domingo, 21 de agosto de 2011

Camponeses prometem levar 15 mil pessoas à Esplanada dos Ministérios


Da Redação do Sul21

"Essa reforma agrária do MST também não é a que tem que fazer" l Foto: Jornal Comunicação - UFPR

A semana começará com resistência da Via Campesina ao fechamento de 24 mil escolas rurais nos últimos oito anos. Antecipando a Jornada Nacional de Lutas por Reforma Agrária (prevista para terça-feira, 23), a entidade promete levar a Brasília nesta segunda-feira (22), quatro mil trabalhadores rurais de 23 estados. Durante toda a semana, um acampamento ao lado do Ginásio Nilson Nelson, no plano-piloto da capital federal, servirá como base para atos políticos que alertem para a necessidade de criar novos assentamentos e estimular os já existentes.
Os camponeses estabeleceram quatro reivindicações centrais: assentamento de 60 mil famílias que, segundo cálculos dos movimentos, estão acampadas em vários pontos do país; a melhoria do orçamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), com mais verbas para desapropriações de latifúndios improdutivos; a renegociação das dívidas da agricultura familiar; e a oposição ao fechamento de 24 mil escolas rurais nos últimos oito anos.
Para o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), o dado sobre a educação no campo é a demonstração de uma falha no projeto de país. “Os governos têm demonstrado cada vez mais a clara opção pela agricultura de negócio – o agronegócio –, que tem em sua lógica de funcionamento pensar num campo sem gente e, por conseguinte, um campo sem cultura e sem escola”, afirma Erivan Hilário, do Setor de Educação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).
Os camponeses pretendem somar esforços com outras categorias de trabalhadores para um ato unificado nesta quarta-feira (24), quando esperam reunir 15 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios. No caso da educação, os manifestantes vão pedir o equivalente a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para o setor, além da garantia de que 50% da renda proveniente da exploração do petróleo na camada pré-sal seja destinada a investimentos no ensino público. Outra questão central no ato será o pedido para que o Congresso Nacional aprove a proposta de emenda à Constituição que reduz a jornada máxima de trabalho de 44 para 40 horas semanais.

