sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Sobre a sociedade industrial e seus beneficios.....

Benefícios da sociedade industrial
Escrito por Wladimir Pomar  - Correio da Cidadania 
 
A construção de uma sociedade industrial, como se viu, não diz respeito apenas ao capital. Ela diz respeito também ao pólo oposto, aos trabalhadores assalariados que movimentam os meios de produção, assim como aos demais segmentos sociais do país. E diz respeito ainda à correlação política real de forças.
 
Sob o prisma do desenvolvimento das forças produtivas, isto é, dos meios de produção e da força de trabalho, a industrialização, e os investimentos nas grandes obras de infra-estrutura, indispensáveis àquele desenvolvimento, são ou não necessários para o desenvolvimento social e nacional?
 
Somente os adeptos do agrarismo e da sociedade utópica pós-industrial podem afirmar que elas são desnecessárias e que apenas beneficiam ao capital. Mesmo nos governos nacional-desenvolvimentistas de Vargas, JK e do regime militar, nos quais o desenvolvimento social foi relegado, na melhor das hipóteses, a um tópico indesejado da agenda política, o desenvolvimento econômico trouxe consigo o crescimento da classe de trabalhadores assalariados industriais, comerciais e rurais.
 
Dessa forma, o crescimento da sociedade industrial colocou em cena um ator econômico, social e político de primeira ordem. Um ator que se libertava do latifúndio dispersivo para subordinar-se à disciplina fabril do capital, mas de forma concentrada. Isso tudo sob uma relação de trabalho que lhe arrancava o véu do paternalismo, que até então o mantinha sob a suposição de trabalhar pela boa vontade do senhor de terras. O desenvolvimento industrial serviu para clarificar a situação de classe de grandes contingentes da população brasileira.
 
O salário mensal e outros "benefícios", conquistados por sucessivas gerações de assalariados, apresentavam-se como um progresso em relação à vida anterior de camponês agregado. Apesar disso, as ondas de migrantes rurais tornados trabalhadores industriais, tanto nos anos 1930 e 1940, quanto nos anos 1960 e 1970, se transformaram em ondas de combatentes trabalhistas. As primeiras, nas grandes greves operárias dos anos 1950 e início dos anos 1960. As segundas, nas greves e movimentos políticos dos anos 1970 e 1980.
 
Em outras palavras, na pior das hipóteses, o desenvolvimento industrial fornece o ator principal que pode modificá-la no futuro, à medida que o capitalismo demonstrar que esgotou seu papel histórico e deve ser substituído por uma nova formação econômica e social. O problema, como a experiência tem demonstrado em muitas partes do mundo e no Brasil, é que a história adora pregar peças nas utopias.
 
Revoluções anticapitalistas foram vitoriosas apenas em países em que o capitalismo era pouco desenvolvido. Essas revoluções construíram um novo Estado e fortes instrumentos de interferência na economia, como as empresas estatais. Porém, mesmo assim, alguns dos países que sobraram da segunda onda revolucionária do século 20 estão sendo obrigados a praticar economias socialistas de mercado.
 
A experiência demonstrou que a tese de Marx, sobre o surgimento e esgotamento histórico dos modos de produção, era uma lei natural a ser observada. Não é possível abolir as formas capitalistas de produção antes que elas esgotem seu papel histórico. Nessas condições, para desenvolver as forças produtivas, aqueles países socialistas estão se desenvolvendo com a participação de capitais estatais e privados, tanto nacionais quanto estrangeiros, num complexo processo de cooperação e conflito, em que o Estado tem papel orientador e disciplinador.
 
No Brasil, os anticapitalistas não acharam condições para revolucionar a sociedade, mas sim para galgar uma parte do Estado. Foram eleitos para a presidência da República, assim como para governos estaduais e municipais, numa situação política de divisão no seio da burguesia, em virtude da política neoliberal haver feito regredir o parque industrial e tecnológico do país e quebrado o papel do Estado como indutor econômico.
 
