sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Governo insere 52 nomes na “lista suja” do trabalho escravo

Leonardo Sakamoto
Atualizada nesta sexta (30), o cadastro de empregadores flagrados com mão-de-obra análoga à de escravo cresceu com a entrada de 52 novos registros, chegando ao número recorde de 294 nomes. Entre os que entraram na “lista suja” estão grupos sucroalcooleiros, madeireiras, empresários e até uma empreiteira envolvida na construção da usina hidrelétrica de Jirau. A relação inclui também médicos, políticos, famílias poderosas e casos de exploração de trabalho infantil e de trabalho escravo urbano. Para ver a lista atualizada, clique aqui.
A “lista suja” tem sido um dos principais instrumentos no combate a esse crime, através da pressão da opinião pública e da repressão econômica. Após a inclusão do nome do infrator, instituições federais, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Banco da Amazônia, o Banco do Nordeste e o BNDES suspendem a contratação de financiamentos e o acesso ao crédito. Bancos privados também estão proibidos de conceder crédito rural aos relacionados na lista. Quem é nela inserido também é submetido a restrições comerciais e outros tipo de bloqueio de negócios por parte das empresas signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo – que representam mais de 25% do PIB brasileiro.
O nome de uma pessoa física ou jurídica é incluído na relação depois de concluído o processo administrativo referente à fiscalização dos auditores do governo federal e lá permanece por, pelo menos, dois anos. Durante esse período, o empregador deve garantir que regularizou os problemas e quitou suas pendências com o governo e os trabalhadores. Caso contrário, permanece na lista.
Abaixo, trechos da reportagem de Bianca Pyl, Daniel Santini e Maurício Hashizume, da Repórter Brasil, que monitora o cadastro desde sua criação em novembro de 2003:
Entre os novos registros, há casos como o de Lidenor de Freitas Façanha Júnior, cujos trabalhadores, segundo os auditores fiscais do trabalho envolvidos nas operações de libertação, bebiam água infestada com rãs, e o do fazendeiro Wilson Zemann, que explorava crianças e adolescentes no cultivo de fumo. Entre os estados com mais inclusões nesta atualização estão Pará (9 novos nomes), Mato Grosso e Minais Gerais (8 cada). A incidência do problema no chamado Arco do Desmatamento demonstra que a utilização de trabalho escravo na derrubada da mata para a expansão de empreendimentos agropecuários segue presente.
Nesta atualização, apenas dois nomes foram retirados do cadastro (Dirceu Bottega e Francisco Antélius Sérvulo Vaz), o que pesou para que a relação chegasse a quase 300 registros.

Escravos da cana – Entre os destaques da atualização estão libertações que chamam a atenção pelo grande número de escravos resgatados em plantações de cana-de-açúcar. Só na Usina Santa Clotilde S/A, uma das principais de Alagoas, foram flagrados 401 trabalhadores em situação degradante em 2008. Também entra nesta atualização a Usina Paineiras, que utilizou 81 escravos em Itabapoana (RJ) em 2009. Um ano após o flagrante que resultou nesta inclusão, a empresa comprou a produção da Erbas Agropecuária, onde foram flagrados 95 trabalhadores escravizados.
Mesmo com o aumento da preocupação social por parte das usinas, real ou apenas declarado, o setor ainda tem ocorrências de mão-de-obra escrava.
A Miguel Forte Indústria S/A foi flagrada explorando 35 trabalhadores, incluindo três adolescentes, na colheita de erva-mate em Bituruna (PR). A madeireira, que mantinha o grupo em barracões de lona sob comando de “capatazes”, anuncia na sua página que “o apoio a projetos sociais que promovem a cidadania e o bem-estar, principalmente entre a população carente, mostra o comprometimento da Miguel Forte com os ideais de uma sociedade mais justa e humana”. À frente da empresa, Rui Gerson Brandt, acumula o cargo de presidente do Sindicato das Indústrias de Papel e Celulose do Paraná (Sindpacel).