Informações da Rede Brasil Atual

A raiz da violência na escola pública paulista



EMILIO CARLOS RODRIGUEZ LOPEZ

O jornal Estado de S. Paulo do dia 1º de agosto trouxe a informação que 62% da rede estadual enfrenta problemas de violência dentro do ambiente escolar, de acordo com relatos dos próprios diretores. São roubos, depredações, pichações, violência contra professores, alunos, e funcionários e até brigas entre estudantes. Hoje a rede tem aproximadamente 5271 escolas, ou seja, 3268 escolas tiveram cenas de violência, que como a matéria mostra se tornou algo do cotidiano escolar.
Ocorre que este problema tem uma raiz mais profunda: a ausência do Estado nas escolas e a conseqüente ausência da autoridade na rede estadual. Devemos lembrar que o governo do Estado na gestão desastrosa de Rose Neubauer/Mário Covas promoveu uma série de reformas educacionais, que visavam “economizar recursos para o cofre do Tesouro Estadual” e alcançar as famosas metas de superávit primário, deste modo é que se implanta a aprovação automática.
A pretensa economia visava diminuir os índices de repetência e evasão. No fundo, foi transferido para a sociedade e empresas o custo de reciclar a mão de obra, devido às precárias condições de ensino oferecidas. Desta forma, em 2010, a secretaria de Educação gastou R$ 18 bilhões e por aluno a despesa chegou a 4,4 mil reais por ano. Como hipótese, se devido a má formação recebida na escola, as empresas tiverem de aplicar vinte por cento dos gastos realizado pela secretaria de Educação, isto representaria R$ 3,6 bilhões por ano. Isto implica no aumento do custo São Paulo para que se possa cobrir as deficiência da educação pública paulista.
A garantia da não repetência, ou seja, o “passa-passa” nas escolas públicas de São Paulo na Educação simbolizou para os alunos a possibilidade de agir na escola com a certeza de que não haverá consequência. A sensação da impunidade, aliada a destruição de laços familiares, do desmoronamento de valores éticos e do avanço do crime organizado levaram a rede estadual a se transformar em um depósito de alunos e não em escolas. Por isso, as más notas e a baixa qualidade educacional.
Para que a Educação dê frutos é necessário disciplina e respeito entre professor e aluno; e para isto é preciso que o Estado esteja presente no cotidiano escolar, coíba a violência contra o educador, melhore as condições de trabalho e permita que o professor seja professor, e não um mero estafeta que cuida do amontoado de alunos.
Além do mais, vivemos um sistema que o bom aluno é punido, visto que ele e o mau aluno passam igualmente de ano, com isso, o mérito do bom aluno e esforço de aprender são jogados na lata do lixo. Uma rede que apenas quer dar conta de tirar o aluno da rua e não educa-lo, só pode ser ineficaz e ser o reino completo da violência e da barbárie.
A primeira providência neste sentido seria o fim do grotesco modelo do ciclo-série paulista, uma mistura de série e ciclo, feita para promover a economia de recursos para o Tesouro Estadual. Neste momento, o melhor seria a volta da seriação que contribuiria para diminuir a sensação de impotência do educador e início da restauração da autoridade.
Antes de qualquer coisa é preciso lembrar que autoridade não quer dizer autoritarismo. A idéia de autoridade estava vinculada ao direito legítimo do exercício do poder e ao seu valor pessoal. Já o autoritarismo, tem de ver com o despotismo, o domínio pela força física e violência, que pressupõe a ausência do diálogo, como condição fundamental para o exercício democrático. O autoritarismo se manifesta quando a autoridade é surda para os demais e se impõem pela força, e não por um conjunto de idéias.
Nos 16 anos do PSDB temos visto muito autoritarismo e pouca autoridade, basta citar as constantes violências sofridas pelos educadores na escola, veiculada pela mídia. Por que o Estado usa polícia para punir o professor ou servidor que faz greve e o mesmo governo não oferece segurança para o funcionário público poder exercer a sua função??? Quantos professores não se encontram desiludidos por não poderem repartir o que levaram anos estudando?
A mídia muitas vezes faz o papel que este Estado ausente da escola quer: responsabiliza o professor pela crise na Educação e faz a grande transformação: de vítima passa a ser o responsável pelo caos. Quanto ao governo, este não é responsável pelo que ocorre.
A melhora na Educação passa por fortalecer o núcleo familiar e melhorar as relações humanas. Os pais deveriam lembrar que dinheiro nenhum paga a atenção e o carinho com os filhos. Lembro ainda, que segundo pesquisa da Unicamp publicada a dois anos atrás, 70% da educação depende da família; inclusive o hábito de leitura se aprende em casa. O aluno deveria ser burilado, mas agora querem que a escola faça o trabalho da família, mas isto é impossível devido às condições reinantes.
Creio, como foi mostrada em muitos lugares, quando a autoridade do Estado está presente à violência diminui. Como os tucanos adoram passar os problemas para os outros resolverem, já aviso, não há como terceirizar a autoridade.

EMILIO CARLOS RODRIGUEZ LOPEZ é formado em História pela USP

O buraco no muro

Um belo exemplo de Inclusão Digital...

O Espiritismo é Subversivo?


  •  Jacques Peccatte no PENSE


  • Ao contrário da idéia comum que torna o Espiritismo uma religião, os espíritas do Cercle Spirite Allan Kardec, da França, não aceitam os conceitos demasiado simples, que não permitem refletir sobre a evolução do mundo atual.

    O Espiritismo deve integrar-se à vida de nosso tempo, a fim de questionar os eventos culturais, sociais e políticos à luz de nosso conhecimento espírita.

    Tudo o que acontece no planeta merece interesse e reflexão por parte de todos os seres humanos, sobretudo hoje, porque vivemos mais ou menos conscientemente, num modo transnacional dentro do qual a situação de cada país é interdependente dos outros. A globalização econômica é uma realidade atual e a exploração dos países pobres pelos ricos segue, como nos tempos da colonização.

    O Espiritismo de Allan Kardec nunca aceitou esse processo de injustiça nem a resignação diante das misérias. É essencial que, dentro da atualização do Espiritismo, levemos em conta as evoluções coletivas de nossas sociedades.

