quarta-feira, 27 de junho de 2012

Na China, a vida segundo a Apple


A gigante taiwanesa Foxconn, primeira fornecedora mundial de eletrônicos e principal empregador privado da China, está cada vez mais espremida em seu bunker gigante em Shenzhen Longhua. A companhia se desloca para Dongguan, depois a Sichuan, local emblemático da sua renovação industrial
por Jordan Pouille no LeMondeBrasil
(Trabalhadores da Foxconn participam de celebração de "valorização da vida", em Longhua, na província de Guangdong)

"É a primeira vez que eu falo com um estrangeiro. Você conhece o Michael Jackson? Tenho todas as músicas dele no meu telefone!”
É meia-noite e meia e estamos diante da entrada de Hongfujin, um braço da Foxconn dedicado ao iPod. Na umidade noturna de Longhua, na periferia de Shenzhen Longhua, um grupo de cozinheiros ambulantes, com o fogareiro a gás soldado na garupa do triciclo, veio concorrer com a cantina da fábrica. Eles atiçam esses milhares de jovens em jaquetas rosa ou pretas que deixam o local de trabalho com a barriga vazia. Alguns estão curiosos e nos abordam de maneira cândida e brincalhona. Para os clientes sentados em volta do carrinho de Bo Zhang, a porção de yakisoba sai por 3 yuans.1 Sozinho, Bo prepara ao menos mil por dia. “Os chefes da Foxconn preferem manter seus empregados perto das fábricas durante a pausa para a refeição. Então, assim que a gente chega, esses safados abaixam o preço dos pratos da cantina para 1,50 yuan, em vez dos 4 yuans que custam normalmente!”
Bo Zhang é um ex-operário da Foxconn. Ele trabalhava na oficina de laminagem das tampas metálicas dos MacBooks, em uma sala malventilada e barulhenta, de calor sufocante; a poeira de alumínio recobria sua pele e seus cabelos. Na época, os operários não apenas não tinham nenhum contato com a hierarquia taiwanesa, mas até mesmo os executivos chineses evitavam qualquer relação com seus pares taiwaneses, que eram os que decidiam. Todos os seus pedidos para mudar de área eram recusados. Ele deixou a fábrica depois de um ano, em maio de 2010. Para voltar melhor. “Agora, são os operários que me fazem viver”, diverte-se. Em volta do seu restaurante improvisado não tem guarda: apenas uma multidão de jovens cansados, que preferem a simpatia de Bo à disciplina estrita que reina na Foxconn, do outro lado dos portões de segurança. Segundo eles, as humilhações e as punições dos chefes das oficinas pararam depois do escândalo dos suicídios em série, durante o primeiro semestre de 2010.2
“Os gerentes são bem mais discretos. Na verdade, não os ouvimos mais. Se temos a cabeça no lugar, dá para levar. Eu trabalho de pé, mas tenho uma pausa de dez minutos a cada duas horas”, conta-nos Yang,3 21 anos e muito magro. Seu colega, Cao Di, se lembra das vexações passadas: “Quando a meta de produção não era atingida, precisávamos refletir sobre nossos erros ficando de pé, de frente para a parede, durante seis horas”.
Apesar de tudo, a regra continua severa: “Evidentemente, deixamos nossos telefones celulares na entrada e não podemos nem ir ao banheiro, nem falar, nem beber um gole de água durante o trabalho”. É preciso esperar as pausas. Juntos, os dois jovens embalam 8 mil iPads por dia, das 8h às 19h. “Desde os da primeira geração, em 2010”, precisa um, com orgulho.
Foi aqui, em 1988, em Longhua, na periferia de Shenzhen, que o fundador taiwanês da Foxconn, Terry Tai Ming Gou, construiu sua primeira fábrica chinesa. Fechados em um galpão de 3 quilômetros quadrados cercado pelos dormitórios, 350 mil operários fabricam ali, dia e noite, as impressoras e os cartuchos de tinta Hewlett-Packard (HP), os computadores Dell ou Acer, os e-Readers Kindle da Amazon, os Playstations da Sony e todos os produtos da Apple.
Diante da insaciável demanda mundial suscitada pelos produtos da Apple, a Foxconn construiu duas fábricas suplementares, ainda maiores: uma em Sichuan para os iPads e a outra em Henan para os iPhones. A produção começou em 30 de setembro de 2010 na primeira e em agosto de 2011 na segunda. Cada uma emprega cerca de 200 mil operários.
Em Shenzhen, desde a manhã, homens de terno escuro, imperturbáveis, jogam baralho em uma sala enfumaçada. Eles administram uma dezena de dormitórios com fachadas azulejadas, como existem em todo canto em Shenzhen. Esses gerentes recebem os aluguéis de 12 mil operários apertados nos 1,5 mil quartos (moças e rapazes separados), em nome de um rico proprietário.
