quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

“Regular a comunicação nada mais é do que cumprir com o Estado de Direito”

Integrantes do Coletivo Intervozes falam sobre estudo que lança luz sobre o funcionamento dos órgãos reguladores do setor em 10 países



Eduardo Sales de Lima da Redação do Brasil de Fato

Toda vez que se fala sobre a necessidade de se regular a comunicação no Brasil, os grandes meios do país disparam: tal medida seria “ditatorial”, “atentado à liberdade de expressão”, “cerco à mídia”. Ignoram, ou fingem ignorar, que mecanismos de controle sobre o setor existem em muitas nações do mundo, inclusive aquelas consideradas exemplos de democracia para esses mesmos meios.
O Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social realizou um levantamento sobre o funcionamento de órgãos reguladores que atuam sobre a rádio e a televisão em 10 países. O estudo trouxe à tona o caráter independente desses órgãos, com ênfase nas questões de garantia de competição, gestão do espectro e regulação de conteúdo.
Os países estudados foram Reino Unido, França, Canadá, Estados Unidos, Bósnia e Herzegovina, Argentina, Uruguai, Alemanha, Espanha (com um capítulo especial sobre a Catalunha) e Portugal. A seguir, leia uma entrevista, via correio eletrônico, com Ramênia Vieira da Cunha e Sivaldo Pereira, ambos pesquisadores responsáveis pela pesquisa.

Brasil de Fato – Dos países que vocês pesquisaram, qual (ou quais) apresentaram uma estrutura de regulação de mercado e conteúdo que mais lhe(s) chamaram a atenção positivamente? Por quê?
Sivaldo Pereira – Podemos apontar, por exemplo, a independência e a efetividade do modelo britânico com o Ofcom (Departamento de Comunicação) e o modelo bósnio-herzegovino, com a Agência Regulatória da Comunicação (CRA). O Ofcom, por exemplo, busca concretizar o ideal de uma agência autônoma sem perder em força regulatória do Estado. Possui um código de qualidade de conteúdo para a radiodifusão que é constantemente debatido e atualizado e que dá as diretrizes para o bom andamento dos sistemas de comunicação, chegando inclusive a aplicar uma média de 18 multas por ano a empresas infratoras. Veja que ninguém chama isso de censura, nem mão de ferro do Estado, nem ditadura da esquerda, como se fala no Brasil: nada mais é do que o Estado de Direito sendo cumprido.
Na Bósnia e Herzegovina, a criação de uma agência regulatória que busca cumprir os princípios de qualidade e ética à risca é justamente uma resposta ao trauma que o país sofreu devido ao mal uso da comunicação de massa no contexto da guerra, considerado por muitos especialistas um dos principais elementos que levaram o país ao conflito. Esses sistemas, de algum modo, preveem formas de participação do cidadão no sistema, aproximando-se, assim, do interesse do público.
Ramênia Vieira da Cunha – A Alemanha me chamou muito a atenção, por manter uma estrutura com autoridades de regulação da mídia em cada estado da federação (são 16 estados regulados por 14 autoridades de mídia – duas delas têm jurisdição sobre dois estados). Isso torna a regulação mais adaptada à realidade de cada uma dessas regiões, cabendo à associação nacional das autoridades (a ALM) o papel de agente regulador das transmissões e coberturas de abrangência nacional. A preocupação com a proteção à criança e ao adolescente também chama a atenção na legislação alemã.
Na Espanha, é a defesa contra a discriminação da mulher que ganha um bom espaço na regulação do conteúdo e do funcionamento das emissoras de radiodifusão. No Uruguai, ainda que o marco regulatório ainda esteja em discussão, o modelo atual prevê a regulação das telecomunicações e da comunicação audiovisual por um único órgão, o que elimina eventuais choques de competências entre organismos distintos e pode ser fator positivo para o controle efetivo sobre o funcionamento das emissoras.

