quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Os operários argentinos da Zanón expulsam definitivamente o patrão

“Depois de 9 anos de combate, os empregados da fábrica “recuperada” Zanón, na Argentina, conseguiram o reconhecimento legal da gestão trabalhista de sua fábrica. Uma vitoria exemplar em plena crise mundial”.

Se havia convertido em um dos símbolos da resistência à fatalidade capitalista. Na Argentina, os operários da fábrica de cerâmica Zanón, rebatizada FaSinPat por “fábrica sem patrão”, acabam de ganhar uma batalha exemplar : a assembléia provincial de Neuquen, na Patagônia, ordenou a expropriação de seu antigo patrão e declarou a fábrica “sob controle trabalhista”, o que pediam os operários há anos. O “sonho juvenil”, como explicava Luis Díaz, um dos trabalhadores da fábrica, em junho, no perfil que lhe dedicou nossa revista (“HD nº 164, de 4 de junho de 2009), se converteu em realidade. Luis forma parte da aventura desde o principio, em 2001: enquanto no país, em bancarrota, se demite por todos os lados, a solidariedade se organiza ao redor dos operários da fábrica Zanón, que havia fechado suas portas apesar das importantes ajudas do governo argentino. Movimentos de desempregados, de sindicatos da região acodem em seu apoio.

Depois de seis meses de mobilização, os empregados decidem tomar o controle de “sua fábrica”, que tornam a por em funcionamento. No país, centenas de fábricas são “recuperadas” da mesma maneira. Zanón se mantem. Em oito anos, mais de 200 postos de trabalho se criaram, mas a fábrica deve enfrentar regularmente as tentativas de expulsão como a de abril de 2003. Mais de 3000 pessoas, vindas em solidariedade - dos sindicatos, movimentos sociais, universidades da região e de outros lugares- impediram o acesso à fábrica.

Hoje, “a utopia se convertido em realidade graças a nove anos de luta”, explica Pablo, um dos operários da fábrica, ainda que sabendo que outros combates estão à vista. A decisão não resolve tudo. As modalidades de sua aplicação serão igualmente cruciais porque os que se opõem à expropriação não deixarão de utilizá-las para minimizar o alcance do “controle trabalhista”.

Créditos: blog do velho comunista
.
Original em L'Humanité

Cultura dos pampas...

Nos tempos em que as Estâncias eram de todos




Escrito por Mário Maestri

Em 1626, jesuítas espanhóis cruzaram o rio Uruguai e fundaram missões, a partir do noroeste do atual Rio Grande do Sul, sobretudo com populações guaranis. Em 1634, os inacianos importaram 1500 bovinos para formar os rebanhos dos dezesseis pueblos do Tape. Em 1636-38 o gado foi abandonado pelos guaranis missioneiros que retornaram para a outra banda do Uruguai, assaltados pelos paulistas escravizadores. O rebanho multiplicou-se, atravessou os rios Jacuí-Ibicuí em direção ao sul, formou a enorme vacaria do Mar, entre o oceano e os rios Jacuí e Negro.

Na segunda metade do século 17, devido à crise da economia açucareira, a coroa portuguesa retomou a procura das minas e lançou novas iniciativas econômicas. Em 1680, fundou a Colônia do Santíssimo Sacramento, diante de Buenos Aires, na outra margem do rio da Prata. Procurava com ela retornar às trocas de cativos, manufaturados e produtos da costa do Brasil pela prata andina, permitidas pela coroa espanhola até o fim da União Ibérica, em 1640. Os couros trazidos pelos espanhóis de Buenos Aires ou do interior da banda oriental do Uruguai, por portugueses, castelhanos e charruas, garantiram o sucesso da cidadela.

Em 1682, os guaranis missioneiros retornaram ao atual Rio Grande do Sul para barrar o saque das vacarias dos pampas e o avanço lusitano. Os Sete Povos apoiaram-se fortemente na extração animal, inicialmente, e na sua criação, a seguir. Mais tarde, a regressão do pastoreio fortaleceu a agricultura missioneira. A economia pastoril dos Sete Povos constituiu a pré-história das estâncias sul-rio-grandenses. Não procedem as propostas ideológicas de que ela seria mera exploração predatória do gado chimarrão.

Em Origens da economia gaúcha: o boi e o poder, livro póstumo de 2005, Guilhermino César descreve a organização das estâncias jesuíticas como a "mais simples possível": "[...] um grupo de catecúmenos [...] tangia reses mansas para um posto deserto, deixava-as em liberdade, e estava formado o criatório". Essa prática jamais teria constituído verdadeira economia pastoril, já "que a criação se fazia [...] ao deus-dará", com os gados "espalhados, em desordem ," caminhando "sem restrições".

