quinta-feira, 30 de junho de 2011

Para entender Stalin e o “stalinismo”


Por Marcos Aurélio da Silva no GRABOIS
 
A publicística brasileira, e não só aquela à direita do espectro político, acostumou-se a se referir a Stalin como um dos grandes assassinos da história. A julgar pelo livro de Domenico Losurdo agora publicado entre nós, Stalin: história crítica de uma lenda negra, tradução de Jaime Clasen, Rio de Janeiro: Revan, 2010, 378 págs. (com um ensaio de Luciano Canfora), este ponto de vista está a demandar uma profunda revisão. Isso se se quiser não apenas refletir sobre o uso político a que a figura de Stalin serviu no Ocidente capitalista, mas igualmente atentar para o que de mais atual há na historiografia que se acercou do tema do “stalinismo”.
De fato, se o que se esperava da abertura dos arquivos da ex-União Soviética era um mar de fatos que tornariam ainda mais abomináveis a história do líder comunista, bem como do regime que ajudou a construir, o livro de Losurdo, apoiado nas mais recentes pesquisas, vem pôr por terra tais expectativas. Veja-se, por exemplo, o caso das “execuções” de Stalin ao cabo dos anos 30, já bem avançada a fase da coletivização forçada da agricultura. Demonstram as citadas pesquisas que elas não alcançavam mais de 1/10 do que se dizia: é que os ideólogos do anticomunismo, acrescenta o ensaio de Canfora, a elas aduziram os milhões de mortos da II Guerra Mundial.

Vê-se como, a partir de um tal embuste, se logra associar, para consumo de incautos, Stalin a Hitler, operação a que se entregou mesmo uma autora como Hannah Arendt, que tendo elogiado a União Soviética de Stalin no imediato pós II Guerra, termina por abraçar a idéia da associação entre comunismo e nazifascismo − ambos totalitários, sustentou. Na verdade, uma tese cara não só à ideologia da Guerra Fria, mas do próprio ponto de vista fascista, insiste Losurdo, remetendo a uma citação de Thomas Mann: “Colocar no mesmo plano moral o comunismo e o nazifascismo, como sendo ambos totalitários, no melhor dos casos é superficialidade, no pior dos casos é fascismo. Quem insiste nesta equiparação pode bem considerar-se democrático, mas na verdade e no fundo do coração já é... fascista...”.

Ora, a título de uma comparação apenas empírica, não é questão de somenos opor as condições das prisões soviéticas àquelas dos campos de concentração nazistas. Abundantes relatos demonstram que no país comunista grassavam boas condições de vida – aliás, de algum modo confirmando observação da própria Arendt, que notou não haver campos de extermínio na URSS. É exemplo o presídio moscovita de Butirka, que em 1921 permitia que “os prisioneiros saíssem livremente da prisão”, organizassem “sessões de ginástica matutina”, formassem “uma orquestra e um coro,... um círculo com revistas estrangeiras e uma boa biblioteca”. Ou ainda, no início dos anos 30, em plena virada staliniana, o exemplo das colônias penais do extremo norte, que contavam com investimentos na construção de hospitais, treinamento “a alguns detidos para a profissão de farmacêutico e enfermeiro”, edificação de “empresas agrícolas coletivas” para “suprir as necessidades alimentares”, e até escolas de formação técnica, para ex-Kulaks “analfabetos ou semi-analfabetos”.

Por certo, em cada um dos casos, não é sem sentido falar de um espírito de reabilitação, donde as tantas iniciativas inspiradas nas idéias de Gorki, como a abertura “de salas cinematográficas e círculos de discussão” e mesmo o pagamento “de um salário regular aos prisioneiros”. E, se há tragédias conhecidas, como a dos exilados da ilha de Nazino (Sibéria ocidental) em 1933, marcados pela fome, o que os fez se alimentarem de cadáveres, não decorrem elas de uma vontade homicida como quer fazer crer a militância anticomunista, mas antes “da falta de programação”.

Insistindo ainda nas comparações, Losurdo lembra como um autor caro a Hitler, o angloalemão Houston S. Chamberlein, sabia muito bem diferir socialismo e nazismo, o primeiro filho “das idéias de confraternização universal do século XVIII”, de “origem comum e da unidade do gênero humano”, o segundo do século XIX, o “século das colônias” e das “raças”, cujo “mérito” teria sido o de refutar a mitologia da origem comum e da unidade do gênero humano a qual se apegavam os socialistas. Com efeito, e até para não cair-se no engano de pôr na conta da psicopatologia de Hitler as infâmias do nazismo (tendência observada em Roosevelt, nota o autor), é preciso entender que o Füher tomou do mundo preexistente a ele, o mundo dos impérios coloniais do século XIX, dois elementos centrais, agora levados à radicalização: a) a missão colonizadora da raça branca do Ocidente; b) a leitura da Revolução de Outubro como um complô judeu-bolchevique que estimulava a revolta dos povos coloniais e minava a hierarquia natural das raças. (Aliás, aqui se compreende bem o porquê da implacável perseguição aos comunistas  “arrancaremos de todo livro a palavra marxismo”, diz Hermann W. Göring, ministro do interior e segundo homem do regime : são os últimos a pôr em questão o projeto imperial e racial do III Reich)

Quanta diferença, pois, entre o Hitler que chama o povo russo de “animais ferozes” – Stalin seria um ser proveniente dos “infernos”, confirmando o caráter “satânico” do bolchevismo − e diz ser destino do povo ucraniano, como todos os povos subjugados, ficar à devida distância da cultura e da instrução, inclusive sem saber “ler e escrever”, e o Stalin que, posto diante da miséria extrema legada ao povo pelo czarismo, se põe à tarefa da elevação do nível de vida e da emancipação geral de todos os soviéticos. São exemplos, já em meados dos anos 30, o desenvolvimento de nações até então marginalizadas, por meio de ações afirmativas, a equiparação dos direitos jurídicos entre homem e mulher, o surgimento de sólido sistema de proteção social com pensões, assistência médica, proteção das grávidas, abonos familiares, o desenvolvimento da educação e da esfera intelectual em seu conjunto, com a extensão de uma rede de bibliotecas e salas de leitura e a difusão do gosto pelas artes e poesia. Além de importante expansão e modernização da vida urbana, com a construção de novas cidades e a reconstrução das velhas.

Responde por essa grande transformação operada pelo país saído da revolução, certamente, a grande popularidade de que desfrutou Stalin, continuada mesmo após o biênio do Grande Terror (1937-1938), o que não se explica simplesmente pela censura e repressão de Estado, acentua Losurdo, mas pelas chances de promoção social existentes. Basta lembrar a ascensão dos stakanovistas, tornados diretores de fábricas, bem como a ampla mobilidade vertical observada no exército. Aliás, conhecendo o progresso social da Rússia soviética, vem a tempo notar que Stalin assinala ser o regime de Hitler, com seu pisoteio sobre o direito dos intelectuais, dos operários, dos povos, com o desencadeamento dos pogroms medievais contra judeus – os ataques populares de violência −, uma cópia do reacionário regime czarista.

Sabemos que a retórica que associa o movimento vitorioso em Outubro de 1917 e o nazismo aparece também nas referências ao “pacto” de não agressão firmado com a Alemanha hitlerista em agosto de 1939 – o “pacto” Molotv-Ribbentrop. Ora, não sendo puro ardil anticomunista, sustentar este ponto de vista é não conhecer minimamente a geopolítica que precedeu a II Grande Guerra, ou mesmo todo o contexto geopolítico que se abre com a Revolução de 1917.

De fato, assinala Canfora, de algum modo o “pacto” está em linha com a política de relações internacionais da URSS aberta por Lenin – e ao lado do qual se colocou Stalin − através da paz de Brest-Litovsk, assinada com a Alemanha em 1918, qual seja, a de que “os imperialistas se massacram entre eles, nós ficamos de fora e nos fortalecemos”. Por outro lado, terminada a I Guerra, a política de frentes – ou grandes alianças democráticas − a qual se entregou o país comunista, aprovada no III (1921) e IV (1922) Congresso do Komintern, viu-se constantemente sabotada por França e Inglaterra (mas também – e com alguma razão − pela oposição trotskista nas colônias). Já em 1925 o primeiro país se aproxima da Alemanha através do tratado de Locarno (Suíça), isolando a URSS, ao passo que em 1926 é a vez da Grã-Bretanha romper relações comerciais e diplomáticas com o país comunista, convidando a França a fazer o mesmo. E, às vésperas da Guerra, os dois países, já tendo abandonado a República espanhola − ajudada militarmente apenas pelos soviéticos e pelas brigadas internacionais –, que caía ante o fascismo, se desinteressam por um acordo com a URSS contra a Alemanha. Além disso, desde o golpe de Estado do fascista Pilsudki em 1926, a Polônia apresentava-se como um inimigo declarado da URSS − notadamente empenhada em retirar-lhe a Ucrânia −, sendo que desde 1934 está abertamente subordinada à política alemã. Enquanto a leste o Japão era uma ameaça real, aliás contida na medida em que o “pacto” permitiu aos soviéticos enviar armas e munições para que a China se protegesse do país nipônico – até Pearl Harbor abastecido em petróleo e gasolina pelos EUA, vale notar −, como observou Mao Zedond.