No geral, como funciona a regulação de conteúdo nos países pesquisados por você? As agências reguladoras são, de fato, independentes?
Sivaldo – Os países que conseguem hoje ter melhor qualidade de conteúdo são aqueles que possuem códigos que buscam cristalizar princípios aos quais os meios estão submetidos democraticamente. Observe que não se trata de impor quais conteúdos devem ou não ser veiculados pelos meios, pois isso implicaria em podar a criatividade e a liberdade de expressão. Na verdade, trata-se de garantir que os conteúdos sejam plurais, diversos e que respeitem questões como equilíbrio de gênero, étnico, regional e político.
Ramênia – Há características comuns entre os agentes reguladores pesquisados. Uma delas é a busca pela independência em relação às empresas de comunicação, públicas ou privadas, e aos governos. O Executivo e o Legislativo participam, em maior ou menor grau, da indicação dos componentes dos órgãos reguladores, geralmente com participação prévia da sociedade. De qualquer forma, a maior parte dos países impede que os órgãos tenham como diretores pessoas com interesses econômicos ligados direta ou indiretamente ao setor regulado. O problema é montar um sistema legal que consiga identificar plenamente essas relações de interesses.
De forma geral, os organismos de regulação têm atuação tanto sobre o licenciamento das emissoras quanto sobre o mercado – em alguns casos, como na Alemanha, com controle sobre a concentração de poder econômico e político, pelo menos em termos teóricos. Esses órgãos também determinam a existência de infrações à lei e aplicam as respectivas sanções. Em termos de regulação de conteúdo, os organismos de regulação agem a partir de denúncias feitas pelo público ou por meio do monitoramento da programação pós veiculação. Ou seja, não ocorre nenhum tipo de censura prévia nos países pesquisados.

A proibição de que os órgãos de regulação tenham como diretores pessoas com interesses econômicos ligados direta ou indiretamente ao setor regulado me parece algo muito distante da realidade brasileira (leia matéria sobre um possível marco regulatório no Brasil na página 11). O Brasil já apresenta um acúmulo no debate que possa pressionar os poderes públicos para a criação de uma agência com um caráter participativo de toda a sociedade?
Ramênia – O Brasil está iniciando um processo. O debate existe, embora ainda muito restrito às universidades e às organizações não governamentais que militam na área. Mas é um processo que vai avançar, certamente. Claro que, pelas características das empresas de comunicação em atividade no Brasil e pela fase de desregulamentação das comunicações verificada na segunda metade do século passado, será um processo mais semelhante ao instalado na Argentina – de disputas acirradas de poder e de ações desesperadas por parte das empresas para evitar a perda da hegemonia – do que a relativa tranquilidade com que a regulamentação foi estabelecida na Europa, a partir de diretivas da União Europeia.
Sivaldo – Essa cultura política que envolve participação e autonomia ainda é um desafio no Brasil. Órgãos como a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) buscam autonomia mas não se abrem efetivamente para a participação do cidadão comum. Isso acaba repercutindo – ou reforçando – um perfil demasiadamente técnico-econômico. Algo claramente sentido na hora de a agência regular o setor das telecomunicações, por exemplo: ao invés de priorizar o mérito de um “player” em cumprir horizontes e princípios constitucionais valoriza-se, apenas, sua robustez enquanto empresa. Mas creio que estamos num momento importante de se pressionar para que haja um modelo regulatório que triangule participação, autonomia e efetividade, como ocorre em qualquer país democrático. Por isso que o debate sobre regulação dos meios de comunicação não pode ser mais estigmatizado como violação à liberdade de imprensa. É simplesmente o Estado de Direito sendo posto a funcionar. Empresas de comunicação das diversas áreas como impresso, TV, rádio, telefonia, internet não estão acima da lei: precisam cumprir regras e prestar contas de suas atividades, responder por elas publicamente. Toda democracia pressupõe veículos de comunicação livres, mas também pressupõe que os mesmos estejam qualificados para cumprirem suas funções públicas ao invés de servir a interesses privados de grupos econômicos ou políticos.

