Sebastião no blog
ARQUIVOS CRITICOS
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O modo de produção capitalista tem como característica essencial a
extração da mais-valia, ou seja, a exploração dos trabalhadores. Essa
exploração ocorre devido ao fato de os trabalhadores encontrarem-se
despossuídos dos meios de produção. Seu trabalho e sua produção
encontram-se fora do seu domínio. O produtor direto está alienado das
condições de produção e reprodução da sociedade, dominado pelas forças
sociais que ele mesmo criou. O fetichismo da mercadoria ou a reificação
das relações sociais dominam o ser e a consciência tanto dos
trabalhadores como dos burgueses. É desse ocultamento das relações
sociais por trás da produção de mercadorias e de valor, processo que
aparece como eterno e natural, é dessas fantasmagorias que tira a sua
força a ideologia burguesa que, domina as mentes dos indivíduos sob o
capitalismo.
O capital, portanto, tira sua força da exploração do trabalho da classe
trabalhadora. O trabalhador produz o valor necessário para pagar a sua
reprodução, o seu salário, e além disso produz um valor não pago, que é a
apropriado pelo capitalista, a mais-valia. E é com a apropriação da
mais-valia, do trabalho não pago, que o capital se expande e se acumula
de forma intensa e permanente até encontrar seu limite imposto por suas
próprias contradições. E essas contradições, como veremos adiante, são
as responsáveis pelas crises do capitalismo.
A acumulação do capital, sua razão de ser, encontra-se determinado pela
teoria do valor-trabalho. É esta lei que explica as características
essenciais do modo de produção capitalista. Tendo sido elaborado pela
economia política clássica, por Smith e por Ricardo, foi somente com
Marx que esta teoria alcançou sua plenitude teórica e prática. Foi a
partir da teoria do valor-trabalho que Marx desvendou os mistérios da
produção da riqueza do capitalismo. Ao descobrir que é o trabalho, ou
mais precisamente, o tempo de trabalho socialmente necessário que produz
o valor e a mais-valia, Marx ultrapassou os limites da economia
clássica e descobriu o motor da riqueza capitalista, e os limites também
do modo de produção capitalista.
Com a teoria do valor trabalho e seu corolário, a expropriação da
mais-valia, Marx atingiu o coração do sistema do capital, o seu
conteúdo, injusto e desumano.
E mais, ele vislumbrou seus limites históricos e sua superação
dialética por um modo de produção superior, racional e verdadeiramente
humano.
Por ser uma “contradição viva”, como afirmava Marx, o sistema do capital
teve a sua história marcada por auges e depressões, fluxos e refluxos,
expansões e crises, continuidades e rupturas. Nenhum modo de produção
teve tantas contradições como o sistema do capital. Nenhum foi também
tão revolucionário e conservador ao mesmo tempo, estável e instável no
seu movimento de expansão mundial.
O movimento do capital é insaciável.
Sua acumulação, seu moto contínuo, é determinado pela taxa de lucro,
que por sua vez é determinada pela taxa de mais-valia. E a taxa de
mais-valia, assim como a taxa de lucro, dependem da composição orgânica
do capital: c/v. Como o capital investe cada vez mais nos meios de
produção, ou no capital constante, proporcionalmente do que em
trabalhadores, ou o capital variável, a tendência é que a composição
orgânica aumente, devido o crescimento da proporção do capital
constante.
Como a mais-valia é criada pela parte variável do capital, com a sua
queda, a tendência é de que caia também a taxa de mais-valia. Caindo a
taxa de mais-valia ocorre também a tendência da queda da taxa de lucro. E
como resultado destas tendências temos a diminuição ou a interrupção do
processo de acumulação. Na verdade é um processo que se auto-alimenta,
acumulação e queda da taxa de lucro são movimentos concomitantes, que
influenciam e determinam um ao outro. Marx explica este processo:
“Queda da taxa de lucro e acumulação acelerada são apenas aspectos
diferentes do mesmo processo, no sentido de que ambas expressam o
desenvolvimento da produtividade. A acumulação acelera a queda da taxa
de lucro, na medida em que acarreta a concentração dos trabalhos em
grande escala e com isso composição mais alta do capital. A queda da
taxa de lucro por sua vez acelera a concentração do capital e sua
centralização, expropriando-se os capitalistas menores, tomando-se dos
produtores diretos remanescentes o que ainda exista para expropriar.
Assim, acelera-se a acumulação, em seu volume, embora sua taxa diminua
com a queda da taxa de lucro”.
