sexta-feira, 20 de abril de 2012

Governo criará estatal para cuidar de pedágios no Rio Grande do Sul


Contrato com atuais concessionárias de pedágios se encerra a partir de julho de 2013 | Foto: Cláudio Fachel/Palácio Piratini

Samir Oliveira no SUL21

Com a iminência do vencimento dos atuais contratos de concessão de pedágios, o governo do Estado se desdobra em debates internos para definir, em reta final, como será o novo modelo de administração das rodovias no Rio Grande do Sul. Atualmente, a tese que encontra mais respaldo no Palácio Piratini é a da criação de uma empresa pública que gerenciaria as três praças comunitárias já existentes e assumiria o comando dos sete polos hoje administrados pela iniciativa privada.
Essa solução resolveria dois problemas: daria tempo para que o governo elaborasse com calma uma nova licitação para o setor e não deixaria as praças de pedágio abandonadas a partir de julho de 2013, quando começam a vencer os contratos firmados no final da década de 1990.
A nova estatal também melhoraria o funcionamento do Daer, já que o departamento ficaria com uma atuação focada na fiscalização das estradas, sem ter que se preocupar em gerir contratos com rodoviárias, pedágios e empresas de ônibus – funções que a empresa a ser criada assumiria. Com a instalação da nova estrutura, seriam extintas as diretorias de Operação Rodoviária e de Transportes Rodoviários do Daer.
O formato jurídico que mais ganha força nos debates internos do governo é da companhia mista de direito privado, que permitia que o quadro funcional fosse contratado pelo regime de CLT e tornaria os processos mais céleres. A intenção do Palácio Piratini é criar a estatal o mais rápido possível, por isso o governador Tarso Genro (PT) irá enviar o projeto de lei em regime de urgência à Assembleia Legislativa até o final deste mês, junto com outras matérias num pacote que envolve outros temas polêmicos, como reforma previdenciária e liberação de bebidas alcoólicas nos estádios durante os jogos da Copa do Mundo de 2014.

Beto Albuquerque admite ampliação de pedágios comunitários no Estado

O secretário estadual de Infraestrutura e Logística, Beto Albuquerque (PSB), é o principal defensor da criação de uma companhia pública para cuidar dos pedágios no Rio Grande do Sul. A ideia chegou a ser proposta no ano passado, mas só começou a ser debatida mais intensamente pelo núcleo do governo neste ano.
Beto Albuquerque quer que estatal gerencie também concessões a estações rodoviárias | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Confrontado com a burocracia e os vícios históricos do Daer, Beto acredita que a melhor forma de resolver os problemas é com a criação de uma nova estrutura. “Na época do Collares, o Daer tinha quase 3 mil funcionários a mais do que hoje. A resposta às necessidades dos pedágios comunitários é muito lenta”, queixa-se o secretário.
O secretário entende que, com a criação da estatal, será possível ampliar o número de praças comunitárias no Estado, mas reconhece que esse modelo não serve para todos os casos. “Alguns pedágios poderão ser transformados em comunitários. Mas onde se exige muito investimento será impossível”, admite, citando o polo de Gramado com caso que demanda muitos recursos.
Além da ampliação das praças administradas pelo governo, a nova empresa pública possibilitará um controle mais efetivo sobre as verbas geradas por esses empreendimentos. Atualmente, os recursos que vêm das taxas cobradas pelos pedágios comunitários vai para o caixa único do Estado.
“O dinheiro do pedágio não vai mais passear pelo caixa único”, explica Beto. O secretário também defende que a nova estrutura passe a comandar a concessão de estações rodoviárias e de operadoras de ônibus, desafogando ainda mais o Daer e deixando seus engenheiros livres para fiscalizar as estradas.

“Empresa é fundamental para evitar o colapso no encerramento das concessões”, explica João Victor

O secretário da Assessoria Superior do Governador, João Victor Domingues (PT), explica que o fator fundamental que motiva o governo do Estado a criar uma nova empresa pública é o encerramento dos atuais contratos de pedágios no ano que vem. Conforme prometeu na campanha eleitoral, o governador Tarso Genro não irá renovar as atuais parcerias, mas a elaboração de uma nova licitação poderia ser derrubada na Justiça pelas concessionárias, que alegam a existência de um passivo de R$ 1,7 bilhão a ser quitado. Nesse contexto, a estruturação de uma estatal seria uma saída que daria tempo para que o Palácio Piratini resolva o imbróglio com a iniciativa privada e não deixe as praças de pedágio abandonadas.
João Victor (direita) já ouviu propostas da Univias | Foto: Eduardo Seidl/Palácio Piratini

