domingo, 8 de agosto de 2010

As muitas violencias




por Silvio Caccia Bava no LeMondeDiplomatique
Nos últimos três anos foram assassinadas mais de 140 mil pessoas no Brasil. Uma média de 47 mil pessoas por ano. Uma parcela expressiva destas mortes, que varia de região para região, é atribuída à ação da polícia, que se respalda na impunidade para continuar cometendo seus crimes. São 25 assassinatos ao ano por cada 100 mil pessoas, índice considerado de violência epidêmica, segundo organismos internacionais, e que se mantém estável, apesar dos esforços do governo federal com o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) da Segurança, lançado em agosto de 2007, e o Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), que tinha por meta reduzir em 50% os assassinatos neste ano de 2010, mas não o conseguiu. 
A situação é um pouco melhor que alguns anos atrás: em 2000, o índice era de 26,7; em 2001, de 27,8; em 2002, de 28,45, segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Não fazemos ideia do que esses números significam. Apenas para ter uma comparação, nos três anos mais cruentos da invasão do Iraque (2005-2007) foram assassinados, por atos de guerra, 80 mil civis.  Uma média de 27 mil mortes por ano.
Se os assassinatos com armas de fogo são uma face da violência vivida na nossa sociedade, ela não é a única. Logo atrás, em termos de letalidade, estão os acidentes fatais de trânsito, com cerca de 33 mil mortos em 2002, e 35 mil mortes por ano em 2004 e 2005. Isto, sem falar nos acidentados não fatais socorridos pelo Sistema Único de Saúde, que multiplicam muitas vezes os números aqui apresentados e representam um custo que o Ipea estima em R$ 5,3 bilhões para o ano de 2002. Novamente aqui os jovens são as principais vítimas, e uma pesquisa aponta que 95% dos acidentes de trânsito são de responsabilidade do motorista: desrespeito à sinalização, excesso de velocidade, avanço do sinal.1 Quanto aos atropelamentos, foram mais de 40 mil em 2006, penalizando principalmente os mais idosos.
A lista da violência alonga-se incrivelmente. Sobre as mulheres, os negros, os índios, os gays, sobre os mendigos na rua, sobre os movimentos sociais etc. Uma discussão num botequim de periferia pode terminar em morte. A privação do emprego, do salário digno, da educação, da saúde, do transporte público, da moradia, da segurança alimentar, tudo isso pode ser compreendido, considerando que são direitos assegurados por nossa Constituição, como outras tantas violências.

Para buscar interpretar estes acontecimentos, não é possível isolar uma única forma de violência, ainda que suas distintas manifestações requeiram políticas também diferenciadas para enfrentá-las. É o jeito de viver em sociedade, que assumimos ao longo do tempo, que nos leva a esta situação-limite.

Quando a Justiça não funciona, principalmente para os pobres; quando a polícia mata com impunidade, em vez de garantir a lei e a ordem; quando o que nos ensinam é que temos de tirar vantagem sobre os demais; quando as políticas públicas não garantem a proteção social das famílias; quando os jovens não têm perspectiva de emprego neste modelo de desenvolvimento; tudo somado, desaparece o que é de interesse comum, a coisa pública, a afirmação dos direitos, as regras de convivência democrática.
É aqui que mora o perigo. Se o domínio privado do espaço público prevalecer, como é o caso das milícias e do narcotráfico nas favelas, assim como dos sistemas de segurança privada nos acessos aos condomínios de luxo e nos shoppings, então continuaremos a viver uma guerra contínua e não declarada que estenderá seu manto de sofrimento por toda a sociedade.
Hannah Arendt valoriza o espaço público como espaço de socialização, da comunicação, do debate, do exercício democrático, do cultivo das liberdades. Claude Lefort, Viveret e toda uma corrente de pensadores nacionais e estrangeiros que defende o exercício da democracia direta pelos cidadãos, falam da (re)apropriação do espaço público, de um processo de (re)fundação democrática que crie novas instituições para um novo tempo, com maior controle social e sentido público.
Sem espaço público não há democracia, e o espaço público é também uma construção associada à construção do próprio Estado, que necessita se abrir para o controle social para produzir políticas que universalizem direitos. As experiências recentes de construção de um novo jeito de viver que ocorrem em países vizinhos, como a Bolívia e o Equador, dizem que este caminho é possível e que existem movimentos fortes na sociedade que bancam estas mudanças.
A maior violência para alguém é estar sozinho, sem trabalho, sem proteção social, desvalorizado perante si mesmo, privado dos seus meios de socialização, de um papel a cumprir na sociedade.


Silvio Caccia Bava é editor de Le Monde Diplomatique Brasil e coordenador geral do Instituto Pólis.