Alguns países trabalham ainda com questões de imparcialidade e pluralidade de visões na cobertura jornalística. No Brasil, a grande mídia prima por um jornalismo que não é plural, isso é fato. Nesse setor, nosso país estaria muito atrasado em relação aos países pesquisados?
Sivaldo – Sim. O Brasil está muito aquém de um modelo de regulação sofisticado em termos democráticos. Na verdade, mal temos regulação no setor. Veja que caiu a Lei de Imprensa, que não era boa, mas ficamos na várzea... sem regulação nenhuma para o setor, o que é ainda pior. E na radiodifusão e telecomunicações, onde sobrou alguma regulação precária, prevalece uma omissão institucionalizada, como é o caso da prática já histórica do Ministério das Comunicações ou um tecnicismo econômico fechado em si mesmo, como é o caso da Anatel.
O problema é que essa mistura de selva regulatória, omissão e tecnicismo não é mais sustentável. Não mais nesses tempos de convergência tecnológica. E, para piorar, o Brasil ainda luta para ter um sistema público de comunicação, aquele de forte presença, autonomia e que não possua fins lucrativos e tenha independência em relação ao governo (a exemplo da NHK, no Japão, o sistema ARD e ZDF da Alemanha ou a famosa BBC britânica).
Em solo brasileiro, prevaleceu uma distorção em que há um hiperdesenvolvimento de um sistema de comunicação privado, isto é, com fins lucrativos, algo que não ocorre em boa parte de países democraticamente desenvolvidos. E falo no sentido clássico de “public broadcast” (radiodifusão pública), em que há investimento público significativo que mantém um sistema de comunicação qualificado e independente. Algo diferente, por exemplo, de um veículo estatal diretamente subordinado ao governador ou presidente. No Brasil, a criação da EBC já foi um avanço. Porém, ainda temos poucos investimentos e é preciso aumentar a participação civil no controle da empresa, desvinculando-a ainda mais do governo e dando meios para se transformar numa grande rede que possa equilibrar-se ao sistema comercial hoje preponderante no país.

Sivaldo Pereira da Silva é PhD em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia, professor do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Alagoas e membro do Intervozes.
Ramênia Vieira da Cunha é jornalista e membro do Intervozes.

Governo liberta trabalhadoras em boate no MT

Leonardo Sakamoto em seu blog

Você é explorada sexualmente em uma boate e como pagamento ganha fichinhas que podem ser trocadas por produtos com preço superfaturado (como macarrão instantâneo, cigarros, bebidas…) na loja do próprio estabelecimento em que você trabalha. Se não quitar a dívida contraída dessa bola de neve fraudulenta, fica trabalhando. Para a alegria dos clientes e dos donos do estabelecimento.


Essa foi a situação a que estavam expostas 20 mulheres em Várzea Grande, município vizinho à capital do Estado do Mato Grosso, Cuiabá. De acordo com reportagem de Bárbara Vidal, da Repórter Brasil, elas estavam mantidas em alojamentos precários e superlotados no interior da casa noturna Star Night. As jovens eram obrigadas a permanecer o tempo inteiro (quando digo o tempo inteiro, refiro-me às 24 horas do dia) à disposição dos donos do lugar, localizado a cerca de um quilômetro do Aeroporto Internacional Marechal Rondon. Não tinham folga nem aos domingos ou feriados. Algumas delas assinaram um contrato – ilegal, é claro – que as proibia de deixar a boate se não houvesse pagamento das “dívidas”.
Segundo Valdiney Arruda, chefe da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Mato Grosso e acompanhou a ação, as mulheres “viviam em regime total de subordinação”. Além de precários e superlotados, os espaços não tinham ventilação adequada e proteção contra incêndio e não respeitavam normas de higiene.
Outros quatro trabalhadores (um gerente e três garçons) também foram retirados de lá. Não ficavam acomodados na boate e retornavam para suas casas após o expediente, mas enfrentavam condições precárias, com jornadas exaustivas e sem descanso. Todas as vítimas tinham entre 18 e 23 anos de idade.
A operação também contou com a participação da Polícia Civil, Guarda Municipal e Conselho Tutelar e foi realizada em novembro. Participaram ainda integrantes da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública e da Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo do Mato Grosso, após investigações que começaram quatro meses antes. As vítimas receberam os seus direitos trabalhistas, foram orientadas para que retornassem a seus municípios de origem e vão receber seguro-desemprego.
O Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas lançado no ano passado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e o Crime Organizado em parceria com a Iniciativa Global da ONU contra o Tráfico de Pessoas apontou que a forma mais comum de tráfico humano (79%) é para a exploração sexual, em que as vítimas são predominantemente mulheres e meninas. Em 30% dos países que fornecem informações sobre o gênero dos traficantes, as mulheres são a maioria dos traficantes.
Mulheres que vão buscar uma condição de vida melhor em outras cidades ou mesmo países e que não possuem informações sobre seus direitos são as mais atingidas pelo problema. Além disso, muitas acabam não procurando auxílio por vergonha de sua condição e medo de sanções criminais.

