
melhorado nesses anos, no trato das questões agrárias e no
reconhecimento dos direitos de cidadãos humildes e explorados.
Diante da existência dessas poucas ações importantes e positivas, em
contraste com a abundância do mau desempenho do Governo Lula na Reforma
Agrária, o próximo governo tem que ter um posicionamento firme, com
ações concretas, nas questões estratégicas da Reforma Agrária, a
exemplo de (1) assumir efetivamente a vontade política de realizar a
reforma agrária e de defender a agricultura familiar e camponesa; (2)
ter um orçamento compatível e do tamanho das demandas, da dignidade e
dos direitos do povo do campo; (3) propor um modelo que priorize a
soberania alimentar baseado na produção camponesa; (4) Limitar o tamanho
da propriedade da terra; (5) assegurar a aprovação do Projeto de Emenda
Constitucional (PEC) 438/2001 PEC, que prevê o confisco de terras de
escravagistas; (6) garantir a demarcação das terras indígenas e
Quilombolas; (7) promover a aferição da função social da terra pelos
vários pontos fixados pela Constituição Federal; (8) atualizar, enfim,
os índices de produtividade.
No Brasil, não poderá haver desenvolvimento alternativo, democrático
e sustentável sem uma reforma agrária intensa e extensa. Atualmente,
todo o Mundo se volta para as questões do meio ambiente e à necessidade
de salvar o planeta. A reforma agrária e a agricultura familiar e
camponesa são partes essenciais desse esforço inadiável para se alcançar
a sustentabilidade desejada na agricultura, na produção de alimentos e
nos modelos produtivos. Igualmente nessa parte, o Governo Lula
beneficiou o latifúndio no debate, na formatação e na tramitação do
projeto do novo Código Florestal.
O período que agora se encerra com o final do segundo mandato do
Presidente Lula, produziu resultados evidentes na formação de
Consumidores, mas não na formação de Cidadãos. Os desafios são imensos
para que a migração que ocorreu entre as classes sociais não seja
meramente provisória. Na verdade, o fato positivo de poder consumir é
apenas uma parte da cidadania, a qual somente se estabiliza com o acesso
ao conhecimento, à educação, à terra, às condições de nela produzir,
dentre outros atributos que o Governo Lula não soube, nem quis assegurar
ao povo do campo.
Assim, diante das demandas da reforma agrária e da agricultura
familiar e camponesa, é imensa a missão da Presidenta da República
recentemente eleita. Com o apoio da maioria do Congresso Nacional, a
futura Presidenta efetivamente terá, nesses campos estratégicos, a
missão de fazer a Reforma Agrária que nunca foi feita no Brasil.
Educação para erradicação da miséria
Especialistas afirmam que compromisso da
presidenta Dilma Rousself só será concretizado com a redução das
desigualdades e qualificação para a população pobre
Felipe Prestes Sul 21
A
erradicação da miséria é uma das metas da presidenta Dilma Rousseff,
que já anunciou a criação de um PAC para cuidar desta missão. Para que
todos os brasileiros tenham condições de viver com dignidade,
especialistas apontam que o governo federal terá de dar atenção especial
às desigualdades regionais. Os estudos mais recentes mostram que as
zonas rurais das regiões Norte e Nordeste ainda são importantes bolsões
de miséria. Mas a pobreza extrema é também um problema em todo o país,
especialmente nas áreas periféricas das grandes cidades. Nestas
localidades o desenvolvimento econômico já chegou, mas não incluiu a
todos. É preciso apostar, principalmente, na qualificação destes
excluídos, por meio da educação.
Os estudos mais
recentes mostram que as regiões Norte e Nordeste ainda apresentam as
maiores incidências de miserabilidade. Estados como Alagoas e Maranhão
em 2008 apareciam ainda com mais de 30% de extremamente pobres segundo
pesquisas de instituições como o IPEA e o Centro de Políticas Sociais da
FGV. O estudo “Geografia da Pobreza”, da FGV, aponta que o Nordeste, em
2008, tinha 30,69% de miseráveis (cerca de 16 milhões de pessoas), e o
Norte, 19,07% (pouco mais de três milhões de cidadãos), considerando a
faixa de miséria ter renda domiciliar per capita abaixo de R$ 137.
Entretanto,
em números absolutos, a região Sudeste é a segunda região com mais
pobreza extrema. Os 9,68% de miseráveis no Sudeste significam quase oito
milhões de pessoas. E as regiões Sul e Centro-Oeste também apresentam
números significativos de extremamente pobres. O Sul tem cerca de dois
milhões de miseráveis (7,29%), e o Centro-Oeste, 1,5 milhão de cidadãos
(10,49%).