Posto o quadro acima, difícil dizer, como sustenta o artigo de Canfora, que o “pacto” não fosse, e a despeito de continuar o pragmatismo iniciado em Brest, uma forma de ganhar tempo para “preparar-se” melhor. A tese, aliás, é cara a Trotski e Kruchiov, a quem Canfora parece seguir também quanto ao despreparo das linhas soviéticas. Mas como não aceitá-la sabendo que Stalin tinha bem presente a análise que fez o general Foch pouco depois da assinatura do Tratado de Versalhes, o Tratado que “pôs” fim a I Guerra Mundial? Qual seja, a de que não se tratava da paz, mas “apenas de um armistício por vinte anos”. Quanto às linhas soviéticas, é preciso ater-se à geografia. De fato, a despeito das enormes dimensões do Exército Vermelho, o sucesso inicial das unidades alemãs se beneficiou da ampla extensão do front (1800 milhas) e da escassez dos obstáculos naturais  além das cidades muito distanciadas entre si, e para as quais convergiam estradas e ferrovias, o que deixava ao inimigo inúmeras alternativas de infiltração.

Mas tratar da luta contra o nazifascismo é, também, para Losurdo, extrair uma periodização que explique a era Stalin − ou mesmo toda a história russa. Com efeito, seria ela a da conclusão de um segundo grande período de desordem da história russa. O primeiro deles, que compreende o século XVII, encerrara-se com a subida de Pedro O Grande ao trono (1689). Já o segundo tem início com a I Guerra Mundial, seguindo até o reforço do poder de Stalin e a aceleração da industrialização pesada do final dos anos 20 que ele levou a efeito, bem como a “ocidentalização” que lhe corresponde.

Ora, para Losurdo, a marca desse segundo período não é a de um regime totalitário, mas, antes, a de um estado de exceção, ou uma ditadura desenvolvimentista. Esta responde a uma guerra civil prolongada, cujo início foi a luta contra o czarismo e as potências aliadas entre 1914 e fevereiro de 1917, mas que segue na vitória sobre os mencheviques em outubro de 1917 e com as divergências dentro do grupo dirigente bolchevique após a morte de Lenin. Tudo no contexto de uma crescente hostilidade internacional, ou do perigo iminente, para lembrar uma noção do filosofo estadunidense Michael Walzer, que Losurdo utiliza − não sem uma certa restrição, deve-se notar − para dar conta do universo concentracionário da era Stalin. Daí poder-se compreender, pois, as seguidas ações insurrecionais  como a tentativa de golpe feita por Trotski durante o desfile pelo décimo aniversário da revolução  as tramas em ambientes militares  como as que parecem ter atraído o general Tukatchevski  ou ainda os muitos assassinatos  como o que vitimou Kirov, aliás hoje já não atribuível a Stalin. A propósito, se se trata de falar dos processos de Moscou, o novo material que a abertura dos arquivos russos tornou disponível tem permitido concluir que eles “não foram um crime sem motivo e a sangue frio, mas a reação de Stalin durante uma aguda luta política”.

Antes que se diga que o livro é pura apologia do socialismo à moda soviética, ou uma hagiografia de Stalin, bom notar a crítica teórica a que ele submete alguns dos fundamentos do marxismo-leninismo ou, para dizer mais corretamente, do marxismo em todo o seu conjunto. No fundamental, Losurdo debruça-se aqui sobre a dificuldade deste quanto a desapegar-se do universalismo abstrato. É a partir daqui, anota, que emergem os tantos problemas com que se deparou a construção da nova sociedade em esferas como o mercado e o dinheiro, o Estado, a nação, a norma jurídica, a família. No fundo, tratou-se da dificuldade, tão comum no âmbito das esquerdas, em passar do universal ao particular. Ora, o curioso é que aqui, a necessidade de dar soluções a questões muito concretas, fez de Stalin o que logrou esboçar importantes avanços − e isso, vale notar, se aproximando de teóricos que, no mais das vezes, são chamados para criticá-lo (Gramsci, Hegel, o próprio Marx) −, conquanto mesmo ele tenha ficado a meio caminho.

Veja-se a questão do mercado e do dinheiro. Enquanto o campeão do reformismo, Karl Kautsky, já em 1918, se entrega à crítica da permanência da produção de mercadorias e da propriedade privada da terra – a cargo dos intelectuais e do proletariado, segundo ele −, num tom que nada o distingue, por exemplo, da crítica extremista de Trotski à NEP − que fala de restauração do capitalismo sob o comando de uma burocracia para apelar à supressão do dinheiro e de qualquer forma de mercado –, Stalin, em relatório de 1934 ao XVII Congresso do PCUS, insiste na necessidade de se prevenir contra “as fofocas esquerdistas..., segundo as quais o comércio soviético seria um estágio ultrapassado e o dinheiro deveria ser logo abolido”. Ora, no lugar de um mercado ou uma economia monetária em geral, trata-se aqui da “construção de um sistema determinado de produção e distribuição da riqueza social”.

Aliás, do anterior decorre outra questão não menos importante, e nem sempre bem compreendida, qual seja, a das diferenças de rendimento no socialismo. Stalin tem bem presente, adverte Losurdo, a referência de Marx no Manifesto quanto à ilusão de que o socialismo seria o reino de um “ascetismo universal” e do “igualitarismo grosseiro”: “O nivelamento no campo das necessidades e da vida pessoal é um absurdo pequeno-burguês digno de qualquer seita primitiva de asceta, não de uma sociedade socialista organizada no espírito marxista, porque não se pode exigir que todos os homens tenham necessidades e gostos iguais... Por nivelamento, o marxismo entende não já o nivelamento no campo das necessidades pessoais e condições de vida, mas a destruição das classes”, afirma. De fato, estamos diante da aporia posta por Hegel na Fenomenologia do Espírito, segundo a qual “uma satisfação igual das necessidades diferentes dos indivíduos” leva a “uma desigualdade em relação... à distribuição dos bens’” (à quota de participação), ao passo que “uma ´distribuição igual` dos bens... torna desigual... a ´satisfação das necessidades`”. Aporia a qual Marx fez corresponder, respectivamente, as etapas socialista e comunista da divisão do trabalho, sendo que na última delas, o estágio alcançado pelas forças produtivas torna sem importância a desigualdade  que está sempre presente, pois.

Questão semelhante se põe quanto ao Estado e a nação. Enquanto Trotski, radicalizando o universalismo abstrato, acusa a construção do socialismo na Rússia de nacional-reformista, Stalin irá sublinhar a necessidade de ligar “um nacionalismo sadio, corretamente entendido, com o internacionalismo proletário”, uma advertência que em tudo lembra a distinção de Gramsci entre cosmopolitismo e internacionalismo, o último devendo saber “ser ao mesmo tempo ´profundamente nacional’”. Ora, Stalin tem presente que a luta de classe se configura agora como o compromisso de desenvolver economicamente e tecnologicamente o socialismo na URSS, que assim daria sua contribuição à causa internacionalista da emancipação. Fato ainda mais relevante quando se tratou de resistir aos “planos de escravização do imperialismo nazista”, o que significa dizer que “a marcha da universalidade passava através das lutas concretas e particulares dos povos decididos a não se deixar reduzir à condição de escravos ao serviço do povo hitleriano dos senhores”.

Mas não se trata apenas de uma determinada conjuntura. A questão parece atravessar mesmo todo o problema das transições, como o demonstram as referências às reflexões do idealismo alemão acerca da Revolução Francesa. Kant alertou, destaca Losurdo, quanto a uma “universalidade excessivamente extensa”, afirmando que “o apego ao próprio país” deve conciliar-se com “a inclinação a promover o bem do mundo inteiro”. E Hegel, desenvolvendo a mesma linha de pensamento, celebra “como uma grande conquista histórica a elaboração do conceito universal de homem (titular de direitos ‘enquanto homem e não enquanto judeu, católico, protestante, alemão, italiano, etc.’)” sem, todavia, deixar de acrescentar que esta celebração “não deve desembocar no ‘cosmopolitismo’ e na indiferença ou oposição com respeito à ‘vida estatal concreta’ do país do qual se é cidadão”.

Ora, mas a questão do Estado e da nação é também a questão das relações entre democracia e socialismo. Uma questão a qual não descuidou Lenin, lembra o autor remetendo-nos a uma passagem do líder bolchevique: “quem quiser caminhar para o socialismo por um caminho que não seja a democracia política, chegará inevitavelmente a conclusões absurdas e reacionárias, tanto do ponto de vista econômico como político”. Mas de que modo o universalismo abstrato de que acima se falou teve aqui também seus efeitos?

O apego à tese da extinção do Estado, eis o ponto problemático, acusa Losurdo. Com efeito, fortemente influenciados pelo anarquismo, diferentes revolucionários se entregaram à crítica acerba de toda a forma de poder − incluindo o desprezo ao “parlamento, aos sindicatos, aos partidos, às vezes até ao partido comunista, ele mesmo afetado pelo princípio da representação e, portanto, pelo flagelo da burocracia”. Trotski é o expoente máximo dessa crítica, sabemos, mas ela afeta a todos  sendo mesmo ele, por exemplo, ao lado de Lenin, objeto de rejeição por Alexandra Kollontai nos primeiros anos da Rússia soviética. Aliás, lembra o autor, antes de insistir, em Melhor menos, mas melhor, na tarefa de “edificação do Estado”, do “trabalho administrativo”, para o qual dever-se-ia contar com “os melhores modelos da Europa ocidental”, mesmo Lenin, em O Estado e a revolução, defende necessitar a fase pós revolucionária “unicamente de um Estado em vias de extinção”.