“Essa empresa é fundamental para evitar o colapso no encerramento das concessões”, reconhece o petista. A nova companhia ficará no comando das praças hoje controladas pela iniciativa privada até que o governo encontre uma solução definitiva para o problema.
Uma consultoria contratada pelo Palácio Piratini irá definir um novo modelo a ser adotado. De posse desse estudo, o governador Tarso Genro irá decidir se abre uma nova licitação para que a iniciativa privada reassuma a administração dos polos ou se determinará que a nova empresa pública ficará com o comando das praças. Em qualquer uma das possibilidades, o desafio do governo está em oferecer um serviço melhor que o atual com a diminuição das tarifas, o aumento dos investimentos e a extinção de alguns pedágios, como o de Farroupilha – promessa de campanha do governador.
Outro impasse a ser resolvido por Tarso é o das estradas federais. Atualmente, os sete polos de pedágios do Estado contam com 1,2 mil quilômetros de rodovias federais. O governo já conseguiu uma garantia de que até junho o Ministério dos Transportes diga o que irá fazer em relação a essa malha.

Oposição e base aliada se dividem em opiniões sobre a medida

Os debates internos do governo gaúcho para a criação de uma empresa pública que cuide dos pedágios no Estado ainda não ecoaram de forma clara na Assembleia Legislativa, que analisará o assunto a partir do final de abril, quando o Palácio Piratini enviará um pacote de projetos em regime de urgência. Deputados da base aliada e da oposição dão diferentes versões para o fato e se dividem entre o apoio e a crítica à medida.
Para Raul Pont, líder partidário e presidente do PT no Rio Grande do Sul, a iniciativa de criar uma estatal para gerenciar contratos de pedágio é positiva. “A decisão de organizar uma empresa que assuma isso e garanta que os recursos sejam aplicados em obras de manutenção e expansão de rodovias é correta”, elogia, acrescentando que “essa posição já deveria ter sido assumida há mais tempo”, deixando claro o desconforto com o diálogo que o governo vinha mantendo com as concessionárias – que gerou diversos rumores de que o governador Tarso Genro estaria disposto a renovar os atuais contratos.
Raul Pont entende que pedágio comunitário pode ser o modelo mais adequado | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Pont reconhece que o governo ainda não tem posição formada sobre qual será o modelo utilizado para a administração dos pedágios, mas sugere que o controle pelo Estado pode ser o mais efetivo. “Até hoje não se conseguiu saber exatamente quanto esses pedágios arrecadam. Controlá-los e saber qual é a receita vai ajudar a tomar uma decisão melhor”, entende.
O líder do PMDB, deputado Márcio Biolchi, vê com restrições a ideia de se criar uma nova empresa pública no Estado. Ele critica a forma como esse debate está sendo conduzido no governo – sem extrapolar os muros do Palácio Piratini – e condena a utilização do regime de urgência para um tema que considera relevante demais para ser apreciado em apenas 30 dias.
“O governo não diz às claras que modelo irá adotar e não discute isso com a Assembleia Legislativa, apenas com a base aliada. Esse assunto não é tratado de forma pública”, denuncia. Para o peemedebista, é temerário centralizar a gestão dos pedágios nas mãos do Estado. “O poder público não tem mostrado eficiência na gestão de contratos”, opina.
Márcio Biolchi diz que governo não torna o debate público | Foto: Divulgação/Assembleia Legislativa