Hidrelétrica de Jirau 
- Não é só na monocultura ou no campo que os flagrantes acontecem. As condições degradantes em projetos bilionários do país têm sido uma constante e, nesta atualização, uma das empreiteiras envolvidas na construção de uma hidrelétrica também entrou na lista. A Construtora BS, contratada pelo consórcio Energia Sustentável do Brasil (Enersus), foi flagrada utilizando 38 escravos na construção da Usina Hidrelétrica de Jirau. Além de enfrentarem problemas relacionados aos alojamentos, segurança no trabalho e saúde, os empregados ainda eram submetidos a escravidão por dívida, por vezes em esquemas sofisticados que envolvem até a cobrança por meio de boletos bancários, conforme denunciado, na época, pela Repórter Brasil.
Mesmo após o flagrante, as condições de trabalho não melhoraram, segundo denúncias recentes. Em abril deste ano, um grupo de 20 trabalhadores procurou o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Rondônia (Sticcero) alegando que a BS não havia pago o aviso prévio e eles estavam dormindo no galpão da Construtora, sem ter como voltar para casa. Uma liminar chegou a bloquear os bens da empresa em 2011.
O isolamento, aliás, continua sendo utilizado como ferramenta para escravizar pessoas. Nesta atualização da lista, foi incluído Ernoel Rodrigues Junior, cujos trabalhadores estavam em um local de tão difícil acesso que foi necessário um helicóptero para o resgate dos trabalhadores. 

Entre os libertados estavam dois adolescentes de 15 e 17 anos e uma de 16 anos. Para chegar no local em que o grupo estava, foi necessário percorrer a partir de São Félix do Xingu (PA) por 14 horas um caminho que contava com uma ponte de madeira submersa, balsa e estradas de terra em condições tão ruins que foi necessário o uso de tratores para desatolar alguns dos veículos. De acordo com os relatos colhidos pela fiscalização, todos tinham medo de reclamar porque o fazendeiro e o segurança da propriedade andavam armados. Para que conseguisse fazer a denúncia, um trabalhador explorado conseguiu fugir e teve de caminhar durante seis dias pela mata e por estradas de terra.
Outro destaque na atualização da “lista suja” neste ano é a inclusão de Fernando Jorge Peralta pela exploração de escravos na Fazenda Peralta, em Rondolândia (MT). O Grupo Peralta é um conglomerado empresarial poderoso, do qual fazem parte a rede de supermercados Paulistão, a Brasterra Empreendimentos Imobiliários, as concessionárias Estoril Renault/Nissan (em Santos, Guarujá e Praia Grande), os shoppings Litoral Plaza Shopping e Mauá Plaza Shopping (cuja construção, na época, envolveu uma denúncia de propina), a Transportadora Peralta (Transper) e a PRO-PER Publicidade e Propaganda, só para citar os principais ramos de atividade do grupo. O flagrante que levou Fernando Jorge à “lista suja” aconteceu em 2010 e envolveu a libertação de 11 trabalhadores de sua fazenda.
Luiz Carlos Brioschi e Osmar Brioschi, que também entram na lista nesta atualização, foram flagrados se aproveitando de 39 trabalhadores na colheita do café em Marechal Floriano (ES). Eles mantinham os empregados em regime de escravidão por dívidas e em condições extremamente precárias de trabalho e vida. Dois dias após a libertação ter sido divulgada, Osmar Brioschi esteve entre os homenageados com placas e diplomas na Assembleia Legislativa do Espírito Santo pelo “trabalho realizado em favor do campo capixaba”, por iniciativa do deputado Atayde Armani (DEM-ES).