É a Constituição de 1936 que inicia um rompimento com este messianismo − segundo o qual “´o direito é ópio para o povo` e ´a idéia de constituição é uma idéia burguesa`” −, assinala Losurdo. E é Stalin que sublinha não se contentar esta Constituição apenas “em fixar os direitos formais dos cidadãos”, antes logrando deslocar “o centro de gravidade para a garantia desses direitos, para os meios de exercício desses direitos”, entre eles a “aplicação do sufrágio universal, direto e igual, como escrutínio secreto” (o que para Trotski não passava da reaparição de uma instituição burguesa). E, ainda em 1938, convocando a que não se transformasse a lição de Marx e Engels “num dogma e numa escolástica vazia”, elabora que, entre as funções do Estado socialista, “além daquelas tradicionais de defesa do inimigo de classe no plano interno e internacional”, está a função do “trabalho de organização econômica e o trabalho cultural e educativo dos órgãos” do Estado. Isto com a “finalidade de desenvolver os germes da economia nova, socialista, e de reeducar os homens no espírito do socialismo”, devendo mesmo a “função de repressão” ser “substituída pela função de salvaguarda da propriedade socialista contra os ladrões e os dissipadores do patrimônio do povo”.

Certamente, estas declarações estão em contradição com o Grande Terror e a dilatação do Gulag do final dos anos 30. Não obstante, se a ditadura do proletariado, como fixou Lenin em O Estado e a Revolução, é o poder que não se vincula a nenhuma lei, Stalin, no imediato pós II Guerra, declara que Bulgária e Polônia podem “realizar o socialismo de modo novo, sem a ditadura do proletariado”, e que mesmo na URSS, se “não tivéssemos tido a guerra, a ditadura do proletariado teria tomado um caráter diferente.” Algo esboçado após a vitória sobre os Kulaks, como se pode ver na rejeição das emendas à Constituição que queriam “privar dos direitos eleitorais os ministros do culto, os ex-guardas brancos, todos os ´ex` e as pessoas que não desempenham um trabalho de utilidade pública”, bem como a rejeição da proposta de “proibir as cerimônias religiosas.”

Sem dúvida, insiste Losurdo, toda a teorização em torno das funções do Estado, “em si uma novidade essencial”, ficou a meio caminho. Se Stalin fala da conservação do Estado na fase comunista, o faz ainda condicionada ao “cerco capitalista”, ao “perigo de agressões armadas do exterior” (mesmo a questão da língua nacional, onde deu enorme contribuição, insistindo diferir ela “de maneira radical de uma superestrutura”, já que não criada “por uma classe qualquer, mas pela sociedade inteira”, é ainda pensada como sujeita a extinção nesta fase). Ora, é aqui que, para Losurdo, se impõe uma valorização de Hegel. Mais precisamente do Hegel que falou de aprendizagem de governo ao se debruçar sobre a Revolução Francesa e sua congênere inglesa do século XVII  no fundamental, do Hegel que falou da necessidade dialética de dar “conteúdo concreto e particular à universalidade, pondo fim à perseguição louca da universalidade nas suas imediatez e pureza”.

Eis aqui também a raíz da tragédia que foi o Grande Terror de 1937-38, ou da coletivização forçada da agricultura ao cabo dos anos 20 − e para a qual contou mesmo o messianismo de parcela não desprezível da população, saudosa do igualitarismo da fase do comunismo de guerra −, raiz, enfim, da dificuldade de avançar em direção à democracia socialista. Lições, aliás, inescapáveis se se quiser entender a evolução dos países socialistas que aí estão (China, Vietnã), empenhados na construção tanto de uma neo-NEP, com o objetivo maior de desenvolver as forças produtivas nacionais, quanto de todo um conjunto de regramento jurídico que só muito forçosamente pode ser interpretado como simples democratização formal. Uma evolução, diga-se, que em nada lembra a apostasia gorbachoviana − bem demonstrada no ensaio de Canfora −, como gostam de fazer crer não só os mais messiânicos no interior da esquerda, mas a própria direita, sempre pronta a decretar a morte do socialismo.

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Marcos Aurélio da Silva é Prof. dos cursos de graduação e pós-graduação em Geografia da UFSC.

Categoria reelege diretoria do CPERS/Sindicato


A comissão eleitoral estadual declarou na noite de quarta-feira 29 que a chapa 1 - Em frente: para manter e conquistar, liderada por Rejane de Oliveira, venceu a eleição para a direção central do CPERS/Sindicato.

Até as 9h desta quinta-feira 30, a chapa vencedora contabilizava 54,65% dos votos válidos (18.049), contra 36,61% da chapa 2 - Unidos pela Educação (12.141), representada por Simone Goldschmidt, e 8,74% da chapa 3 - Muda Cpers: educação já (2.878), liderada por Luiz Afonso Escobar Medeiros.

Os números finais deverão ser divulgados até o final da tarde desta quinta.

Até as 9h desta quinta, 33.799 votos tinham sido computados de um total de 83.644 sócios habilitados para votar. Das 1.474 urnas disponibilizadas para a votação, 1.178 já foram contabilizadas, o que totaliza até o momento 79,92%.
A presidente reeleita credita a vitória ao reconhecimento da categoria ao trabalho realizado pela atual gestão. Os trabalhadores reconhecem na direção a autonomia e independência em relação a governos e partidos.
Entre as metas da direção reeleita está a implementação imediata do piso nacional para professores e funcionários de escola. O governo Tarso deve garantir o piso com a mesma agilidade demonstrada na hora de retirar direitos como aconteceu com  a reforma da previdência.

A categoria também lutará contra qualquer tentativa mascarada de implantar a meritocracia no ensino público do estado e por efetivas melhorias na infraestrutura e nas condições de trabalho nas escolas, com laboratórios e bibliotecas em pleno funcionamento, fim das escolas de lata e realização de concursos para professores e funcionários.

João dos Santos e Silva, assessor de imprensa do CPERS/Sindicato

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Esteban Volkov, neto de Trotsky, rival de Stalin

Esteban Volkov é calvo, grisalho, magro, tem grandes olhos azuis. Não chega a 1,80 m de altura. Mas, na aparência, é a ausência do espesso cavanhaque e dos óculos redondos de lentes pequenas que mais o distancia de seu avô, Leon Trotsky.

O neto do revolucionário bolchevique fez em junho sua segunda visita ao Brasil a convite da Editora e Livraria Marxista, e ficou dez dias no país para participar de debates e palestras em São Paulo, Sumaré, Santa Catarina e Recife. Horas antes de embarcar de volta para a Cidade do México, onde reside, recebeu a reportagem do Opera Mundi no jardim do hotel Boulevard, centro de São Paulo, onde ficou hospedado.

Laisa Beatris/Opera Mundi


Esteban frustra aqueles que procuram saber algo sobre ele, um sorridente ucraniano de 85 anos, químico aposentado, sobrevivente de um fuzilamento. Também evita temas da atualidade. Quase monotemático, suas respostas sobre os mais diferentes assuntos conduzem a conversa para o único tema que parece, de fato, comovê-lo: o papel de seu avô na história e a rivalidade de Trotsky e Stalin. Suas palavras batem, rebatem e acabam chegando aos nomes de Lev Davidóvitch Trotsky e Josef Vissarionovitch Djugashvíli.

Feita a primeira pergunta – que nenhuma relação tinha com o histórico embate entre os líderes da Revolução Russa –, Esteban subiu numa espécie de palanque imaginário e deu início a seu discurso: “Meu papel essencial é restabelecer a verdade histórica, resgatar inúmeros capítulos que foram falsificados.”

Disputas

Stalin, ao lado de Vladimir Lenin e de Trotsky, foi um dos líderes da revolução que implantou o socialismo na Rússia em 1917. Com a morte de Lenin (1924), Stalin começou a consolidar seu poder, isolando seus opositores, inclusive Trotsky, que aos poucos se tornou um de seus principais inimigos e foi banido da URSS em 1929. Exilou-se na Turquia até 1933, na França até 1935 e depois na Noruega até 1937, quando foi para o México.

Em 1931, Esteban e a mãe, Sidaína, filha do primeiro casamento de Trotsky, foram autorizados a ir para o exílio. Ela não teve, no entanto, autorização para levar a filha mais velha, Alexandra Moglina, de oito anos, que continuou vivendo na União Soviética. Em 1933, Sidaína se suicidou em Berlim. Então, em 1936, aos 11 anos, Esteban foi viver com o avô e com sua segunda esposa, Natália, no bairro de Coyoacán, na Cidade do México. Ele não tem lembranças de seu pai, Platon Volkov, um militante trotskista, preso quando o filho tinha apenas dois anos e que terminou assassinado em 1936 em um campo de prisioneiros soviético.