Jornalismo para quem precisa


Há alguns dias, lancei na minha página do Facebook uma idéia que venho acalentando há tempos, desde que encerrei um curso de extensão para uma faculdade privada de jornalismo, aqui em Brasília. O curso, de Técnica Geral de Jornalismo, reuniu pouco mais de 10 alunos, basicamente, porque era muito caro. Embora tenha sido uma turma de bons estudantes, gente verdadeiramente animada e interessada no ofício, me senti desconectado da real intenção do curso, que era de fazer um contraponto de método, opinião e visão ideológica a esse jornalismo que aí vemos, montado em teses absurdas, em matérias incompletas e mentirosas, omissas em tudo e contra todos, a serviço de um pensamento conservador, reacionário e golpista disseminado, para infelicidade geral, como coisa normal. Não é. E é sobre isso que eu queria falar enquanto ensinava, dia a após dias, os fundamentos práticos da pauta, da entrevista, da redação jornalística, da nobre função do jornalista na sociedade, no Brasil, na História.
Perguntei, então, no Facebook, o que estudantes de jornalismos e jornalistas formados achariam de eu transferir essas aulas para um espaço barato e democrático, capaz de levar esses conhecimentos a muito mais gente, sobretudo ao estudante pobre – e, quem sabe, credenciar também os pobres a brigar por uma vaga nas redações, que se tornaram ambientes muito elitistas. Encaretadas por manuais de doutrina e comportamento, adestradas pela conduta neoliberal dos anos 1990, quando passaram a responder diretamente pelas demandas do Departamento Comercial, as redações brasileiras se desprenderam da ação política, dos movimentos sociais, do protagonismo histórico a favor dos direitos humanos e da luta contra a desigualdade. Passaram, sim, a reproduzir um universo medíocre de classe média, supostamente a favor de uma modernidade pós-muro de Berlim, onde bradar contra privatizações e a adoração ao deus mercado passou a ser encarado como esquerdismo imperdoável e anacrônico.
Não por outra razão, os movimentos corporativos a favor da manutenção da obrigatoriedade do diploma de jornalista, que resistiram a todo tipo de investida patronal ao longo de duas décadas, foram definitivamente golpeados com o apoio e, em parte, a omissão, da maioria dos jovens profissionais de imprensa, notadamente os bem colocados em redações da chamada grande mídia. Vale lembrar que o jornalismo é, provavelmente, a única profissão do mundo onde existem profissionais que pedem o fim do próprio diploma. Há muitas nuances, claro, nessa discussão, inclusive porque há gente muito boa que, historicamente, se coloca contra o diploma, sobretudo velhos jornalistas criados em velhas e românticas redações, cenas de um mundo que, infelizmente, não existe mais.
Na essência, o fim da obrigatoriedade do diploma não é uma demanda de jornalistas, mas de patrões, baseada num argumento falacioso de liberdade de expressão – na verdade, de opinião –, quando a verdadeira discussão está, justamente, na formação acadêmica dos repórteres. E há uma distância abissal entre opinião e reportagem, porque a primeira qualquer um tem, enquanto a segunda não é só fruto de talento, mas de aprendizado, técnica e repetição.
Nas grandes empresas, o fim da obrigatoriedade do diploma coroou uma estratégia que tem matado o jornalismo: a proliferação de cursinhos internos de treinees, tanto para estudantes como para recém-formados, cuja base de orientação profissional é a competitividade a qualquer custo, um conceito puramente empresarial copiado, sem aparas, do decadente yupismo americano. Digo que tem matado porque esses cursinhos de monstrinhos competitivos relegam o papel universal do jornalista ao segundo plano, quando não a plano algum. A idéia de que o jornalista deva ser um profissional solidário, inserido na sociedade para lhe decifrar os dramas e transmiti-los a outros seres humanos passou a ser um devaneio, um delírio socialista a ser combatido como a um inimigo. Para justificar essa sanha, reforça-se o mito da isenção e da imparcialidade de uma mídia paradoxalmente comprometida com tudo, menos com a sua essência informativa, originalmente baseada no universalismo e no compromisso com o cidadão.