Devastação ambiental - Outro aspecto reforçado pela atualização da lista é o elo entre escravidão e devastação ambiental. O uso de escravos em grandes projetos de desmatamento e em áreas com conflitos agrícolas é bastante comum. Desta vez, foi incluído na relação Tarcio Juliano de Souza, apontado como responsável pela destruição de milhares de hectares de floresta amazônica nos últimos anos. Ele é considerado pela Polícia Federal responsável por montar um esquema para desmatar cerca de 5 mil hectares de floresta nativa na região de Lábrea (AM), onde mantém a Fazenda Alto da Serra. Chegou a ser preso em Rio Branco (AC) pelos crimes de redução de pessoas a condições análogas à escravidão, aliciamento de trabalhadores e destruição de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e foi denunciado por tentar comprar um fiscal. Na época, o superintendente regional do trabalho Dermilson Chagas declarou que Tárcio estava à frente de um “consórcio de fazendeiros” do Acre formado para transformar grandes áreas de Lábrea (AM) em pastos, com a utilização criminosa de escravos para o desmate, para criar gado bovino.
Políticos e doutores – Um ex-prefeito, um ex-secretário municipal do Meio Ambiente e dois médicos estão entre os que entraram na relação nesta atualização. O ex-prefeito Edmar Koller Heller foi flagrado em 2010 explorando mão-de-obra escrava em um garimpo na Fazenda Beira Rio, que fica em Novo Mundo (MT), a 800 km da capital mato-grossense Cuiabá (MT), próximo à divisa com o Pará. Edmar foi prefeito de Peixoto de Azevedo (MT) em 2000, pelo extinto PFL (hoje DEM). Teve seu mandato cassado após ser acusado de desvio de recursos públicos, contratação de pessoal especializado sem licitação e contratação ilegal de veículos automotores de auxiliares de confiança.
Em 2007, ele se envolveu em outro escândalo político e chegou a ser preso. Como secretário de Administração da prefeita Cleuseli Missassi Heller, sua esposa, ele foi considerado responsável por improbidade administrativa, configurada pelo favorecimento de uma única empresa em processos licitatórios do município. Em 2009, a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso manteve a condenação.
Outro político que passa a fazer parte da lista é Evanildo Nascimento Souza, flagrado com escravos quando ainda era secretário de Meio Ambiente de Goianésia do Pará (PA). O homem que deveria zelar pela natureza foi flagrado explorando trabalhadores justamente no corte e queima de madeira para produção de carvão. De acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT), foram encontrados na Fazenda RDM (onde se localiza a Carvoaria da Mata), em julho de 2009, nove trabalhadores laborando em condições degradantes no corte de madeira, transporte, empilhamento, enchimento dos fornos, vedação do forno com barro e carbonização. Os trabalhadores não possuíam equipamentos de proteção individual (EPIs) e estavam alojados em um barraco em péssimas condições, sujo com detritos, restos de maquinário e peças de veículos, armazenamento de combustível, sem separação para homens e mulheres, nem ventilação e iluminação.
Os médicos incluídos na relação são José Palmiro Da Silva Filho, CRM 830, flagrado com cinco escravos na Fazenda São Clemente, em Cáceres (MT), e Ovídio Octávio Pamplona Lobato, CRM 3236, flagrado com 30 escravos na Fazenda Tartarugas, em Soure (PA).

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Para os movimentos sociais, 2011 foi um ano conservador no campo


Trabalhadores rurais comemoram resultado de negociações feitas com o governo federal em agosto. Pouco do que o governo prometeu foi cumprido | Foto: Valter Campanato/ABr