Stalin governou a URSS até morrer, em 1953. E, ainda hoje, ele aparece como inimigo número um do neto de Trotsky: “O trabalho de Stalin foi desvirtuar os fatos, enganar. A perversidade com que eliminou seus oposicionistas, reais e imaginários. Infelizmente, o sistema capitalista se vale de suas medidas para macular o socialismo”, afirmou Esteban.

Laisa Beatris/Opera Mundi


Apesar das inúmeras acusações feitas a Stalin, ele nega ter “ódio” daqueles que, mesmo com a queda do bloco socialista, seguem admirando o líder que esteve à frente da URSS por quase 30 anos. Com humor, ele comentou um dos motivos pelos quais alguns grupos trotskistas são frequentemente criticados: o sectarismo. “Há diferentes grupos”, admite. “Mas a política é bastante complexa. Olhando para o futuro, as estratégias, abrem-se diferentes caminhos. Eu não vejo [as divisões] de uma forma negativa, são como uma tempestade de ideias. É bom que se abram muitos caminhos”, completou.

O avô revolucionário

Esteban conviveu um ano e meio no exílio com Trotsky. Ele relata que a casa onde moravam estava sempre cheia de amigos, que seu avô era uma pessoa “muito calorosa”, com apreço pelas discussões, e que passava muito tempo estudando ou escrevendo sobre política. “Éramos uma grande família. Meu avô era uma espécie de patriarca. A minha relação com ele não era política, não falávamos de política”, disse. 
Já no exílio, a primeira ameaça concreta chegou às quatro horas da madrugada do dia 24 de maio de 1940. Esteban acordou com tiros. A casa estava sendo invadida por homens armados. “Foi Natália que lhe salvou a vida. Trotsky estava dormindo porque tomava remédio para insônia e ela o empurrou para um canto do quarto, que estava muito escuro. A escuridão simulava os corpos entre lençóis e almofadas. Se houvesse um pequeno foco de luz...”. Ele levou dois tiros no pé. Ao todo, foram feitos 200 disparos.

O quarto de Esteban, hoje parte do pequeno museu Trotsky, ainda tem as marcas de tiro na parede. Os livros do avô continuam na estante, assim como algumas peças pessoais – toalhas, roupão, remédios, chinelos –, o que faz o charme de um espaço relativamente abandonado, se comparado com os museus em homenagem aos pintores Diego Rivera e Frida Kahlo, que também estão nas redondezas.

No dia 20 de agosto daquele mesmo ano, Jacques Mornard (codinome sob o qual atuava o espanhol Jaime Ramón Mercader) entrou nesta casa em Coyacán e deu, pelas costas, um violento golpe na cabeça de Trotsky, com uma picareta de alpinista.

“Cheguei da escola à tarde e percebi um movimento estranho na casa, no final da rua. Carros da polícia, a porta aberta. As tardes eram muito tranquilas. Desci a rua já angustiado porque sabia que alguma coisa tinha acontecido. Quando entrei, vi um homem golpeado, imobilizado pelos guardas. Na porta da cozinha, ele com a cabeça machucada e cara encoberta de sangue, Natália ao seu lado”, descreveu.

“Os guardas seguraram Jacques como se fossem matá-lo", mas Trotsky afirmou, segundo o relato dos jornais da época: “Não o matem, façam esse homem falar.” Trotsky foi levado ao hospital ainda lúcido, mas entrou em coma logo depois e morreu no dia seguinte.

Laisa Beatris/Opera Mundi


Setenta e um anos depois da morte de Trotsky, Esteban é o único familiar vivo que testemunhou o crime. “Uma testemunha histórica”, ele mesmo se define, que não se cansa de repetir: em cinco dias, essa mesma narrativa foi contada pelo neto de Trotsky pelo menos cinco vezes.

Vida sem Trotsky

Após o assassinato de Trotsky, Esteban e Natália, a quem se refere como “avó política”, continuaram vivendo na mesma casa. “Num primeiro momento, foi um vazio muito grande, ele era uma figura paterna para mim. Durante um tempo, eu sonhava que o avô não estava morto, estava debaixo da casa, num sótão. Houve uma repetição de sonhos”, contou.

Natália faleceu em 1961, de causas naturais. Esteban se casou, teve quatro filhas e morou no mesmo lugar, onde hoje funciona o museu que leva o nome do avô, do qual ele é curador. Em 1989, foi à Rússia para encontrar sua meia-irmã, Alexandra, que não havia partido com sua mãe para o exílio. Doente terminal de câncer, ela morreu três meses depois. “Muita gente comenta 'sua vida é uma tragédia'. Mas centenas de pessoas na Europa tiveram uma vida muito pior que a minha, muito mais sofrida que a minha”, afirmou.

Esteban trabalhou em diferentes laboratórios, teve uma pequena empresa, estudou fotografia como hobby e sempre passou longe da política. Hoje, sua rotina parece tranquila: aposentado, dedica-se a ler e escrever artigos, especialmente sobre o avô.

Sempre que se fala o nome Esteban Volkov, junto surge um aposto quase que obrigatório – neto de Trotsky (como, aliás, no título deste perfil). Ele não se incomoda em ser lembrado assim, mas deixa claro que nunca quis viver à sombra do avô, uma das razões para se afastar da política: “[Ficaria difícil] tendo uma figura como meu avô, que foi um gênio, extraordinário, com muito conhecimento sobre a teoria marxista.”

Nem Cuba, números de mortos pelo narcotráfico no México ou o governo de Barack Obama são temas capazes de lhe arrancar comentários. Sobre o Brasil, porém, faz questão de registrar sua opinião: “Gosto muito do Brasil, um país muito lindo, diversificado, com uma mistura muito bonita.”

Elis Regina – O Bem do Amor (1963)

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Créditos: UmQueTenha

O “PacoTarso” e o debate sobre o novo papel do Estado

Editorial do sul21

Tradicionalmente alinhada entre os setores mais radicais no interior do PT, a corrente Democracia Socialista (DS) “rachou” na votação do “Pacotarso”: uma parcela defendeu e forneceu votos para a aprovação da reforma proposta pelo governo e outra combateu os projetos, fez passeatas, pressionou e vaiou os deputados favoráveis às mudanças. De um lado o deputado Raul Pont, líder máximo da corrente, a favor das reformas. De outro lado, a presidente do CPERS, Rejane de Oliveira, ligada à DS, associada às lideranças do Sindifisco e da Ajuris, contra as reformas.
A DS adota, ainda hoje, uma forma atenuada de “centralismo democrático” e sempre se empenhou na manutenção de sua unidade interna. Este foi seu primeiro grande desentendimento público.
Entender a cizânia que se estabeleceu e que aflorou no plenário da Assembléia Legislativa na terça-feira (28) exige que se entendam antes as diferentes concepções de Estado e de defesa de interesses que afloraram e se enfrentaram durante a discussão e a votação do “Pacotarso”. De um lado, os que, certos ou errados, defendem o interesse geral e entendem que o Estado e seu aparato jurídico-político, por ser um espaço público de enfrentamento de forças sociais e políticas com interesses diferenciados, deve ser o veículo de equalização de direitos e deveres de todos os segmentos e categoriais sociais. De outro lado, os que, certos ou errados, defendem os interesses de categorias e segmentos sociais específicos e entendem que o Estado, por ser a expressão da força de uma classe dominante e com interesse próprio, defende apenas os direitos desta classe social e que, por este motivo, deve ser enfrentado.
Hoje, encontram-se na DS integrantes tanto do núcleo de poder do governo do Estado do Rio Grande do Sul, que propôs e defende as reformas na atual estrutura do Estado, quanto da direção dos sindicatos profissionais que se julgam prejudicados pelas reformas. As alianças realizadas por uns e por outros no presente episódio extrapolaram suas antigas fidelidades ideológicas.
A pergunta que precisa ser respondida por todos, entretanto, sejam eles governantes, sindicalistas ou simples cidadãos, ligados ou não à DS e às demais correntes petistas ou a quaisquer outros partidos políticos, diz respeito à melhor concepção de Estado e de defesa de interesses.
Parece claro que em uma sociedade com o grau de complexidade e de democracia já alcançado no Brasil não cabe mais a visão do Estado como o lócus de representação dos interesses de uma única classe social. Seja ela a classe dos proprietários ou a classe dos trabalhadores assalariados. Não cabe mais nem a visão do Estado como o “comitê executivo da burguesia”, típica do século XIX, nem a do Estado “neocorporativo”, que atende às pressões dos segmentos sociais mais organizados, típica do século XX. Não cabe também, como a história mundial recente o demonstrou, o Estado “neoliberal”.
Se os recursos públicos são escassos, se os interesses são diversos, se o objetivo é o bem coletivo e se vivemos em uma sociedade democrática, precisamos todos, sem visões preconcebidas, nos lançar ao trabalho de construção de um novo conceito de Estado e de uma nova forma de operá-lo. Não será com a defesa de interesses corporativos, nem com a idéia de que o Estado possa ser capturado por apenas uma ou outra classe ou categorias profissionais que construiremos uma fórmula que seja satisfatória para a maioria.

Financiamento de partidos políticos

Editorial do Correio da Cidadania


Dentre os inúmeros problemas das agremiações partidárias - se desejam, de fato, ter peso político no país - é preciso mencionar o do financiamento de suas atividades.

Atualmente, todos os partidos recorrem exclusivamente a duas fontes: arrecadação proporcionada por eventos e doações de pessoas físicas e jurídicas.