Por falta de espaço suficiente, a Foxconn abriga apenas 25% da sua mão de obra, num “campuscom piscina olímpica, salões de ginástica e hospitais”, clamam os comunicados de imprensa. A imensa maioria do pessoal ocupa então os dormitórios privados construídos de qualquer jeito, colados uns aos outros, em terrenos sem nome de rua. Os operários se encontram assim à mercê dos comerciantes de todo tipo e dos hoteleiros gananciosos sobre os quais a firma taiwanesa não tem nenhum controle.
De sua pick-up sofisticada, os policiais de Longhua acionam uma câmera rotativa. Seu medo são as tentativas de manifestação recorrentes na província; por outro lado, eles parecem muito mais tolerantes com relação aos incontáveis bordéis camuflados em karaokês ou em salões de massagem. Enfrentando as denúncias, a Foxconn declara: “Nunca tentaríamos recorrer ao trabalho de menores. Se casos foram descobertos, foi porque os trabalhadores utilizaram documentos falsos e pareciam mais velhos do que sua idade”, já declarou a empresa. Investigações feitas pela Apple em 2011 mostraram a presença de crianças em cinco dos seus fornecedores.4
Em Longhua, a ingenuidade da mão de obra só se equipara a seu apetite consumista. Após a saída das fábricas, os operários nadam em um universo de tentações abordáveis. Os dormitórios mais próximos das saídas da fábrica (Norte, Sul, Leste, Oeste) estão repletos de publicidades luminosas e sonoras de telefones celulares ou bebidas energéticas. Na rua, os jovens são pescados pelo megafone: pelúcias gigantes, bijuterias vagabundas... ou até jaquetas Foxconn falsificadas, a 35 yuans cada, “para o caso de eles terem perdido aquela dada pela direção no dia da contratação e que eles devem usar obrigatoriamente seis dias por semana”, diz a vendedora.
Longe do barulho, embaixo de uma loja de cobertores, ressoam os cantos de uma igreja evangélica que conseguiu escapar do departamento de assuntos religiosos de Shenzhen. “Deus os chama”, podemos até ler em letras verdes e vermelhas na janela do primeiro andar. Desde sua abertura, há cinco anos, operários da Foxconn vêm rezar, chorar e cantar ali, de dia e de noite. Suas doações já permitiram comprar um pequeno piano e financiar os deslocamentos de um pastor que mora em Dongguan. Por enquanto, nada que perturbe as autoridades.
E também, em abril de 2011, um milagre: o metrô finalmente chegou a Longhua. A cada oito minutos, um trem com ar condicionado para no terminal de Qinghu, na Avenida Heping, e leva a juventude operária até Lohuo, o bairro animado de Shenzhen, de frente para Hong Kong. “Cada vez mais tráfego, tentações e insegurança”, resume Sunny Yang, engenheiro, voltando de uma noitada de badminton entre amigos. Ele vive em Longhua com a esposa e a filha de 2 anos e suporta cada vez menos a vida na cidade-fábrica.
Uma nova população, mais velha, chega à cidade. Esses sexagenários não se mudaram para o meio das fábricas por prazer, mas porque seus filhos trabalhadores, empregados da Foxconn, chamaram por eles para cuidar de sua prole. É o caso de Lei, 23 anos, originária de Hunan e mãe de um menininho de 2 anos e meio: “Meus pais também foram operários migrantes na região, e seu hukou rural [passaporte interno] não permitia a inscrição na escola [os migrantes não têm os mesmos direitos que os urbanos, principalmente com relação ao acesso aos serviços públicos]. Então eles deixaram o vilarejo. Durante toda a minha infância eu só os via uma vez por ano, durante o Ano-Novo chinês. Eu não quero que meu filho conheça a mesma solidão. Quero que ele tenha uma escolaridade aqui, mesmo se eu tiver de pagar o preço”, reivindica essa jovem, que nos fez visitar sua modesta morada.
Por enquanto, a família vive a três em um quarto de 9 metros quadrados, por 350 yuans ao mês. Grande o suficiente para caber o colchão, a televisão e o carrinho do bebê. O marido de Lei monta telefones fixos Cisco, doze horas por dia, seis dias por semana. Ele ganha bem a vida: até 4 mil yuans por mês. Lei parou de trabalhar quando o filho nasceu. Ela está grávida de cinco meses. Quando o segundo filho nascer, ela vai trazer seus pais aposentados e voltará ao trabalho, para dobrar o salário da família.
