Estado Pronto-Socorro
Juremir Machado da Silva
Cada época inventa novas formas de
organização social e política. O Estado existiu na antiguidade. Tomou
nova forma no século XVI, sendo chamado de Estado moderno. Ao longo do
tempo, a administração e as funções do Estado foram discutidas e
idealizadas por estudiosos "desinteressados". O filósofo grego Platão,
pai do corporativismo, defendia que o Estado deve ficar nas mãos dos
filósofos, que viviam (vivem?) com a cabeça nas nuvens. Algumas
tentativas foram feitas. Um fracasso atrás do outro. No Brasil, FHC
ouviu alguns amigos filósofos, como José Arthur Gianotti, e percebeu que
o melhor era só fazer de conta que os seguia. Karl Marx achou que seria
melhor entregar o controle do Estado aos intelectuais revolucionários.
Não foi uma saída melhor.
As outras alternativas também não são convincentes: os militares, os burocratas, os sacerdotes e os políticos. Por enquanto, a pior solução continua sendo disparado a melhor: o povo. O papel do Estado é um tema tão polêmico quanto o que discute a quem deve caber a administração estatal. Em tempos de Fórum da Liberdade, não deixa de ser interessante refletir sobre a (in)coerência do discurso dos liberais. O Fórum da Liberdade deste ano é uma homenagem a Ludwig von Mises. Esse cidadão ficou famoso como um dos pilares do "Estado mínimo". Na abertura do Fórum da Liberdade, contudo, o poderoso executivo Carlos Ghosn, presidente mundial da Renault-Nissan, louvou a ajuda governamental americana às montadoras de automóveis que derraparam feio com a crise de 2008. Ludwig von Mises deve ter se revirado no túmulo.
Salvo se, como muitos, ele foi um liberal heterodoxo. Os liberais heterodoxos gostam, como diz o clichê, de privatizar lucros e socializar prejuízos. São os chamados pragmáticos. Na hora de quebra, adotam linguagem de esquerda, coisas como "função social da empresa", o que lhes permite pedir dinheiro ao Estado para supostamente salvar os empregos da plebe. Assim que a grana entra, pragmaticamente, eles tratam de demitir boa parte da plebe para supostamente salvar os empregos da parte restante e dar "racionalidade" ao negócio. É sempre em nome do bem que se contradizem. O bem deles. Ou os bens deles. Defendem o Estado Pronto-Socorro, uma emergência sempre pronta e com todos os equipamentos necessários para salvar a vida de um paciente fanfarrão que adora praticar esportes radicais, o capitalismo.
Vi, no entanto, que alguns liberais ortodoxos gaúchos, a exemplo de outros pelo mundo, são, em tese, contra esse tipo de mamata oportunista. Acham trapaça criticar a intervenção estatal na alta e pedir penico na baixa. Ficam com ar de anjinhos no meio dos tubarões. Os mais velhos sorriem como que dizendo, "ah, esses meninos ainda vão aprender a se contradizer". O raciocínio dos defensores do Estado Pronto-Socorro é límpido: esse troço é nosso. Nós o inventamos para que ele nos proteja da plebe. Nada mais justo que nos tire do atoleiro. É uma concepção pragmática e heterodoxa. Um bom "jeitinho".
Juremir Machado da Silva é jornalista e professor
*Artigo publicado pelo jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, em 14 de abril de 2010
As outras alternativas também não são convincentes: os militares, os burocratas, os sacerdotes e os políticos. Por enquanto, a pior solução continua sendo disparado a melhor: o povo. O papel do Estado é um tema tão polêmico quanto o que discute a quem deve caber a administração estatal. Em tempos de Fórum da Liberdade, não deixa de ser interessante refletir sobre a (in)coerência do discurso dos liberais. O Fórum da Liberdade deste ano é uma homenagem a Ludwig von Mises. Esse cidadão ficou famoso como um dos pilares do "Estado mínimo". Na abertura do Fórum da Liberdade, contudo, o poderoso executivo Carlos Ghosn, presidente mundial da Renault-Nissan, louvou a ajuda governamental americana às montadoras de automóveis que derraparam feio com a crise de 2008. Ludwig von Mises deve ter se revirado no túmulo.
Salvo se, como muitos, ele foi um liberal heterodoxo. Os liberais heterodoxos gostam, como diz o clichê, de privatizar lucros e socializar prejuízos. São os chamados pragmáticos. Na hora de quebra, adotam linguagem de esquerda, coisas como "função social da empresa", o que lhes permite pedir dinheiro ao Estado para supostamente salvar os empregos da plebe. Assim que a grana entra, pragmaticamente, eles tratam de demitir boa parte da plebe para supostamente salvar os empregos da parte restante e dar "racionalidade" ao negócio. É sempre em nome do bem que se contradizem. O bem deles. Ou os bens deles. Defendem o Estado Pronto-Socorro, uma emergência sempre pronta e com todos os equipamentos necessários para salvar a vida de um paciente fanfarrão que adora praticar esportes radicais, o capitalismo.
Vi, no entanto, que alguns liberais ortodoxos gaúchos, a exemplo de outros pelo mundo, são, em tese, contra esse tipo de mamata oportunista. Acham trapaça criticar a intervenção estatal na alta e pedir penico na baixa. Ficam com ar de anjinhos no meio dos tubarões. Os mais velhos sorriem como que dizendo, "ah, esses meninos ainda vão aprender a se contradizer". O raciocínio dos defensores do Estado Pronto-Socorro é límpido: esse troço é nosso. Nós o inventamos para que ele nos proteja da plebe. Nada mais justo que nos tire do atoleiro. É uma concepção pragmática e heterodoxa. Um bom "jeitinho".
Juremir Machado da Silva é jornalista e professor
*Artigo publicado pelo jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, em 14 de abril de 2010