Felipe Prestes no SUL21

No apagar das luzes do primeiro ano de governo, a presidenta Dilma Rousseff anunciou suas primeiras desapropriações para assentar 2.739 famílias sem-terra. A meta, de acordo com o plano plurianual, era assentar 40 mil famílias em 2011, quase 20 vezes mais. Até a semana passada, quando o Sul21 ouviu representantes dos movimentos sociais, o quadro era nulo em desapropriações para a reforma agrária. Indigenistas também apontam que não houve nenhuma homologação de terra indígena neste ano. No Congresso, a aprovação do novo Código Florestal ainda não foi concluída, porque precisa voltar para a Câmara, mas já passou pelas duas casas, numa demonstração de força da bancada ruralista.
“O ano foi muito ruim para a reforma agrária, porque o agronegócio intensificou sua ofensiva, avançando sobre as nossas terras, especialmente o capital estrangeiro, e contra o Código Florestal”, afirma João Batista de Oliveira, da coordenação nacional do MST. A falta de desapropriações é uma das principais preocupações do movimento. “Não avançou a criação de assentamento no governo Dilma e isso é um problema gravíssimo, pois há mais de 180 mil famílias acampadas em todo o Brasil, segundo o próprio Incra. Os números da concentração fundiária no Brasil em pleno século 21 são equivalentes aos da década de 1920”, diz João Batista.
O ativista pela reforma agrária e ex-deputado estadual pelo PT Frei Sérgio Görgen aponta a desaceleração da reforma agrária como um grave “erro estratégico”. Görgen acredita que a economia do país pode sentir isto no futuro, uma vez que grande parte do emprego urbano ocorre por um ciclo de grandes obras que não vai durar para sempre. “Lula foi desacelerando lentamente os assentamentos e agora é público e notório que houve uma desaceleração brusca. O governo federal está cometendo um dos maiores erros históricos que pode cometer. Vai pagar caro no futuro com favelização, miséria. Não tem reforma urbana, tem empregos que são ocasionais nas cidades. O Brasil tem muita terra ociosa, tem que aproveitar este patrimônio”, sentencia.
Embora considere a desaceleração da reforma agrária um grande erro estratégico, o Frei Sérgio Görgen aponta que o Governo Dilma tem “muitos acertos”. “A erradicação da miséria no campo, a renegociação de dívidas de pequenos agricultores, e um programa para a agroindústria, se for mesmo criado”, elenca.
Bruno Alencastro/Sul21
Paulo Teixeira: “Esse ano foi, no geral, de muita restrição financeira, por conta do combate à crise. Mas a assinatura de desapropriações foi uma forte sinalização do governo " | Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Para o líder da bancada do PT na Câmara dos Deputados, Paulo Teixeira, 2011 foi um ano marcado pelo combate à crise. Assim, a reforma agrária foi contingenciada como várias outras áreas. Entretanto, ele considera que o decreto assinado nesta segunda-feira (26) que desapropriou 60 fazendas foi uma “forte sinalização” da disposição do governo com a reforma agrária. “Esse ano foi, no geral, de muita restrição financeira, por conta do combate à crise. Não teve área com grandes investimentos. Mas, apesar da grande restrição, a assinatura do decreto foi uma forte sinalização do governo”, afirma. Segundo Teixeira, as exceções no contingenciamento foram grandes programas do governo como o Minha Casa, Minha Vida e o PAC, além da área da Saúde.
Teixeira recorda também que o governo recebeu os movimentos sociais em 2011 e firmou compromissos com eles. “O MST quando foi a Brasília foi atendido e saiu de lá com um acordo importante”, diz.
Os compromissos se deram depois da realização da Jornada Nacional da Via Campesina, em agosto, que mobilizou mais de 50 mil pessoas em todo o Brasil e do acampamento nacional de Brasília, que contou com cerca de 4 mil pessoas. “A partir disso, conseguimos arrancar compromissos do governo Dilma, em relação ao assentamento de famílias acampadas, garantir de recursos para a educação, a implementação de um programa de agroindústria. No entanto, até agora, esses compromissos não saíram do papel”, diz João Batista de Oliveira.
Durante a assinatura das desapropriações, nesta segunda-feira (26), o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Celso Lacerda, afirmou que a reforma agrária está em um momento de revisão. “Não é verdade que a reforma agrária paralisou. Teremos a aplicação de um dos maiores orçamentos da área. Estamos num momento de revisão. É um ano de análise e de rediscussão. Reforma agrária não é mera distribuição de terra. O que adianta criar assentamento e não dar estrutura, crédito, assistência técnica?”, questionou.

Ruralistas demonstraram força na Câmara, reconhece deputado

“Os ruralistas tiveram uma demonstração de força na Câmara”, reconhece o líder do PT, Paulo Teixeira, em referência à aprovação do novo Código Florestal. A força foi tanta que o próprio Teixeira, que não estava de acordo com o texto, votou a favor, devido a um acordo feito às pressas entre as bancadas, para evitar a aprovação de um texto ainda mais agressivo ao meio-ambiente. O deputado ressalta, porém, que no Senado houve um processo mais “virtuoso” e que o texto ainda não saiu do Congresso. “O Senado diminuiu o estrago, criou um processo virtuoso, estabelecendo uma dinâmica de reflorestamento. Este processo ainda não acabou”, diz.
Agência AL-RS
De acordo com Frei Sérgio Görgen, interesses dos latifundiários se sobrepõem aos do Brasil "desde as capitanias hereditárias" | Foto: Agência AL-RS