Plebiscito Popular pelo Limite da Propriedade da Terra


via cinefusão

Fiocruz descarta alerta para hepatite "E" no país

Por: Agência Brasil

Fiocruz descarta alerta para hepatite E no país
Cuidados com a higiene dos alimentos ajudam a prevenir contaminação (Foto: Image Source/David Cleveland)

Brasília - O virologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Marcelo Alves Pinto afirmou na manhã desta sexta-feira (6) que, por enquanto, o primeiro caso de vírus da hepatite E descoberto no país não é motivo de preocupação. “A gente presume que a incidência desse tipo de hepatite seja baixa”, disse em entrevista ao programa Revista Brasil, da Rádio Nacional AM.
Os pesquisadores responsáveis pela descoberta suspeitam que a doença tenha sido causada pela ingestão de carne suína. Eles perceberam semelhanças entre o sequenciamento genético do vírus encontrado e o de suínos criados no Brasil.
“Pelo histórico clínico do paciente, parece que o indivíduo fez ingestão de carne suína. Só que nós não tivemos acesso a amostras desse material, então, não pudemos detectar o genoma do vírus na carne consumida”, acrescentou o virologista, que coordenou o estudo.
Segundo Alves Pinto, não há diferenças clínicas entre a hepatite A, tipo mais comum da doença no Brasil, e a E. “As duas são consideradas de caráter benigno porque na maioria das vezes o indivíduo se cura e não deixa sequelas.”
Ambas são causadas pelo contato com o agente infeccioso por meio de água e alimentos, por isso, o virologista recomenda a higiene constante das mãos e de alimentos para consumo. Ele também alerta para o cuidado com o cozimento e a refrigeração dos produtos.
A descoberta do vírus é resultado da análise de 64 amostras sorológicas de pacientes com hepatite aguda sem agente causador conhecido. O material, selecionado pelo Laboratório de Hepatites Virais da Fiocruz, foi coletado entre 2004 e 2008. A ocorrência é de 2006 e refere-se a um morador do Rio de Janeiro.
A pesquisa foi publicada na forma de artigo pelo periódico científico Journal of Clinical Virology, sob o título First Report of a Human Autochthonous Hepatitis E Virus Infection in Brazil. A hepatite é uma doença inflamatória que atinge o fígado e pode causar cirrose ou câncer.

O rumo!!!


Os números indicam que neste ano de desgraça européia, consequência direta da crise não resolvida no umbigo do mundo, o crescimento da América Latina se sustenta com características inéditas: pela primeira vez na história moderna da região, junto com a elevação do crescimento, as taxas de desemprego e de pobreza baixaram, e com elas, a desigualdade. Essas coisas são os grandes demônios do neoliberalismo. O social deve ser varrido do mapa, como o faz o macrismo de Buenos Aires. Te dou um guarda-sol amarelo e ponho bancos de designers nas praças do norte [zona rica de Buenos Aires], mas fico com os recursos dos hospitais e não executo o orçamento da educação. O artigo é de Sandra Russo, do Página/12.

Pela primeira vez em cinco séculos esta região está “crescendo sin desigualar”, disse a secretária geral da Cepal na Cúpula de San Juan na semana que passou, além de elogiar, no conjunto, a Argentina, por sua política ativa de emprego. Sabe-se que isso não será jamais título de um jornal, ou telejornal, porque esses títulos surgem de outro tipo de informação, e não necesariamente de informações recentes. É uma lógica interna dos meios a que faz com que a controvérsia seja um título possível, enquanto que a boa notícia, não.

Contudo, tratando-se de uma afirmação decorrente da comparação de dados, parece interessante resgatá-la, porque indica um rumo e a consciência desse rumo provavelmente seja vital para aprofundá-lo. Esse dado supõe também uma lógica: os respectivos eleitorados elegem esse rumo e em consequência a mesquinhez especulativa dos grandes meios, voltandos em cheio para a política, insistirá em manter as conquistas opacas. Mas nada impede resgatar esse dado bruto aqui: afinal, o que a funcionária da Cepal disse se baseava em dados reais, não em seus gostos pessoais. São nada menos que suas altezas, os números, que indicam que neste ano de desgraça européia, consequência direta da crise não resolvida no umbigo do mundo, o crescimento da América Latina se sustenta com uma característica inédita: pela primeira vez na história moderna da região, junto com o aumento do crescimento, as taxas de desemprego e de pobreza baixaram, e com elas, a desigualdade.