Para complicar, grande parte das empresas estatais havia sido privatizada, sob o argumento de que empresas estatais seriam ineficientes, idéia que se tornou senso comum em amplos setores da população. E o neoliberalismo também havia estendido a pobreza e a miséria a níveis desconhecidos dos períodos anteriores.
 
Num quadro como esse, supor que um governo, mesmo de viés revolucionário, possa romper com o sistema econômico e social vigente, ou mesmo redirecionar os investimentos apenas para programas sociais, não passa de um sonho. O que ele pode fazer, diferentemente dos governos tipicamente burgueses, consiste em ampliar a participação popular nos benefícios dos investimentos e desenvolver programas sociais que cresçam à medida que o desenvolvimento das forças produtivas ocorra.
Em outras palavras, ao invés de esperar o bolo crescer para depois dividir, velha promessa da burguesia, um governo popular ou socialista pode ir aumentando a participação popular no bolo à medida que ele cresça. Mas, uma das condições necessárias é que o bolo cresça e gere riqueza.
 
Se olharmos o que o governo Lula vem fazendo, apesar da composição pouco homogênea de seu governo, é justamente isso. No entanto, seus críticos consideram que, além de não significar qualquer ruptura com o status quo anterior, a chegada do PT ao Estado teria significado a desconstrução da hegemonia que havia conquistado na sociedade. O que nos remete da sociedade industrial para a sociedade política.
 
Wladimir Pomar é escritor e analista político.

Pobre do povo que tem que aguentar isso.....

Viver a Vida: o que os olhos não veem na novela da Globo

Não há nada melhor que viver a vida neste meu Brasil brasileiro onde o coqueiro dá coco. Ao menos na teoria, viver a vida é bom. Ora, ninguém pode afirmar que o bom é viver a morte, e se existe vida há que se viver. Nada mais óbvio.


Por Washington Araújo*, no Observatório da Imprensa

Marca do novelista global Manoel Carlos, a obra em andamento conta também com histórias reais de superação e tudo contado na eternidade dos 60 segundos logo após o último bloco do capítulo diário de Viver a Vida, a novela.

Em breve a novela seguirá para seu fim e até o momento quase nada tem sido escrito por especialistas da mídia sobre as aberrações que o folhetim apresenta. Mau-caratismo, traição, adultério, ciúme, inveja, alcoolismo e uso de drogas se apresentam no horário nobre toda santa noite como aperitivo antes do desbunde geral em que se transformou o que já não era bom, o famigerado Big Brother Brasil.

As “vinhetas de superação” trazendo ao horário nobre gente sofrida, abandonada, envolvida nas drogas ou no crime, pessoas portadoras de necessidades especiais e vítimas de todo tipo de violência, testemunham como foi bom ter dado a volta por cima. Porque nesse horário somente essas pessoas sabem como é viver a vida, enfrentar os desafios, superar as debilidades. Na novela tudo é caricato, tosco e apelativo. Personagens quando choram parecem estar gargalhando por dentro, e quando falam de amor optam pelo desamor, focam as desilusões e nossas pequenas tragédias humanas.

A realidade no folhetim é absolutamente virtual. Basta ver a favela de Viver a Vida. Tem até jantar à luz de velas. Balas perdidas? Existe isso? Onde? Quem? O hospital do Dr. Moretti é imenso pátio de diversões onde os médicos estão sempre na lanchonete, colocando em dia seus problemas amorosos e nunca incomodados por pacientes alquebrados, gente entre a vida e a morte como é tão comum e mesmo rotineiro em hospitais.

A pousada de Búzios tem clima de Copacabana Palace. Tudo na pousada é muito limpo, decoração de primeira, natureza exuberante, ninguém parece trabalhar mas tudo está sempre nos trinques e hospedes que é bom, se existem, não dão as caras. Faltou a Manoel Carlos a vivência de um feriadão em pousada de Salvador, Porto Seguro, Natal ou Florianópolis.