Segundo ele, nenhum "regime fundiário vigorara naquela ‘terra de ninguém’ [sic]", onde a incúria quase natural e o "nomadismo congenial" dos guaranis teriam determinado tamanha "instabilidade" na atividade "que, à flor do chão, não ficou memória das estâncias jesuíticas", esfumando-se na "mente coletiva" sua recordação. Essa leitura foi amplamente difundida pela historiografia tradicional sulina, que estabeleceu hiato radical entre as histórias guarani-missioneiras e sul-rio-grandense.

Inicialmente, a exploração missioneira das vacarias deu-se sob licença dos padres superiores, preocupados em não esgotar os gados. Os vaqueiros guaranis não praticaram o abate geral de animais pelo couro, sebo e graxa, deixando as carcaças nos campos, como os corambreros ibéricos e nativos trabalhando sobretudo para Sacramento. Nos anos 1690, exagerando enfaticamente, o padre Sepp escrevia que, após dois meses, os vaqueiros retornavam com "cinqüenta mil vacas", para a "a alimentação" anual de sua missão. Contava que, nos navios da Ordem, partiam 300 mil couros, de "touros mais crescidos", e não de "vacas", certamente para manter a "procriação indispensável".

Preocupados com a perenidade dos rebanhos, os missioneiros fundaram, em 1700, a vacaria dos Pinhais, no Planalto, nas margens do rio Pelotas. Quando os gados das vacarias do Mar e dos Pinhais foram esgotados, pelos coureadores e tropeiros, fogueados pelas descobertas das minas [1695] e pela fundação da vila de Rio Grande [1737], os vaqueiros das missões enfatizaram a criação animal nas estâncias dos pueblos.

As grandes estâncias missioneiras, delimitadas por rios, riachos, matas, serros etc., subdividiam-se em sedes e postos, com aldeias de dez a doze famílias, com suas capelas, currais, plantações etc., povoadas por posteiros, que domesticavam e tratavam os animais nos rodeios e cuidavam que não fugissem.

No Planalto, em estâncias menores, próximas aos Sete Povos, invernava o gado trazido pela Boca do Monte [atual Santa Maria] e pelo Boqueirão [atual Santiago], para o consumo dos pueblos. A criação missioneira assumiu o caráter de produção pastoril extensiva herdado pelas futuras estâncias luso-brasileira, disseminadas na Campanha, nas Missões, nos Campos Neutrais e no norte do atual Uruguai, sobretudo a partir de 1780, após a instalação de charqueadas no Sul, que valorizou fortemente a exploração mercantil dos rebanhos.

O laço, as boleadeiras, o poncho, o mate, o churrasco, a doma em campo aberto, o aquerenciamento e manejo dos gados no rodeio, os vaus dos rios, os boqueirões nas serras, a origem de muitas cidades sulina foram algumas das heranças legadas pelas missões guaranis à civilização sul-rio-grandense. Foi muito amplo o arrolamento de missioneiros e de nativos pampianos como peões nas fazendas luso-brasileiras que proliferariam na região.

A grande diferença entre as duas sociedades foi o caráter do trabalho e da propriedade da terra, coletivo nas missões guaranis, privado nas fazendas luso-brasileiras. Para que, após a ocupação militar lusitana das Missões, em 1801, as estâncias coletivas guaranis fossem melhor repartidas em sesmarias privadas, exploradas com o braço escravizado e assalariado, era necessário que desaparecesse na memória histórica regional aqueles longos e estranhos tempos em que as pampas e os gados eram de todos, e não apenas de alguns poucos.

Bibliografia consultada:

BRUXEL, Arnaldo. Os trinta povos guaranis. Caxias do Sul, Universidade de Caxias do Sul, Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, Sulina, 1978.

CESAR, Guilhermino. Origens da economia gaúcha: o boi e o poder. Porto Alegre: IEL: Corag, 2005.

MAESTRI Mário.[Org.] O negro e o gaúcho: Estância e fazendas no Rio Grande do Sul, Uruguai e Brasil. Passo Fundo: EdiUPF, 2008.

MONTEIRO, Jonathas da Costa Rego. A colônia do Sacramento. 1680-1777. Porto Alegre: Globo, 1937. 2 vol.

PINTOS, Anibal Barrios. De las Vaqueiras al alambrado. Montevideo: Nuevo Mundo, 1967.

PORTO, Aurélio. História das missões orientais do Uruguai. 2 ed. Revista e melhorada pelo p. L.G. Jaeger. Porto Alegre: Selbach, 1954. 2 vol.

QUEVEDO, Júlio. As Missões: crise e redefinição. São Paulo: Ática, 1993.

SEPP S.J., padre Antônio. Viagem às missões jesuíticas e trabalhos apostólicos. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo, EdUSP, 1980.

SEVERAL, Rejane da Silveira. A Guerra Guaranítica. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1995.

Mário Maestri é historiador, professor do curso e do programa de pós-graduação em História da UPF.

E-mail: maestr@via-rs.net