“Do ponto de vista da presença de
pessoas pobres no total de sua população, o Norte e o Nordeste são as
regiões com maiores bolsões. Por outro lado, é necessário considerar que
mesmo as regiões ricas como São Paulo ainda tem um contingente absoluto
de pobres considerável”, afirma Márcio Pochmann. Ex-diretora da Sudene e
integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social durante os
oito anos de Governo Lula, a economista Tânia Bacelar chega a conclusão
semelhante. “A pobreza no Brasil tem dois endereços: o Norte e o
Nordeste, em especial na zona rural, e as grandes cidades em todo o
país”.
Desigualdade histórica
Bacelar
e Pochmann também concordam no diagnóstico para os altos índices de
pobreza extrema nas regiões Norte e Nordeste. Segundo ambos, o olhar
especial dado pelo Governo Lula a estas regiões não foi suficiente para
colocá-las em igualdade com as demais, porque a desigualdade histórica
era muito grande. “Na transição de um país rural para a sociedade urbana
e industrial nós tivemos uma concentração das oportunidades econômicas
nas regiões Sul e Sudeste do país. Nos anos setenta tivemos uma expansão
da fronteira agrícola que permitiu ao Centro-Oeste ser o celeiro
agroalimentar brasileiro. As regiões Norte e Nordeste convivem ainda com
mazelas herdadas deste baixo dinamismo historicamente acumulado”,
explica Pochmann.
“No século XX o Nordeste perdeu
o trem do desenvolvimento industrial. Não houve investimentos em
infraestrutura e em ciência e tecnologia”, afirma Tânia Bacelar. A
economista diz que o presidente Lula “deu um empurrão” para a região ao
realizar investimentos, como a construção de estradas, da ferrovia
Transnordestina e a transposição do Rio São Francisco. Além disso, a
Petrobras passou a ter no Governo Lula atuação bem mais significativa no
Nordeste. Bacelar explica ainda que as políticas sociais como o
Bolsa-Família tiveram grande impacto nas regiões menos desenvolvidas do
país.
Desenvolvimento regional e qualificação
Para
o presidente do IPEA, Márcio Pochmann, após o avanço das políticas
sociais de âmbito nacional, o país está diante de um ‘núcleo duro’ da
pobreza, que precisa ser combatido com foco em políticas regionais em
paralelo às políticas nacionais. “Estamos observando uma convergência
entre expansão econômica e melhor repartição destes ganhos na sociedade.
Mas para os próximos anos, a continuidade desta trajetória implica em
maior sofisticação das políticas públicas, considerando que estaremos
diante de um núcleo duro da pobreza extrema. É preciso ter em vista
especificidades regionais, é difícil chegar a esta pobreza consolidada
em determinados lugares”, afirma o presidente do IPEA Márcio Pochmann.
Para o pesquisador, o compromisso político assumido por Dilma Rousseff
só será concretizado se for feito um esforço comum entre o governo
federal, os poderes executivos estaduais e municipais, e a sociedade
civil.
Segundo o estudo “Geografia da Pobreza”,
da FGV, em 2008, mais de 34% dos moradores de áreas rurais no país
estavam abaixo da linha da miséria. Tânia Bacelar afirma que esta
questão se aprofunda ainda mais nas regiões Norte e Nordeste. “Há um
hiato em termos de padrão de vida, especialmente entre as zonas rural do
Norte e do Nordeste e o resto do país. Na zona rural do Nordeste há,
por exemplo, 33% de analfabetismo enquanto a média nacional é de 9%”. A
doutora em economia aponta que há também em outras regiões do país
localidades com menor dinâmica produtiva.
No Rio
Grande do Sul, isto se aplica às metades Sul e Oeste do estado e, em
especial, à Região Noroeste. O economista da FEE Adelar Fochezatto
explica que os últimos dados que mostram índices de pobreza por
município do estado se baseiam no censo de 2000. Entretanto, os dados do
censo de 2010 já mostram que há um êxodo populacional nestas regiões, o
que dá fortes indícios de que elas continuam sendo as regiões com maior
índice de pobreza extrema.
Fochezatto ressalta,
contudo, que o maior número de pessoas abaixo da linha da pobreza
extrema está mesmo na Região Metropolitana de Porto Alegre. “A
participação de famílias pobres no total de famílias dos municípios é
maior na Região Noroeste. Mas o número é pequeno na Região Noroeste,
porque são municípios pequenos. Se a gente for pensar onde estão os
pobres em números absolutos, eles estão na Região Metropolitana”.
Fochezatto
explica as diferenças entre a miséria da Grande Porto Alegre e a das
regiões menos desenvolvidas do estado. “A gente pode falar de dois tipos
de pobreza. A pobreza por insuficiência de desenvolvimento, lá daquela
região (Noroeste), por exemplo. As pessoas são pobres porque não têm
alternativa. Já a pobreza da Região Metropolitana é decorrente de
exclusão do processo de desenvolvimento. O desenvolvimento não incorpora
todo mundo. Muitos ficam excluídos. Boa parte destes excluídos sai,
inclusive, das regiões de menor desenvolvimento”.