O Frei Sérgio Görgen minimiza a força demonstrada pela bancada ruralista na aprovação do Código Florestal. “Eles não conseguiram passar tudo o que queriam”, diz. Görgen afirma também que o poderio dos latifundiários é tão grande quanto sempre foi no Brasil. “Os interesses deles se sobrepõem aos do país desde as capitanias hereditárias. Conseguem enormes subsídios para poucos lucrarem e que abastecem campanhas eleitorais caríssimas. Além disto, sempre estão no governo. Odiavam o PT. Quando o PT virou governo, passaram a gostar dele”, afirma.
“O agronegócio tem muita força na sociedade, com apoio dos meios de comunicação, que se traduz no peso da bancada ruralista e da sua força dentro do governo. A prova disso são as facilidades que suas pautas são aprovadas”, opina João Batista de Oliveira. Segundo integrante da coordenação nacional do MST, esta facilidade se reflete na liberação de produtos transgênicos e de agrotóxicos que já são proibidos até nos países que os fabricam.
No Congresso, João Batista aponta que o poderio da bancada ruralista se mostrou com o novo Código Florestal e barrando a votação da PEC do Trabalho Escravo. Esta proposta foi aprovada no Senado em 2001 e está parada na Câmara desde 2004. Ela visa acrescentar na Constituição a desapropriação de terras em que forem encontrados trabalhadores em condições análogas à escravidão. O deputado federal Domingos Dutra (PT-MA) tem tentando colocar em votação a proposta.
Ruralistas demonstraram força no Congresso | Foto: Renato Araújo/ABr

João Batista de Oliveira analisa que a força ruralista tem aumentado devido ao poder econômico crescente do agronegócio com o incremento de capital estrangeiro nesta atividade no país, por grandes multinacionais. “O setor do agronegócio está com um poder muito grande, aliado com o capital financeiro e internacional, das grandes corporações. Grande parte do dinheiro que até então estava sem lastro está se solidificando no Brasil. Por trás de toda a questão fundiária e do agronegócio, há um poderio econômico e político muito grande”, diz.
Ele aponta, porém, que também cresce no Congresso o número de deputados que apoiam as causas dos movimentos sociais do campo. Cresceu dentro do Congresso o número de deputados e senadores com compromisso com a realização da reforma agrária e com a agricultura familiar e camponesa. Apesar disto ser muito importante, ainda é insuficiente para enfrentar a força da bancada ruralista”.
cacique
Nísio Gomes, cacique Kaiowá Guarani desaparecido. Ausência de demarcações leva indígenas e pressionar e ocupar fazendas. A resposta dos fazendeiros é a violência| Foto: Cimi