É óbvio que se trata apenas do princípio de uma mudança, os primeiros resultados de um modelo. Desse modelo regional não estamos todos nos mesmos patamares, paradoxalmente, já que a informação sobre a região é ainda mais enviesada que a nacional. As coberturas sobre o conflito entre Colômbia e Venezuela são um exemplo de como contar a série começando pelo décimo capítulo. Enquanto isso, as respectivas oposições não trabalham nem aspiram a sínteses superadoras, mas apenas se refregam na rememoração do horrível, e inexplicavelmente voltam a propô-lo. Aqui e acolá dirigentes políticos e empresários, que já não se distinguem entre si, falam com encantamento dos anos 90, numa performance louca que propõe um esquecimento suicida e coletivo, para voltar à “ordem” de que têm saudade: o direito a expropriar o mundo do trabalho dos seus direitos, para entregar o poder ao mundo do capital. Os anos 90 foram, sinteticamente, isso.

Os 90' foram uma foto como a que tiraram esta semana de vários personagens da política e do mundo empresarial com Héctor Magnetto (1). Na falta de uma explicitação do modelo que a oposição propõe, presume-se seu alinhamento com as demandas de seus principais representados: os que têm a faca e o queijo na mão. Com os demais se pode abusar, como com os 82% de usuários da telefonia móvel, mesmo depois de ter votado contra a reestatização dos fundos de pensão. Nisso se encontram com a esquerda, que lhes leva às ruas para apoiar suas demandas.

Voltando aos dados reais da Cepal, e ao caminho democrático eleito virtuosamente pela região, que ainda não reconhece o governo de Honduras precisamente por sua gênese golpista, esse dado é em si mesmo um sinal de rumo, só isso. Não implica que não haja desigualdade, não implica que as coisas não possar ser melhor e mais rápidas ou feitas de maneira mais ágil ou justa. Assinala um rumo, apenas. Uma direção.

Nos países envolvidos por essa nova tendência, a do crescimento que não “desiguala”, há governos tão diferentes como há idiossincrasias e tradições. Mas o que transcende essas enormes diferenças em matéria de ritmo e consistências políticas é algo que podemos ver: o crescimento sem desigualar, sustentado em dois eixos: políticas ativas de emprego e políticas sociais.

Ambas essas coisas são os grandes demônios do neoliberalismo. O social deve ser varrido do mapa, como o faz o macrismo de Buenos Aires. Te dou um guarda-sol amarelo e ponho bancos de designers nas praças do norte [zona rica de Buenos Aires], mas fico com os recursos dos hospitais e não executo o orçamento da educação. E o emprego: se pudessem, cortariam sistematicamente as cabeças, de novo, a cada conquista e dariam baixa nos subsídios [trabalhistas]. O modelo que têm mente não tem qualquer resposta para o mundo do trabalho, já que é em si mesmo a resposta do mundo do capital para o Estado de Bem-Estar. Não é preciso se chegar ao extremo do “socialismo estatizante”, frase pronunciada por Biolcati (2) mas também por todo o poder econômico e midiático em 1977, quando celebrou o primeiro aniversário ditadura. Qualquer Estado que arbitre entre fortes e débeis será para eles um “estatismo socializante”: dá-lhes nojo tanta negociação entre setores. Para que tanto, se são eles os donos.

Encontra regionalmente uma direção política e econômica permite endereçar-nos a um continente gestado como pátio dos fundos. Claro que não é a revolução, mas o que é a revolução? É necessariamente algo súbito, ou é um caminho cheio de enganos e enganadores? É algo a que as vanguardas conduzem ou é um imenso coletivo político que se adere ao que o faz girar para a frente, e expulsa o que pretende atrasar? São perguntas que não têm respostas, porque pertencem a debates silenciosos.

NOTAS
(1) Executivo do maior grupo midiático da Argentina, o Grupo Clarín. N.deT.

(2) Hugo Biolcati, atual presidente da Sociedade Rural Argentina, entidade representativa do latifúndio vinculado à agropecuária extensiva, fundada ainda no século XIX. N.deT.

Tradução: Katarina Peixoto

Bertold Brecht


1
De que serve a bondade
Se os bons são imediatamente liquidados,ou são liquidados
Aqueles para os quais eles são bons?

De que serve a liberdade
Se os livres têm que viver entre os não-livres?

De que serve a razão
Se somente a desrazão consegue o alimento de que todos necessitam?
2

Em vez de serem apenas bons,esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne possível a bondade
Ou melhor:que a torne supérflua!

Em vez de serem apenas livres,esforcem-se
Para criar um estado de coisas que liberte a todos
E também o amor à liberdade
Torne supérfluo!

Em vez de serem apenas razoáveis,esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne a desrazão de um indivíduo
Um mau negócio.