Trabalho infantil

Viver a Vida é um vale de lágrimas do início ao fim. As pessoas choram sem parcimônia. E com gosto. Há aquela que chora porque não consegue parar de beber. Há aquela outra que chora porque está tetraplégica. Outra chora porque não consegue consumar o adultério. Há quem chore porque é abandonada pelo noivo a poucas horas do casamento. Outra chora porque o marido não aceita conviver em harmonia com os enteados, filhos do primeiro casamento. Tem quem chore porque a irmã tetraplégica recebe mais atenção da mãe e das irmãs. Há quem chore porque os filhos gêmeos estão apaixonados pela mesma pessoa. Tem quem chore por acreditar que uma pessoa tetraplégica não pode fazer ninguém feliz. É o folhetim dos vilões-fashion, gente descolada, rica e que prefere viver a vida na base de quanto mais fútil for a vida, melhor.

Até aqui nada de muito novo. O que não entendo é as autoridades responsáveis pela proteção da infância e da adolescência deixarem uma graciosa menina de apenas 8 anos de idade interpretar uma vilã. É o que acontece com a Rafaela interpretada pela espertíssima Klara Castanho. Vemos todas as noites sua infância sendo roubada. Assistimos impassíveis ao sequestro de uma inocência que deveria ser preservada, inicialmente por seus pais, depois por esse veículo de comunicação que é uma concessão pública chamada televisão e depois pelo pessoal do judiciário, das tais varas da Criança e do Adolescente.

Rafaela se pinta com as cores da vida adulta, se veste insinuante como é comum aos jovens, é a cara do consumo-mirim sempre instigando sua mãe a comprar isso e aquilo mesmo que não tenha rendimento para tal. O pior nem é isso. O pior é o retrato de criança manipuladora e sensual, chantagista e dona de opinião sobre assuntos bem complexos para mente em formação como é o caso de aborto, mãe esperando segundo filho, vida de mãe solteira e testemunha de tórrida cena de adultério.

Será que ninguém observa nada disso? Será que ninguém vai trazer à mesa a discussão sobre trabalho infantil em programas para público adulto como é uma novela das oito? Será que toda e qualquer manifestação artística é passível de ser exercida por crianças e adolescentes? Pelo andar da carruagem não me causará espanto se em capítulo futuro a pequena Rafaela se transformar em psicopata-mirim.

Mercado e audiência

É que ninguém está nem aí para colocar em prática dispositivos como o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 13/7/1990), calhamaço que conta com impressionantes 267 artigos. Destes faço questão de enunciar apenas seu Artigo 3º:

“A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.”

 

A caracterização dada à personagem Rafaela faculta à atriz-mirim Klara Castanho seu desenvolvimento “mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”? A meu ver, se dá exatamente o contrário. Rafaela é tratada como coisa a ser transportada na vida cheia de peripécias de sua mãe Dora; interpõe-se com protagonismo principal na relação de sua mãe com quem poderia ser seu bisavô, o romântico Maradona, dono da pousada; os diálogos de Dora com Rafaela se sustentam em mentiras escancaradas e em meias verdades; os olhares de “brinquedo assassino” de Rafaela ao iniciar sua precoce carreira de chantagista mirim com a principal protagonista do folhetim, Helena, não deixam dúvidas que coisa muito mais escabrosa vem pela frente.

Enquanto a trama se desenrola, Rafaela passa a frequentar com maior insistência o imaginário de milhões de crianças da mesma idade vindo a se tornar um modelo infantil a ser seguido com toda sua carga de manipulação e astúcia poucas vezes vista em personagens adultas. E não encontramos contraponto. Isso acontece porque levantar qualquer bandeira que vise proteger a integridade moral e a dignidade de uma criança explorada por um folhetim global é quase cometer crime de lesa-pátria. E não faltarão pessoas a torcerem o nariz para esse meu texto sob o pretexto de que seria incitação à censura. Nada mais ridículo que isso.

O ponto é que enquanto o Deus-Audiência estiver em seu trono nada poderá mudar. Nem que preceitos constitucionais sejam violados e que sejam arquivadas no baú das coisas imprestáveis imagens de crianças inocentes, bondosas, cheias de compaixão, educadas, inteligentes, respeitadoras dos mais velhos... e tantos outros predicados do tempo em que andar a pé era novidade.

* Washington Araújo é jornalista, escritor e professor da UnB