Márcio Biolchi observa que outros estados têm ampliado as concessões à iniciativa privada que, segundo ele, seriam menos onerosas aos cofres públicos. “Onde está a garantia de que essa estatal terá eficiência e as tarifas de pedágio irão diminuir? O Brasil inteiro vem fazendo concessões porque é mais barato, vamos aqui criar o desafio de provar o contrário?”, questiona.
O deputado Jorge Pozzobom (PSDB), contumaz crítico de Tarso, se mostra mais favorável à criação de uma estatal para gerir os pedágios. “Vejo com bons olhos, no momento em que o Estado volta a ter poder nas mãos. Hoje o poder está com as concessionárias”, compara.
Entretanto, o tucano ressalva que o governo está “muito confuso” nesse assunto e que “há um ponto de interrogação” em tudo que o Palácio Piratini propõe.
“Por uma questão política, o governo segue refém do passado”, crítica advogado da Univias
Atualmente, há 12 polos pedagiados no Rio Grande do Sul e dois modelos de administração. A concessão do trecho à iniciativa privada – que vigora em sete polos, sendo que dois são de responsabilidade da União, o de Pelotas e a Freeway -, e os chamados pedágios comunitários, administrados diretamente pelo Estado (caso das praças de Passo Fundo, Campo Bom e Portão).
O que se encerra em 2013 são os contratos dos sete polos de pedágio que o governo gaúcho concedeu à iniciativa privada em 1998. Trata-se de 1,8 mil quilômetros de rodovias pedagiadas, dos quais a Univias – através das empresas Metrovias, Sulvias e Convias – administra 1 mil quilômetros.
O advogado da Univias, Ricardo Breier, alerta que a concessionária irá entrar na Justiça para buscar o pagamento de um desequilíbrio contratual. Vários órgãos públicos apresentam diferentes números para essa dívida, mas a Univias adota o maior valor, calculado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que estima o desequilíbrio em R$ 1,7 bilhão.
“O Estado só pode cancelar esse contrato sem pensar em outras alternativas quando pagar o desequilíbrio”, garante Breier. Ele diz que, por questões políticas, o governo gaúcho se nega a renovar a parceria. “Por uma questão política, o governo segue refém do passado. Quando foi oposição (o PT) sempre barrou qualquer forma de prorrogação dos contratos”, lembra. O advogado assegura que a Univias “continua querendo negociar”, mas que não abrirá mão de cobrar judicialmente os valores que acredita lhe serem devidos.
O secretário de Infraestrutura e Logística, Beto Albuquerque (PSB), minimiza a polêmica. “Cada um tem o direito de espernear sobre o que acha que tem direito. Concessão se encerra na data marcada, qualquer discussão sobre um eventual desequilíbrio pode ser feita na Justiça, que é o lugar certo para arbitrar esse tipo de dívida”, comenta.
O socialista informa, ainda, que o governo está fazendo um levantamento patrimonial para apurar a gestão das estradas pela iniciativa privada e cobrar possíveis medidas contratuais que não teriam sido efetuadas. “Há rodovias que deveriam ter recebido uma terceira faixa, por exemplo. Vamos avaliar quais são os desequilíbrios em favor da sociedade”, avisa.

Investimentos em educação pública computam despesas que nada têm a ver com educação

  Otaviano Helene  no CORREIO DA CIDADANIA 
Há pelo menos duas razões pelas quais devemos conhecer os gastos com educação pública. Uma delas é devida às exigências legais, uma vez que a Constituição da República, as constituições estaduais, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e leis orgânicas municipais estabelecem valores mínimos para aqueles gastos. Outra razão é para que possamos saber se o quanto investimos é suficiente para garantir a educação que precisamos.

E quanto o Brasil gasta, efetivamente, em educação pública? Embora a pergunta possa parecer impertinente, uma vez que há vários órgãos públicos que cuidam do assunto, ela é totalmente cabível e, infelizmente, tão necessária hoje como foi no passado.

Segundo dados sistematizados e divulgados pelo Inep, os investimentos públicos totais em educação no Brasil, em 2010, foram da ordem de 5,8% do PIB (1). Esse percentual seria totalmente insuficiente para garantir uma educação minimamente aceitável, ainda que não tivéssemos enormes atrasos, na forma de altíssima evasão escolar, falta crônica de professores em várias áreas (Física e Química, especialmente), pequeníssimo atendimento na educação infantil, enormes contingentes de analfabetos ou, ainda, enormes contingentes de jovens que não concluíram os ensinos fundamental ou médio. Mas, além disso, será que investimos, realmente, 5,8% do PIB em educação pública?

Não. A regulamentação do que pode ser considerado gasto com educação é bastante fluida, permitindo incluir, como sendo educacionais, várias despesas que nada têm a ver com educação. Além disso, como aquela regulamentação só tem efetividade quanto aos gastos mínimos constitucionais e legais, a inclusão de outras despesas como sendo educacionais, quando o objetivo é estimar o esforço nacional com educação, ocorre de forma ainda mais arbitrária do que permite a já tolerante legislação.

Segundo nota de rodapé na tabela que apresenta aquele valor de 5,8% do PIB, vemos que ele inclui “estimativa para complemento da aposentadoria futura do pessoal ativo”, uma despesa que não corresponde à educação em nenhum sentido e sequer foi realizada, pois se trata de uma complementação futura. Embora não haja o detalhamento de quanto significa esse “complemento futuro”, estima-se que ele possa corresponder a cerca de 20% dos gastos com pessoal (2) e, portanto, a um valor próximo a 1% do PIB, fazendo com que aquele valor esteja abaixo dos 5% do PIB.

