Empobrecimento no Leste multiplica casos de tráfico de mulheres, levando violência até a países onde profissão foi regulamentada, como Holanda
Por Antonio Barbosa Filho*, de Amsterdã para o PASSA PALAVRAS
Em pelo menos nove países da Europa a prostituição é legalizada, e as profissionais do sexo têm direitos trabalhistas, tratamento
médico preventivo e proteção contra a exploração por gigolôs. Nem
sempre tudo que está nas leis é obedecido, mas o fato é que em países
como a Holanda a criminalidade que cerca a prostituição em outras partes
do mundo é bastante reduzida.
A relativa tranquilidade do chamado Red Light District
(Bairro da Luz Vermelha), onde encontram-se dezenas de bordéis e
centenas das famosas vitrinas onde as prostitutas se exibem e tentam
atrair seus clientes, está sendo abalada nos últimos dois anos pela
crise econômica que atinge a Europa. Segundo as autoridades, aumenta a
presença do crime organizado no tráfico de mulheres que buscam fugir dos
países mais pobres (especialmente os da antiga União Soviética, como
Moldova, Ucrânia, Belorússia, Romênia, Bulgária, República Tcheca e
outros). Trazidas para os países mais adiantados, como a Holanda,
Alemanha, Bélgica, Inglaterra e França, além da Escandinávia, muitas
delas são escravizadas através de dívidas que são obrigadas a assumir,
ou da violência pura e simples. Muitas vezes, elas passam antes por um
“estágio” em países intermediários como a Macedônia (parte da antiga
Iugoslávia), onde sofrem torturas e humilhações para ficarem “dóceis”
aos seus “donos”.
É impossível verificar os números envolvidos no tráfico de mulheres e
nas redes de prostituição, mas a polícia calcula que entre 200 mil e
400 mil mulheres e garotas sejam retiradas anualmente dos países do
Leste, e pelo menos a metade delas acaba sendo prostituída no Oeste – um
quarto iria para os Estados Unidos. Organizações de direitos humanos e
combate à escravidão lutam para que as polícias dos vários países ajam,
mas a corrupção neste setor é grande. O chefe de polícia encarregado de
combater este crime em Velesta, na Moldova, Vitalie Curarari, por
exemplo, chega a culpar as próprias mulheres: “Cinquenta por cento de
nossas mulheres vão para o estrangeiro procurar outros homens e depois
voltam apenas para se divorciarem de seus maridos”… Ele também culpa a
imprensa por fazer “sensacionalismo” ao denunciar as máfias do tráfico
humano e as crueldades praticadas contra mulheres prostituídas.
A situação econômica influencia na prostituição de várias maneiras.
Em primeiro lugar, força mulheres dos países pobres a aceitarem convites ou atenderem a anúncios oferecendo empregos
em países distantes. Há casos, por exemplo, de jovens que pensavam
estar embarcando para um emprego de garçonete na Itália, mas depois de
entregarem seus passaportes ao “agente de empregos” foram embarcadas
para outros países, presas nos fundos de prostíbulos, espancadas e
obrigadas a praticarem serviços sexuais sob ameaça e em troca de comida.
Também muitas jovens estudantes nas principais cidades de toda a
Europa, diante dos elevados preços das escolas (os governos cortam
gastos com Educação como parte de seus “ajustes fiscais e
orçamentários”), dos aluguéis e demais despesas, acabam recorrendo à
prostituição através de agências de acompanhantes. Este trabalho lhes
permite horários flexíveis, boa remuneração, e visitas a hotéis e
restaurantes que uma estudantes jamais poderia frequentar.
Já no Bairro da Luz Vermelha, em Amsterdã, as prostitutas reclamam
que o volume de clientes tem diminuído, e que eles passaram a pechinchar
muito mais pelos serviços. Fora desta área organizada e mais protegida,
há muitas mulheres se prostituindo por valores mínimos, como no Theemsweg,
uma área do tamanho de um campo de futebol, onde a Prefeitura instalou
vários pontos de ônibus. As mulheres se abrigam neles, e os carros as
apanham para uma relação rápida, dentro dos automóveis mesmo. Um
policial nos informa que ali 70% das mulheres estão no país ilegalmente,
e a maioria veio dos países do Leste europeu.
Tudo isso vem preocupando as autoridades holandesas, que legalizaram a
prostituição no ano 2000 para evitar a superexploração, a prostituição
de menores, a violência dos gigolôs, e a disseminação das drogas neste
meio. A legalização funcionou razoavelmente por vários anos, mas nada
fica imune diante da grave crise do capitalismo que atinge profissionais
de todas as áreas – inclusive as que comercializam o sexo.
* Antonio Barbosa Filho é jornalista e escritor, autor de A Bolívia de Evo Morales e A Imprensa x Lula – golpe ou sangramento? (All Print Editora). Em viagem pela Europa, acompanha as consequências da crise financeira pós-2008 e da onda corte de direitos sociais (‘políticas de austeridade’) iniciada em 2010
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