Em Longhua, muitas mães e futuras mães irritam seus superiores hierárquicos na fábrica. “Quando descobri que estava grávida, meu chefe de seção me fez esperar dez dias antes de me isentar da passagem pelo detector de metais. E quando pedi para mudar de seção, ele recusou. Tive de convencer seu superior”, revela essa jovem. Grávida de oito meses, Jun Hao trabalha agora na etiquetagem de caixas de computador. “Eu colo adesivos por 3 mil yuans ao mês. É justo, não?” Depois do parto, ela deve receber uma licença-maternidade de três meses: “Minha mãe não acredita nem um pouco nisso, mas consta claramente no contrato”.
No centro ginecológico Huaai de Longhua, as operárias vão com o companheiro recolher todo tipo de informações ligadas à maternidade ou à contracepção. Apesar da decoração rosa-bebê, esse estabelecimento de saúde se beneficia de uma parceria com o Exército Popular de Libertação (EPL). A maioria dos seus médicos são oficiais militares. Ficamos sem palavras diante dos cartazes ilustrados de educação sexual fixados ao longo das calçadas, que um guarda nos proíbe terminantemente de fotografar. “A homossexualidade é um fenômeno cultural como o sadomasoquismo. Ele ainda não atingiu sua maturidade na China”, podemos ler – modo de dizer que a sociedade chinesa não estaria completamente pronta para aceitar a homossexualidade.
Para conservar sua mão de obra, a Foxconn deve agora disputar com os patrões de pequenas fábricas que não hesitam mais em colar suas ofertas de emprego até nas portas dos dormitórios nem a se alinhar com os salários em vigor em Longhua. Eles aproveitam o ambiente high-tech da zona industrial para vir fabricar seus próprios telefones, destinados aos mercados modestos das pequenas cidades ou zonas rurais chinesas. “O que perdemos em custo de mão de obra recuperamos na nossa margem, pois vendemos diretamente nosso produto aos consumidores”, explica um homem de negócios. De fato, os telefones KPT, inspirados nos Blackberry, ou os Ying Haifu, parecidos com os Nokia, são também fabricados em Longhua.
Com essa concorrência e o ânimo de consumo dos jovens, a firma taiwanesa escolheu continuar seu desenvolvimento em outro lugar, mais para o interior do país, em províncias distantes dos portos comerciais, onde é possível repensar um complexo industrial de A a Z e onde os responsáveis locais lhe estendem o tapete vermelho. Como em Pixian, na periferia de Chengdu, província de Sichuan, onde a Danone engarrafa sua água Robust e a Intel fabrica seus processadores.
No dia 16 de outubro de 2009, ou seja, até mesmo antes da onda de suicídios do primeiro semestre de 2010, uma promessa de investimento conjunto foi assinada com as autoridades de Sichuan. O canteiro de obras teve início em 25 de julho de 2010; a produção começou em 30 de setembro. Mas uma explosão mortal aconteceu sete meses depois, causada por um defeito estrutural de ventilação, como estabeleceu uma investigação do New York Times detalhando as condições de trabalho dos operários de Chengdu.5 Hoje, a Foxconn fabrica ali 12 milhões de iPads por trimestre, ou seja, dois terços de sua produção total, divididos em oito fábricas e cinquenta linhas de produção superpostas em um perímetro de 4 quilômetros quadrados.
Aqui, nada de bordéis barulhentos e karaokês brilhantes nem anúncios luminosos, fábricas de telefones falsificados e igrejas evangélicas: os operários evoluem obedientemente em uma cidade-fábrica nova em folha, higienizada, com arquitetura neostalinista. Rodovias com três pistas de cada lado ligam as fábricas maciças A, B e C às portas dos dormitórios 1, 2 ou 3. São os ônibus articulados da cidade de Chengdu que garantem o translado, tanto de dia como à noite – devagar, para escapar dos radares eletrônicos. Além das betoneiras, os caminhões de mercadorias e os carros de polícia são os únicos veículos que vemos circular em Pixian.
Esse novo conjunto industrial, edificado em um tempo recorde – 75 dias – por Jiangong, uma empresa controlada pela cidade de Chengdu, se situa em uma nova zona franca; por isso, ele está isento de imposto.
A instalação da Foxconn é descrita na imprensa local como “o projeto número 1 do governo de Sichuan”. Para agradar a Terry Gou, as autoridades construíram seis novas estradas, duas pontes e 1,12 milhão de metros quadrados de superfície habitável para os operários. Eles gastaram 2,2 bilhões de yuans em indenizações de expropriações para 10 mil famílias, cujos catorze povoados foram dizimados a partir de agosto de 2010.6