A
explicação de Fochezatto, não é diferente do que diz Tânia Bacelar. “No
meio urbano, geralmente você tem pessoas (abaixo da linha de pobreza
extrema) que não têm qualificação para se inserir vida da cidade, que
não tiveram oportunidade. Em regiões menos desenvolvidas, as pessoas até
têm ocupação, mas a atividade econômica é muito frágil”, explica a
ex-diretora da Sudene.
Para Fochezatto, as ações
para combater a pobreza extrema precisam ser no sentido de levar o
desenvolvimento para regiões de economia retraída. “Lá é preciso pensar
em empreendedorismo. Criar e atrair empresas, fazer convênios para
produção de merendas escolares no campo. Alternativas para promover o
emprego”. Nas grandes cidades, segundo o economista, é preciso investir
na qualificação da mão-de-obra e em criar frentes de trabalho,
investindo, por exemplo, em obras públicas.
O
investimento em educação é um dos pontos-chave para a redução da miséria
segundo Adelar Fochezatto. Um estudo recente da FEE, em parceria com a
Secretaria de Justiça e Desenvolvimento Social do estado, mostrou que a
pobreza extrema aparece no Rio Grande do Sul em maior número entre os
jovens de até 20 anos e em entre os que têm menores índices de
escolaridade. “Fazer com que estes jovens se mantenham na escola e
tenham ensino de qualidade é um dos grandes desafios”, aponta.
Como medir a pobreza
Uma
das intenções da presidenta Dilma é criar uma linha oficial de miséria
no país. O presidente do IPEA, Márcio Pochmann, foi um dos que sugeriu a
criação do índice. “O critério é subjetivo. O que é miserabilidade? A
gente (do IPEA) tem um critério, um quarto de salário mínimo per capita,
outros têm outros valores”, explica.
Um dos
índices é o dos Objetivos do Milênio das Nações Unidas, de um dólar per
capita por dia – valor bem menor que os utilizados pelo IPEA e por
outros institutos de pesquisa. Foi com base neste valor da ONU que o
governo federal conseguiu retirar 28 milhões de pessoas da linha da
miséria, o que não deixa de ser um grande feito. Pelo IPEA, os números
são mais modestos. Entre 1995 e 2008, 13,1 milhões de brasileiros
deixaram a pobreza extrema, segundo o instituto.
Mas
um índice oficial de pobreza não é para saber se quem divulga dados
está mais ou menos correto, e sim para que o governo possa estabelecer
políticas para uma faixa determinada de pessoas. “Há governos que têm
uma linha oficial de pobreza, como é o caso dos Estados Unidos. Pode-se
achar que está errado, mas é sobre estes que o governo vai tratar como
prioridade. Do ponto de vista do governo, o que interessa é ter um
horizonte para que estabeleça qual é o segmento sobre o qual vai atuar
de maneira mais privilegiada e para ter condições de saber se esta
interferência é exitosa”, explica Pochmann.
Uma
questão a ser analisada é que os índices que são geralmente utilizados
para medir pobreza se baseiam apenas na renda. Assim, se o Brasil
erradicar a miséria isto não significa que não haverá mais brasileiros
analfabetos, ou vivendo ao lado de esgoto a céu aberto, por exemplo. E
os serviços públicos costumam demorar mais para chegar do que a renda.
“Os programas de transferência são os programas geralmente de menor
custo, porque é tão somente a transferência da renda. Agora, um programa
de saúde, por exemplo, precisa do equipamento necessário para operar,
pessoas qualificadas”, explica Pochmann.
Ainda
assim, o pesquisador defende que os indicadores de renda são eficazes
para que mostrar quem vive em situação de vulnerabilidade social. “O
indicador de renda é o indicador mais fácil de você identificar onde
estão os pobres e os mais pobres entre os pobres. É claro que a pobreza
não é só uma questão de renda. Mas você observando, atuando sobre
aqueles que menos recebem, certamente estará atuando sobre os que têm
mais dificuldades de acesso a outros aspectos que podem definir a
pobreza de maneira mais ampla”, diz o presidente do IPEA.
Tânia
Bacelar acredita que o governo federal deve utilizar vários índices
para considerar a pobreza e a miséria. Ela ressalta, por exemplo, que o
programa Luz Para Todos foi, para muitas pessoas, mais importante que o
Bolsa-Família. “Acho que podemos ampliar o conceito de pobreza. Concordo
que a renda é o aspecto prioritário, já que ela é necessária até para
que se possa comer. Só que a pobreza é muito mais do que a renda. O
pobre pode morrer, por exemplo, de uma doença que já não mata quase
ninguém”.
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