Temos, portanto, no capitalismo, um desenvolvimento que desemboca sempre
em crises, a interrupção da produção da mais-valia, ou seja, da
acumulação. Isto quer dizer que a lógica da acumulação do capital o leva
sempre a entrar em crises. E essas crises se tornam cíclicas e, com o
tempo, cada vez mais profundas, ameaçando todo o modo de produção
capitalista com a possibilidade de seu colapso e de sua superação. Marx
explica melhor a razão dessas crises:
“No
modo capitalista de produção, relativamente à população, desenvolve-se
em demasia a produtividade, e, embora sem atingir a mesma proporção,
aumentam os valores-capital (e não só o substrato material desses
valores) de maneira mais rápida, que a população. Os dois fatos colidem
com a base - que, em relação à riqueza crescente, é cada vez mais
estreita, e para a qual opera essa produtividade imensa – e com as
condições de valorização do capital que se expande. Daí as crises”.
Podemos perceber que o desenvolvimento da produtividade do capital leva à
queda da taxa de lucro, criando uma superprodução de capital que não
consegue se realizar. Eis a contradição viva e seu desfecho final, o
colapso, seja ele agudo ou crônico, como veremos adiante. O que vale
salientar é que o capital tem limites para sua expansão e que esses
limites indicam para o seu esgotamento e o seu fim.
Mas o capital cria contra-tendências para evitar a queda da taxa de
lucro, a super produção e as crises. Essas contra-tendências são: 1)
aumento do grau de exploração do trabalho; 2) redução dos salários; 3)
baixa de preço dos elementos do capital; 4) superpopulação relativa; 5)
comercio exterior e 6) aumento do capital em ações.
Ao utilizar esses mecanismos o capital conseguiu superar suas graves
crises ao longo do século XIX. Isto foi possível até a grande crise do
inicio do século XX, o crack de 1929. A partir desta crise o capital
precisou criar mais um mecanismo para se salvar de seu colapso. Esse
mecanismo foi a adoção das chamadas políticas keynesianas de intervenção
do Estado na economia para garantir a continuidade do processo de
acumulação do capital. Essa intervenção se deu principalmente através do
gato públicos em obras de infra-estrutura, em gastos militares, no
chamado complexo industrial-militar.
É a partir do final da Segunda Grande Guerra que o capital passa a
adotar as políticas keynesianas com o objetivo de regular o capitalismo,
evitando as crises e o colapso. A adoção dessas políticas keinesianas e
o medo da ameaça do avanço da revolução socialista no mundo todo levam o
capital a criar o que ficou conhecido como o Estado do Bem-Estar Social
(Welfare State).
As origens do Welfare State remontam ao final do século XIX. O governo
de Bismarck, na Alemanha foi um dos primeiros a utilizá-lo. Na sua
origem o Welfare State surge como uma resposta dada pelo capital para
frear o ímpeto revolucionário da classe trabalhadora européia.
Mas o Estado do Bem-Estar Social só se torna hegemônico no capitalismo
depois da Segunda Guerra Mundial. Esse Estado tem como substancia a
seguridade social, que garante uma serie de garantias políticas, sociais
e econômicas para os trabalhadores. Entre elas estão as conquistas
concernentes ao financiamento público consagradas ao ensino, aos
serviços de saúde, às pensões e à indenização do emprego.
Vale ressaltar que essas conquistas são resultados da luta operária e do
medo da ameaça da revolução socialista. Alem disso o Welfare State
garante a estabilidade da acumulação capitalista, pelo menos entre 1945 e
1968, mais ou menos, período que fica conhecido como os “Anos
Gloriosos” do capitalismo do século XX. Cabe ressalvar, no entanto, que
esta experiência política-econômica, que permitiu uma significativa
melhoria do nível de vida dos trabalhadores, ficou restrita aos países
do chamado 1º mundo, excluindo, por isso, a maioria da humanidade.
Mas este período de prosperidade ininterrupta, principalmente para o
capital, durou pouco e no final da década de sessenta entra em crise,
demonstrando mais uma vez as limitações do sistema capitalista. Mas a
crise do Welfare State reflete apenas a crise do capital, dessa vez numa
dimensão estrutural. Os ideólogos neoliberais, entretanto, atribuem a
crise do Estado do Bem-Estar ao fracasso das políticas econômicas de
cariz keynesiana e à intervenção do Estado na economia. Como solução
para esta crise, que é ao mesmo tempo de estagnação e de inflação, eles
defendem as velhas receitas liberais, agora chamadas de neo, quer
dizer, que somente o mercado regule a organização econômica da
sociedade, como sua benevolente “mão invisível”. Os neoliberais, agora
de volta a moda, atacam a intervenção estatal e recomendam a cartilha
rezada pelos “Deus” mercado como solução para a crise econômica.