Demarcação de terras indígenas ficou parada em 2011, aponta indigenista

“Não houve nenhuma homologação de terras indígenas neste ano”, aponta Roberto Liebgott, coordenador da regional Sul do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O indigenista atribui a paralisia à forte influência do agronegócio e de empreiteiras sobre o governo federal. “Houve uma postura de paralisar, em função das relações que o governo estabeleceu com o agronegócio, com latifundiários e com empreiteiras”, diz.
Roberto aponta que o governo está tendo apoio expresso de lideranças como a presidente da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), Kátia Abreu. “Ela escreveu um artigo dizendo que a Dilma está fazendo tudo o que eles querem”, afirma.
Ele afirma que houve uma inércia dos governistas em barrar o Código Florestal e considera que a postura do governo encoraja ações anti-indígenas, que têm ocorrido em diversas partes do país. “Inércia do governo foi mais um sinal verde de que não quer se comprometer com quilombolas, com indígenas, com a reforma agrária. Esta postura acabou referendando ações anti-indígenas, muitas delas violentas, em vários estados”, afirma.
O líder da bancada do PT na Câmara, Paulo Teixeira, atribui as dificuldades na demarcação de terras ao fato de ser o primeiro ano de Governo Dilma. Ele ressalta que o Governo Lula avançou muito nas demarcações de terra. “O Governo Lula teve um grande avanço nas demarcações, tanto que houve uma reação. Agora, é primeiro ano de governo”, diz.
Teixeira afirma que a bancada do PT vai se opor à tentativa de submeter demarcações de terra ao crivo do Congresso. Hoje, as demarcações cabem exclusivamente ao governo federal. Um projeto que tramita na Câmara quer submeter qualquer demarcação ao Congresso. “Vamos nos opor à tentativa de barrar as demarcações”, diz.
Paulo Teixeira também afirma que o governo defendeu os guarani-kaiowá no conflito recente no Mato Grosso do Sul, o que sinalizaria uma disposição do governo com a causa indígena. “No conflito mais latente, que foi no Mato Grosso do Sul, o governo esteve do lado dos indígenas”, diz.
A violência, aliás, foi outra pauta bastante recorrente no campo em 2011. Além da invasão de um acampamento indígena no Mato Grosso do Sul, outro caso emblemático foi a morte do casal de extrativistas, José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, em Nova Ipixuna, no Pará, no mês de maio.
“A violência ainda continua extremamente forte no campo. Esses fatos que tiveram mais repercussão esse ano é a prova disso”, afirma João Batista de Oliveira. O Frei Sérgio Görgen aponta que os índices de violência no campo têm diminuído, mas atribui isto à empregabilidade nas grandes cidades, que têm tirado população do campo. “A violência está mudando o caráter, está mais seletiva e apontando para causas ambientais”, avalia.

A lista dos acusados de tortura


Dos papéis de Luiz Carlos Prestes consta um relatório do Comitê de Solidariedade aos Revolucionários do Brasil, de 1976. O documento traz uma lista de 233 torturadores feita por presos políticos em 1975


  • O acervo pessoal de Luiz Carlos Prestes, que será doado por sua viúva, Maria Prestes, ao Arquivo Nacional, traz entre  cartas trocadas com os filhos e a esposa, fotografias e documentos que mostram diferentes momentos da história política do Brasil. Entre eles, o “Relatório da IV Reunião Anual do Comitê de Solidariedade aos Revolucionários do Brasil”, datado de fevereiro de 1976.
     
    Neste período Prestes vivia exilado na União Soviética e, como o documento não revela quem são os membros deste Comitê, não se pode afirmar que o líder comunista tenha participado da elaboração do relatório. De qualquer forma, é curioso encontrá-lo entre seus papéis pessoais.
     
    O documento é dividido em seis capítulos, entre eles estão “Mais desaparecidos”, “Novamente a farsa dos suicídios”, “O braço clandestino da repressão” e “Identificação dos torturadores”, que traz uma lista de 233 militares e policiais acusados de cometer tortura durante a ditadura militar. Esta lista foi elaborada em 1975, por 35 presos políticos que cumpriam pena no Presídio da Justiça Militar Federal. Na ocasião, o documento foi enviado ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Caio Mário da Silva Pereira, mas só foi noticiado pela primeira vez em junho de 1978, no semanário alternativo “Em Tempo”. Segundo o periódico, “na época em que foi escrito, o documento não teve grandes repercussões, apenas alguns jornais resumiram a descrição dos métodos de tortura”. O Major de Infantaria do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra é o primeiro da lista de torturadores, segundo o relatório. A Revista de História tentou ouvi-lo, mas segundo sua esposa, Joseita Ustra, ele foi orientado pelo advogado a não dar entrevista. “Tudo que ele tinha pra dizer está no livro dele”, diz ela, referindo-se à publicação “A verdade sufocada: a história que a esquerda não quer que o Brasil conheça” (Editora Ser, 2010).
     
    A repercussão da lista em 1978
     
    A Revista de Históriaconversou com um jornalista que integrava a equipe do “Em Tempo”.  Segundo a fonte – que prefere não ser identificada – a redação tinha um documento datilografado por presos políticos. Era uma “xerox” muito ruim do texto, reproduzido em uma página A4. Buscando obter mais informações sobre o documento, os jornalistas chegaram ao livro “Presos políticos brasileiros: acerca da repressão fascista no Brasil” (Edições Maria Da Fonte, 1976, Portugal). Depois desta lista, o “Em Tempo” publicou mais duas relações de militares acusados de cometerem tortura.
     