Sem dúvida, é necessário realizar eventos para obter recursos. Primeiro, porque tais recursos costumam ser volumosos e, segundo, porque sua efetivação faz parte da animação da campanha.

As doações, contudo, são sempre um sério problema, porque criam obstáculos intransponíveis aos partidos pequenos e divergências internas extremamente graves, como vimos na última eleição em relação ao PSOL, quando uma parte da militância rebelou-se contra uma candidatura que aceitou dinheiro de uma firma comprometida com a exploração de seus trabalhadores.

Na verdade, enquanto não for aprovada a lei que estabelece o financiamento exclusivamente público de campanha, as eleições jamais serão democráticas.

Financiamento público de campanha eleitoral e igualdade do horário gratuito de televisão, independentemente do tamanho das bancadas dos partidos, são condições indispensáveis à plena democratização do país.

Enquanto os verdadeiros democratas não tiverem forças para fazer aprovar essa lei, teremos de conviver com o regime atual.

Por isso, regras rigorosas precisam ser estabelecidas, a fim de que a busca de doações deixe de ser uma fonte de polêmicas e perda de credibilidade.

Doações, sim, porém, de forma absolutamente transparente e unicamente de pessoas físicas ou jurídicas cujos nomes, uma vez tornados públicos, não causem dúvida na cabeça do eleitor quanto à gratuidade da doação.

Livros e documentos relativos a esta devem ser postos à disposição dos militantes, dos partidos adversários e de qualquer pessoa.

Como é óbvio, as contribuições não podem ser uniformes, pois as rendas dos militantes variam. Militantes com dificuldades para fazer contribuições devem ser eximidos da obrigação.

Aparentemente, estamos longe dessa consciência. Criá-la constitui, sem dúvida, uma tarefa política prioritária para quem está, de fato, comprometido com os ideais do socialismo.

Governo vence na Assembleia e aprova projetos do “Pacotarso”


Votação de pacote proposto do governo pode se arrastar até a madrugada | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Igor Natusch no Sul21

Depois de uma longa votação que varou a madrugada desta quarta-feira, a Assembleia Legislativa aprovou todos os projetos do Plano de Sustentabilidade Financeir do governo do Estado, o chamado “Pacotarso”. A oposição tentou como pôde derrubar o quórum, mas acabou sendo derrotada após quase 16 horas de sessão.
A mudança nas alíquotas para contribuição previdenciária no Rio Grande do Sul foi o primeiro projeto a ser aprovado, por 30 votos a 21. Trata-se de um dos principais pilares do pacote do governo de Tarso Genro.
Antes, três emendas ao projeto foram aprovadas – uma delas modificando o percentual de contribuição para 14%. Mais tarde, por 31 votos a 20, foi aprovado o PLC 190/2011, que estende as mudanças para a previdência militar – é exigência da lei que mudanças envolvendo o Exército sejam analisadas em separado. A votação da PLC 190/2001 ocorreu por volta das 01h50 de quarta-feira (29). Em seguida, partiu-se para a votação do PL 191/2011, que trata das Restituições de Pequeno Valor (RPV).
Os deputados da oposição já admitiam desde a metade da tarde que, por mais que os discursos e pronunciamentos fossem solicitados incansavelmente, tratava-se de uma causa perdida. Com 30 votos garantidos, o governo tinha mais do que o mínimo necessário para aprovar todos os projetos em regime de urgência, garantindo mudanças que o governo considera fundamentais para diminuir o rombo nas contas públicas.
Os deputados também aprovaram, por 29 a 22, o projeto de lei 191/2011, que limita a 1,5% da receita corrente líquida do Estado o pagamento das Requisições de Pequeno Valor (RPVs). As requisições com valor igual ou inferior a sete salários mínimos serão pagas em até 30 dias, sendo que os valores acima disso serão pagos em até 180 dias.
Ainda foram aprovados o projeto de lei 192/2011, que autoriza a alienação de 13 imóveis situados em Porto Alegre, e o projeto de lei 193/2011, que institui o Cadastro Técnico Estadual de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais e a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental.

Mudanças na previdência estadual

A votação do Plano de Sustentabilidade Financeira acabou sendo viabilizada na noite de segunda-feira, quando o governo concordou com emenda proposta pelo deputado Cassiá Carpes (PTB) e abraçada em seguida por toda a bancada petebista. A emenda altera a base de cálculo para a aplicação de alíquota sobre a contribuição previdenciária. O novo texto fixa um percentual de 14%, mas traz variações em sua aplicação.
Para salários até R$ 3.689,66, aplica-se redutor de 21,43% na base de cálculo e sobre o resultado aplica-se a alíquota de 14% – obtendo, no fim das contas, o percentual de 11% de contribuição efetiva. Entre R$ 3.689,66 e R$ 7.379,32, será aplicado um redutor de R$ 790,69 na base de cálculo, valor sobre o qual serão aplicados os 14%. Acima de R$ 7.379,32 será aplicada a alíquota de 14%, sem redução.
Edson Brum: "nem o governo sabe no que está votando" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

De acordo com a oposição, trata-se de uma tentativa de escamotear uma proporcionalidade velada nas contribuições, uma vez que o redutor da segunda faixa de contribuição gera, na prática, uma série de alíquotas diferentes. “O governo fraquejou ao ceder ao PTB, e bateu cabeça ao propor uma emenda que, via redutores, mantém diferenciação de alíquota”, criticou Edson Brum (PMDB). “Primeiro era 16,5%, depois virou 14,5% e durante a manhã mudou para 14%. Não é possível, nem o governo sabe no que está votando”, completou.
Os deputados governistas, porém, não pareciam muito preocupados com as críticas. Confiantes na vitória, retiravam-se periodicamente do plenário, deixando os oposicionistas para trás. Do lado de fora do plenário, deputados da oposição admitiam que, uma vez que a retirada a urgência era impossível, a longa sequência de discursos era uma iniciativa extrema no sentido de acabar com o quórum e inviabilizar a votação.
A outra tática, que previa um mandado de segurança alegando inconstitucionalidade, foi negado pela Justiça. Mesmo nos discursos, a oposição admitia abertamente que o pacote seria aprovado. “Vão aprovar o Pacotarso, mas todos os cidadãos vão pagar essa conta. Estão debochando de vidas e carreiras”, reforçou Frederico Antunes (PP) em dado momento.

Raul Pont faz discurso inflamado na tribuna, enquanto manifestantes contrários viram as costas | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Em sessão tensa, Pont é vaiado e encara servidores

A divisão de posições era bastante visível nas tribunas do plenário. Integrantes de entidades sindicais e representantes de servidores expunham com muito barulho suas posições, em um confronto que chegou a causar alguns desentendimentos do lado de fora da Assembleia.
Do ponto de vista da Mesa Diretora, o lado direito da plateia pedia não ao pacote, enquanto a esquerda dizia sim. Em vários momentos, as intervenções de lado a lado foram ensurdecedoras, interrompendo as intervenções dos parlamentares. Alguns deputados chegaram a se irritar com o tom das críticas.
“Querem debater o conteúdo da proposta ou não?”, perguntou Raul Carrion (PCdoB), enquanto setores ligados ao CPERS vaiavam sua manifestação. Márcio Biolchi (PMDB) foi xingado de “safado” por alguns apoiadores do governo. Mano Changes (PP), ao pedir “respeito” aos espectadores, foi vaiado por boa parte do público – inclusive pelos contrários ao pacote, que em princípio seriam favoráveis a sua posição.
O grande confronto, porém, foi protagonizado por Raul Pont (PT). Enquanto criticava a postura governista, que supostamente queria aprovar os projetos “goela abaixo” da Assembleia, Frederico Antunes (PP) desafiou Pont a ir à tribuna defender o pacote de medidas de seu governo. Vaiado desde antes de chegar ao púlpito, Raul Pont aceitou a convocação, e não economizou nas palavras. “Minha visão é da defesa dos interesses comuns, e não os corporativos”, declarou, debaixo de gritos e apupos. Em seguida, boa parte dos servidores, em especial professores, viraram as costas para a tribuna, enquanto gritavam “traidor”, “pelego” e “não ao pacotão”. Raul Pont, indignado, levantou a voz. “ É triste que as vaias surjam quando se é incapaz de enfrentar argumentos. Digam onde estamos indo contra os direitos dos trabalhadores”, desafiou. Ao sair da tribuna, provocou uma ensurdecedora sobreposição de vaias e aplausos – enquanto boa parte dos governistas, de pé, aguardavam para cumprimentá-lo.
Alegação de inconstitucionalidade é "conversa fiada", segundo Raul Pont | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

“É ridículo que militantes, inclusive do PT, alguns com 30 anos de luta, se submetam ao papel de dar suporte à direita”, declarou Pont ao Sul21, logo depois de sua fala em plenário. Indignado, disse que os que o vaiaram demonstravam não ter “nenhuma visão do papel político” que deveriam desempenhar. “Não mostram argumentos contra nossa proposta, ficam nessa conversa fiada de inconstitucionalidade”, atacou, aproveitando para tecer duras críticas a Jorge Pozzobom (PSDB), um dos críticos mais veementes nesse sentido. Segundo Raul Pont, o parlamentar tucano votou dias antes a favor de projeto de Carlos Gomes (PRB), pedindo isenção de ICMS sobre contas de água e luz de templos evangélicos – algo, de acordo com o petista, “claramente inconstitucional”.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Justiça decidirá se pune torturadores no Uruguai


