Rachel Duarte no SUL21
Depois de cinco derrotas na Justiça, as paulistanas Adriana Tito, 29
anos, e Munira Khalil, de 31, conquistaram o reconhecimento da
sociedade, ao menos no papel, sobre a dupla maternidade do casal de
gêmeos Ana Luiza e Eduardo. Em uma união estável há cinco anos, as
empresárias têm na certidão de nascimento dos filhos a maior prova de
que vivem em família como todo e qualquer cidadão que decide se unir no
país. “Eu acho de uma extrema falta de sensibilidade as pessoas
homossexuais terem que entrar na justiça para ter seus direitos
reconhecidos, como ser mãe e casar. Deveria ser como para qualquer outra
pessoa”, comenta Adriana ao Sul21. Com a decisão do
Supremo Tribunal Federal (STF) em igualar união homoafetiva à união
estável, que completa um ano neste sábado (5), Adriana e Munira projetam
registrar a união em cartório e promover uma grande festa de casamento.
A decisão do STF não interferiu diretamente na garantia dos direitos
das empresárias de São Paulo, que conquistaram a certidão de nascimento
dos filhos em junho de 2011. Porém, elas imaginam que teriam conseguido
de forma menos sofrida ter os dois nomes femininos no documento caso o
processo se desse após a decisão do STF. “Também em 2011 o Conselho
Federal de Medicina liberou a inseminação artificial para os
homossexuais. Na nossa época nem tinha isso. Fomos as primeiras a
fazer”, conta Munira.
O desejo de constituir família foi o principal ingrediente que
aproximou Adriana e Munira, na época em que foram apresentadas por uma
amiga. Adriana já vinha de outras duas uniões estáveis, mas nenhuma
registrada no papel. “Eu até brinco com ela que espero que a nossa seja a
última dela”, diz Munira. Em seis meses de namoro, elas passaram a
dividir o mesmo lar e, como qualquer outro casal, desejar os filhos.
“Ela (Adriana) sempre quis gerar uma criança. Viver uma gestação. Então,
pensamos na inseminação”, conta Munira.
Após pesquisarem sobre o tema, Adriana visitou a clínica e voltou
para casa com inúmeras possibilidades ofertadas pela medicina para
gerarem os futuros herdeiros. Por ironia ou acaso do destino, Adriana
descobriu que era infértil. Mas, o médico sugeriu que os óvulos de
Munira poderiam ser doados para a inseminação. “Eu disse que não teria
problema, ao contrário, foi uma forma biologicamente conjunta de gerar
nossos filhos. Colocamos três embriões e dois estão vivos conosco há
três anos”, falou, referindo-se ao casal de gêmeos que nasceu no dia 29
de abril de 2009.
Quem será a mãe?
Após a realização do nascimento dos filhos, uma luta judicial de dois
anos se travou para o reconhecimento da dupla maternidade. Com o apoio
da advogada e presidenta nacional da Comissão da Diversidade Sexual da
OAB, Maria Berenice Dias, Adriana e Munira receberam orientações e
motivação para não desistir diante das cinco derrotas no caso. “Ela
disse que não existia caso no Brasil ainda, mas que seria aberta uma
jurisprudência. Foram cinco derrotas”, contabiliza Munira.
Como o filho Eduardo é portador de deficiência, havia a necessidade
de incluí-lo no plano de saúde da empresa de Munira. Para isso, seria
necessária a certidão de nascimento. “Conseguimos incluí-lo por
sensibilidade da empresa, já que em uma das derrotas o juiz disse que
não entendia ser necessário isso”, fala.
Já descrente no Poder Judiciário, o casal nem esperava mais poder
registrar os filhos quando receberam a ligação da advogada dizendo que o
caso tinha sido ganho. “Hoje eu me sinto realizada em ter nossos filhos
com o nome das duas mães na certidão. Para fazer qualquer coisa antes,
médico, viagens, tudo eu tinha que autorizar”, recorda Adriana que gerou
os gêmeos.
A decisão só foi favorável pelo reconhecimento dos filhos ao casal
homossexual devido à troca do juiz responsável pelo caso. “Não tenho
dúvida que o juiz anterior era conservador e não intercedeu ao nosso
favor por preconceito”, afirma Munira. “Foi algo muito aguardado. Este
ano foi a Munira que fez a matrícula deles no colégio”, comemora
Adriana, que já pensa na tranquilidade da futura viagem das crianças com
a mãe Munira para uma visita aos avôs no Líbano.
“Eu quero casar com toda a pompa”, diz Adriana
Com a conquista da certidão dos filhos em junho de 2011, um mês
depois da decisão do Supremo Tribunal Federal em reconhecer a união
homoafetiva como união estável, Adriana e Munira não têm pressa no
registro do matrimônio. “Nós já tínhamos uma procuração simples dizendo
que temos uma união estável e agora com a certidão de nascimento das
crianças está mais do que comprovado que somos uma família”, diz Munira.
Já Adriana não abre mão do sonho do casamento. “Não abro mão de
casar. Quero casar com toda pompa. Todos usando branco. A nossa filha
empurrando a cadeira de rodas do nosso filho e ele trazendo as
alianças”, idealiza. “E todos os nossos amigos que também têm filhos
portadores de deficiência tem que estar. Quero presente todas as pessoas
que estiveram junto e contribuíram com a nossa história. A nossa
história é vista como diferente, então quero uma festa bem diferente”,
projeta Adriana.
“Temos vontade de fazer uma cerimônia bem festiva, já que o
reconhecimento foi sofrido de alcançar. Estamos juntando dinheiro para
fazer a festa num sítio, convidando todos que nos ajudaram”, admite
Munira.
“Outras mudanças ainda vão acontecer depois desta decisão do STF”, acredita Munira
A história do casal de lésbicas de São Paulo que conseguiu registrar
dupla maternidade dos filhos biológicos ganhou repercussão nacional, já
que foi o primeiro caso no Brasil. A divulgação da experiência vivida
por elas motivou outros casais a buscarem seus direitos. Com a decisão
do STF sobre a união homoafetiva, Adriana e Munira acreditam que cada
vez menos casos individuais serão exceções. “Esta decisão incomodou
muita gente, mas serviu para conquista do respeito aos que tem
orientação sexual diferente da ‘maioria’. Hoje, muitos casais que tinham
vergonha de assumir os companheiros podem exigir o reconhecimento da
união”, fala Munira. “A sociedade também está tendo que rever os seus
conceitos sobre família e ter mais tolerância na convivência. Muitas
mudanças ainda vão acontecer. Há 10 anos nem se pensava em decidir sobre
isso que hoje é uma realidade. Ainda veremos mais conquistas”, estima.
A decisão do STF possibilitou que um casal homossexual tenha garantia
de 112 direitos que antes eram exclusivos de casais heterossexuais,
como pensão, divisão de bens e outros benefícios. Porém, um ano após o
reconhecimento da união homoafetiva como união estável, ainda há
variações nas decisões judiciais, devido ao julgamento dos casos caber a
cada juiz ou tribunal regional. “O Judiciário ainda é omisso e
conservador em algumas questões. Quando entramos com o nosso processo,
outros 14 casos conseguiram o direito antes de nós. Depende da pessoa
que estará decidindo os rumos da tua vida”, fala Munira.
“Na hora de pagar os encargos, todos são cidadãos iguais perante a
lei. Porque na hora das nossas escolhas não? Eu gostaria, e espero que
daqui alguns anos todos realmente tenham seu direito igual, não só
falado. É bonito dizer que tem o direito e com o STF tem a garantia, mas
nós tivemos que brigar muito”, salienta Adriana.