    Vemos que no neoliberalismo atual, todas as partes da Terra são dependentes desse sistema mundial, incapaz de procurar o bem-estar de todos. As desigualdades se ampliam a cada dia, desigualdades entre os países e entre os indivíduos. A riqueza global aumenta consideravelmente e, paralelamente, a pobreza é cada vez maior.

    A filosofia espírita incorpora conceitos de solidariedade e de fraternidade que estão totalmente ausentes das sociedade humanas, apenas na forma de organizações caritativas. Desgraçadamente a caridade é o único meio de solidariedade que deve preencher as deficiências das sociedades fundadas no egoísmo. O objetivo de cada sociedade deve ser o desenvolvimento econômico, o que é perfeitamente normal e evidente, mas os países pobres estão condenados a abastecer os países ricos, sem benefícios nem desenvolvimento. É um intercâmbio de sentido único.

    Existe uma estratégia dos países desenvolvidos, em particular dos Estados Unidos, que consiste em dirigir o mundo segundo seus próprios interesses e benefícios. É uma política muito evidente, por exemplo, no tocante ao continente africano.

    A geopolítica mundial não é estabelecida ao acaso. Não existe fatalidade, mas vontades muito bem calculadas por parte dos poderes econômicos.

    Como espírita, não posso calar-me diante dessas realidades. Se os habitantes da Terra são irmãos, como aceitar tais diferenças? Penso que esses problemas fazem parte da filosofia espírita em seu aspecto moral.

    Não podemos nos contentar com uma moral individual dentro da qual cada um se preocupa com sua família e de seu vizinho (que é, sem embargo, muito bom). Mas devemos também, como espíritas, considerar o enfoque espírita dentro de uma moral universal. A famosa evolução intelectual e moral definida por Kardec significa que não devemos esquecer o aspecto intelectual, quer dizer, uma compreensão real do mundo atual, a fim de situar-se moralmente frente a um conjunto humano que sofre de sua inferioridade geral.

    Pensamos, aqui na França, que o papel do espírita moderno é refletir, falar, denunciar eventualmente e participar da luta contra o mal, seja qual for a sua forma. Nesse sentido, segundo o título deste artigo, penso que os espíritas podem ser subversivos, não aceitando uma resignação comum e nenhuma fatalidade. Creio que o Espiritismo é uma luta contra todas as injustiças que constatamos na condição humana, participando das mudanças e progresso do mundo.

    Nos séculos passados, o poder foi essencialmente das religiões. Depois despertaram-se sistemas laicos, um pouco mais democráticos. No século 19 foi fundado o Espiritismo por Allan Kardec. Mas, lamentavelmente, constatamos que atualmente o Espiritismo não tem uma verdadeira influência cultural intelectual e moral dentro das sociedades.

    No conjunto, as religiões mantém uma influência preponderante em certos países. E os sistemas sociais e políticos não avançam no sentido da participação. Qual poderia ser o papel do Espiritismo diante da evolução das sociedades atuais no mundo? É uma pergunta que merece ser considerada e eu a proponho a todos os espíritas preocupados com o futuro do planeta.

    Fonte: Jornal de cultura espírita “Abertura”, maio de 2000, ano XIII, nº 148, Santos-SP.

    Jacques Peccatte, líder espírita francês, um dos fundadores e dirigentes do Círculo Espírita Allan Kardec, de Nancy, França, é diretor-responsável e redator do periódico trimestral “Le Journal Spirite”.
    E-mail: j.peccatte@free.fr

    Uma greve esquecida

    O Brasil precisa decidir se educar a sua infância se enquadra entre as essencialidades do Estado e da sociedade. Se assim entender, terá que repensar o tratamento dispensado a um protagonista que ocupa a linha de frente desse processo: o professor, sobretudo o do ensino básico. O principal emissário da sociedade brasileiro junto à infância, dedicado 40 horas semanais a socializar algo como 50 milhões de meninos e meninas –já em idade escolar ou a caminho - recebe pouco mais de dois salários mínimos por mês. Professores de 11 Estados entraram em greve por um holerite de R$ 1.187 reais. O artigo é de Saul Leblon.


