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Leonardo Boff *Adital
Damos por já realizada a demolição crítica do sistema de consumo e de
produção capitalista com a cultura materialista que o acompanha. Ou o
superamos historicamente ou porá em grande risco a espécie humana.
A solução para a crise não pode vir do próprio sistema que a
provocou. Como dizia Einstein:"o pensamento que criou o problema não
pode ser o mesmo que o solucionará". Somos obrigados a pensar diferente
se quisermos ter futuro para nós e para a biosfera. Por mais que se
agravem as crises, como na zona do Euro, a voracidade especulativa não
arrefece.
O dramático de nossa situação reside no fato de que não possuímos
nenhuma alternativa suficientemente vigorosa e elaborada que venha
substituir o atual sistema. Nem por isso, devemos desistir do sonho de
um outro mundo possível e necessário. A sensação que vivenciamos foi bem
expressa pelo pensador italiano Antônio Gramsci: "o velho resiste em
morrer e o novo não consegue nascer".
Mas por todas as partes no mundo há uma vasta semeadura de
alternativas, de estilos novos de convivência, de formas diferentes de
produção e de consumo. Projetam-se sonhos de outro tipo de geosociedade,
mobilizando muitos grupos e movimentos, com a esperança de que algo de
novo poderá eclodir no bojo do velho sistema em erosão. Esse movimento
mundial ganha visibilidade nos Fóruns Sociais Mundiais e recentemente na
Cúpula dos Povos pelos direitos da Mãe Terra, realizada em abril de
2010 em Cochabamba na Bolívia.
A história não é linear. Ela se faz por rupturas provocadas pela
acumulação de energias, de idéias e de projetos que num dado momento
introduzem uma ruptura e então o novo irrompe com vigor a ponto de
ganhar a hegemonia sobre todas as outras forças. Instaura-se então outro
tempo e começa nova história.
Enquanto isso não ocorrer, temos que ser realistas. Por um lado,
devemos buscar alternativas para não ficarmos reféns do velho sistema e,
por outro, somos obrigados a estar dentro dele, continuar a produzir,
não obstante as contradições, para atender as demandas humanas. Caso
contrário, não evitaríamos um colapso coletivo com efeitos dramáticos.
Devemos, portanto, andar sobre as duas pernas: uma no chão do velho
sistema e a outra no novo chão, dando ênfase a este último. O grande
desafio é como processar a transição entre um sistema consumista que
estressa a natureza e sacrifica as pessoas e um sistema de sustentação
de toda vida em harmonia com a Mãe Terra, com respeito aos limites de
cada ecossistema e com uma distribuição equitativa dos bens naturais e
industriais que tivermos produzido. Trocando idéias em Cochabamba com o
conhecido sociólogo belga François Houtart, um dos bons observadores das
atuais transformações, convergimos nestes pontos para a transição do
velho para o novo.
Nossos países do Sul devem em primeiro lugar, lutar, ainda dentro do
sistema vigente, por normas ecológicas e regulações que preservem o mais
possível os bens e os serviços naturais ou trate sua utilização de
forma socialmente responsável.
Em segundo lugar, que os países do grande Sul, especialmente o
Brasil, não sejam reduzidos a meros exportadores de matérias primas, mas
que incorporem tecnologias que dêem valor agregado a seus produtos,
criem inovações tecnologias e orientem a economia para o mercado
interno.
Em terceiro lugar, que exijam dos países importadores que poluam o
menos possível e que contribuam financeiramente para a preservação e
regeneração ecológica dos bens naturais que importam.
Em quarto lugar, que cobrem uma legislação ambiental internacional
mais rigorosa para aqueles que menos respeitam os preceitos de uma
produção ecologicamente sustentável, socialmente justa, aqueles que
relaxam na adaptação e na mitigação dos efeitos do aquecimento global e
que introduzem medidas protecionistas em suas economias.
O mais importante de tudo, no entanto, é formar uma coalizão de
forças a partir de governos, instituições, igrejas, centros de pesquisa e
pensamento, movimentos sociais, ONGs e todo tipo de pessoas ao redor de
valores e princípios coletivamente partilhados, bem expressos na Carta
da Terra, na Declaração dos Direitos da Mãe Terra ou na Declaração
Universal do Bem Comum da Terra e da Humanidade (texto básico do
incipiente projeto da reinvenção da ONU) e no Bem Viver das culturas
originárias das Américas.
Destes valores e princípios se espera a criação de instituições
globais e, quem sabe, se organize a governança planetária que tenha como
propósito preservar a integridade e vitalidade da Mãe Terra, garantir
as condições do sistema-vida, erradicar a fome, as doenças letais e
forjar as condições para uma paz duradoura entre os povos e com a Mãe
Terra.
* Teólogo, filósofo e escritor