As novas fábricas da Foxconn não são nada além de austeras construções brancas cheias de milhares de pequenas janelas pintadas. Elas se espalham ao longo de duas avenidas retilíneas com nomes evocativos: Tian Sheng Lu (“Céu Vitória”) e Tian Run Lu (“Céu Lucro”). Nenhuma rede antissuicídio foi colocada em volta das fábricas, como é o caso em Longhua. A mão de obra, mais jovem, é com certeza a mais mal paga – o salário de base é de 1.550 yuans, contra 1.800 em Shenzhen –, mas ela é da região e pode visitar a família mais facilmente. “Culturalmente, Chengdu não tem nada a ver com Shenzhen, que é uma cidade composta exclusivamente de migrantes. Nossa usina de Longhua conta, por exemplo, com 20% de jovens de Henan e 10% de Sichuan”.
Segundo os testemunhos recolhidos por lá, as próprias autoridades locais se encarregaram do recrutamento – prova de que Chengdu leva esse projeto muito a sério. Cada vilarejo da província de Sichuan viu, assim, impostas cotas de trabalhadores a fornecer à Foxconn. “Eu aceitei a oferta do chefe de partido do vilarejo em troca de uma ajuda administrativa: ele acelerou meus trâmites de casamento com minha companheira, originária de uma província vizinha. Mas não se trata de trabalho forçado. Eu posso me demitir quando quiser, e nosso vilarejo pode continuar recebendo suas subvenções do governo da província”, diz Yang, que trabalha nos estoques. Até mesmo os estudantes de informática foram mobilizados para fazer ali seus estágios. “Esses métodos são provisórios e correspondem a uma fase inicial de desenvolvimento. Os operários não nos conhecem, eles não vêm por conta própria fazer fila no centro de recrutamento. É preciso, então, ir buscá-los”, comentam na Foxconn.
Vinte e quatro mil operários (7% da mão de obra) são demitidos e contratados todos os meses em Shenzhen Longhua, segundo o Daily Telegraph.7 Talvez sejam muitos mais em Chengdu: “Quando uns amigos quiseram partir, um diretor de recursos humanos pediu a eles que esperassem. Ele já tinha 40 mil cartas de demissão para cuidar”, conta-nos um assalariado.
Batizado de “Juventude Alegre”, mas repleto de guardas, os dormitórios de Pixian têm até dezoito andares, moças e rapazes separados. Eles são divididos entre os bairros de Deyuan, Shunjiang e Qingjiang. Cada conjunto de três edifícios tem cantina, supermercado sem álcool, cibercafé, caixas eletrônicos, mesas de pingue-pongue e terrenos de badminton. Cada apartamento abriga seis a oito pessoas – por um aluguel mensal de 110 yuans por leito – e dispõe de um banheiro com vaso sanitário e ducha. Para economizar tempo e energia dos trabalhadores, sua roupa é lavada por uma empresa de limpeza.
O cibercafé, aprovado pela juventude operária de Pixian, oferece decoração cuidadosa, ar-condicionado e grandes poltronas. Os computadores trazem o logotipo da Foxconn estampado no fundo de tela. O preço da conexão dobra quando passa de uma hora, incitando os operários a não gastar muito tempo.
“Quando saímos do quarto ou da fábrica, a vida é muito cara”, lamenta Cheng, cujo dia é regulado como uma partitura. “Eu me levanto às 6h, pego o ônibus às 6h40 e começo o dia na fábrica às 7h30. Como trabalho até as 20h30, chego em casa às 21h10. Isso me deixa uma hora para aproveitar antes que apaguem as luzes.”
É essa mesma paisagem que acabam de construir na periferia de Chongqing, a 300 quilômetros de Chengdu. A Foxconn mudou para o local uma parte da sua fábrica das impressoras HP, antes produzidas em Shenzhen. A produção está apenas começando, ônibus universitários de Chongqing levam montes de estudantes requisitados para um estágio obrigatório na fábrica. Eles vão se unir aos 10 mil operários da fábrica HP de Shenzhen que já aceitaram voltar para sua província natal. Para Pan Fang, de 22 anos, e seus amigos, seu novo quarto conta com oito camas numeradas e oito banquinhos. Sua primeira impressão é positiva: “Aqui o ar é menos poluído, e a Foxconn instalou para nós água quente, ar-condicionado e até mesmo uma televisão”. Eles já sabem que seu trabalho será idêntico: eles vão montar, cada um, seiscentas impressoras por dia. E esperam que seu salário seja o mesmo também...
 