    Às missões essenciais destinam-se os melhores recursos. Não importa quais sejam elas, serão sempre eles: os mais eficazes, mais qualificados, os que desfrutam de maior respeito e como tal são valorizados e reconhecidos.

    O Brasil precisa decidir se educar a sua infância se enquadra entre as essencialidades do Estado e da sociedade. Se assim entender, terá que repensar o tratamento dispensado a um protagonista que ocupa a linha de frente desse processo: o professor de um modo geral, mas, sobretudo, o do ensino básico.

    Em meio à voltagem desordenada dos mercados financeiros mundiais nas últimas semanas, o país assistiu dia 16 de agosto, quase indiferente, como se fora uma manifestação da natureza e não uma interpelação política, a uma greve desconcertante.

    Educadores do ensino básico paralisaram suas atividades para reivindicar o cumprimento de uma lei de 2008 que destina à categoria um piso salarial hoje equivalente a R$ 1.187 reais.

    Isso mesmo. O principal emissário da sociedade brasileiro junto à infância, dedicado 40 horas semanais a socializar algo como 50 milhões de meninos e meninas –já em idade escolar ou a caminho-- recebe pouco mais de dois salários mínimos por mês.

    É o que vale um professor do nível básico no país que desponta como uma das potências do século XXI.

    A greve informou-nos que em 11 estados da federação nem isso ele vale.
    O salário do professor do ensino básico é uma responsabilidade de estados e prefeituras. Prefeitos e governadores alegam não dispor de recursos para arcar com o piso.

    O governo federal, através do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, Fundeb, criou uma linha de equivalência para esses casos.

    Seu montante remete a uma proporção fiscal ilustrativa: os recursos previstos, de R$ 1 bi, equivalem ao valor surrupiado à Receita Federal apenas por uma rede de sonegação desbaratada no mesmo dia da greve, envolvendo 300 empresas da área química.

    Para acessar recursos complementares à folha dos professores, porém, há algumas condicionalidades. Entre elas, que as prefeituras destinem 25% do seu orçamento à educação e despesas afins. Algo que, de resto, o próprio governo federal não faz.

    Justiça seja feita, o orçamento do MEC triplicou no governo Lula. Saltou de R$ 17 bi para atuais R$ 69 bi, refletindo uma atenção à escola poucas vezes observada no país.

    Foram criadas 16 novas universidades e dezenas de campi avançados. Cerca de 260 escolas técnicas dobraram a rede existente. Outras 208 unidades serão construídas agora no governo Dilma. Até 2014, os 500 municípios polo brasileiros terão pelo menos um centro educacional de formação técnica. Oito milhões de bolsas ampliarão essa capilaridade da educação profissionalizante, através do Pronatec. Uma espécie de Pronaf da educação técnica, esse programa de óbvia pertinência aguarda aprovação no Congresso há meses.

    São saltos importantes, aos quais cumpre acrescentar ainda o aumento de 21% dos recursos do Fundeb este ano, que inclui maior atenção às creches. Se abstrairmos a base de comparação e o Everest das carências nacionais seriam números quase irretocáveis.

    O que será feito de um país, e a velocidade com que isso se dará, depende porém das proporcionalidades que carências e demandas desfrutam no orçamento nacional.

    O orçamento federal de 2011 destina praticamente o dobro do que reserva à educação ao pagamento de juros aos rentistas da dívida pública brasileira: R$ 69 bi e R$ 117,9 bi, respectivamente. Cada vez que eleva a taxa de juro o governo está destinando uma fatia maior do orçamento –presente ou futuro - aos detentores de papéis da dívida pública.

    Num país socialmente extremado, uma das sociedades mais desiguais do planeta, não há, efetivamente, dinheiro suficiente para tudo. Governar aqui, mais que em qualquer lugar, é priorizar. Mas as proporções citadas indicam que também significa arguir: estamos no caminho certo?

    O Estado brasileiro tem como meta pagar ao professor de ensino básico um salário equivalente hoje a R$ 3 mil reais num prazo de dez anos. O prazo é compatível com a essencialidade da tarefa a ele atribuída?