Brizola Neto no TIJOLACO

José Mujica, preso político em 1985 e presidente uruguaio em 2011
Agência France-Presse noticia que o governo do  Uruguai revogará por decreto as decisões de governos anteriores que impediam o julgamento de ex-militares acusados de violações aos direitos humanos durante a ditadura, o que propiciará a reabertura de casos que estavam resguardados pela chamada “Lei de Caducidade”. A partide deste decreto caberá à Justiça decidir quais denúncias estão ou não amparadas sob a Lei de Caducidade, algo que até agora era exclusividade do Executivo.
O secretário da Presidência, Alberto Breccia disse hoje que ” o  presidente decidiu … que se dite um decreto pelo qual se revogam por razões de legitimidade todos os atos administrativos ditados pelo Poder Executivo … que consideraram que os fatos denunciados estavam compreendidos na … referida lei”, disse Breccia.
Em maio, o Congresso rejeitou a proposta de revogar a Lei de Caducidade. Em seguida, a Suprema Corte de Justiça considerou que os crimes cometidos por militares durante a ditadura eram considerados homicídios simples, e não crimes de lesa-humanidade.
Desta forma, os crimes prescreveriam no começo de novembro, e os militares que não forem julgados antes dessa data ficariam impunes.
Cerca de 200 uruguaios desapareceram durante a ditadura, e muitos outros foram torturados e presos. O próprio Mujica passou mais de uma década detido

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Greve dos Servidores Administrativos em Educação já paralisa 47 Universidades Federais

270611_fasubraRevolutas - A greve foi iniciada em 08 de junho, em Assembleia, realizada em Brasília, pela FASUBRA (Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras). Após reiteradas tentativas de negociação com o Ministério do Planejamento, os trabalhadores das universidades federais votaram a favor da greve.

A pauta de reivindicações inclui a retirada do PLC 549/09, que praticamente congela o orçamento para reajustes salariais e novas contratações por 10 anos; reajuste para o piso da categoria, fixando-o em três salários mínimos, e redução da jornada de trabalho de 40 para 30 horas semanais.
Os servidores públicos não têm direito a dissídio ou data-base que reajuste o salário anualmente. Como não há nenhuma intenção do governo em valorizar seus servidores, a categoria não teve outra alternativa. Foi à greve para lutar por melhores salários e condições de trabalho.
Após a deflagração da greve, os trabalhadores das universidades foram, dia após dia, somando forças ao movimento. Grande parte dos servidores em greve trabalha em universidades que aderiram ao REUNI (Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais).
Para quem não sabe, ou não se lembra, o REUNI é basicamente uma injeção de dinheiro do governo federal nas universidades federais que apresentassem planos de expansão do número de vagas e abertura de novos campi. Esta expansão aconteceu de maneira totalmente desigual e desorganizada. Em muitos dos novos campi originados pelo REUNI, o número de servidores é insuficiente frente à demanda de trabalho. Este e outros problemas gerados pela expansão fizeram com que, durante a greve, surgissem além das reivindicações nacionais, muitas pautas locais, onde os servidores de cada universidade manifestam seus problemas (falta de servidores, excesso de terceirizações, falta de espaço físico, assédio moral etc.).
Outro dado que mostra o alto grau de insatisfação dos servidores é a adesão de servidores que ainda não atingiram a estabilidade em seu emprego (no serviço público, a estabilidade se dá após três anos da contratação). Ou seja, a insatisfação é tão grande que os servidores superaram o medo de entrar em greve em um período em que ainda não possuem a sua permanência no serviço público garantida.
Por enquanto, o ministério do planejamento ainda não abriu as negociações com a FASUBRA. Mas, o mais importante neste cenário, é que milhares de trabalhadores conseguiram se reunir em seus locais de trabalho, e de maneira organizada estão construindo uma luta por melhores condições de trabalho. Participam de um processo onde, além das conquistas para a categoria, a aprendizagem de uma nova cultura é de extrema importância, em um momento onde é evidente que só existe saída através da coletividade na luta dos trabalhadores.

domingo, 26 de junho de 2011

Emir Sader: País sem miséria é país sem pessoas abandonadas



A pior herança recebida pelo governo Lula do governo FHC foi a desigualdade social. O Brasil era o país mais desigual da América Latina que, por sua vez, era o continente mais desigual do mundo. Essa desigualdade não era alterada nem em democracia, nem em ditadura, nem em ciclos expansivos, nem nos recessivos da economia brasileira. Era um fator estrutural, herdado da colonização e da escravidão, da persistência do latifúndio, acentuado pelas politicas da ditadura militar de arrocho salarial e favorecimento do grande capital. Não bastasse isso, a década neoliberal dos 90 do século passado, acentuou ainda mais as desigualdades.

As maiores transformações que o Brasil sofreu no governo Lula foram na sua inserção internacional – do privilégio das relações com o norte, para relações prioritárias com o sul – e na diminuição significativa da desigualdade no plano interno.

A articulação entre a política econômica e as políticas sociais promoveu um processo de distribuição de renda, estendendo e aprofundando o mercado interno de consumo popular como nunca havia acontecido na nossa história. A projeção feita pela empresa Data Popular para a revista Carta Capital desta semana projeta para 2014 – o ano do final do mandato atual da Dilma – uma classe C (no critério de distribuição de renda) de 58,5% da população (era de 38,8% em 2002, ano do começo do governo Lula). Os mais pobres, que eram 9,3% em 2002, tornaram-se 4,9% em 2010 e seriam 2,7% em 2014.

Estaríamos numa situação praticamente de erradicação da extrema pobreza, da miséria, com um resíduo muito difícil de chegar a reduzir a zero. Hoje ainda convivemos com mais de 10 milhões de pessoas vivendo (ou, sabe-se lá como, sobrevivendo) com até 39 de reais por mês.

Mesmo com essas transformações extraordinariamente positivas - maior mérito do governo Lula -, não se pode pensar que nos tornamos um país de classe média. A miséria acumulada ao longo de séculos da nossa história não pode ser superada com a elevação do nível de renda em alguns anos. As condições de habitação, de saneamento básico, de educação, de saúde, de transporte, de segurança – para citar apenas alguns problemas – são muito ruins e apenas começam a ser superadas – pelo menos na habitação. Será necessária a continuidade por muitos anos dessa elevação de renda, somada a politicas especificas que melhores substancialmente as condições da educação e da saúde publicas, do saneamento básico, da habitação, do transporte publico, as condições de segurança, para que possamos realmente ter transformado democraticamente a estrutura social brasileira de forma substancial e irreversível.

No entanto, a miséria, a extrema pobreza, não se medem apenas por cifras, por nível de renda. Ao que precisamos chegar é a uma sociedade em que não existam mais pessoas abandonadas, sem amparo, nas ruas ou em outros lugares, privados ou públicos. Uma sociedade a que todos pertençamos, de uma ou outra forma, em que nos sintamos vinculados aos outros por laços de solidariedade, de espirito comunitário, de pertencimento a uma mesma sociedade. A miséria não é apenas uma situação de precariedade material, é também o abandono, a falta de apoio, de retaguarda, de cuidado. A isso temos que chegar, a que todos tenham alguma forma de assistência do Estado, de forma a que ninguém se sinta abandonado.

Fonte: Blog do Emir

Os “hackers cheirosos”



Brizola Neto no TIJOLACO

No vale-tudo para atacar o Governo brasileiro, hoje a D. Eliane “Massa Cheirosa” Cantanhede se superou, com seu artigo “Hackers pela Ética”, tranformando um grupo anárquico, que buscava, confessadamente, a notoriedade que a mídia lhes deu e não parecia interessado em revelações de interesse social, mas em divulgar CPF, listas de e-mail e em “derrubar” sites oficiais.
“Com CUT, UNE e MST fora de combate a partir de Lula, por conveniência ou oportunismo, entra em ação pela ética pública um tal de LulzSec para azucrinar e expor os Poderes da República.”, escreve a colunista.
Ora, esses grupos, se têm de ser responsabilizados por danificarem propriedade pública (arquivos) e impedir o funcionamento dos sites, não devem nem ser demonizados nem endeusados, duas faces de um mesmo processo.
Não são assunto de política, mas de providências tecnológicas e administrativas. Até porque não guardam nenhuma relação com “segredos de Estado”, como se disse, mas com a sabotagem do funcionamento de sites públicos e violação de dados pessoais.
O que estes “hackers” estão fazendo nada tem a ver com transparência, com publicização de atos secretos de governo tomados à sombra do desconhecimento da sociedade, como fez, por exemplo, o Wikileaks.
Aliás, quem melhor respondeu a isso foi um ouro grupo de “hackers”, ontem, no Correio Braziliense:
“Em meio às recentes invasões a sites governamentais, o grupo Transparência Hacker afirma não ter relação com os responsáveis pelos ataques e aproveita o momento para discutir a própria atuação. Segundo seus participantes, a organização, objeto de reportagem do Correio de 21 de maio, tenta se desvencilhar das ações criminosas. “Trabalhamos com dados que são abertos. Nossa luta é divulgar informações governamentais que já são públicas, tornando-as mais acessíveis”, explica o articulador de redes Diego Casaes, 23 anos. Ele desaprova a publicação de dados como telefones de ministros ou o CPF da presidente Dilma Rousseff, por exemplo. “Essas informações são pessoais, não públicas. Entendo que devem permanecer sigilosas, porque dizem respeito à pessoa”, afirma.”
É isso que D. Cantanhede elogia, ao afirmar queo alerta para os governos e demais Poderes é que a sociedade, de alguma forma, está de olho.
Quando um grupo de hackers tem mais respeito pela privacidade que uma colunista de um jornal como a Folha, quando se trata de atingir o objetivo político de atacar o governo Dilma é bom a gente se cuidar.
Mas, reconheça-se, não apenas a colunista da “massa cheirosa”, mas toda imprensa, sem capacidade de separar seus ódos políticos ao Governo da instituição Estado, deu o tamanho e a projeção que era aquilo que estes grupos, no fundo, pretendiam.