    Na época, a tiragem do semanário era de 20 mil exemplares, rapidamente esgotada nas bancas, batendo o recorde do jornal. A publicação fechou o tempo para o jornal, que sofreu naquela semana dois atentados. A sucursal de Curitiba foi invadida e pichada. Na parede, os vândalos deixaram a marca em spray “Os 233”. O outro atentado aconteceu na sucursal de Belo Horizonte: colocaram ácido nas máquinas de escrever. Na capital mineira, a repercussão foi maior porque os militantes de esquerda saíram em protesto a favor do jornal. O próprio “Em Tempo” publicou esses dois casos, com fotos.
     
    Os autores da lista
     
    As assinaturas dos 35 que assumem a autoria também foram publicadas no “Em Tempo”. Hamilton Pereira da Silva é um deles.  O poeta – conhecido pelo pseudônimo Pedro Tierra e hoje Secretário de Cultura do Distrito Federal – fez questão de conversar com a Revista de História sobre o assunto, afirmando que a lista não foi fechada em conjunto. Os nomes e funções dos torturadores do documento teriam sido informados pelas vítimas da violência militar em momentos distintos de suas vidas durante o cárcere.
     
    “Essas informações saíam dos presídios por meio de advogados ou familiares. A esquerda brasileira, neste período, não era unida, era formada por vários grupos isolados, que não tinham muito contato entre si por causa da repressão”, conta Tierra. “Quando a lista foi publicada no ‘Em Tempo’, eu já estava em liberdade. Sei que colaborei com dois nomes: o major, hoje reformado, Carlos Alberto Brilhante Ustra, e o capitão Sérgio dos Santos Lima – que torturava os presos enquanto ouvia música clássica”.
     
    Hamilton lembra ainda que, após a publicação da lista no periódico, a direita reagiu violentamente realizando ataques a bomba em bancas de jornal e até uma bomba na OAB, além de ameaças à sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
     
    Em 1985, já em tempos de abertura política, a equipe do projeto Brasil: Nunca mais divulgou uma lista de 444 nomes ou codinomes de acusados por presos políticos de serem torturadores. Organizado pela Arquidiocese de São Paulo, o trabalho se baseou em uma pesquisa feita em mais de 600 processos dos arquivos do Superior Tribunal Militar de 1964 a 1979. Os documentos estão digitalizados e disponíveis no site do Grupo Tortura Nunca Mais.
     
    Entre os autores da lista de acusados de tortura feita em 1975, além de Hamilton Pereira da Silva, estão outros ex-presos políticos que também assumem cargos públicos, como José Genoino Neto, ex-presidente do PT e assessor do Ministério da Defesa, e Paulo Vanucchi, ex-ministro dos Direitos Humanos e criador da comissão da verdade. Os outros autores da lista são: Alberto Henrique Becker, Altino Souza Dantas Júnior, André Ota, Antonio André Camargo Guerra, Antonio Neto Barbosa, Antonio Pinheiro Salles, Artur Machado Scavone, Ariston Oliveira Lucena, Aton Fon Filho, Carlos Victor Alves Delamonica, Celso Antunes Horta, César Augusto Teles, Diógenes Sobrosa, Elio Cabral de Souza, Fabio Oascar Marenco dos Santos, Francisco Carlos de Andrade, Francisco Gomes da Silva, Gilberto Berloque, Gilney Amorim Viana,Gregório Mendonça, Jair Borin, Jesus Paredes Soto, José Carlos Giannini, Luiz Vergatti, Manoel Cyrillo de Oliveira Netto, Manoel Porfírio de Souza, Nei Jansen Ferreira Jr., Osvaldo Rocha, Ozeas Duarte de Oliveira, Paulo Radke, Pedro Rocha Filho, Reinaldo Moreno Filho e Roberto Ribeiro Martins.
     
    A seguir, a reprodução de parte do “Relatório do Comitê de Solidariedade aos Revolucionários do Brasil”, com as páginas que trazem os 233 nomes dos acusados de praticarem tortura direta ou indiretamente.