Na outra ponta, o fim da obrigatoriedade do diploma abriu a porteira para jagunços e capangas ocuparem as redações da imprensa regional, longe da fiscalização da lei e dos sindicatos, alegremente autorizados a fazer, literalmente, qualquer coisa com qualquer pessoa. Mesmo para o novo modelo de jornalismo que se anuncia na internet, baseado em disseminação mútua de informações primárias, como no caso dos vazamentos do Wikileaks, haverá sempre a necessidade do tratamento jornalístico dos conteúdos. E, para esse serviço, não há outro trabalhador credenciado senão um bom repórter treinado e formado para essa missão. Formação esta que, insisto, deve ser feita na academia e reforçada na experiência diária da reportagem.
Recentemente, li sobre a criação, em 2010, do Instituto de Altos Estudos em Jornalismo, sob os auspícios da Editora Abril. Entre os mestres do tal centro estavam o dono da editora, Roberto Civita, mantenedor da Veja, e Carlos Alberto Di Franco, do Master de Jornalismo, uma espécie de Escola das Américas da mídia nacional voltada para a formação de “líderes” dentro das redações. Di Franco, além de tudo, é um dos expoentes, no Brasil, da ultradireitista seita católica Opus Dei, a face mais medieval e conservadora da Igreja Católica no mundo.
Sinceramente, não vejo que “altos estudos”, muito menos de jornalismo, podem sair de um lugar assim.
Não tenho dúvidas de que a representação do tal instituto não é acadêmica, embora seja dirigido por Eugênio Bucci, ex-presidente da Radiobrás no governo do PT, renomado estudioso da imprensa no Brasil. Trata-se de uma representação fundamentalmente ideológica, a reforçar as mesmíssimas estruturas de poder das redações, estruturas ultraverticalizadas, essencialmente antidemocráticas e personalistas, onde a possibilidade de ascensão funcional, sobretudo a cargos de chefia, está diretamente ligada à capacidade de ser subserviente aos patrões e bestas-feras com os subordinados.
Felizmente, o surgimento da internet deu vazão a outro ambiente midiático, regido por outras regras e demandas, um devastador contraponto ao funcionamento hermético das grandes redações e ao poder hegemônico da velha mídia brasileira, inclusive de seus filhotes replicadores e retransmissores Brasil adentro. O fenômeno dos blogs e sua capacidade de mobilização informativa é só a parte mais visível de um processo de reordenamento da comunicação social no mundo. As redes sociais fragmentaram a disseminação de notícias, fatos, dados estatísticos, informes e informações em um nível adoravelmente incontrolável, criando um ambiente noticioso ainda a ser desbravado por novas gerações de repórteres que, para tal, precisam ser treinados e apresentados a novas técnicas e, sobretudo, a novas idéias.
A “era do aquário”, para ficar numa definição feliz do jornalista Franklin Martins – aliás, contrário à obrigatoriedade do diploma –, está prestes a terminar. O jornalismo decidido por cúpulas restritas, com pouco ou nenhum apego à verdade dos fatos, está reduzida a um universo patético de mau jornalismo desmascarado instantaneamente pela blogosfera, vide a versão rocambolesca da TV Globo sobre a bolinha de papel na cabeça de José Serra ou a farsa do grampo sem áudio que uniu, numa mesma trama bisonha, a revista Veja, o ministro Gilmar Mendes, do STF, e o senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás.
Não será a escola de “altos estudos” da Veja e do professor Di Franco, portanto, a suprir essa necessidade. Essa demanda terá que ser suprida por repórteres ciosos de outro tipo de jornalismo, mais aberto e solidário, comprometido com a verdade factual e a honestidade intelectual, interessado em boas histórias. Um jornalismo mais leve e mais humano, mais preocupado com a qualidade da informação do que com a vaidade do furo. Um jornalismo vinculado à realidade, não a interesses econômicos. E isso, certamente, só poderá ser viabilizado dentro de outro modelo, cooperativo e democrático, a ser exercido a partir das novas mídias virtuais.