Olhaí quem é que vai fazer a banda larga…


Investimento em telefonia não segue expansão de clientes e panes crescem

Nos celulares, base de usuários avançou 16,6% em 2010, chegando a 202,9 milhões de linhas, mas investimento das empresas caiu 2,4%


Karla Mendes e Renato Cruz – O Estado de S.Paulo

O investimento das operadoras de telecomunicações não tem acompanhado o crescimento de sua base de clientes, o que tem levado a panes cada vez mais frequentes nos serviços de telefonia e internet. Essa situação já incomoda o governo. O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, cobrou medidas da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Um exemplo do descompasso entre investimento e crescimento está no setor de telefonia móvel. A base de clientes avançou 16,6% no ano passado, chegando a 202,9 milhões de linhas, segundo a consultoria Teleco. Mas o investimento das empresas diminuiu 2,4%, ficando em R$ 8,2 bilhões. Esse montante foi 16,3% inferior ao pico de R$ 9,8 bilhões destinados ao setor em 2004.
O que acontece com o celular é somente um exemplo, pois a combinação de investimento baixo e crescimento alto se repete em outras áreas das telecomunicações. Os consumidores estão cada vez mais insatisfeitos com a qualidade dos serviços.

Em pouco mais de um mês, a Intelig, que pertence à TIM, teve três panes. O Speedy, da Telefônica, voltou a deixar seus usuários na mão no dia 13 deste mês, dois anos depois de a empresa ter sido punida pela Anatel, sendo impedida até de vender os serviços. E a Nextel ficou entre as palavras mais tuitadas por brasileiros no dia 10, por causa de problemas no Rio de Janeiro.

“Falta acompanhamento, supervisão e investimento”, disse Ruy Bottesi, presidente da Associação dos Engenheiros de Telecomunicações (AET). “A infraestrutura não está preparada para suportar o crescimento. O investimento é reativo. As operadoras investem depois do aumento de tráfego, mas leva de 60 a 90 dias para importar equipamentos.”

No ano passado, os investimentos totais das operadoras no País (incluindo telefonia fixa, móvel e outros serviços) chegaram a R$ 17,4 bilhões, alta de 3,6% sobre 2009. Mesmo com o crescimento modesto, o valor está 28,1% abaixo dos R$ 24,2 bilhões investidos em 2001. A receita bruta do setor subiu mais que o investimento, avançando 4,2%, para R$ 184,9 bilhões.
“A essência do problema não está nas operadoras, mas na agência reguladora e no governo”, disse Bottesi.

“O serviço é público. O que a Anatel está fazendo para que tenhamos qualidade no serviço de telecomunicações hoje, em 2011?”, indagou.
Explicações. Para as operadoras, as críticas de que o investimento é baixo não procedem. Elas argumentam que os problemas verificados nos últimos meses são pontuais e o investimento realizado é suficiente para sustentar a expansão da base.

O fato de ele não acompanhar o ritmo do aumento do mercado teria três explicações: os equipamentos têm ficado mais baratos, graças à evolução tecnológica e à queda da demanda nos países ricos; o câmbio está favorável, fazendo com que os reais possam comprar mais equipamentos importados do que antes; e o desembolso maior é feito na instalação da rede, não na expansão desta mesma rede.

A RBS e a privatização da água


Boletim n° 680 do Sindiágua-RS assinala que episódio da privatização da água em Uruguaiana parece ter despertado o apetite da RBS em defesa de novas privatizações no Estado. Vale a pena acompanhar a sequência de fatos e movimentos midiáticos apontada pelo boletim:

Tarso não abriu cofre

Ao que parece e, pelo que se vê, o governador Tarso Genro não abriu os cofres do governo para a RBS. A capa de Zero Hora do último domingo, a festa que Lasier Martins fez ao prefeito lá em Uruguaiana, as várias matérias com tom “simpático” à privatização, enfim, todo o comportamento já por demais conhecido deste grupo de comunicação que todos sabemos que tem lado e não mede esforços para tentar derrubar quem não compactua com sua ganância por dinheiro e poder.

Descoberta “estranha”
 
O episódio do tapa do deputado Sergio Moraes serviu para o Lasier Martins descobrir, já quase no fim da vida, que os partidos que estão no governo disputam os cargos da administração. Quem acompanha os jornais da RBS vê que este senhor tem se mostrado cada dia mais surpreso com esta grande descoberta que fez. Vejam só! Partidos disputando cargos no governo! Que coisa, não? Nunca antes na história deste Estado aconteceu coisa parecida. Por certo aspecto, até tem razão o calvo da RBS. No governo passado, dentro da Corsan, por exemplo, não havia disputa de cargos. Marco Alba, Costela e o outro calvo vindo do Banrisul, não davam direito à disputas. Até os estagiários eram indicados por eles sem direito a contestação de quem quer que fosse.

Capa de Zero Hora
 
O que vocês acham que a frase “Levante contra a Corsan ganha força no interior” estava fazendo justamente num domingo na capa do principal veículo escrito da RBS? Na realidade, o que temos? Certo mesmo, é um grupo de prefeitos que já se deixaram, digamos, levar pelos apelos da iniciativa privada. Onde o que menos interessa são os planos da Corsan ou suas propostas. E, claro, um movimento que é orquestrado justamente por um dos prefeitos envolvidos que hoje é presidente da Famurs. Temos condições de reverter? Temos. Vamos sair deste processo sem perder nenhum município? Embora difícil, esta é a nossa luta.

Nota da Corsan
 
Até para entender melhor o que se passa hoje no Estado, resolvemos publicar aqui também a nota do presidente da Corsan, Arnaldo Dutra, que foi colocada na Zero Hora:
O título “Levante contra a Corsan ganha força no Interior”, capa de ZH do último domingo, na minha opinião não reflete nem o conteúdo da matéria publicada,nem a realidade do serviço de abastecimento de água e esgoto no Estado. Se, das 35 prefeituras consultadas pela reportagem, 13 responderam que pretendem ou pelo menos estudam a possibilidade de privatizar o serviço e 22 não têm a intenção de deixar a Corsan, a síntese da capa está , no mínimo amplificada. Em um universo mais global, das 322 cidades gaúchas atendidas pela Corsan estas 13 representam apenas 4%, o que entendo estar longe de um levante.
Aproveito para reafirmar nosso compromisso em investir e melhorar os serviços prestados pela Corsan em todas as cidades onde temos contrato e me colocar a disposição para discutir este tema fundamental para o desenvolvimento do Rio Grande do Sul, que é o saneamento.
Colegas, note que a matéria que deu origem a resposta do presidente da Corsan saiu na capa do jornal dominical. Já a sua resposta, publicada nesta terça-feira, ficou escondida na página 2. Não seria de bom senso, jornalisticamente falando, dar o mesmo espaço que foi dado a matéria de domingo para a reposta por parte da Companhia? Ou até mesmo uma matéria sobre o que a Corsan pretende fazer sobre o quadro atual da empresa?

Enquete
 
No sábado, uma enquete fajuta fez a seguinte pergunta aos leitores do jornal: “Qual a sua opinião sobre a concessão da gestão da água a empresas privadas?”. O resultado: 8 a 5 pró-privatização do serviço. E no domingo a matéria de capa aborda justamente o tal do “Levante contra a Corsan”. Entranho, não?

A limpeza étnica dos palestinos, ou Israel democrático em ação


Gideon Levy no Odiario.info
Gideon Levy 
“Enquanto ainda estamos desesperadamente ocultando, negando e reprimindo nossa principal limpeza étnica de 1948 – mais de 600.000 refugiados, alguns dos quais fugiram pelo temor às Forças Armadas de Israel e suas antecessoras, e outros que foram expulsos pela força – a realidade nos demonstra que 1948 nunca terminou, que seu espírito continua connosco”.