    Arregimentará os melhores, os mais preparados, os mais eficientes para a missão?

    As evidências colhidas pelo próprio governo mostram que não.

    Pesquisas citadas pelo Conselho Nacional de Secretários da Educação indicam que os melhores alunos da universidade hoje fogem da carreira do magistério. Motivo: a defasagem salarial da ordem de 40% comparativamente ao início de carreira em outras profissões com diploma superior.

    Um levantamento feito em 2008 pela Fundação Lemann, cotejando inscrições de vestibular e resultados alcançados no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), concluiu que os 5% com as piores notas no Enem decidiram ser professores.

    Os melhores optaram por áreas médicas e de engenharia, melhor remuneradas.

    Não por acaso, tem crescido no país o número de professores do ensino básico sem diploma superior. Eram 594 mil em 2007; saltaram para 636 mil em 2009.

    Através da Universidade Aberta do Brasil, o governo pretende formar 330 mil deles em cinco anos. Especialistas e sindicatos questionam a qualidade da formação à distância como é o caso dos cursos oferecidos pelas UAB. Mas o balanço dos presenciais também deixa muito a desejar.

    Hoje, 25% dos que abraçam o magistério estão sendo diplomados em cursos considerados ruins pelo próprio MEC.

    A educação republicana, herança benigna da Revolução Francesa, é aquela que rompe a odiosa distinção de berço. Ao conceder um mesmo ponto de partida igual para todos— um ensino ‘público, gratuito e de qualidade’, como dizem os estudantes chilenos há 3 meses nas ruas por isso— secciona a transmissão da desigualdade. Impede que floresçam duas infâncias dentro de um mesmo país. Acordes da Marselhesa ao fundo. Ponto.

    A ruptura da transmissão quase biológica da herança de berço – um dever da escola republicana - patina no país. Patina até na França, diga-se. Investigações baseadas no Enem indicam que a origem familiar continua a pesar decisivamente no desempenho escolar. Mais de um terço das 100 melhores notas registradas no Enem no Rio de Janeiro, por exemplo, foram obtidas por estudantes cujos pais tiveram formação superior. Em Brasília, esse número dobra: 76 de 100.

    É um círculo perversamente vicioso. A baixa remuneração do professor desdobra-se em alunos com formação precária seminal que se arrastam daí em diante, da defasagem etária à desistência ou o déficit estrutural de formação. O conjunto subverte a finalidade republicana da educação, capturada assim como plataforma de reprodução da desigualdade que deveria combater.

    O governo sabe disso. Deixou claro seu diagnóstico no novo Plano Nacional de Educação, o PNE. Entre 20 metas principais, ele destina 4 à valorização do professorado. Formação e remuneração, diz o documento, constitui a chave para o futuro da educação e do país.

    O problema é a assimetria entre o diagnóstico e a destinação de recursos. Ela se explica pela força desproporcional dos interesses que tencionam essa relação. Para que as boas intenções do PNE sejam factíveis, o país teria que elevar o investimento em educação dos atuais 5% do PIB para 7%.

    O governo concorda. Mas planeja vencer essa travessia em dez anos. Uma década, a 0,2% de acréscimo real de investimento por ano.

    Trata-se de uma visão incremental muito à gosto dos mercados e de seus teóricos. Tudo se resolve gradualmente, sem a necessidade de rupturas na divisão da riqueza. Na vida real de uma nação a urgência tratada em regime de longo prazo muitas vezes é a escolha que leva ao destino oposto ao almejado.

    Quanto custará socialmente esse roteiro de tartaruga resignada? Melhor: como modificar esse passo claudicante?

    O Brasil dispõe hoje de uma incontrastável rede de controles financeiros e ideológicos, públicos e privados, nativos e forâneos, com braços que se articulam de dentro e de fora do governo, indo das universidades às consultorias de mercado, da prontidão midiática aos partidos políticos conservadores; esse redil articulado e eficiente trabalha sob pressão máxima para não deixar escapar um objetivo claro: garantir que anualmente se reserve algo como 3% do PIB em recursos fiscais ao pagamento de juros da dívida pública (cujo serviço efetivo atinge o dobro disso quando somados juros totais, capitalizações etc).