Por isso, é preciso estabelecer também um contraponto à ideologia da mídia hegemônica no campo da formação, em complemento aos cursos superiores de jornalismo. Abrir espaço para os milhares de estudantes de comunicação, em todo o Brasil, que não têm chance de participar dos cursinhos de treinees dos jornalões e das grandes emissoras de radiodifusão. Dar a eles, de forma prática e barata, uma oportunidade de aprender jornalismo com bons repórteres, com repórteres de verdade.
Foi nisso que pensei quando idealizei, em 2007, a Escola Livre de Jornalismo, junto com outros dois amigos, ambos ótimos jornalistas, Olímpio Cruz Neto e Gustavo Krieger. Com eles, ajudei a montar bem sucedidos ciclos de palestras e oficinas de jornalismo em Brasília. Em 2009, um ano antes do 1º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, em São Paulo, a Escola Livre, em parceria com o IESB, já havia conseguido reunir, na capital federal, os principais expoentes desse movimento no país: Luis Nassif (Blog do Nassif), Paulo Henrique Amorim (Conversa Afiada), Rodrigo Vianna (Escrevinhador), Marco Weissheimer (RS Urgente) e Luiz Carlos Azenha (Viomundo). Uma semana de debates ricos, bem humorados, em um auditório permanentemente lotado de estudantes de jornalismo e jornalistas profissionais. Foi nosso único evento gratuito e, claro, o de maior sucesso. Os ciclos e oficinas, embora tenham tido boa audiência, esbarravam sempre no problema do custo para os estudantes: como nos cursinhos de treinee da velha mídia, acabávamos por privilegiar um segmento de jovens já socialmente privilegiados. É dessa frustração e dessa armadilha que proponho fugir agora.
Por isso, expus no Facebook a idéia de ministrar minhas aulas de Técnica Geral de Jornalismo, divididas em módulos, de modo que cada estudante pague um valor baixo por cada aula. Ou seja, os estudantes vão às aulas que quiserem, pagam na entrada e participam de duas horas de aula de jornalismo sobre tópicos práticos e temas relevantes. Minha idéia é convocar outros repórteres de Brasília a participar desse movimento da Escola Livre de Jornalismo, com o compromisso de, em troca da aula de duas horas, receber 70% do valor arrecadado no dia, porque 30% serão sempre destinados à administração e organização do curso.
Além do valor da aula, ainda a ser estipulado, cada aluno deverá também levar um alimento não perecível qualquer, a ser distribuído para comunidades pobres do Distrito Federal ou instituições de assistência social a serem definidas com futuros parceiros. Esses mantimentos, inclusive, poderão ser usados como moeda de troca para podermos utilizar gratuitamente algum espaço físico em Brasília para ministrar as aulas. É algo ainda a ser definido.
A idéia está lançada. No Facebook, recebi quase 100 adesões imediatas de estudantes, jornalistas, incluindo alunos e ex-alunos realmente satisfeitos com a perspectiva de participar de um movimento interativo desse nível, a preços populares. Espero poder iniciar as primeiras aulas em fevereiro de 2011 e, desde já, conto com a participação de todos os amigos e colegas jornalistas do Brasil que quiserem compartilhar essa experiência. Quanto mais gente boa dando aula, mais gente boa a ser formada. Como nas experiências anteriores, a Escola Livre de Jornalismo espera contar com a parceria das faculdades de jornalismo do DF para transformar em crédito a freqüência dos estudantes nas aulas, de modo a colaborar com uma necessidade acadêmica deles, as horas extra-sala de atividades complementares.
Por favor, quem quiser participar dê o ar das graças. Nossa missão inicial é achar um lugar amplo e legal, com cadeiras e uma boa mesa de professor, para dar as aulas. A depender do nível de adesão dos colegas jornalistas, vamos organizar uma agenda para as aulas, que serão sempre aos sábados, em princípio, das 9 às 11 horas da manhã.
Por enquanto, é esse o meu manifesto, é essa a minha idéia. O resto virá, tenho certeza, na garupa de bons ventos.