Esses economistas neoliberais, entretanto, só ficam na superfície do
problema, aliás, como manda a tradição apologética. Acontece que a crise
econômica e a crise do Welfare State são apenas a aparência do
fenômeno, a sua manifestação mais visível. A essência desse fenômeno,
ou seja, a causa da crise do Welfare State e de toda a economia
capitalista desenvolvida, deve ser encontrada na própria crise da
acumulação capitalista. E a crise de acumulação se deve, como já vimos, a
lei da queda tendencial da taxa de lucro.
Desenvolvendo mais um pouco, é uma crise da acumulação da mais-valia
mundial. Não passa da confirmação da lógica contraditória da produção e
da reprodução capitalista. E o Estado neste novo contexto deixa de
impedir a crise do capital. Deste modo o capital vai retomar as velhas
formas para superar a queda tendencial da taxa de lucro desfazendo neste
processo as conquistas trabalhistas do período dos “Anos Gloriosos”.
Isto não acontece sem a resistência dos trabalhadores e neste mesmo
período, final dos anos 1960, o mundo se encontra abalado por greves e
revoltas de trabalhadores e estudantes que questionam a lógica
exploradora do capital e sua ideologia individualista e consumista
propagada pela forma keynesiana de organização política e
socioeconômica. Podemos dizer que o capital é questionado em sua base
sociometabólica. Infelizmente os trabalhadores perdem mais essa batalha
para o capital e são obrigados a aceitar a imposição das políticas
econômicas neoliberais.
A partir do inicio da década de 1970, o sistema do capital entra numa
crise estrutural. Diferentemente das outras crises, onde o capital
conseguia superar as crises expandindo sua acumulação para regiões
inexploradas do planeta, agora ela o afeta em sua totalidade. É uma
crise que atinge o capital já plenamente amadurecido, quer dizer,
plenamente mundializado. Outra particularidade desta crise é que devido
ao intenso desenvolvimento da técnica e da ciência aplicadas à produção,
o capital variável passa a diminuir sua parte na composição orgânica do
capital. O aumento descomunal da produtividade tende a solapar a base
de acumulação do capital. A criação do valor e da mais-valia ficam
seriamente comprometida. Neste sentido a razão de ser do capitalismo
passa a enfrentar um obstáculo intransponível para continuar sua
expansão.
Com este agravante, a diminuição da produção do valor e da mais-valia, o
capital busca se valorizar como capital fictício na esfera financeira
do capitalismo mundializado. É neste período que os paises desenvolvidos
rompem com os acordo de Bretton Woods, que regulavam o movimento dos
capitais a nível mundial. Ao romper com essa regulação, entre elas a
câmbio fixo e a conversibilidade do dólar em ouro, os paises ricos,
liderados pelos Estados Unidos deixam o caminho livre para livre
mobilidade dos capitais, criando aquilo que Keynes chamou de
capitalismo-cassino.
Com essa desregulamentação o capital retira seu dinheiro da esfera
produtiva e passa a aplicá-lo na esfera financeira atrás de uma
valorização maior e mais fácil do que a que ele encontrava na produção. A
partir desse momento a especulação do capital mundializado passa a
comandar hegemonicamente sua razão de ser e sua lógica de acumulação. O
capital produtivo se torna refém do capital fictício e o capital
ingressa numa crise estrutural crônica e permanente que se estende até
os dias atuais.
O conhecido processo de globalização ou para sermos mais preciso, o
processo de mundialização do capital, significa a expansão do modo de
produção capitalista para todo mundo segundo sua própria lógica de
acumulação, comandado, desta vez, pelos interesses do capital fictício,
que agora subordina a produção à especulação.
Outra alternativa que o sistema do capital encontrou para tentar superar
sua crise foi a utilização da taxa de utilização decrescente das
mercadorias.
Esta taxa está relacionada aos avanços da produtividade e significa
tornar descartáveis o mais rápido possível mercadorias que antes eram
consideradas bens duráveis. Segundo Mészáros a taxa de utilização
decrescente afeta de forma negativa todas as três dimensões fundamentais
da produção e do consumo capitalistas, que são: 1) bens e serviços; 2)
instalações e maquinaria; 3) força de trabalho.
Com relação ao primeiro, a tendência é aumentar a velocidade da
circulação do capital para compensar as tendências mais destrutivas do
capital. No segundo caso ela significa a sub-utilização crônica, ligado a
uma pressão crescente, reagindo à própria tendência, encurtando o ciclo
de amortização dos mesmos. Acompanha tudo isto a ideologia da “inovação
tecnológica”, que sucateia maquinário totalmente novo após utilizá-lo
muito pouco. E a ultima, a taxa de utilização decrescente da força de
trabalho se manifesta na forma de desemprego crescente. Das três esta é
a saída mais explosiva para o capital, pois a força de trabalho não é
só um mero fator de produção, mas também massa consumidora vital para o
ciclo da reprodução capitalista e da realização da mais-valia.