Além disso, segundo a mesma nota de rodapé citada, estão “computados nos cálculos os recursos para bolsa de estudo, financiamento estudantil e a modalidade de aplicação: transferências correntes e de capital ao setor privado”. Ora, se as bolsas de estudo correspondem a programas de iniciação científica, mestrado, doutorado ou pós-doutorado, elas já são computadas entre os investimentos em Ciência e Tecnologia. Ao computá-las também como investimentos em educação, está se fazendo uma espécie de dupla contabilidade e inflando artificialmente os investimentos educacionais com investimentos feitos por órgãos voltados ao fomento do desenvolvimento científico e tecnológico. Caso as bolsas sejam uma referência ao Prouni ou a programas equivalentes mantidos por governos estaduais, então não correspondem a investimentos em educação pública.

Quanto ao financiamento estudantil, caso se refira ao FIES (programa do MEC usado para financiar o ensino de graduação em instituições privadas), e às transferências ao setor privado citados na mesma nota, eles só estão incluídos naqueles 5,8% do PIB por um jogo de palavras que mistura “investimento público com educação”, título da tabela citada, com investimentos na “manutenção e desenvolvimento do ensino público”, como define a LDB.

Esse jogo de palavras é muito grave, em especial neste momento em que o Congresso Nacional discute a proposta, apresentada pelo executivo federal, de um Plano Nacional de Educação (PNE), cuja redação inicial previa um crescimento do “investimento público em educação (e não investimento em educação pública) até atingir, no mínimo, o patamar de 7% do produto interno bruto do país”. Assim, além de nos preocuparmos com o valor totalmente insuficiente, precisamos atentar para o uso da expressão investimento público em educação em lugar de investimento em educação pública, o que pode significar apenas mais subsídios para as instituições privadas.

Precisamos fazer as contas direito

A falta de transparência quanto aos gastos com educação pública e a maquiagem desses gastos são coisas constantes na história do país. Vejamos alguns outros poucos exemplos.

Em períodos mais distantes, chegamos a ter dupla contabilidade: um mesmo recurso destinado à educação era contabilizado tanto pela esfera de governo que o repassou como por aquela que fez a despesa. Entre 2000 e 2003, despesas com o programa Bolsa Escola foram incluídas como sendo educacionais; embora, inegavelmente, essas despesas contribuem para as condições de vida das pessoas e, portanto, para a frequência à escola, elas não são despesas educacionais em nenhum sentido. Nos períodos de alta inflação, o pagamento do décimo terceiro salário inflava muito as despesas com educação, pois, embora seu valor real fosse igual ao de uma folha de pagamento do início do ano, como a contabilidade nacional é feita em moeda corrente, ele podia ser, nominalmente, muito grande. Despesas feitas no sistema educacional com recursos emprestados eram (ainda são?) frequentemente computados por secretarias de educação, de forma dupla: quando o valor emprestado era investido e quando o empréstimo era pago.

Além dos exemplos acima de como as contas de educação podem ser maquiadas, há muitos outros: debitar de forma totalmente arbitrária nas contas de uma secretaria de educação despesas que nada têm a ver com ela como, por exemplo, o asfaltamento de uma rua onde há uma escola; fazer repasses arbitrários de recursos para organizações não governamentais; assinar revistas e outros periódicos sem nenhuma motivação realmente educacional para tal; ou incluir como despesas educacionais os salários de professores cedidos a órgãos não educacionais. Enfim, a lista seria muito longa.

Portanto, são necessárias algumas providências para que possamos saber, com suficiente precisão, quanto efetivamente investimos em educação pública. Uma delas é definir de forma mais completa e detalhada o que é e o que não é gasto com educação pública, de preferência adotando critérios rigorosos, como, por exemplo, os recomendados pela Unesco. Outra providência é definir a forma de ratear os investimentos feitos em diferentes áreas quando uma mesma instituição executa outra atividade além da educacional, como ocorre, por exemplo, nas universidades públicas, que desenvolvem pesquisas científica e tecnológica e mantêm hospitais. Outra, ainda, é criarmos apenas um critério e uma contabilidade, diferentemente do que se fez até hoje, de tal forma que possamos acompanhar a evolução ao longo do tempo dos investimentos em educação pública.

Além de lutarmos pelos 10% do PIB para a educação pública, precisamos ficar muito atentos para a definição do que pode ou não ser considerado gasto educacional e para denunciarmos, sempre que aparecer, a confusão entre gasto público com educação e gasto com educação pública, confusão essa feita até mesmo na atual proposta de PNE em debate no Congresso Nacional.

Notas:

1) Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, Percentual do Investimento Total em Relação ao PIB por Nível de Ensino, http://portal.inep.gov.br/indicadores-financeiros-educacionais, consultada em abril/2012.

2) Veja matéria divulgada pelo Laboratório de Informática, ICHF, Universidade Federal Fluminense, http://www.uff.br/ichf/labinfo/index.php?url=noticias, consultada em abril/2012