Ocorreu no dia seguinte ao Dia da Independência, quando Israel estava imerso quase que ad nauseam em loas a si mesmo e a sua democracia, e nas vésperas do (virtualmente fora da lei) Dia da Nakba, quando o povo palestino rememora a “catástrofe” – o aniversário da criação de Israel. Meu colega Akiva Eldar publicou o que sempre soubéramos, mas ignorávamos as chocantes cifras reveladas: No momento dos Acordos de Oslo, Israel tinha derrubado a residência de 140.000 palestinos da Cisjordânia. Em outras palavras, 14% dos residentes da Cisjordânia que ousaram viajar ao exterior tiveram seu direito de retornar a Israel e aqui viver negado para sempre. Em outras palavras, foram expulsos de suas terras e de seus lares. Em outras palavras: limpeza étnica.
Enquanto ainda estamos desesperadamente ocultando, negando e reprimindo nossa principal limpeza étnica de 1948 – mais de 600.000 refugiados, alguns dos quais fugiram pelo temor às Forças Armadas de Israel e suas antecessoras, e outros que foram expulsos pela força – a realidade nos demonstra que 1948 nunca terminou, que seu espírito continua connosco. Ainda continua connosco o objectivo de limpar esta terra de seus habitantes árabes o máximo possível, e até um pouco mais. Afinal, é a solução mais encoberta e desejada: a Terra de Israel para os judeus e só para eles. Algumas pessoas se atreveram a dizê-lo abertamente - o rabino Meir Kahane, o ministro Rehavam Ze’evi e seus discípulos, os quais merecem alguns elogios por sua integridade. Muitos aspiram a fazer o mesmo sem admiti-lo.
A revelação da política de negar a residência provou que este sonho secreto é efectivamente o sonho secreto do establishment. Não se carrega os árabes em caminhões como era feito antes, mesmo depois da Guerra dos Seis Dias; não se dispara sobre eles para afugentá-los - todos esses métodos são politicamente incorrectos no mundo novo. Mas, de facto, este é o objectivo.
Algumas pessoas pensam que é suficiente tornar miserável a vida dos palestinos nos territórios para forçá-los a irem embora, e muitos deles, com efeito, foram embora. Um êxito de Israel: de acordo com a Administração Civil, cerca de um quarto de milhão de palestinos abandonaram voluntariamente a Cisjordânia nos sangrentos anos 2000 – 2007. Mas isto não é suficiente. Portanto, vários e diversos outros meios administrativos foram acrescentados para transformar o sonho em realidade.
Qualquer um que diga que “não é apartheid” está convidado a responder: Por que um israelense tem permissão de sair de seu país pelo resto da vida e ninguém sugere cassar-lhe a cidadania, enquanto um palestino, um filho nativo, não tem essa permissão? Por que um israelense pode casar-se com uma estrangeira e esta recebe uma permissão de residência, ao passo que um palestino não tem permissão de se casar com sua ex-vizinha que mora na Jordânia? Isto não é apartheid? Através dos anos, documentei intermináveis e lamentáveis tragédias de famílias que foram separadas, cujos filhos e filhas não recebiam permissão de viver na Cisjordânia ou em Gaza devido a regras draconianas - só para os palestinos.
Vejamos o caso de Dalal Rasras, por exemplo, uma menina de Beit Omar com paralisia cerebral, que foi separada de sua mãe durante meses porque sua mãe nasceu em Rafah. Somente depois de que seu caso se tornar público é que Israel permitiu que ela regressasse para sua filha “apesar da letra da lei”, a cruel letra da lei que não permite que os residentes de Gaza vivam na Cisjordânia, mesmo se ali tiverem feito suas casas.
O clamor dos despossuídos agora foi traduzido em números: 140.000, apenas até os Acordos de Oslo. Estudantes que saíram para estudar em universidades estrangeiras, homens de negócios que foram tentar a sorte no exterior, cientistas que viajaram ao exterior para sua formação profissional, jerusalenses nativos que se atreveram a mudar-se temporariamente à Cisjordânia, todos correram a mesma sorte. Todos foram levados pelo vento e foram expulsos por Israel. Não puderam regressar.
O mais surpreendente de tudo é a reacção dos responsáveis pela política de limpeza étnica. Eles não sabiam. O major-general (na reserva) Danny Rothschild, ex-governador militar com o título eufemístico de “coordenador das actividades governamentais nos territórios”, disse que leu pela primeira vez sobre o procedimento no jornal Haaretz. Acontece que a limpeza étnica não apenas continua, senão que também continua sendo negada. Toda criança palestina sabe, só o general a desconhece. Até mesmo hoje ainda há 130.000 palestinos registados como “NLR”, um comovedor acrónimo das IDF (Israeli Defense Forces – Forças Armadas de Israel) para definir aos “já não residentes”, como se fossem voluntários, outro eufemismo para denominar aos “expulsos”. E o general, que se considera relativamente bem informado, não tinha conhecimento.
Há uma recusa absoluta em permitir o regresso dos refugiados - algo que poderia “destruir o Estado de Israel”. Também há uma recusa absoluta em permitir o regresso das pessoas recentemente expulsas. Para o próximo Dia da Independência provavelmente inventaremos mais regulamentações para a expulsão, e nas próximas férias conversaremos sobre “a única democracia”.

Tradução: Jair de Souza/Carta Maior
Publicado originalmente no jornal Haaretz

Crise terminal do capitalismo?


Leonardo Boff, Socialismo e  Liberdade.

Tenho sustentado que a crise atual do capitalismo é mais que conjuntural e estrutural. É terminal. Chegou ao fim o gênio do capitalismo de sempre adaptar-se a qualquer circunstância. Estou consciente de que são poucos que representam esta tese. No entanto, duas razões me levam a esta interpretação.
A primeira é a seguinte: a crise é terminal porque todos nós, mas particularmente, o capitalismo, encostamos nos limites da Terra. Ocupamos, depredando, todo o planeta, desfazendo seu sutil equilíbrio e exaurindo excessivamente seus bens e serviços a ponto de ele não conseguir, sozinho, repor o que lhes foi sequestrado. Já nos meados do século XIX, Karl Marx escreveu profeticamente que a tendência do capital ia na direção de destruir as duas fontes de sua riqueza e reprodução: a natureza e o trabalho. É o que está ocorrendo.
A natureza, efetivamente, se encontra sob grave estresse, como nunca esteve antes, pelo menos no último século, abstraindo das 5 grandes dizimações que conheceu em sua história de mais de quatro bilhões de anos. Os eventos extremos verificáveis em todas as regiões e as mudanças climáticas tendendo a um crescente aquecimento global falam em favor da tese de Marx. Como o capitalismo vai se reproduzir sem a natureza? Deu com a cara num limite intransponível.
O trabalho está sendo por ele precarizado ou prescindido. Há grande desenvolvimento sem trabalho. O aparelho produtivo informatizado e robotizado produz mais e melhor, com quase nenhum trabalho. A consequência direta é o desemprego estrutural.
Milhões nunca mais vão ingressar no mundo do trabalho, sequer no exército de reserva. O trabalho, da dependência do capital, passou à prescindência. Na Espanha o desemprego atinge 20% no geral e 40% e entre os jovens. Em Portugal, 12% no pais, e 30% entre os jovens. Isso significa grave crise social, assolando neste momento a Grécia. Sacrifica-se toda uma sociedade em nome de uma economia, feita não para atender as demandas humanas mas para pagar a dívida com bancos e com o sistema financeiro. Marx tem razão: o trabalho explorado já não é mais fonte de riqueza. É a máquina.
A segunda razão está ligada à crise humanitária que o capitalismo está gerando. Antes se restringia aos países periféricos. Hoje é global e atingiu os países centrais. Não se pode resolver a questão econômica desmontando a sociedade. As vítimas, entrelaças por novas avenidas de comunicação, resistem, se rebelam e ameaçam a ordem vigente. Mais e mais pessoas, especialmente jovens, não estão aceitando a lógica perversa da economia política capitalista: a ditadura das finanças que via mercado submete os Estados aos seus interesses e o rentitentismo dos capitais especulativos que circulam de bolsas em bolsas, auferindo ganhos sem produzir absolutamente nada a não ser mais dinheiro para seus rentistas.
Mas foi o próprio sistema do capital que criou o veneno que o pode matar: ao exigir dos trabalhadores uma formação técnica cada vez mais aprimorada para estar à altura do crescimento acelerado e de maior competitividade, involuntariamente criou pessoas que pensam. Estas, lentamente, vão descobrindo a perversidade do sistema que esfola as pessoas em nome da acumulação meramente material, que se mostra sem coração ao exigir mais e mais eficiência a ponto de levar os trabalhadores ao estresse profundo, ao desespero e, não raro, ao suicídio, como ocorre em vários países e também no Brasil.
As ruas de vários países europeus e árabes, os “indignados” que enchem as praças de Espanha e da Grécia são manifestação de revolta contra o sistema político vigente a reboque do mercado e da lógica do capital. Os jovens espanhois gritam: “não é crise, é ladroagem”. Os ladrões estão refestelados em Wall Street, no FMI e no Banco Central Europeu, quer dizer, são os sumo-sacerdotes do capital globalizado e explorador.
Ao agravar-se a crise, crescerão as multidões, pelo mundo afora, que não aguentam mais as consequências da super-exploracão de suas vidas e da vida da Terra e se rebelam contra este sistema econômico que faz o que bem entende e que agora agoniza, não por envelhecimento, mas por força do veneno e das contradições que criou, castigando a Mãe Terra e penalizando a vida de seus filhos e filhas.

Leonardo Boff é teólogo e escritor, autor do livro “Proteger a Terra – cuidar da vida: como evitar o fim do mundo” (Record 2010).