BOX:
O império Foxconn
Wuhan, Chengdu, Zhengzhou,Chongqing, Xangai, Ningbo ou ainda Tianjin: no total, a Foxconn possui umas vinte fábricas chinesas de todos os tamanhos. De consoles de videogame a Smartphones 4G − 40% dos produtos eletrônicos de grande público mundial são fabricados na China pela empresa taiwanesa, que emprega mais de 1 milhão de operários, em sua maioria com menos de 25 anos e pagos com até R$ 1.117 por mês.Mas a Foxconn também se apresenta fora da China: ela tem uma fábrica de montagem de televisores Sony na Eslováquia. E começa agora uma produção na Índia, na Malásia e no Brasil. Com 61 anos, Terry Tai Ming Gou, seu fundador, detém 30% das ações e figura em 179º lugar na classificação das grandes fortunas mundiais da revista Forbes.
Jordan Pouille
Jornalista - correspondente em Pequim, China


Ilustração: Bobby Yip / Reuters
1 1 yuan = R$ 0,32.

2 Entre janeiro e maio de 2010, treze jovens operários tentaram pôr um fim a seus dias; dez conseguiram. Ler Isabelle Thireau, “Cahiers de doléances du peuple chinois” [Cadernos de pêsames do povo chinês], Le Monde Diplomatique, set. 2010.

3 Algumas pessoas encontradas não revelaram o nome, frequentemente por medo de represálias.
4 “Apple Supplier Responsibility Report – 2012 Progress Report”, Apple.com.
5 The New York Times, 26 jan. 2012. Essa investigação levou a Apple a aderir à ONG Fair Labor.
6 Nanfang Zhoumo, Canton, 10 dez. 2010.
7 “Mass suicide protest at Apple manufacturer Foxconn company” [Protesto com suicídio em massa na fabricante da Apple Foxconn], The Daily Telegraph, Londres, 11 jan. 2012.

Dilma sanciona lei que cria 43,8 mil vagas de professores

MEC irá definir a distribuição dos cargos em um prazo de 90 dias

Do sitio 14NUCLEOCPERS

O Diário Oficial da União (DOU) trouxe, publicada em sua edição de ontem, a sanção, por parte da presidente Dilma Rousseff, da Lei nº 12.677/2012, que cria 43,8 mil vagas para professores, sendo 19.569 vagas para a rede federal de Ensino Superior. A legislação é originária de projeto aprovado pelo Senado Federal no dia 30 de maio, e, além das vagas para docentes no Ensino Superior, estabelece a criação de 24.306 de professor de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico. Outras 27.714  vagas destinam-se a técnicos-administrativos.