As duas primeiras formas da taxa de utilização decrescente podem
produzir canais para a expansão do capital, mas a terceira forma
permanece latente, com todos os seus riscos para o capital e o seu
prejuízo para os trabalhadores. Mészáros relata este perigo para os
trabalhadores:
“Só quando o potencial das duas primeiras dimensões – tal como
manifestas em relação a (1) bens e serviços; e (2) instalações e
maquinários – para afastar as contradições inerentes à taxa de
utilização decrescente não conseguir um efeito suficientemente
abrangente, somente então será ativado o selvagem mecanismo de expulsão
em quantidades maciças de trabalho vivo do processo produção”.
Como conseqüência do mecanismo da taxa de utilização decrescente, temos o
que ficou conhecido como “desemprego estrutural”. Contraditoriamente,
num primeiro momento o capital consegue superar sua crise aumentando sua
rotação e lucratividade, mas num segundo momento temos o retorno da
crise, causada pelo desemprego em massa, pela queda do consumo e, por
conseguinte a superprodução e a queda da taxa de lucro.
Alem disso o capital criou mais uma alternativa para sua crise de
acumulação: o complexo militar-industrial. Este complexo apresentou-se
ao capital como o modo de combinar o máximo de expansão com a taxa de
utilização decrescente mínima. Esse meio de solucionar a crise de
superprodução já havia sido adotado antes da Primeira Guerra Mundial,
mas sua adoção geral ocorreu somente após a Segunda Guerra Mundial. A
grande inovação do complexo militar-industrial para o capitalismo é
obliterar a diferença vital entre consumo e destruição. Mészáros analisa
este complexo e sua principal função:
“O complexo militar-industrial não só aperfeiçoa os meios pelos quais o
capital pode agora lidar com todas essas flutuações e contradições
estruturais, mas também dá um salto quantitativo no sentido de que o
alcance e o tamanho absoluto de suas operações rentáveis se tornam
incomparavelmente maiores do que poderia ser concebido nos estágios
anteriores dos desdobramentos capitalistas”.
As conseqüências para a humanidade desta nova tentativa do capital de
superar suas crises são catastróficas e ameaçam concretamente o futuro
da humanidade. Os investimentos no complexo militar-industrial colocam
no horizonte da sociedade a auto-reprodução destrutiva ampliada, que
acontece tanto na produção de mercadorias no campo civil como também no
campo militar. Esta solução que o capital encontrou coloca em risco a
sobrevivência de todos os seres humanos, ou melhor, de todos os seres
vivos do planeta.
Podemos concluir reforçando que a crise e o capital andam sempre juntos.
Que a partir da década de 1970 o capital passa a viver uma crise
estrutural que se estende até os nossos dias. As três dimensões
fundamentais do capital-produção, consumo e circulação – exibem
perturbações cada vez maiores. Essas perturbações atingem a função vital
do capital e impedem o deslocamento das suas contradições.
O capital tem tentado administrar a crise estrutural, mas uma série de
problemas tem impedido que ele consiga sucesso nessas tentativas. A
novidade desta crise se resume nestes fatores: a) seu caráter é
universal; b) seu alcance é global; c) sua escala de tempo é contínua e
d) seu modo de se desdobrar é rastejante.
E os problemas que o capital tem encontrado são: 1) contradições
internas do capital sob o controle do complexo industrial-militar e das
transnacionais; 2) contradições sociais econômicas e políticas dos
países pós-capitalistas, intensificando a crise do sistema do capital;
3) aumento das rivalidades entre os países capitalistas mais
desenvolvidos; 4) dificuldade de manter o sistema neocolonial de
dominação.
Essas quatro categorias, como podemos ver nos dias que correm, tendem
para intensificar e agravar os antagonismos existentes. E o capital e os
Estados que o representam só conseguem atacar seus efeitos e não suas
causas, pois isso colocaria em xeque a própria viabilidade do modo de
produção capitalista. Podemos fechar concordando com a conclusão de
Mészáros:
“O mais provável é ao contrário, continuarmos afundando cada vez mais na
crise estrutural, mesmo que ocorram alguns sucessos conjunturais, como
aqueles resultantes de uma relativa reversão positiva, no devido tempo,
de determinantes meramente cíclicos da crise atual do capital”
.
A crise estrutural do capital nos ensina uma importante lição: dentro
dos marcos do sistema do capital ela é insolúvel e, por isso, é preciso
construir um caminho para além do capital, para garantir a continuidade
da raça humana e de toda a vida.