    Assegurar o juro da dívida púbica é uma essencialidade do conservadorismo. Algo perseguido com o recrutamento dos melhores quadros, os mais contundentes instrumentos e todas as caixas de ressonância ideológica necessárias, das convictas às remuneradas. Os resultados, como se sabe, são notáveis: o Brasil é campeão mundial em custo financeiro; pratica as maiores taxas de juros do planeta e remunera religiosamente os títulos públicos com elas.

    O tratamento incremental dispensado à educação , em contrapartida, sobretudo, aos salários do nível básico, reflete a aceitação de um interdito ideológico. O mesmo que faz algumas das economias mais ricas e poderosas da terra girar numa espiral descendente sem dispor de um ponto de apoio fiscal para sair da crise.

    O consenso conservador instituiu nas últimas décadas que os ricos –bancos e rentistas, sobretudo— não deveriam ser taxados adequadamente em seus lucros e patrimônio em benefício da sociedade.

    O dogma deixou aos Estados a opção de se tornarem mínimos em serviços e responsabilidades. Ou tomarem emprestada uma fatia da riqueza plutocrática, endividando-se a juros para proceder a investimentos e sustentar atribuições intransferíveis. Deixou-lhes também a partitura das privatizações e a do sucateamento que o Brasil dos anos 90 tocou e ouviu como aluno aplicado.

    A captura do orçamento público pela lógica rentista do endividamento esgotou-se após os excessos cometidos em seus próprios termos. Entre eles a explosão do crédito sem critério, propiciado pela desregulação precedente, e das fraudes de proporções ferroviárias.

    O imenso passivo acumulado regurgita agora no metabolismo econômico mundial. Um bolo de difícil digestão. Sem afrontar o dogma fiscal que impede de taxar os ricos, sobrará aos pobres mastigá-lo e serem triturados por ele durante anos.

    Se for esse o caminho vitorioso aqui e alhures, o salário dos professores do ensino básico dificilmente alcançará a faixa dos três mil reais em uma década. Talvez nem em duas.

    Argumentos éticos ao som da Marselhesa tocam tangencialmente o raciocínio frio de quem lucra com o fervor colegial do Tea Party. Ou dos que, em nome do ‘custo Brasil’, extinguiram a CPMF subtraindo R$ 40 bilhões por ano à saúde pública.

    A esses talvez fosse mais pertinente lembrar que demonstrações explícitas de anomia social, como as registradas em Londres, não surgem do vazio.

    Um estudo de Unicef, de 2007, realizado exclusivamente com países considerados desenvolvidos, oferece uma pista e um alerta de como as coisas se dão.

    Intitulado "Pobreza Infantil em Perspectiva: visão de conjunto do bem-estar da criança nos países ricos", a pesquisa assume que a verdadeira medida de uma nação está na forma como ela cuida das suas crianças. A Unicef estende a fita métrica em seis dimensões da infância: a saúde e a proteção; a segurança material; a educação e socialização e o crucial modo como se sentem amadas, valorizadas e integradas na família e na sociedade onde nasceram.

    O trabalho avaliou 21 países ricos abrangendo mais de 40 itens de vida material e subjetiva agrupados nas seis dimensões citadas.

    A Inglaterra figurou em último lugar no conjunto de notas de cinco das seis dimensões em toda a série.

    Trata-se de um balanço devastador da infância e da juventude criadas em 26 anos de governo conservador de Margareth Tatcher. Período em que se relegou a educação pública, as políticas sociais, empresas de Estado e valores associados à solidariedade e ao bem-comum a um agressivo moedor de carne de condenação ideológica e fiscal.

    Valioso justamente por anteceder em cinco anos os atuais distúrbios em Londres, o trabalho pode ser consultado na íntegra no site do Centro de Estudos Innocenti da UNICEF.

    Os alertas contidos no relatório merecem atenção não apenas de ingleses perplexos. Lideranças e autoridades brasileiras talvez encontrem ali boas razões para redimir sua indiferença diante da greve de abnegados professores de 11 Estados por um holerite de R$ 1.187 reais por mês.