No total, a lei cria 77.178 cargos efetivos, de direção e funções gratificadas. A União afirma que os novos cargos terão um impacto de R$ 70,5 milhões por ano para as universidades federais e R$ 102,3 milhões para os institutos.

O texto também reestrutura cargos técnicos e redefine suas especificações. Dessa forma, 2.571 cargos e 2.063 funções gratificadas foram extintos. Antigos cargos de confiança passam a ser de direção e funções gratificadas. A ocupação por pessoas não pertencentes aos quadros de cada instituição federal estará limitada a 10% do total. Caberá ao Ministério da Educação (MEC), em um prazo de 90 dias, definir a discriminação, por instituição federal de ensino, dos cargos e funções extintas.

A autorização para o provimento dos cargos efetivos criados será escalonada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, de acordo com o cumprimento das metas pactuadas entre o MEC e a instituição de ensino, especialmente quanto à relação de alunos por professor em cursos regulares presenciais de Educação Profissional e Tecnológica ou de graduação.

Segundo o ministério, as vagas anuais de ingresso em cursos de graduação passaram de 110 mil, aproximadamente, em 2003, para mais de 230 mil, em 2011. O número total de matrículas em instituições federais também aumentou, passando de 638 mil para mais de um milhão.
 
http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=96981

A história é o inimigo quando as psy-ops se tornam notícia

por John Pilger
Manifestação nos EUA contra a Dow Chemical. 















Ao chegar a uma aldeia no Vietname do Sul, deparei-me com duas crianças que testemunhavam a mais longa guerra do século XX. Suas terríveis deformidades eram familiares. Ao longo do rio Mekong, onde as florestas foram petrificadas e silenciadas, pequenas mutações humanas viviam o melhor que podiam.

Hoje, no hospital pediátrico Tu Du em Saigon, um antigo anfiteatro é conhecido como a "sala da colecção" e, não oficialmente, como a "sala dos horrores". Ali há prateleiras com grandes garrafas que contêm fetos grotescos. Durante a sua invasão do Vietname, os Estados Unidos pulverizaram um herbicida desfolhante sobre a vegetação e aldeias a fim de negar "cobertura ao inimigo". Era o Agente Laranja , o qual continha dioxina, venenos com tal poder que provocavam a morte fetal, abortos, danos cromossomáticos e cancro.

Em 1970, um relatório do Senado dos EUA revelou que "os EUA despejaram [sobre o Vietname do Sul] uma quantidade de produtos químicos tóxicos que se eleva a seis libras [2,72 kg] per capita da população, incluindo mulheres e crianças". O nome de código para esta destruição maciça, Operação Hades, foi alterado para o mais amistoso Operação Ranch Hand. Hoje, cerca de 4,8 milhões de vítimas do Agente Laranja são crianças.

Len Aldis, secretário da Sociedade de Amizade Britânico-Vietnamita, retornou recentemente do Vietname com uma carta ao Comité Olímpico Internacional escrita pela União das Mulheres do Vietname. A presidente da união, Nguyen Thi Thanh Hoa, descreveu "as graves deformações congénitas [provocadas pelo Agente Laranja] de geração para geração". Ela pedia ao COI que reconsiderasse a sua decisão de aceitar patrocínio das Olimpíadas de Londres pela Dow Chemical Corporation, que foi uma das companhias a fabricar o veneno e que se recusou a indemnizar as suas vítimas.

Aldis entregou a carta em mãos no gabinete de Lord Coe, presidente do Comité Organizador de Londres. Não houve resposta. Quando a Amnistia Internacional denunciou que em 2001 a Dow Chemical adquiriu "a companhia responsável pela fuga de gás de Bhopal [na Índia em 1984] que matou 7 mil a 10 mil pessoas de imediato e 15 mil nos 20 anos seguintes", David Cameron descreveu a Dow como uma "companhia respeitável". Aclamações, portanto, para as câmaras de TV ao longo dos painéis decorativos de £7 milhões [€8,75 milhões] que orlam o estádio olímpico: são o resultado de um "acordo" de 10 anos entre o COI e um destruidor tão respeitável.

A história é enterrada juntamente com os mortos e deformados do Vietname e de Bhopal. E a história é o novo inimigo. Em 28 de Maio, o presidente Obama lançou uma campanha para falsificar a história da guerra no Vietname. Para Obama, não houve Agente Laranja, nem zonas de fogo livre, nem disparos sobre indefesos (turkey shoots), nem encobrimentos de massacres, nem racismo desenfreado, nem suicídios (pois muitos americanos acabaram com as suas próprias vidas), nem derrota frente à força de resistência de uma sociedade empobrecida. Ela foi, disse o sr. Hopey Changey, "uma das mais extraordinárias histórias de bravura e integridade nos anais da história militar [dos EUA]".

No dia seguinte, o New York Times publicou um longo artigo a documentar como Obama selecciona pessoalmente as vítimas dos seus ataques drone por todo o mundo. Ele faz isto nas "terças-feiras de terror" quando folheia álbuns com fotos de rostos numa "lista da morte", alguns deles adolescentes, incluindo "uma garota que parecia ainda mais jovem do que os seus 17 anos". Muitos são desconhecidos ou simplesmente em idade militar. Guiados por "pilotos" sentados frente a écrans de computador em Las Vegas, os drones disparam mísseis Hellfire que sugam o ar para fora dos pulmões e explodem pessoas em bocados. Em Setembro último, Obama matou um cidadão americano, Anwar al-Awlaki, puramente na base de rumor de que ele estava a incentivar terrorismo. "Este aqui é fácil", ele é citado por ajudantes como dizendo isso ao assinar a sentença de morte do homem. Em 6 de Junho, um drone matou 18 pessoas numa aldeia no Afeganistão, incluindo mulheres, crianças e um idoso que estavam a celebrar um casamento.

O artigo do New York Times não foi uma fuga ou uma revelação. Foi uma matéria de relações públicas concebida pela administração Obama para mostrar num ano de eleição quão duro o "comandante em chefe" pode ser . Se reeleito, a Marca Obama continuará a servir a riqueza, a perseguir os que dizem a verdade, a ameaçar países, a propagar vírus de computador e a assassinar pessoas toda terça-feira.

As ameaças contra a Síria, coordenadas em Washington e Londres, escalam novos picos de hipocrisia. Ao contrário da propaganda primária apresentada como notícia, o jornalismo investigativo do jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung identifica os responsáveis pelo massacre em Houla como sendo os "rebeldes" apoiados por Obama e Cameron. As fontes do jornal incluem os próprios rebeldes. Isto não foi completamente ignorado na Grã-Bretanha. Escrevendo no seu blog pessoal, de modo extremamente calmo, Jon Williams, o editor de notícias mundiais da BBC, efectivamente serve a sua própria "cobertura", citando responsáveis ocidentais que descrevem a operação "psy-ops" [operação psicológica] contra a Síria como "brilhante". Tão brilhante quanto a destruição da Líbia, do Iraque e do Afeganistão.

E tão brilhante quanto a psy-ops mais recente do Guardian com a promoção de Alastair Campbell, o colaborador chefe de Tony Blair na criminosa invasão do Iraque. Nos seus "diários", Campbell tenta salpicar sangue iraquiano sobre o demónio Murdoch. Há em abundância para encharcar todos eles. Mas o reconhecimento de que os medida respeitáveis, liberais, bajuladores de Blair, foram um acessório vital para um crime tão gigantesco é omitido e permanece como um teste singular de honestidade intelectual e moral na Grã-Bretanha.

Até quando devemos sujeitar-nos a um tal "governo invisível"? Esta expressão para a propaganda insidiosa cunhada por Edward Bernays – o sobrinho de Sigmund Freud que inventou as modernas relações públicas – nunca foi tão adequada. A "realidade falsa" exige amnésia histórica, a mentira por omissão e a transferência de significância para o insignificante. Deste modo, sistemas políticos que prometiam segurança e justiça social foram substituídos pela pirataria, "austeridade" e "guerra perpétua": um extremismo destinado ao derrube da democracia. Aplicado a um indivíduo, isto identificaria um psicopata. Por que aceitamos isto?
21/Junho/2012
O original encontra-se em www.johnpilger.com/...

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .